CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura Pública de Compra e Venda – Desqualificação – Suposta ofensa ao princípio da especialidade objetiva não configurada – Título que permite identificar o imóvel, perfeitamente descrito – Desnecessidade de rerratificação da Escritura Pública– Óbice afastado – Apelação provida.


  
 

Apelação Cível nº 1001257-81.2021.8.26.0204

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001257-81.2021.8.26.0204
Comarca: GENERAL SALGADO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001257-81.2021.8.26.0204

Registro: 2023.0000987602

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001257-81.2021.8.26.0204, da Comarca de General Salgado, em que é apelante CLEIVA MARA ROSSI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GENERAL SALGADO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001257-81.2021.8.26.0204

APELANTE: Cleiva Mara Rossi

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de General Salgado

VOTO Nº 39.187

Registro de imóveis – Escritura Pública de Compra e Venda – Desqualificação – Suposta ofensa ao princípio da especialidade objetiva não configurada – Título que permite identificar o imóvel, perfeitamente descrito – Desnecessidade de rerratificação da Escritura Pública– Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Cleiva Mara Rossi contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de General Salgado/SP, que manteve a desqualificação da escritura pública de compra e venda lavrada em 17 de novembro de 2021, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 1.216 junto à referida serventia imobiliária (fls. 46/47).

A apelante reiterou a impugnação apresentada por ocasião da suscitação da dúvida, acrescentando que o cadastro referido na matrícula como sendo do INCRA não obedece ao número de dígitos dos respectivos cadastros e que o imóvel não está cadastrado entre os imóveis rurais de General Salgado/SP (fls. 64/65).

Sobreveio aos autos manifestação do Oficial de Registro (fls. 106/108).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 111/115).

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de venda e compra lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de General Salgado/SP, em 17 de novembro de 2021 (fls. 09/12). Seu ingresso no fólio real foi recusado pelo Oficial que, na nota devolutiva expedida, exigiu a retificação da escritura “para constar o número do INCRA (608.041.008.133)”, assim como apresentar o “comprovante da última declaração do ITR para o devido cálculo emolumentar art. 22, da lei nº 4947/66; e CCIR art. 22, da lei n. 4947/66; ou descaracterização deste perante o INCRA” (fls. 08). Ao suscitar a presente dúvida, o registrador justificou a qualificação negativa do título alegando que haveria ofensa ao princípio da especialidade objetiva, uma vez que o imóvel foi deficientemente caracterizado na medida em que um de seus números cadastrais fora omitido (fls. 01/03).

A despeito do óbice apresentado pelo Oficial de Registro de Imóveis, confirmado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, é possível o registro stricto sensu da escritura pública, como rogado.

Para o direito registrário, não basta que o imóvel objeto de inscrição seja determinado; é preciso que seja especializado, ou seja, que seja descrito:

“Primeiramente, observe-se que especializar, para o sistema registral, não é o mesmo que determinar o ente individuado (tratese aqui de pessoas, fatos ou coisas). Com efeito, é de todo possível determinar sem especializar: pode dizer-se que um dado imóvel se designe ‘Fazenda Carlos de Laet’; outro, ‘Chácara Imperador Felipe II’; e esses imóveis poderão estar determinados para o registro, suposto que sociologicamente se reconheçam de modo notório (com notoriedade quoad se). E, no entanto, podem não ter, no registro, medidas de contorno, indicação de superfície, lugar ubi, parâmetros referenciais, figura, etc. Ou seja, estão determinados, mas não estão especializados.

Determinar é identificar; já especializar é individualizar de maneira característica, visando a distinguir, demarcar, estremar o ente individual […].

Todavia, se impossível é definir o ente individual, já o mesmo não se passa com sua descrição. E descrevê-lo é exatamente indicar algo singular dentro de sua especialidade, enunciar aquilo que o torna indivíduo no âmbito da espécie, ou seja, aquilo que lhe dá uma natureza concreta indivídua.” (Ricardo Dip, Registro de Imóveis (princípios), tomo II, Descalvado: Primvs, 2018, p. 9-10, n. 240, grifos do autor).

O meio técnico de fazer essa descrição é o apontado pelas normas vigentes, em especial pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 176, § 1º, inciso II, 3, e 225. Confira-se, em particular:

“Art. 176. […]

§ 1º. A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:

I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro ato de registro ou de averbação caso a transcrição possua todos os requisitos elencados para a abertura da matrícula;

II – são requisitos da matrícula:

[…]

3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:

a – se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;

b – se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.”

Isso vem explicitado pelas Normas dos Serviços Extrajudiciais, Tomo II, Capítulo XX, itens 57 a 60, 63 a 67, 69 e 70.

Dentre essas orientações, vale destacar:

“57. A identificação e caracterização do imóvel compreendem:

I – se urbano:

a) a localização e nome do logradouro para o qual faz frente;

b) o número, quando se tratar de prédio; ou, sendo terreno, se fica do lado par ou ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima; ou número do lote e da quadra, se houver;

c) a designação cadastral, se houver.

II – se rural, o código do imóvel e os dados constantes do CCIR, a localização e denominação;

III – o distrito em que se situa o imóvel;

IV – as confrontações, inadmitidas expressões genéricas, tais como “com quem de direito”, ou “com sucessores” de determinadas pessoas, que devem ser excluídas, se existentes no registro de origem, indicando-se preferencialmente os imóveis confinantes e seus respectivos registros.

V – a área do imóvel.”

Veja-se, ademais, que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Tomo II, Capítulo XX, preveem que:

“121. Serão averbadas a alteração de destinação do imóvel, de rural para urbano, bem como a mudança da zona urbana ou de expansão urbana do Município, quando altere a situação do imóvel.”

No caso concreto, na matrícula nº 1.216 (fls. 22/32), o imóvel está assim descrito: “UM TERRENO com área de sete mil, quatrocentos e sessenta metros quadrados (7.460,00m²) (…), encravado no imóvel geral denominado FAZENDA LIMOEIRO”, situado neste município e comarca, com denominação especial de “CHÁCARA LIMOEIRO, confrontando nos fundos com Osvaldo Marques, por um lado e cabeceira com Cecilia Castilho, por outro lado com Carmelo Cesar, sucessor de Antonio Silvino Pereira Filho (…)”. Consta da referida matrícula, ainda, que “no imóvel existem as benfeitorias seguintes: UMA CASA DE TIJOLOS E TELHAS TIPO FRANCESAS, PAIOL, CHIQUEIRO e outras de somenos importância (…)” (AV-11-1.216), sendo que “passou a pertencer ao perímetro urbano” da cidade, como “comprova cópia da Lei nº 1.481, de 10 de dezembro de 1990” (AV-12-1.216), encontrando-se “cadastrado como ‘LOTE) 01.0 QUADRA 13 SETOR 48′, conforme comprova Certidão expedida pela Prefeitura Municipal local, sob nº 315/2000, e localizado na Rua Projetada” (AV-13-1.216), nele tendo sido edificado um prédio residencial “de 245,28 metros quadrados de construção, conforme comprova Certidão nº 315/2000; Auto de Conclusão nº 025/2000; Habite-se nº 025/2000 expedidos pela municipalidade local (…)”, que “levou (…) o nº 110” (AV-14-1.216).

De outro lado, na escritura pública apresentada a registro (fls. 09/12), o imóvel objeto da venda e compra, matriculado sob nº 1.216 junto ao Registro de Imóveis local, foi descrito como: “UM TERRENO com área de sete mil, quatrocentos e sessenta metros quadrados (7.460,00m²), encravado no imóvel geral denominado FAZENDA LIMOEIRO, situado neste município e comarca, confrontando nos fundos com Osvaldo Marques, por um lado e cabeceira com Cecília Castilho, por outro lado com Carmelo Coser, sucessor de Antonio Silvino Pereira Filho, contendo uma casa de tijolos e telhas tipo francesas, paiol e chiqueiro. Consta como endereço de localização do imóvel a Rua Projetada, n.º 110 – Sede.” CADASTRO MUNICIPAL N.º 4813010. Imóvel este bem descrito e caracterizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis e na matrícula acima referidos” (…).

Como se vê, no título há menção ao logradouro em que localizado, seu número e atual designação cadastral, bem como às confrontações e sua área, tudo em consonância ao que consta da respectiva matrícula.

Por conseguinte, não se justifica a exigência de rerratificação da escritura de compra e venda para inclusão do número de cadastro originariamente existente junto ao INCRA, certo que não se mostra configurada ofensa ao princípio da especialidade objetiva na medida em que afastada qualquer possibilidade de erro referente ao imóvel que, como dito, encontra-se perfeitamente descrito.

Ademais, tal como averbado no fólio real, o imóvel, por força da Lei Municipal nº 1.481, de 10 de dezembro de 1990, passou a pertencer ao perímetro urbano da cidade, o que é corroborado pelas certidões a fls. 13 e 14 que, de seu turno, confirmam sua inscrição junto aos cadastros municipais para fins de IPTU e definição do respectivo valor venal que, se o caso, poderá servir de parâmetro para o cálculo dos emolumentos devidos. A propósito, a averbação do número cadastral atual na matrícula poderá ser feita por ocasião do registro da escritura, ou posteriormente, assim como o descredenciamento do imóvel junto ao INCRA que, por ora, não impede o registro da escritura de compra e venda em questão.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo para, afastado o óbice registral, julgar improcedente a dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 19.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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