Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000821-42.2016.8.26.0352
Comarca: MIGUELÓPOLIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352
Registro: 2024.0000515601
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352, da Comarca de Miguelópolis, em que é apelante BANCO DO BRASIL S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIGUELÓPOLIS-SP.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 6 de junho de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000821-42.2016.8.26.0352
Apelante: Banco do Brasil S.a
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Miguelópolis-sp
VOTO Nº 43.426
Registro de imóveis – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – Impossibilidade – Título apresentado antes da vigência da lei nº 14.421/2022, que revogou o Parágrafo Único do art. 61 do Decreto-Lei Nº 167/67 – Análise do caso de acordo com a lei vigente ao tempo da prenotação – Tempus Regit Actum – Precedentes desse Conselho – Apelação desprovida.
Trata-se de apelação interposta pelo BANCO DO BRASIL S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Miguelópolis, que, em procedimento de dúvida, manteve a recusa de registro da Cédula de Crédito Bancário de nº 40/06124-8, emitida em 17/03/2016 por Augusto Barbar Silva.
De acordo com a sentença recorrida, a dissociação entre o prazo da garantia e o prazo do vencimento da obrigação garantida fere a legislação de regência, tese reconhecida em diversos precedentes do Conselho Superior da Magistratura (fls. 61/63).
O Banco do Brasil, instituição financeira que concedeu o crédito ao apresentante, requer a reforma da r. sentença, com o ingresso do título no fólio real (fls. 71/90).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 101/102).
Por meio da r. decisão de fls. 106, determinou-se a redistribuição do recurso de apelação ao Conselho Superior da Magistratura.
É o relatório.
O emitente Augusto Barbar Silva apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de Miguelópolis a Cédula de Crédito Bancário de nº 40/06124-8, datada de 17/03/2016, negociada com o Banco do Brasil S/A, no valor total de R$ 334.095,52.
Por meio dela se obrigou ao pagamento de todas as obrigações ali contidas, sem prejuízo da exigibilidade das parcelas de crédito, ou da parcela única, de cada ciclo financiado, conforme pactuado na respectiva cláusula “Forma de Pagamento” e seu parágrafo primeiro (fls. 07).
O prazo de vencimento da referida cédula é 18/03/2021 (fls. 06). Além disso, o emitente/apresentante também se obrigou ao pagamento ao credor hipotecário dos valores correspondentes ao resultado da divisão do saldo devedor do ciclo financiado em quatro parcelas, com vencimentos em 20/05/2017, 20/06/2017, 20/07/2017 e 20/08/2017.
O título, que foi prenotado sob o nº 63.966, foi desqualificado, em virtude da dissociação entre o prazo da garantia e o prazo de vencimento da obrigação.
Após a manifestação do Ministério Publico (fls. 32/35), foi proferida a r. sentença de fls. 61/63 que endossou “a qualificação negativa do título de crédito em referência ante a inobservância dos requisitos legais, mantendo-se, por via de consequência, a proibição registrária. ” (fls. 63).
O apelante, Banco do Brasil S/A, instituição creditícia, pretende, em síntese, seja o título considerado apto ao registro, aduzindo: (i) que não há vedação legal expressa quanto à prorrogação pré-ajustada do penhor; (ii) a validade da cláusula contratual, por meio da qual se previu o vencimento do título com data posterior ao vencimento da obrigação, nos termos da Resolução nº 4.106/12 do Banco Central (instituto da renovação simplificada do crédito); (iii) que o crédito rural é regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional, por meio do artigo 9º da Lei nº 4.595/64 e das resoluções dele advindas, em especial Resolução nº 3.986 de 30/06/2011 e Manual de Crédito Rural de 02/07/2014; (iv) que o fato da cédula conter vencimento final único (18/03/2021) e a cláusula que rege a forma de pagamento contemplar o vencimento das obrigações em datas diversas (20/05/2017, 20/06/2017, 20/07/2017 e 20/08/2017) não significa que existem duas datas de vencimento, porque, de acordo com o instituto da renovação simplificada e, caso atendidas as condições, esse vencimento será postergado para outro ciclo produtivo, por meio de aditivos ou anotação na própria cédula, respeitado o prazo de vencimento final supracitado; (v) que a manutenção da recusa fere os princípios da conservação dos negócios jurídicos, da boa-fé contratual e do direito disponível, prejudicando, em especial, o devedor, que foi favorecido com a dilação do prazo de vencimento e a redução das taxas de juros.
Respeitados os argumentos, a apelação não deve ser provida.
Esclarece-se, de início, que a análise do caso se fará de acordo com a lei vigente ao tempo da apresentação do título ao Registro de Imóveis, sem considerar, portanto, a recente alteração do Decreto-lei nº 167/67 pela Lei nº 14.421, de 20/7/2022 (também conhecida como “Nova Lei do Agro”), que, entre outras mudanças, revogou o parágrafo único do artigo 61.
Assim dispunha o artigo 61 do Decreto-lei 167/67:
Art. 61. O prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário não excederá o prazo da obrigação garantida e, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.
Parágrafo único. A prorrogação do penhor rural, inclusive decorrente de prorrogação da obrigação garantida prevista no caput, ocorre mediante averbação à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor.
O artigo 1.439 do Código Civil igualmente estabelece que os prazos do penhor agrícola ou pecuário não podem ser superiores aos prazos das obrigações garantidas:
Art. 1.439. O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores aos das obrigações garantidas.
§ 1º Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.
§ 2º A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor.
Na espécie, a cédula de crédito bancário contraria os expressos termos da lei porque ostenta prazo de vencimento diverso do prazo da obrigação garantida. O vencimento da obrigação foi previsto para o dia 18 de março de 2021 (“FORMA DE PAGAMENTO”, fls. 7), mas o vencimento da última prestação devida pela obrigação garantida estava estabelecido para 20 de agosto de 2017 (“FORMA DE PAGAMENTO, PARÁGRAFO PRIMEIRO”, fls. 7).
E não vinga a justificativa apresentada pelo apelante para a divergência entre as datas de vencimento, ou seja, existência de previsão contratual da possibilidade de Renovação Simplificada de Crédito (fls. 8), conforme Resolução BACEN nº 3.986, de 30/6/2011, e correspondente Manual de Crédito Rural, de 2/7/2014. Isso porque os atos normativos do Banco Central não se sobrepõem ao Código Civil nem ao Decreto-lei 167/67, que, editado ao tempo da Constituição Federal de 1946, tem força de lei ordinária.
Nesse sentido, é a jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura, valendo destacar:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente para manter a recusa do registro. Cédula rural pignoratícia. Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação. Impossibilidade. Precedentes deste Col. Conselho Superior da Magistratura. Apelação não provida.
(…)
Verifica-se, desse modo, que a dissonância entre a data de vencimento da cédula e a data de vencimento das obrigações tem como causa a previsão contratual de possibilidade da concessão de novo financiamento que será diverso daquele objeto da obrigação inicialmente garantida, visando o custeio de atividade agropecuária, hipótese que não se coaduna com a vedação legal de previsão de vencimento da cédula com prazo que excede o da obrigação atualmente garantida.
Essa vedação, por seu turno, não é afastada por normas do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional sobre a possibilidade de concessão de novo crédito mediante Renovação Simplificada, porque não se sobrepõem à legislação aplicável” (Apelação nº 1000824-94.2016.8.26.0352, data de julgamento: 31/08/2018, Relator Desembargador Pinheiro Franco, Corregedor Geral da Justiça).
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – Impossibilidade – Precedentes desse Conselho – Apelação desprovida.
(…)
Desta feita, contraria os expressos termos da lei a emissão de cédula de crédito rural pignoratícia cujo prazo de vencimento seja superior ao da obrigação garantida. Frise-se que as redações de ambas as normas foram atribuídas pela Lei 12.873/13, afastando debates preteritamente havidos acerca da recepção do texto original do art. 61 da Lei 167/67, pela Carta Magna de 1988.
Na hipótese dos autos, a cédula de crédito rural levada a registro tem vencimento em 19/9/19. As obrigações garantidas pelo penhor, todavia, vencem-se antes (15/3/16), é dizer, cerca de quarenta e dois meses antes do vencimento da cédula de crédito rural.
Incide, pois, a vedação explicitamente traçada pelos artigos retrocompilados. De todo ilegal a prática de renovação automática de crédito, garantida por cédula rural pignoratícia, como pretendido pelo recorrente em voga. Note-se que a situação subsume-se a óbice expressamente veiculado por lei ordinária, que, à evidência, sobrepõe-se hierarquicamente a eventuais resoluções ou recomendações de órgãos gestores do sistema financeiro pátrio” (Apelação nº 1020505-04.2014.8.26.0196, data de julgamento: 29/09/2017, Relator Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça).
Por oportuno, anote-se que a antiga divergência sobre a recepção do texto original do artigo 61 do Decreto-lei nº 167/67 está superada, porque sua redação foi modificada pela Lei nº 12.873/13, que também alterou a redação do artigo 1.439 do Código Civil. Além disso, mais recentemente, o primeiro dispositivo legal mencionado foi novamente alterado pela Lei nº 14.421/22.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 17.06.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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