Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011646-74.2023.8.26.0554
Comarca: SANTO ANDRÉ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1011646-74.2023.8.26.0554
Registro: 2024.0000457216
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011646-74.2023.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que é apelante VANESSA MEDEL BUSTAMANTE, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1011646-74.2023.8.26.0554
APELANTE: Vanessa Medel Bustamante
APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André
VOTO Nº 43.414
Registro de imóveis – Negativa de registro de carta de sentença extraída de separação consensual dos progenitores da interessada – Recusa fundada na necessidade de juntada de certidão de casamento do falecido averbada com a separação perante o RCPN; cópia simples do CPF da ex-cônjuge; carta com qualificação da interessada, instruída com documentos pessoais e prova de recolhimento de ITCMD sobre a doação do imóvel – Documentos e dados exigidos que estão nos autos, afastadas as exigências quanto ao pagamento do ITCMD e apresentação de CPF da separanda – Promessa de doação que não se efetivou – Beneficiária da doação que participou do arrolamento do genitor, a quem atribuído o imóvel na separação – Separanda que utilizava o mesmo CPF do marido, prática comum à época – Formal de partilha que está em termos para ingresso no fólio real – Óbices afastados – Dúvida improcedente – Apelação provida.
Trata-se de apelação interposta por VANESSA MEDEL BUSTAMANTE contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Santo André (fls. 283/285), que julgou procedente a dúvida para manter os óbices anotados pelo delegatário ao registro da carta de sentença extraída da separação consensual entre GABRIEL LUIS LEOPOLDO MEDEL COFRE e ELCIDA DEL CARMEM BUSTAMANTE SILVA (falecidos genitores da recorrente), extraída dos autos de nº 0006200-94.1992.8.26.0554.
A apelante alega, em síntese, que se insurgiu de maneira integral às exigências apresentadas pelo Oficial, entendendo-as descabidas e impertinentes.
Insiste na possibilidade do registro da carta de sentença referida porque (i) na separação consensual de seus progenitores, a propriedade do imóvel objeto da matrícula de nº 24.884 (fls. 269/270) restou atribuída somente ao cônjuge varão, GABRIEL LUIS LEOPOLDO MEDEL COFRE (fls. 24/27); (ii) após, houve um aditamento no qual o casal acordou na transferência da nua propriedade do referido imóvel apenas à herdeira filha, a ora recorrente Vanessa Medel Bustamante, com reserva de usufruto exclusivo ao cônjuge varão Gabriel Luis Leopoldo Medel Cofre (fls. 73/74); (iii) embora o aditamento tenha sido homologado por sentença (fl. 76), a promessa de doação não se efetivou e, portanto, não se apresentou título a registro na matrícula do imóvel; (iv) após o falecimento de seu genitor, o imóvel referido foi objeto de partilha nos autos do arrolamento de seus bens a todos os herdeiros filhos, conforme sentença de fls. 267/268, cujo registro pleiteia em procedimento diverso, conforme título prenotado sob o nº 525.936.
Requer, então, a reforma da sentença para determinar, ao Oficial, a adoção de providências quanto ao registro da carta de sentença do formal de partilha referido, junto à matrícula nº 24.884, sem as exigências de nºs 01, 02, 03 e 04 da nota devolutiva nº 525.936 de 26/04/2023 (fls. 08/09).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 317/320).
É o relatório.
Decido.
O registro da Carta de Sentença extraída da ação de separação consensual, autos de nº 0006200-94.1992.8.26.0554, que tramitou perante a 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Santo André, foi negado pelo Oficial, o qual expediu a nota de devolução nº 220.115, em 10/04/2023 (fls. 06/07), com quatro exigências.
O título foi reapresentado sem o cumprimento dos óbices e foi expedida, então, a nota de devolução nº 525.936, em 26/04/2023, contendo as mesmas exigências:
“Inicialmente, anota-se que a documentação foi apresentada em conjunto com o Formal de Partilha expedido nos autos de Arrolamento Sumário dos bens deixados pelo falecimento de Gabriel Luis Leopoldo Medel Cofre – prenotado sob nº 525.937. 01.Juntar certidão de casamento de Gabriel Luis Leopoldo Medel Cofre e Elcira Del Carmen Bustamante Silva da qual conste a averbação da separação, expedida por Registro Civil de Pessoas Naturais (original ou cópia autenticada). 02.Juntar cópia simples do CPF de Elcira Del Carmen Bustamante Silva. 03.Juntar declaração em complemento a carta de sentença, assinada pela separanda ou pela herdeira filha, da qual conste a qualificação completa de Vanessa Medel Bustamante (nome, nacionalidade, estado civil – se casado deverá constar regime de bens e data de casamento, e qualificação completa do cônjuge – RG, CPF e endereço). A declaração deverá ser instruída com os devidos documentos comprobatórios (certidão de nascimento/casamento – original ou cópia autenticada, cópia simples do CPF e cópia autenticada do RG). 04.Juntar prova de recolhimento do imposto devido ao Estado (ITBI ´causa mortis´) devido pela doação com reserva de usufruto – guias acompanhadas de seus respectivos comprovantes de pagamento.
Obs.: Quando do reingresso do título, complementar o depósito para pagamentos das custas e emolumentos em R$ 2.989,53. “
A r. sentença ora recorrida julgou procedente a dúvida suscitada, rejeitando o ingresso do título ao fólio real, sob o entendimento de que o registro da carta de sentença da separação consensual e do formal de partilha do inventário são incompatíveis entre si.
Ademais, entendeu que os documentos exigidos na nota de devolução eram mesmo essenciais, assinalando, por fim, que não houve o recolhimento do tributo devido por conta da doação realizada.
Ressalvado o entendimento do MM. Juiz sentenciante, a r. sentença merece reparo.
Não há controvérsia quanto ao fato de que o então casal Gabriel e Elcira, nascidos e casados no Chile (fl. 24), encerraram seu matrimônio por meio do ajuste consubstanciado a fls. 24/27.
Nele restou acordado que o imóvel descrito na matrícula de nº 24.884 do 1º Registro de Imóveis de Santo André (fls. 269/270) foi atribuído em sua totalidade ao cônjuge varão Gabriel.
Após a homologação dessa partilha, as partes atravessaram o aditamento de fls. 73/74, que previa a promessa de doação da totalidade da nua propriedade do tal imóvel apenas à filha herdeira do então casal, reservado o usufruto exclusivo do genitor Gabriel, a ser formalizada por escritura pública.
Todavia, embora a doação prometida no aditamento feito na separação consensual do casal Gabriel e Elcira (fls. 73/74) tenha sido homologada por sentença (fl. 76), não foi, de fato, efetivada.
Isso porque não foi lavrada a escritura pública prevista no acordo e, por via de consequência, não houve recolhimento do imposto incidente sobre a doação.
Conclui-se, então, que a promessa de doação do imóvel tratado nos autos não chegou a bom termo.
Note-se que os separandos poderiam doar o imóvel por termo nos autos, mas não o fizeram. Limitaram-se a celebrar negócio preliminar de promessa de doação, convencionando que a liberalidade seria concluída em negócio posterior, por escritura pública, que nunca foi lavrada.
Após, com o falecimento de Gabriel (fl. 186), seus bens foram arrolados e a supracitada promessa de doação foi ignorada, sendo que o imóvel em apreço foi partilhado de modo igualitário entre os três herdeiros filhos, incluindo-se a ora requerente Vanessa, a quem se destinava a promessa de doação.
Ora, o eventual prejuízo com a ausência de se trazer a promessa de doação ao conhecimento do Juízo que presidiu o Arrolamento sumário dos bens do falecido Gabriel era apenas da ora recorrente. A ulterior anuência ao negócio de partilha realizado no inventário constitui comportamento concludente no sentido de reconhecer a inexistência de doação pretérita.
Necessário frisar que, de todo modo, a herdeira filha teria que levar o referido imóvel à colação no arrolamento a fim de igualar as legítimas.
Contudo, pode-se considerar que ela aceitou a partilha de todos os bens do “de cujus” com todos os herdeiros, desconsiderando a promessa de doação, na medida em que assim procedeu, tendo, inclusive, atuado como inventariante (fl. 192).
Tudo isso considerado, pertinente que o formal de partilha seja recepcionado no fólio real conforme o primeiro plano de partilha homologado, quando se atribuiu a totalidade do imóvel ao cônjuge varão, Gabriel.
Com efeito, recusar o registro do título por conta de uma promessa de doação que não foi efetivada, quando já efetuada a partilha do imóvel entre os herdeiros do falecido genitor da requerente, com o que a destinatária da promessa de doação, única eventual prejudicada, concordou, não faz sentido algum.
Deste modo, somente o registro dos termos da separação consensual e a consequente partilha do imóvel ao cônjuge varão é que deve ser recepcionado no fólio real.
Superada a questão, resta somente verificar se os demais óbices estão a merecer rejeição.
De acordo com o entendimento já esposado, o tributo que seria devido para a hipótese de efetivação da doação não pode ser exigido justamente porque ela não se efetivou. A exigência fica, portanto, afastada.
A certidão de casamento dos genitores da ora recorrente, com a averbação do divórcio, está a fls. 271/275, com tradução juramentada e apostilada, considerando que o casamento ocorreu no Chile, não sendo necessária, então, a apresentação da certidão de casamento com a averbação da separação diante da superveniência do divórcio.
Ademais, também consta a certidão de registro da separação consensual de Gabriel e Elcira no Livro E junto ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Santo André (fl. 187).
A qualificação da recorrente está nos autos, de acordo com o instrumento de mandato de fl. 168, e aparentemente está completa, mas meros dados de qualificação da interessada podem ser complementados a requerimento do Oficial.
Por fim, antigamente, era prática comum as esposas utilizarem o número do CPF de seus maridos, situação que atualmente seria considerada ilegal.
A assertiva, inclusive, foi acolhida ao tempo da recepção da inicial da separação consensual do então casal, conforme se verifica as fls. 24, assim como nos documentos de fls. 28 e 66 dos autos.
Ao fim e ao cabo, as exigências apresentadas pelo Registrador revelaram-se descabidas para o ingresso do acordo de separação consensual no fólio real.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO a apelação e julgo a dúvida improcedente, para que o formal de partilha, extraído da ação de separação consensual, que atribuiu a totalidade do imóvel ao genitor da requerente tenha ingresso no fólio real.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 28.05.2024 – SP).
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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