CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – Impossibilidade – Título apresentado antes da vigência da lei nº 14.421/2022, que revogou o Parágrafo Único do art. 61 do Decreto-Lei Nº 167/67 – Análise do caso de acordo com a lei vigente ao tempo da prenotação – Tempus Regit Actum – Precedentes desse Conselho – Apelação desprovida.

Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000821-42.2016.8.26.0352
Comarca: MIGUELÓPOLIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352

Registro: 2024.0000515601

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000821-42.2016.8.26.0352, da Comarca de Miguelópolis, em que é apelante BANCO DO BRASIL S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIGUELÓPOLIS-SP.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 6 de junho de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000821-42.2016.8.26.0352

Apelante: Banco do Brasil S.a

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Miguelópolis-sp

VOTO Nº 43.426

Registro de imóveis – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – Impossibilidade – Título apresentado antes da vigência da lei nº 14.421/2022, que revogou o Parágrafo Único do art. 61 do Decreto-Lei Nº 167/67 – Análise do caso de acordo com a lei vigente ao tempo da prenotação – Tempus Regit Actum – Precedentes desse Conselho – Apelação desprovida.

Trata-se de apelação interposta pelo BANCO DO BRASIL S/A contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Miguelópolis, que, em procedimento de dúvida, manteve a recusa de registro da Cédula de Crédito Bancário de nº 40/06124-8, emitida em 17/03/2016 por Augusto Barbar Silva.

De acordo com a sentença recorrida, a dissociação entre o prazo da garantia e o prazo do vencimento da obrigação garantida fere a legislação de regência, tese reconhecida em diversos precedentes do Conselho Superior da Magistratura (fls. 61/63).

O Banco do Brasil, instituição financeira que concedeu o crédito ao apresentante, requer a reforma da r. sentença, com o ingresso do título no fólio real (fls. 71/90).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 101/102).

Por meio da r. decisão de fls. 106, determinou-se a redistribuição do recurso de apelação ao Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

O emitente Augusto Barbar Silva apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de Miguelópolis a Cédula de Crédito Bancário de nº 40/06124-8, datada de 17/03/2016, negociada com o Banco do Brasil S/A, no valor total de R$ 334.095,52.

Por meio dela se obrigou ao pagamento de todas as obrigações ali contidas, sem prejuízo da exigibilidade das parcelas de crédito, ou da parcela única, de cada ciclo financiado, conforme pactuado na respectiva cláusula “Forma de Pagamento” e seu parágrafo primeiro (fls. 07).

O prazo de vencimento da referida cédula é 18/03/2021 (fls. 06). Além disso, o emitente/apresentante também se obrigou ao pagamento ao credor hipotecário dos valores correspondentes ao resultado da divisão do saldo devedor do ciclo financiado em quatro parcelas, com vencimentos em 20/05/2017, 20/06/2017, 20/07/2017 e 20/08/2017.

O título, que foi prenotado sob o nº 63.966, foi desqualificado, em virtude da dissociação entre o prazo da garantia e o prazo de vencimento da obrigação.

Após a manifestação do Ministério Publico (fls. 32/35), foi proferida a r. sentença de fls. 61/63 que endossou “a qualificação negativa do título de crédito em referência ante a inobservância dos requisitos legais, mantendo-se, por via de consequência, a proibição registrária. ” (fls. 63).

O apelante, Banco do Brasil S/A, instituição creditícia, pretende, em síntese, seja o título considerado apto ao registro, aduzindo: (i) que não há vedação legal expressa quanto à prorrogação pré-ajustada do penhor; (ii) a validade da cláusula contratual, por meio da qual se previu o vencimento do título com data posterior ao vencimento da obrigação, nos termos da Resolução nº 4.106/12 do Banco Central (instituto da renovação simplificada do crédito); (iii) que o crédito rural é regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional, por meio do artigo 9º da Lei nº 4.595/64 e das resoluções dele advindas, em especial Resolução nº 3.986 de 30/06/2011 e Manual de Crédito Rural de 02/07/2014; (iv) que o fato da cédula conter vencimento final único (18/03/2021) e a cláusula que rege a forma de pagamento contemplar o vencimento das obrigações em datas diversas (20/05/2017, 20/06/2017, 20/07/2017 e 20/08/2017) não significa que existem duas datas de vencimento, porque, de acordo com o instituto da renovação simplificada e, caso atendidas as condições, esse vencimento será postergado para outro ciclo produtivo, por meio de aditivos ou anotação na própria cédula, respeitado o prazo de vencimento final supracitado; (v) que a manutenção da recusa fere os princípios da conservação dos negócios jurídicos, da boa-fé contratual e do direito disponível, prejudicando, em especial, o devedor, que foi favorecido com a dilação do prazo de vencimento e a redução das taxas de juros.

Respeitados os argumentos, a apelação não deve ser provida.

Esclarece-se, de início, que a análise do caso se fará de acordo com a lei vigente ao tempo da apresentação do título ao Registro de Imóveis, sem considerar, portanto, a recente alteração do Decreto-lei nº 167/67 pela Lei nº 14.421, de 20/7/2022 (também conhecida como “Nova Lei do Agro”), que, entre outras mudanças, revogou o parágrafo único do artigo 61.

Assim dispunha o artigo 61 do Decreto-lei 167/67:

Art. 61. O prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário não excederá o prazo da obrigação garantida e, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.

Parágrafo único. A prorrogação do penhor rural, inclusive decorrente de prorrogação da obrigação garantida prevista no caput, ocorre mediante averbação à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor.

O artigo 1.439 do Código Civil igualmente estabelece que os prazos do penhor agrícola ou pecuário não podem ser superiores aos prazos das obrigações garantidas:

Art. 1.439. O penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores aos das obrigações garantidas.

§ 1º Embora vencidos os prazos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem.

§ 2º A prorrogação deve ser averbada à margem do registro respectivo, mediante requerimento do credor e do devedor.

Na espécie, a cédula de crédito bancário contraria os expressos termos da lei porque ostenta prazo de vencimento diverso do prazo da obrigação garantida. O vencimento da obrigação foi previsto para o dia 18 de março de 2021 (“FORMA DE PAGAMENTO”, fls. 7), mas o vencimento da última prestação devida pela obrigação garantida estava estabelecido para 20 de agosto de 2017 (“FORMA DE PAGAMENTO, PARÁGRAFO PRIMEIRO”, fls. 7).

E não vinga a justificativa apresentada pelo apelante para a divergência entre as datas de vencimento, ou seja, existência de previsão contratual da possibilidade de Renovação Simplificada de Crédito (fls. 8), conforme Resolução BACEN nº 3.986, de 30/6/2011, e correspondente Manual de Crédito Rural, de 2/7/2014. Isso porque os atos normativos do Banco Central não se sobrepõem ao Código Civil nem ao Decreto-lei 167/67, que, editado ao tempo da Constituição Federal de 1946, tem força de lei ordinária.

Nesse sentido, é a jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura, valendo destacar:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente para manter a recusa do registro. Cédula rural pignoratícia. Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação. Impossibilidade. Precedentes deste Col. Conselho Superior da Magistratura. Apelação não provida.

(…)

Verifica-se, desse modo, que a dissonância entre a data de vencimento da cédula e a data de vencimento das obrigações tem como causa a previsão contratual de possibilidade da concessão de novo financiamento que será diverso daquele objeto da obrigação inicialmente garantida, visando o custeio de atividade agropecuária, hipótese que não se coaduna com a vedação legal de previsão de vencimento da cédula com prazo que excede o da obrigação atualmente garantida.

Essa vedação, por seu turno, não é afastada por normas do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional sobre a possibilidade de concessão de novo crédito mediante Renovação Simplificada, porque não se sobrepõem à legislação aplicável” (Apelação nº 1000824-94.2016.8.26.0352, data de julgamento: 31/08/2018, Relator Desembargador Pinheiro Franco, Corregedor Geral da Justiça).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Prazo de garantia dissociado do prazo de vencimento da obrigação – Impossibilidade – Precedentes desse Conselho – Apelação desprovida.

(…)

Desta feita, contraria os expressos termos da lei a emissão de cédula de crédito rural pignoratícia cujo prazo de vencimento seja superior ao da obrigação garantida. Frise-se que as redações de ambas as normas foram atribuídas pela Lei 12.873/13, afastando debates preteritamente havidos acerca da recepção do texto original do art. 61 da Lei 167/67, pela Carta Magna de 1988.

Na hipótese dos autos, a cédula de crédito rural levada a registro tem vencimento em 19/9/19. As obrigações garantidas pelo penhor, todavia, vencem-se antes (15/3/16), é dizer, cerca de quarenta e dois meses antes do vencimento da cédula de crédito rural.

Incide, pois, a vedação explicitamente traçada pelos artigos retrocompilados. De todo ilegal a prática de renovação automática de crédito, garantida por cédula rural pignoratícia, como pretendido pelo recorrente em voga. Note-se que a situação subsume-se a óbice expressamente veiculado por lei ordinária, que, à evidência, sobrepõe-se hierarquicamente a eventuais resoluções ou recomendações de órgãos gestores do sistema financeiro pátrio” (Apelação nº 1020505-04.2014.8.26.0196, data de julgamento: 29/09/2017, Relator Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça).

Por oportuno, anote-se que a antiga divergência sobre a recepção do texto original do artigo 61 do Decreto-lei nº 167/67 está superada, porque sua redação foi modificada pela Lei nº 12.873/13, que também alterou a redação do artigo 1.439 do Código Civil. Além disso, mais recentemente, o primeiro dispositivo legal mencionado foi novamente alterado pela Lei nº 14.421/22.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 17.06.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

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Escritura de Confissão de Dívida. Garantia real – ausência. Direito obrigacional. Registro inviável.

TJRJ. CM. Processo n. 0057501-11.2017.8.19.0001, Comarca da Capital, Relatora Desa. Ana Maria Pereira de Oliveira, julgado em 09/05/2024 e publicado em 14/05/2024.

EMENTA OFICIAL: REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 9º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. PRETENSÃO DE REGISTRO DE ESCRITURA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E OUTROS PACTOS. ATO REGISTRAL OBSTADO. CONTRATO DE CONFISSÃO DE DÍVIDA SEM GARANTIA REAL NÃO É OBJETO DE REGISTRO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. PARECER DA DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA QUE NÃO ADMITE DILAÇÃO PROBATÓRIA E VISA SOMENTE VERIFICAR A PERTINÊNCIA OU NÃO DAS EXIGÊNCIAS FORMULADAS, NA DICÇÃO DO COMANDO DO ENUNCIADO Nº 03 DESTE CONSELHO DA MAGISTRATURA, EM MATÉRIA DE REGISTROS PÚBLICOS. CONTRATO REPRESENTATIVO DE DIREITOS MERAMENTE OBRIGACIONAIS – PRINCÍPIO DA TIPICIDADE DOS DIREITOS REAIS. ART. 167 DA 6.015/1973 QUE POSSUI ROL TAXATIVO. REGISTRO PRETENDIDO QUE NÃO SE MOSTRA POSSÍVEL, POIS NÃO REPRESENTA MUTAÇÃO DO IMÓVEL OU DIREITO INSCRITO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO, NEM DIZ RESPEITO A DIREITO PESSOAL A QUE A LEI ATRIBUA EFICÁCIA REAL. CORRETA A CONDUTA DO REGISTRADOR. INVIABILIDADE DO REGISTRO. VIOLAÇÃO DOS PRECEITOS DA LEI 6.015/1973. PRECEDENTES DESTE E. CONSELHO DA MAGISTRATURA. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA, EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJRJ. CM. Processo n. 0057501-11.2017.8.19.0001, Comarca da Capital, Relatora Desa. Ana Maria Pereira de Oliveira, julgado em 09/05/2024 e publicado em 14/05/2024)Veja a íntegra.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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Mandado de segurança – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Fato gerador do ITBI se dá com o efetivo registro no respectivo cartório – Cessão de direitos não tem o condão de ser hipótese de incidência de imposto – Direito ao registro da Cessão de Direitos sem o recolhimento do ITBI – Precedentes deste Tribunal, do STJ e do STF – Sentença mantida – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1047359-95.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, são apelados ANDRÉA PEREZ ALVES, LÚCIA PEREZ ALVES, PAULO JOSE PEREZ ALVES, PAULO PERSIO DO VALLE ALVES (E OUTROS(AS)) e CRISTINA LÚCIA PEREZ ALVES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores OCTAVIO MACHADO DE BARROS (Presidente sem voto), REZENDE SILVEIRA E GERALDO XAVIER.

São Paulo, 5 de abril de 2023.

MÔNICA SERRANO

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1047359-95.2022.8.26.0053 – São Paulo

APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

APELADOS: ANDRÉA PEREZ ALVES, LÚCIA PEREZ ALVES, PAULO JOSE PEREZ ALVES, PAULO PERSIO DO VALLE ALVES E CRISTINA LÚCIA PEREZ ALVES

INTERESSADO: SECRETARIO DE FINANÇAS DO MUNICIPIO DE SAO PAULO

VOTO Nº 23615

MANDADO DE SEGURANÇA – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) – Fato gerador do ITBI se dá com o efetivo registro no respectivo cartório – Cessão de direitos não tem o condão de ser hipótese de incidência de imposto – Direito ao registro da Cessão de Direitos sem o recolhimento do ITBI – Precedentes deste Tribunal, do STJ e do STF – Sentença mantida – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação interposta contra sentença que, em mandado de segurança, concedeu a ordem “para o fim de afastar a cobrança do ITBI sobre a cessão de direitos à aquisição do imóvel, descrita na inicial, enquanto pendente o seu registro na matrícula respectiva”.

Sustenta a apelante, em síntese, que i) o ITBI, nos termos do art. 156, inc. II, da CF/88, incide sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis, sobre os direitos reais sobre estes e na cessão de direitos à sua aquisição; ii) a legislação municipal repete o texto constitucional e prevê expressamente a incidência de ITBI na cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda; iii) o ITBI incide sobre qualquer ato negocial que tenha conteúdo econômico a revele a capacidade contributiva; iv) a incidência tributária não depende necessariamente da formalidade adotada na prática do ato, de modo que possível a exigência do imposto antes do registro da escritura pública na matrícula do imóvel . Subsidiariamente, requer que o ITBI seja exigido no momento do registro imobiliário da escritura pública de cessão de direitos. Com tais argumentos, pugna pela improcedência da ação.

Recurso tempestivo e isento de preparo.

Contrarrazões às fls. 145/151.

É o relatório.

A questão jurídica a ser enfrentada neste processo referese ao momento de ocorrência do fato gerador do ITBI, concluindo-se, pois, se o caso em tela representa hipótese de exigência tributária do imposto, em se tratando de cessão de direitos aquisitivos por instrumento particular (fls. 32/35).

Como sabido, o ITBI é um imposto de competência municipal previsto no artigo 156, II, da Constituição Federal, cujo fato gerador se dá com a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.

O Código Tributário Nacional, por sua vez, houve por bem especificar as três hipóteses nas quais haverá a incidência de referido tributo. Assim, em seu artigo 35 fez previsão de que:

Art. 35: O imposto, de competência dos Estados (leia-se dos Municípios e Distrito Federal), sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II;

Alega a municipalidade que a mera transferência de direitos aquisitivos seria uma verdadeira hipótese de incidência do tributo em questão. Insta mencionar que o Direito Tributário, assim como qualquer outro ramo do Direito, não pode se autodeclarar absolutamente autônomo. Não fosse isso verdade, o Código Tributário Nacional não teria disposto no seu artigo 110 que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. Logo, pela letra da lei, o ramo do Direito Tributário não apenas interessa-se pelos efeitos e requisitos civis, como está a eles vinculado. A interpretação de uma norma deve ser feita com base em todo ordenamento jurídico.

Acrescenta-se também que o que se tributa com o ITBI é a transmissão do bem imóvel de uma pessoa a outra por meio de (a) transmissão de propriedade; (b) transmissão de direitos reais e; (c) cessão de direitos de propriedade ou direitos reais. E, conforme a lei civil e a jurisprudência deste Tribunal, apenas poderão ser considerados fatos geradores do ITBI a transferência imobiliária devidamente registrada em Cartório de Registro de Imóveis.

Nesse sentido, dispõe o artigo 1227, do Código Civil que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o Registro no Cartório de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1245 a 1247, salvo os casos expressos neste Código). Também nesse sentido, o artigo 1245, caput e § 1º, afirma que:

Art. 1245, caput: Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1º: Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono imóvel.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento neste sentido:

Tributário. Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Fato Gerador. Registro no Cartório Imobiliário. Súmula 83 /STJ. 1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade com a Lei Civil, com o registro no cartório imobiliário (RMS 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 04.09.2000). 2. Não se conhece de recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no Agravo de Instrumento nº 717.187-DF Segunda Turma Rel. Ministro Castro Meira, j. em 14/03/2006).

A partir destas mesmas considerações, este E. Tribunal de Justiça de São Paulo vem entendendo, tanto nos casos de cessão de direitos como os de compromisso de compra e venda, não podem ser considerados fatos geradores do ITBI quando não houver registro no Cartório de Registro de Imóveis. Confira-se:

Apelação. Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis. Escritura pública de cessão de direitos sobre imóvel. Alegação de não incidência do tributo. Procedência. Fato gerador. Registro imobiliário da transmissão da propriedade. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Recurso provido. O imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis incide sobre a transmissão, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade imóvel por natureza ou por acessão física, e de direitos reais, exceto os de garantia, bem como sobre a cessão de direitos a sua aquisição (artigo 156, II, da Magna Carta). O fato gerador do imposto é o registro imobiliário da transmissão da propriedade. Só com o registro é possível a exação. O entendimento aqui esposado conta com o beneplácito do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. Somente após o registro, incide a exação. 2. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo. 3. Agravo regimental desprovido.” (agravo regimental no agravo de instrumento 448.245/DF, relator Ministro Luiz Fux). Oportuno citar, sobre a exigência de pagamento de ITBI antes do registro do título translativo da propriedade, o ensinamento de Kiyoshi Harada: (…) Convém ressaltar, que a transmissão da propriedade imobiliária só se opera com o registro do título de transferência no registro de imóveis competente, segundo o art. 1.245 do Código Civil, que assim prescreve: ‘Transfere-se entre vivos a propriedade mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis.’ O § 1º desse artigo dispõe enfaticamente que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Portanto, a exigência do imposto antes da lavratura da escritura de compra e venda ou do contrato particular, quando for o caso, como consta da maioria das legislações municipais, é manifestamente inconstitucional. Esse pagamento antecipado do imposto não teria amparo no § 7º do art. 150 da CF, que se refere à atribuição ao ‘sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido’. Por isso, o STJ já pacificou sua jurisprudência no sentido de que o ITBI deve incidir apenas sobre transações registradas em cartório, que impliquem efetiva transmissão da propriedade imobiliária (Resp 1.066, 253364, 12.546, 264064, 57.641; AGA 448.245; ROMS 10.650). Curvamo-nos à jurisprudência remansosa do STJ, reformulando nosso ponto de vista anterior, quer porque inaplicável o § 7º do art. 150 da CF em relação ao ITBI, quer porque o fato gerador desse imposto, eleito pelo art. 35, II, do CTN em obediência ao disposto no art. 156, II, da CF, é uma situação jurídica, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária.” (Direito Tributário Municipal, segunda edição, São Paulo: Atlas, página 100). Bem assentado, pois, que o registro do título translativo da propriedade é condição sine qua non para que se exija o pagamento do imposto. No caso vertente, todavia, o município está a exigir o imposto sobre a cessão de instrumento particular de compromisso de compra e venda. Patente, portanto, a ilegitimidade da exação contra a qual se insurge a impetrante. A esta cumpre dar razão. Posto isso, dá-se provimento ao apelo: concede-se a segurança e reconhece-se à impetrante o direito líquido e certo de não recolher, por ocasião de retificação da lavratura de escritura pública de “cessão de direitos de contrato de compromisso de venda e compra”, imposto sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis. As custas serão suportadas pelo impetrado. Descabida condenação ao pagamento de honorários advocatícios (artigo 25 da Lei 12.016/09). (Apelação nº 0115601-11.2010.8.26.0000, relatoria do Des. Geraldo Xavier, 14ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, julgado em 28/08/2014).

APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITBI – Hipótese de incidência – Transferência da propriedade ou outros direitos reais sobre bens imóveis – Cessão de posse – Negócio jurídico que não atrai a incidência do imposto – Posse é situação de fato que não se confunde com o conceito de direito real – RECURSO DESPROVIDO. (Apelação 1000896-08.2016.8.26.0247; Relator Henrique Harris Júnior; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 22/02/2018; Data de Registro: 02/03/2018).

APELAÇÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – ITBI – Cessão de direitos – O ITBI é exigível no momento do registro da venda e compra – Mera cessão de direitos não caracteriza fato gerador – Sentença que julgou procedente o pedido mantida – Recurso improvido. (Apelação nº.1034823-44.2014.8.26.0114. Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público. Relator(a): Rezende Silveira. Data do julgamento: 19/12/2017).

Desta feita, há que se concluir que a hipótese de cessão de direitos aquisitivos, por óbvio, não configura hipótese de incidência do ITBI. Isso porque, o CTN, ao vincular a definição do fato gerador do ITBI ao conceito dado pela lei civil, delimitou o momento da realização da incidência do referido imposto, o qual se aperfeiçoa com o registro no cartório imobiliário e não em razão da concessão de direitos aquisitivos.

Neste exato sentido é a jurisprudência do STJ:

Processual Civil e Tributário. Fato Gerador. Distrato. Contrato de Concessão de Direito Real de Uso. Distrato. Não Incidência. Acórdão solvido por enfoque constitucional. Agravo conhecido para negar seguimento ao recurso especial (Agravo de Instrumento nº. 1.171.435-DF (2009/0057378-3). Superior Tribunal de Justiça STJ. Relator: Ministro Campbell Marques. Data: 15/09/2009).

Não é diferente a orientação do E. STF:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS. FATO GERADOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A cobrança de ITBI é devida no momento do registro da compra e venda na matrícula do imóvel. 2. A jurisprudência do STF considera ilegítima a exigência do ITBI em momento anterior ao registro do título de transferência da propriedade do bem, de modo que exação baseada em promessa de compra e venda revela-se indevida. 3. Agravo regimental provido. (ARE 759964 AgR, Relator Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 15/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 28-09-2015 PUBLIC 29-09-2015).

Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão intervivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador. Compromisso de compra e venda. Registro do imóvel. 1. Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido. (AI 764432 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 08/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-231 DIVULG 22-11-2013 PUBLIC 25-11-2013).

Sendo assim, a cessão de direitos aquisitivos não enseja incidência de ITBI, sendo somente a transmissão da propriedade, mediante o devido registro, o fato gerador de tal imposto.

Noutro giro, é verdade que, nos autos do ARE nº 1.294.969, o STF reconheceu a repercussão geral do Tema nº 1.214 (incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na cessão de direitos de compra e venda, ausente a transferência de propriedade pelo registro imobiliário) e, num primeiro momento, reafirmou a jurisprudência de então, qual seja, “que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente”. Contudo, no julgamento do segundo embargos de declaração opostos pelo Município de São Paulo, prevaleceu a divergência do Ministro DIAS TOFFOLI no sentido de não se reafirmar a jurisprudência, mantendo-se o reconhecimento da repercussão geral da matéria.

Todavia, não há óbice para que o entendimento esposado até então seja mantido, máxime em razão da ausência de despacho de suspensão dos feitos semelhantes que tramitam no país.

Do exposto, nega-se provimento ao recurso.

MÔNICA SERRANO

Relatora

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1047359-95.2022.8.26.0053 – São Paulo – 14ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Mônica Serrano – DJ 29.06.2023

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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