CSM/SP: Registro de imóveis – Arrematação – Emolumentos devidos pelo ingresso de penhora – Recolhimento diferido para o momento do registro da arrematação nos termos do item 1.7 das notas explicativas – Débito que não se subroga no preço da arrematação – Exigência, porém, impertinente para o registro da arrematação – Recurso provido, com observação.


  
 

Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001657-92.2023.8.26.0441
Comarca: PERUÍBE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Registro: 2024.0000118347

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441, da Comarca de Peruíbe, em que é apelante NELSON DE SOUZA PINTO NETO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PERUÍBE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Apelante: Nelson de Souza Pinto Neto

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Peruíbe

VOTO Nº 43.012

Registro de imóveis – Arrematação – Emolumentos devidos pelo ingresso de penhora – Recolhimento diferido para o momento do registro da arrematação nos termos do item 1.7 das notas explicativas – Débito que não se subroga no preço da arrematação – Exigência, porém, impertinente para o registro da arrematação – Recurso provido, com observação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Nelson de Souza Pinto Neto contra a r. sentença de fls. 92/97, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Peruíbe, a qual considerou correta a exigência pelo recolhimento dos emolumentos devidos pela averbação e pelo cancelamento de penhora determinada no processo que originou a carta de arrematação, a qual foi apresentada a registro (matrícula n. 28.385 daquela serventia; prenotação n. 76.905).

A parte recorrente narra que apresentou a carta de arrematação, extraída do processo de autos n. 0135100-51.2009.5.15.0071, que tramita perante a Vara do Trabalho de Mogi Guaçu, sendo que o Registrador cobrou os emolumentos da averbação da penhora e do respectivo cancelamento, além dos tributos relativos ao registro da arrematação e da expedição de certidão pelos atos praticados.

Inconformada com a cobrança, a parte suscitou dúvida inversa, alegando que, por se tratar de aquisição originária, eventuais ônus ou restrições registradas anteriormente não prevalecem contra o arrematante e devem ser cancelados, tal como previsto no edital (fls. 01/03 e 100/103).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 131/134).

É o relatório.

De início, observo que, embora haja procedimento próprio para oferecimento de reclamação contra a cobrança indevida de emolumentos e despesas, na forma do artigo 30 da Lei n. 11.331/2002 e do item 73 do Capítulo XIII das NSCGJ, no caso concreto, o usuário inconformado optou pela suscitação de dúvida inversa contra exigência feita pela complementação de emolumentos para registro da arrematação, o que justifica a análise da questão pelo Conselho Superior da Magistratura.

Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO  ATUAÇÃO DO TITULAR  CARTA DE ADJUDICAÇÃO  DÚVIDA LEVANTADA  CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA  O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal  Crime de desobediência – Pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Importante consignar, por fim, que o entendimento atual é pacífico no sentido de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade  Dúvida julgada procedente – Recurso não provido, com determinação” (TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de Arrematação – Executado que é titular de direitos sobre o imóvel – Forma derivada de aquisição de direitos – Arrematação que não pode ir além dos direitos do executado – Princípio da continuidade  Dúvida procedente – Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1125920-02.2016.8.26.0100; Relator: Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 02/12/2017; DJe: 15/03/2018).

No mesmo sentido: Apelações n. 1001015-36.2019.8.26.0223, 1061979-44.2017.8.26.0100, 0018338-33.2011.8.26.0100 e 0035805-59.2010.8.26.0100, dentre outras.

No mérito, porém, o recurso deve ser provido na medida em que inexiste real obstáculo ao registro da arrematação.

Vejamos.

No caso concreto, após a qualificação do título, cálculo de custas e emolumentos foi apresentado, no total de R$ 1.492,85, incluindo: R$ 680,27 pelo registro da arrematação; R$ 273,70 pela averbação da penhora oriunda do mesmo processo em que ocorreu a arrematação; R$ 469,41 pela averbação do cancelamento da penhora e R$ 69,47 pela emissão de certidão dos atos praticados (fls. 74/75).

A penhora foi objeto da Averbação n. 3 da matrícula n. 28.385 e a cobrança dos respectivos emolumentos foi diferida para o momento da efetivação do registro da arrematação com fundamento no item 1.7 das notas explicativas da tabela própria da Lei Estadual n. 11.331/2002.

A melhor doutrina ensina que os emolumentos notariais e registrais possuem natureza jurídica de taxa (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal):

“(…) perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada emolumentos, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa…” (Carvalho, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05.06.2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG). Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:

“Direito constitucional e tributário. Custas e emolumentos:Serventias Judiciais e Extrajudiciais. Ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 7, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: Ato Normativo. (…) 4. O art.145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, se serviço público, ainda qu prestado em caráter particular (art.236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução do Tribunal de Justiça e não de Lei formal, como o exigido pela Constituição Federal…” (ADI 1444 PR, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgamento em 12/02/2003, D.J. 11/04/2003).

Diante de tal natureza jurídica, certo é que eventual isenção somente poderá ser veiculada por lei específica, conforme dispõe expressamente o artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, o que não existe para o caso concreto.

A incidência dos emolumentos é regida pela Lei Estadual n. 11.331/2002 e seu cálculo toma por base as tabelas anexas ao seu texto. No caso dos atos dos Ofícios de Registro de Imóveis deve ser seguida a tabela II, que traz a seguinte nota explicativa:

“1.7. Os emolumentos devidos pelo registro de penhora efetivada em execução trabalhista ou fiscal serão pagos a final ou quando da efetivação do registro da arrematação ou adjudicação do imóvel, pelos valores vigentes à época do pagamento”.

Não se trata, portanto, de débito tributário a ser sub-rogado no preço da arrematação, mas de débito diferido por expressa disposição legal.

Ademais, relativamente aos débitos que recaem sobre o bem alienado, o edital trouxe previsão expressa sobre a responsabilidade do arrematante pelo custo de registro perante o Cartório de Registro de Imóveis (item 2.25, “c”, fl. 52).

O cancelamento da penhora, por sua vez, envolve ato de averbação, tal como dispõe o item 2.1 das notas explicativas, com a redação dada pela Lei Estadual n. 13.290/08:

“2.1. Considera-se averbação com valor aquela referente à fusão, cisão ou incorporação de sociedades, cancelamento de direitos reais e outros gravames, bem como a que implica alteração de contrato, da dívida ou da coisa, inclusive retificação de área, neste caso tomando como base de cálculo o valor venal do imóvel”.

Verifica-se, ademais, que não se comprovou a existência de decisão judicial específica determinando a gratuidade do ato em questão.

Note-se que a Lei Estadual n. 11.331/02, ao tratar sobre a gratuidade de emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro, trouxe limitação expressa neste sentido:

“Art. 9º. São gratuitos:

I – os atos previstos em lei;

II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo” (grifo nosso).

As normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo trazem previsão idêntica (item 68, Capítulo XIII):

“São gratuitos os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados e demais títulos judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo”.

Assim, como não se trata de hipótese de isenção ou de débitos que se subrogam no preço da arrematação e não há ordem judicial de gratuidade específica afastando a incidência do tributo, não resta dúvida de que a exclusão da penhora da matrícula dependerá do pagamento pelo arrematante dos emolumentos devidos tanto por sua averbação como por seu cancelamento, o qual poderá posteriormente, pela via própria, exercer direito de regresso contra quem entenda de direito.

Por outro lado, o registro da carta de arrematação não depende do pagamento dos emolumentos devidos pela averbação da penhora nem tão pouco de seu cancelamento, notadamente quando a constrição foi determinada no mesmo processo em que ocorrida a arrematação.

Deve-se sempre privilegiar o entendimento pelo cancelamento indireto de eventuais constrições anteriormente averbadas na matrícula, ainda mais quando se trate de alienação forçada, tudo em benefício da facilitação do tráfego jurídico.

Neste sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido” (CSMSP, Apelação Cível 100157093.2016.8.26.0664, Rel. Des. Pereira Calças, j. 19.12.2017).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido” (CSMSP, Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309, Rel. Des. Pereira Calças, j. 14.03.2017).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para afastar a exigência de recolhimento complementar de emolumentos para averbação e cancelamento da penhora como requisito para o registro da arrematação, observando, porém, que, caso a parte recorrente também deseje a exclusão da penhora da matrícula, deverá arcar com os emolumentos relativos a ela, de ingresso e cancelamento, na forma do item 1.7 da Lei Estadual n. 11.331/2002.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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