Processo 1052878-36.2024.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Henrique Daniel da Silva Nakazato – – Raquel de Fatima Ramiro – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: GABRIELA NAZARETH ALCARPE (OAB 416724/SP), GABRIELA NAZARETH ALCARPE (OAB 416724/SP)
Íntegra da decisão: -–
SENTENÇA
Processo nº: 1052878-36.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 15º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Henrique Daniel da Silva Nakazato e outro
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Henrique Daniel da Silva Nakazato e Raquel de Fátima Ramiro, diante de negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de promessa de venda e compra, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 202.180 daquela serventia.
O Oficial informa que a promitente vendedora Ivani Alves Schneider adquiriu o imóvel da matrícula n. 202.180 em 12 de janeiro de 2011, no estado civil de solteira, e, posteriormente, em 25 de maio de 2012, contraiu núpcias com Jorg Schneider, na Alemanha, sob o regime de bens da participação final dos aquestos, conforme certidão de transcrição de casamento perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do 1º Subdistrito – Sé, nesta Capital, constando também a anotação do óbito do contraente em 14 de março de 2018; que, no título apresentado, o estado civil da promitente vendedora constou como viúva, o que motivou as exigências formuladas para comprovação da incomunicabilidade do imóvel ao patrimônio do cônjuge falecido, segundo o regime de bens adotado por ocasião do casamento contraído na Alemanha; que a questão da comunicabilidade ou não do imóvel deve ser dirimida em ação própria perante o juízo competente, consoante precedentes desta 1ª Vara de Registros Públicos da Capital (fls. 01/09).
Documentos vieram às fls. 10/79.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte suscitada aduz que já apresentou os documentos exigidos pelo Oficial para viabilizar o registro do título apresentado; que o regime “Zugewinngemeinschaft” alemão, conhecido como “participação final nos aquestos”, implica na incomunicabilidade dos bens adquiridos antes e durante o casamento e, no caso de sua dissolução, resolve-se em compensação de eventuais ganhos patrimoniais havidos na constância do casamento; que o inventário de sucessão pelo falecimento de Jorg Schneider foi regularmente realizado, após a abertura do testamento em 23 de abril de 2018, pelo Tribunal de Colônia com o n. 37 IV 125/18, com informações acerca da existência da única herdeira (Ivani Alves Schneider), constando listagem/arrolamento de todos os bens do “de cujus”, com indicação clara e objetiva que o falecido era proprietário apenas da moradia conjugal situada em Colonia, na Alemanha, e que ele não possuía outros bens imóveis no país ou no exterior, conforme tradução juramentada trazida do ato notarial e da Apostila; que, como comprovado ao suscitante, de acordo com a legislação da Alemanha, no regime de bens da participação final nos aquestos não há comunicação dos bens adquiridos antes do casamento; que Ivani Alves Lopes adquiriu o imóvel em 30 de dezembro de 2010, ou seja, antes do casamento ocorrido em 25 de maio de 2012; que o precedente mencionado pelo Oficial não se aplica à hipótese telada, pois tratou de caso em que não era possível decidir acerca da comunicabilidade ou não de bem tendo em vista casamento realizado na Itália e a falta de descrição sobre os bens no exterior; que, ainda que o regime de bens adotado na Alemanha ensejasse a comunicabilidade do imóvel, o artigo 10, § 1º, da LINDB dispõe que a sucessão de bens de estrangeiros situados no país será regulamentada pela lei mais favorável para a cônjuge-herdeira (fls. 10/13 e 86/104).
Juntou documentos (fls. 105/151).
O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida, afastando-se o óbice (fls. 155/157).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que dispõe o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, a dúvida é improcedente.
O artigo 176, § 1º, III, item 2, alínea “a”, da Lei de Registros Públicos exige a completa qualificação do transmitente no registro do imóvel, com indicação de seu estado civil:
“Art. 176. O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
§ 1º. A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas:
(…)
III – são requisitos do registro no Livro nº 2:
(…)
2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:
a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação”.
Por sua vez, os itens 61 e 61.4, Cap. XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, estabelecem como requisito indispensável ao registro, no caso de pessoa casada, que se comprove o regime de bens adotado:
“61. A qualificação do proprietário, quando se tratar de pessoa física, referirá ao seu nome civil completo, sem abreviaturas, nacionalidade, estado civil, profissão, residência e domicílio, número de inscrição no Cadastro das Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda (CPF), número do Registro Geral (RG) de sua cédula de identidade ou, à falta deste, sua filiação e, sendo casado, o nome e qualificação do cônjuge e o regime de bens no casamento, bem como se este se realizou antes ou depois da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977.
(…)
61.4. Tratando-se de brasileiros ou de estrangeiros casados no exterior, para evitar dúvida acerca da real situação jurídica dominial do imóvel, o regime de bens deve ser desde logo comprovado para constar do registro”.
No caso concreto, a promitente vendedora Ivani Alves Schneider adquiriu o propriedade do imóvel da matrícula n. 202.180 em 12 de janeiro de 2011, no estado civil de solteira, e, posteriormente, em 25 de maio de 2012, contraiu núpcias com Jorg Schneider, na Alemanha, sob o regime de bens da participação final nos aquestos, com anotação do óbito do contraente em 14 de março de 2018; conforme certidão de transcrição de casamento perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do 1º Subdistrito – Sé, nesta Capital.
No título apresentado, o estado civil da proprietária do imóvel e promitente vendedora consta como viúva.
Note-se que, tratando-se de casamento contraído no exterior, deve ser observado o regime de bens vigente naquele país (domicílio dos nubentes), conforme prevê o artigo 7º, §4º, do Decreto-Lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro):
“Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
(…)
§ 4° O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal”.
A certidão de transcrição do casamento do casal especifica expressamente que o casamento foi contraído na Alemanha, sob o regime de bens da participação final nos aquestos (fls. 129).
Assim, de fato, o caso em tela diverge dos precedentes mencionados pelo Oficial, vez que a certidão de transcrição do casamento perante o Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas do 1º Subdistrito – Sé, nesta Capital, comprova o regime de bens adotado pelo casal.
Embora a certidão de casamento não mencione a existência de pacto antenupcial, o registro do instrumento particular de compra e venda é excepcionalmente possível.
Com efeito, restou demonstrado que Jorg Schneider faleceu em 14 de abril de 2018, na Alemanha e, após a abertura do testamento em 23 de abril de 2018, pelo Tribunal de Colônia com o n. 37 IV 125/18, a única herdeira Ivani Alves Schneider (cf. Apostila de Habilitação de Herdeiros de fls. 57/59) providenciou inventário de sucessão, segundo as leis daquele país, onde conta listagem/arrolamento de todos os bens do “de cujus”, com indicação clara e objetiva que o falecido era proprietário apenas da moradia conjugal situada em Colonia, na Alemanha, e que ele não possuía outros bens imóveis naquele país ou no exterior, conforme documentos de fls. 38/59.
Em suma, considerando a aquisição do imóvel da matrícula n. 202.180 anteriormente ao casamento, o conteúdo da Apostila de Habilitação de Herdeiros e demais documentos, pode-se concluir pela falta de comunicação do patrimônio.
O óbice, em consequência, deve ser afastado.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada para afastar o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 05 de junho de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito (DJe de 07.06.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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