Agência Câmara: Projeto aprovado em comissão equipara menor sob guarda a filho para fins previdenciários. Já aprovado pelo Senado, projeto segue para sanção presidencial.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6399/13, que equipara, para fins previdenciários, o menor sob guarda judicial ao filho ou dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Já aprovado pelo Senado, o projeto, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), seguirá para sanção presidencial, caso não haja recurso para votação pelo Plenário.

A guarda
A guarda judicial é um mecanismo temporário que coloca a criança em situação de vulnerabilidade sob cuidados de uma família substituta, até o retorno à família original ou a regularização da adoção.

Atualmente, apenas o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos garante a esses menores a mesma proteção previdenciária dos dependentes, a exemplo de pensão por morte, auxílio-reclusão e serviço social.

Parecer a favor
O parecer da relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), foi favorável ao projeto. “Essa medida se harmoniza com os princípios constitucionais de proteção à criança e ao adolescente, previstos na Constituição Federal, bem como com os princípios da isonomia e da proteção integral”, avaliou.

Reforma da Previdência
A reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103) excluiu o menor sob guarda da condição de beneficiário para fins de pensão por morte.

Em 2021, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 4878 e 5083, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei de Benefícios da Previdência Social deve ser interpretada de modo protetivo, contemplando também o menor sob guarda.

Fonte: Agência Câmara.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


Direito sucessório – Arrolamento de bens – Testamento público no qual a testadora, de nacionalidade espanhola, declara ausência de ascendentes e descendentes vivos – Cônjuge que teria falecido na Argentina – Ausência de certidão de casamento e óbito, apesar de diligências nos consulados respectivos – Extinção do processo – Impossibilidade – Conversão para o rito do inventário (art. 610, CPC) – Provimento do recurso – 1. A ausência de documentos não deve constituir impedimento intransponível ao cumprimento da vontade da falecida, principalmente se considerado o fato de que a requerente é beneficiária da gratuidade judiciária – 2. Embora esgotada a possibilidade material de obtenção dos documentos, persiste a necessidade de cumprimento da disposição de última vontade da falecida – 3. A incerteza sobre o local do casamento e óbito, aliada à declaração da testadora de não ter descendentes ou ascendentes vivos, justifica a adoção do procedimento de inventário, permitindo a intimação de herdeiros conhecidos e desconhecidos por edital – 3. Sentença de extinção afastada. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante MARIA JOSEFA DOS REIS (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FERNANDO REVERENDO VIDAL AKAOUI (Presidente sem voto), LUIZ ANTONIO COSTA E MIGUEL BRANDI.

São Paulo, 18 de novembro de 2024.

ADEMIR MODESTO DE SOUZA

Relator(a)

Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562.

Apelante: Maria Josefa dos Reis.

Comarca: Santos – 3ª Vara de Família e Sucessões.

Magistrada: Mariella Amorim Nunes Rivau Alvarez.

V O T O Nº 11773

DIREITO SUCESSÓRIO. ARROLAMENTO DE BENS. TESTAMENTO PÚBLICO NO QUAL A TESTADORA, DE NACIONALIDADE ESPANHOLA, DECLARA AUSÊNCIA DE ASCENDENTES E DESCENDENTES VIVOS. CÔNJUGE QUE TERIA FALECIDO NA ARGENTINA. AUSÊNCIA DE CERTIDÃO DE CASAMENTO E ÓBITO, APESAR DE DILIGÊNCIAS NOS CONSULADOS RESPECTIVOS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. CONVERSÃO PARA O RITO DO INVENTÁRIO (ART. 610, CPC). PROVIMENTO DO RECURSO

1. A ausência de documentos não deve constituir impedimento intransponível ao cumprimento da vontade da falecida, principalmente se considerado o fato de que a requerente é beneficiária da gratuidade judiciária.

2. Embora esgotada a possibilidade material de obtenção dos documentos, persiste a necessidade de cumprimento da disposição de última vontade da falecida.

3. A incerteza sobre o local do casamento e óbito, aliada à declaração da testadora de não ter descendentes ou ascendentes vivos, justifica a adoção do procedimento de inventário, permitindo a intimação de herdeiros conhecidos e desconhecidos por edital.

3. Sentença de extinção afastada. Recurso provido.

1. Trata-se de arrolamento de bens (fls.28/29) de MARIA ALICE GONZALEZ IGLESIAS, requerido por MARIA JOSEFA DOS REIS, julgado extinto pela r. sentença de fls. 263/265, cujo relatório se adota, condenada a autora ao recolhimento das custas e despesas do processo, observado o disposto no art. 98, § 3º, CPC.

Apela a autora, ao fundamento de ter justificado a impossibilidade de juntada de parte dos documentos solicitados em precedente decisão, “haja vista que era apenas uma amiga, uma companheira da de cujus, desconhecendo o local de seu casamento, bem como o local de registro do óbito de seu marido”. Aduz que “não restam dúvidas acerca da vontade da falecida, que deixou ‘todas e quaisquer quantias existentes em contas-correntes, cadernetas de poupança e aplicações bancárias; notadamente aquelas depositadas nas contas nº. 17330-9 e 06846-7, junto ao Banco Itaú S/A, Agência 0268’”. Sustenta que “da Certidão de Óbito da falecida – fls. 15/16, bem como do próprio testamento – fls. 17/18 é possível observar que seus ascendentes já eram falecidos, assim como seu cônjuge”.

Processado o recurso sem preparo (a apelante é beneficiária da gratuidade judiciária).

É o relatório.

2. Verifica-se dos autos que, por testamento público (fls. 17/18), Maria Alice Gonzales Iglesias declarou ser de nacionalidade espanhola e viúva de Floriano Martinez Suarez, falecido na Argentina em 20/01/1994, não possuindo ascendentes ou descendentes vivos, razão pela qual legou a integralidade do saldo de suas contas bancárias em benefício da requerente.

O óbito da testadora foi declarado por Angélica Conejero Gonzalez, sobrinha da falecida, conforme informação prestada nos autos 1012760-29.2020.8.26.0562, que cuidou da retificação de assentamento de óbito.

A impossibilidade de a requerente apresentar em juízo a certidão de casamento de Maria Alice Gonzales Iglesias, bem assim a certidão de óbito de Floriano Martinez Suarez, não pode constituir empeço intransponível ao cumprimento da última declaração de vontade da falecida, em especial porque houve emprego de esforços junto aos consulados da Espanha e da Argentina (fls. 34/35).

Considerando o fato de a requerente ser beneficiária da gratuidade judiciária, a necessidade de colaboração internacional para obtenção das certidões de casamento e óbito não autorizaria a extinção do processo por ausência de documento essencial.

Contudo, a incerteza do local exato do casamento e do óbito, quando associada à declaração da testadora, de nacionalidade espanhola, de que não teria ascendentes ou descendentes vivos, remete à possibilidade solução diversa, mediante adoção do procedimento do inventário, até porque a pretensão se funda em disposição de última vontade (art. 610, CPC), com intimação dos parentes conhecidos, como é o caso da sobrinha Angélica Conejero Gonzale, bem assim, por edital (art. 626, CPC), daqueles ignorados, com a finalidade de, inteirando-se da demanda em curso, possam se manifestar, oportunizando-se ainda a manifestação do Ministério Público enquanto fiscal da ordem jurídica. Nesse sentido:

INVENTÁRIO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO PARA CITAÇÃO EDITALÍCIA. HERDEIROS DESCONHECIDOS. RECURSO PROVIDO. Inventário. Insurgência contra decisão que indeferiu o pedido para citação editalícia de eventuais herdeiros colaterais da de cujus, pela linha paterna, com concessão de prazo suplementar para a juntada de documentação. Não houve pedido de efeito. A de cujus era solteira, não tinha irmãs e nem filhos. Tantos seus pais quanto seus avós maternos são falecidos, tendo como herdeiras apenas duas tias maternas. O falecido pai da autora da herança era cidadão espanhol e deixou aquele país rumo ao Brasil em 1954, falecendo aos 93 anos em 2017 Constam apenas os nomes dos avós paternos da de cujus. Seu falecimento é presumível, inexistindo quaisquer informações a respeito de eventuais tios paternos. A procura por tais parentes colaterais deve ocorrer apenas caso se tivesse a certeza da existência deles. Excessivo rigor processual. Hipótese na qual a lei impõe a citação editalícia. Inteligência do art. 259, III, do CPC. Doutrina e jurisprudência. Decisão reformada para determinar a citação por edital de eventuais herdeiros colaterais pela linha paterna. Recurso provido. [1]

O recurso, do exposto, afasta a r. sentença de extinção, determinando-se o prosseguimento do arrolamento.

3. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.

ADEMIR MODESTO DE SOUZA

Relator

Nota:

[1] TJSP; Agr avo de Instrumento 2015672-82.2021.8.26.0000; Relator (a) : J.B. Paula Lima; Órgão Julgador : 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de I tu – Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 13/02/2021; Data de Registro: 13/02/2021.

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1008861-23.2020.8.26.0562 – Santos – 7ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ademir Modesto de Souza – DJ 22.11.2024

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


1VRP/SP: Razão assiste ao Oficial ao exigir que o estatuto social seja adaptado, visto que muitas das atividades arroladas à entidade extrapolam o âmbito religioso da organização. Caso a entidade constituída pretenda exercer atividades sujeitas à disciplina e fiscalização de entidades profissionais (tais como, Conselho Regional de Medicina – CREMESP, Conselho Regional de Odontologia – CRO, Conselho Regional de Farmácia – CRF, Conselho Regional de Nutrição – CRN, dentre outros), deve a parte interessada apresentar ao Oficial comprovação do pedido de inscrição da entidade no órgão de fiscalização competente, conforme item 38, Cap. XVIII, das NSCGJ

Processo 1163826-45.2024.8.26.0100
Dúvida – Petição intermediária – Gianpietro Carraro – Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que os óbices subsistem. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: PABLO HENRICK OLIVEIRA LEITE (OAB 493914/SP)
Íntegra da decisão:

SENTENÇA  
Processo nº: 1163826-45.2024.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Petição intermediária
Requerente: Gianpietro Carraro
Requerido: 6º Oficial Registro de Titulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Gianpietro Carraro em face do 6º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo, diante de negativa em se proceder ao registro de ato constitutivo da pessoa jurídica denominada “Organização Religiosa Missão Belém”.
A parte sustenta que o título foi recusado por notas devolutivas que apontaram que as finalidades descritas no estatuto social da entidade, tal como apresentado, não configuram uma organização religiosa, e exigiram a revisão do estatuto social; que a “Organização Religiosa Missão Belém” existe na cidade de São Paulo desde 01 de outubro de 2005, devidamente aprovada pelo Cardeal Arcebispo de São Paulo, com aprovação canônica definitiva datada de 29 de abril de 2024; que a organização religiosa se alicerça no princípio da liberdade religiosa (artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal) e no Decreto n. 7.107/2010 (Acordo Brasil – Santa Sé), porém, tem como norma fundamental o Direito Canônico; que, no caso da “Organização Religiosa Missão Belém”, foi aprovada e reconhecida pelo Cardeal Arcebispo de São Paulo que, no dia 29 de abril de 2024, atribuiu-lhe personalidade jurídica canônica, de “associação privada de fiéis”, e de “organização religiosa”, no âmbito civil; que a denominação canônica de “associação privada de fiéis” não se confunde com as associações civis descritas pelo Código Civil, em seu artigo 44, inciso I; que, neste contexto, os óbices apontados pelo Oficial devem ser afastados, permitindo-se o registro do ato constitutivo da pessoa jurídica, conforme o seu estatuto social aprovado com os devidos objetivos sociais (fls. 01/14).
Documentos vieram às fls. 15/61.
O Oficial manifestou-se, aduzindo que os óbices apontados nas notas devolutivas do título devem ser mantidos, tendo em vista que a leitura atenta das finalidades da entidade, descritas no artigo 4º do estatuto social, arreda o objetivo de organização religiosa, mas sim de uma associação; que, neste mesmo sentido, já decidiu esta Corregedoria Permanente em outros casos semelhantes (processos ns. 1102359-2020.07.8.26.0100 e 1085314-82.2023.8.26.0100); que a adequação do estatuto é cogente e, em assim fazendo, converte-se em associação; que há que observar a aplicação subsidiária do item 38, Cap. XVIII, das NSCGJ; que, pelas descrições contidas no estatuto social, a entidade teria que ter inscrições no Conselho Regional de Medicina de São Paulo – CREMESP, Conselho Regional de Odontologia – CRO, Conselho Regional de Farmácia – CRF, e no Conselho Regional de Nutrição – CRN; que se abstém de analisar registro de estatutos sociais de outras entidades religiosas realizado por outras serventias, ante a independência funcional dos notários e registradores; que as referências à legislação alienígena, especial pela laicidade estatal, não se sustentam ao serem confrontadas aos regramentos jurídicos incidentes ao caso concreto (fls. 70/72).
O Ministério Público opinou pela manutenção dos óbices (fls. 76/77).
É o relatório.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Preliminarmente, verifica-se que a parte não se insurge contra todas as exigências opostas pelo Oficial, notadamente quanto à necessidade de retificação do estatuto social para mencionar a denominação completa da entidade e a sua sede, de modo que a dúvida resta prejudicada.
Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando orientar futura prenotação, passo à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação. Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências – Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências – Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 – Relator Des. Pereira Calças).
No mérito, a dúvida seria procedente.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, ademais, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É neste contexto que o §1º, do artigo 44, do Código Civil, que estabelece como livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas e veda ao poder público negativa de reconhecimento ou registro de seus atos constitutivos e necessários ao funcionamento, merece ser interpretado.
Em outros termos, o Registrador quando da qualificação de títulos, deve observar se cumpridos todos os requisitos legais para ingresso, não havendo dispensa para a entidade religiosa, enquanto pessoa jurídica de direito privado, de observar todos os ditames legais pertinentes à sua criação e ao seu funcionamento.
No caso, verifica-se da nota devolutiva de fls. 59 que foram apontados os seguintes óbices ao registro do título: a) mencionar no estatuto social a denominação completa aprovada da entidade e a sua sede; b) definir na ata de assembleia e no estatuto social se a entidade é uma organização religiosa ou uma associação, sendo que as finalidades sociais descritas nos itens “A” a “J” do artigo 4º caracterizam associação e apenas os itens “K” ao “N” caracterizam organização religiosa; e c) caso seja definida como associação, deverá a parte interessada comprovar pedido de inscrição prévia da entidade perante o Conselho Regional de Medicina de São Paulo – CREMESP, Conselho Regional de Odontologia – CRO, Conselho Regional de Farmácia – CRF, e Conselho Regional de Nutrição – CRN, conforme item 38, Cap. XVIII, das NSCGJ (fls. 48 e 59).
Respeitados os argumentos expostos pela parte, os óbices apontados devem ser mantidos.
Por primeiro, constata-se da ata de assembleia de constituição, datada de 30 de julho de 2024, a aprovação da instituição da entidade denominada “Organização Religiosa Missão Belém”, com sede na “Rua Doutor Clementino, n. 608 – Bairro Belém – São Paulo – SP” (fls. 46).
Ocorre que no artigo 1º do estatuto social aprovado não consta a denominação completa da entidade (“Missão Belém”) e, além disso, menciona endereço diverso de sua sede (“Rua Doutor Clementino, 603, Belenzinho, São Paulo – SP”) (fls. 20).
Logo, a primeira exigência deve ser mantida, com fulcro nos artigos 46, inciso I, e 54, inciso I, do Código Civil.
Do mesmo modo, as demais exigências não podem ser afastadas.
Nesta toada, cabe esclarecer que, nos autos do processo n. 1085314-82.2023.8.26.0100, a matéria posta em debate já foi analisada de forma pormenorizada pela MMª Juíza Titular desta 1ª Vara de Registros Públicos da Capital, Dra. Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, e decidida, nos seguintes termos:
“Como as organizações religiosas se caracterizam pelo fluxo constante de fiéis que nela ingressam e se retiram livremente, não necessitam ter forma de associação civil. Para sua criação, basta ato de fundação. Entretanto, a liberdade de organização é limitada às finalidades de culto e liturgia.
A natureza religiosa da organização deve ser interpretada restritivamente, sem ampliação para finalidades estranhas ao culto e ao exercício da fé professada.
Havendo interesse no desenvolvimento de atividade diversa, a entidade deve se organizar sob o formato mais adequado conforme dispõe o diploma legal, notadamente quando essas atividades têm características próprias de atividades econômicas. Nesse sentido foi a orientação da E. CGJ no julgamento do Processo n. 6477/2012 (Corregedor Geral, Des. José Renato Nalini).
A mesma orientação foi adotada no julgamento do Processo n. 147.741/2013 (Corregedor Geral, Des. Elliot Akel), no qual se reafirmou não ser possível interpretação ampliativa, englobando na religião atividades que podem ser exercidas independentemente da fé. Destaca-se do parecer então aprovado:
“Não se questiona que as diversas instituições ligadas à Igreja Católica possam ter também outras atividades além do culto religioso, inclusive o ensino, a promoção do esporte, a edição de livros, etc. Mas a questão é se, nas ocasiões em que a pessoa jurídica exerce essas outras atividades, deve ou não receber o tratamento jurídico de organização religiosa em sentido estrito”.
Nos Recursos Administrativos n. 51.999/2015, n. 54.191/2015 e n. 118.807/2015, houve pequena flexibilização, como demonstrou a parte interessada (fl. 10/11), porém, foram admitidas atividades de assistência em favor dos próprios fiéis.
Posteriormente, no Recurso Administrativo n. 1096194-80.2016.8.26.0100, indicado pelo Ministério Público (fl.104), foi reafirmado o entendimento restritivo quanto ao conceito de organização religiosa, com citação, a título de precedente, do processo de autos n. 1023847-89.2014.8.26.0562.
É certo que, recentemente, no Estado de São Paulo, promulgou-se a chamada “Lei Estadual de Liberdade Religiosa” (Lei n. 17.346/2021), a qual, em seu artigo 22, faz expressa remissão às liberdades dispostas no artigo 44, § 1º, do Código Civil.
Nos artigos 24 e 26 do referido diploma, o legislador estadual tratou de forma mais detalhada sobre a autonomia dessas organizações, permitindo o exercício de atividades não religiosas, nos seguintes termos (destaque nosso):
“Artigo 24 – As organizações religiosas podem dispor com autonomia sobre:
I – a formação, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos;
II – a designação, funções e poderes dos seus representantes, sacerdotes, missionários e auxiliares religiosos;
III – os direitos e deveres religiosos dos seus membros, sem prejuízo da liberdade religiosa desses;
IV – a adesão ou a participação na fundação de federações ou associações interconfessionais, com sede no país ou no estrangeiro.
§ 1º – São permitidas cláusulas de salvaguarda da identidade religiosa e do caráter próprio da confissão professada.
§ 2º – As organizações religiosas podem, com autonomia, fundar ou reconhecer filiais ou sucursais de âmbito nacional, regional ou local, e outras instituições, com a natureza de associações ou de fundações, para o exercício ou para a manutenção das suas funções religiosas.
(…)
Artigo 26 – As organizações religiosas podem ainda exercer atividades com fins não religiosos que sejam instrumentais, consequenciais ou complementares das suas funções religiosas, assim como:
I – criar e manter escolas particulares e confessionais;
II – praticar beneficência dos seus membros ou de quaisquer pessoas;
III – promover as próprias expressões culturais ou a educação e a cultura em geral;
IV – utilizar meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades”.
Admite-se, portanto, o exercício de atividades com fins não religiosos desde que sejam instrumentais, consequenciais ou complementares das funções religiosas. Havendo interesse no exercício de outras atividades, notadamente comerciais e de prestação de serviços para a manutenção das próprias funções religiosas, o adequado é a criação de outras instituições, “com a natureza de associações ou de fundações”, como autoriza o parágrafo 2º do artigo 24 da mesma lei.”.
Nessa mesma linha, este juízo já havia outrora decidido, em consonância com a jurisprudência da E. Corregedoria Geral da Justiça que as organizações religiosas restringem-se às atividades de culto e liturgia, e que a realização de atividades diversas, especialmente quando voltada a pessoas externas à religião, leva à sua classificação como associação (processo n. 1102359-07.2020.8.26.0100).
No caso concreto, a mesma lógica se aplica.
De fato, a redação de alguns pontos do artigo 4º levam à conclusão pelo afastamento da finalidade religiosa da entidade, conforme indicado na nota de devolução (fls.56 – destaques nossos):
“Art. 4- A Organização Religiosa Missão Belém possui finalidade de caráter religioso, cujo objetivo principal é levar a Boa-Nova do Evangelho de Cristo a todos, sem distinção. Para tanto, se fazem necessárias obras de cunho assistencial visando à formação integral da pessoa a nível humano e cristão e a promoção global de todos os homens e do homem todo. Para realizar tais objetivos a Missão Belém poderá:
a) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir centros de saúde e de assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica, podendo abrir filiais com esta finalidade, a fim de dar suporte à consecução de seus objetivos sociais;
b) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir VILAS, CASAS E OBRAS de acolhida, visando a assistência e o amparo das pessoas em situação de rua e famílias em situação de extrema vulnerabilidade social, satisfazendo suas necessidades básicas na formação moral, intelectual e religiosa;
c) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir centros educacionais destinados a crianças, jovens e adultos em todos os níveis, inclusive superior, podendo abrir filiais com esta finalidade, a fim de dar suporte à consecução dos seus objetivos sociais;
d) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir instituições congêneres e que visem a defesa da dignidade da pessoa humana, a promoção da infância, da juventude, a educação social e a comunicação social;
e) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir estabelecimentos que promovam serviços de alimentação como restaurantes, cozinha, lanchonetes, de fabricação de produtos alimentícios, confeitaria e pastelaria e outros afins, que possam gerar recursos econômicos e financeiros, podendo abrir filiais com esta finalidade, a fim de dar suporte à consecução dos seus objetivos sociais;
f) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir estabelecimentos que promovam serviços de artesanato, confecções e estamparia, marcenaria e serralheria e afins, para dar suporte à consecução dos seus objetivos sociais;
g) Criar, congregar, orientar, assessorar e dirigir obras da construção civil, bem como reformas, instalações, manutenção de todos os tipos de imóveis rurais ou urbanos;
h) Criar, instalar, assessorar e dirigir atividades e serviços internos de natureza beneficente, bazar, feira, ação entre amigos, eventos que vise dar suporte à consecução dos seus objetivos sociais;
i) Instalar, manter e explorar centros de produção de programas fonovideográficos em geral e de estúdios de produção para artes cinematográficas, coreografias, teatrais e correlatos;
j) Executar programas que visem à proteção integral da pessoa humana, destinados às pessoas de ambos os sexos, sem qualquer discriminação, assistindo-as direta e indiretamente, inclusive mediante convênios com entidades governamentais e privadas que têm esse objetivo social, visando o desenvolvimento econômico-social e o combate à pobreza; (…)”
Note-se que as atividades acima elencadas não têm relação com a prática do culto religioso.
Com efeito, tais atividades, consideradas em si mesmas, fogem da essência do culto praticado, pois, ainda que a atividade seja voltada a atividades assistenciais e de caridade, pautadas em crenças religiosas, a competência para a prestação desse tipo de serviços nada tem de religiosa.
Além disso, não há indicação de que tais atividades propostas estejam restritas e direcionadas à própria organização religiosa ou às entidades que compartilhem da mesma religião, de modo que, como proposta no estatuto social aprovado, a prestação dos serviços poderia ser oferecida a todos de forma indistinta, independentemente da prática de culto próprio, ainda que voltada precipuamente à função evangelizante.
Destarte, razão assiste ao Oficial ao exigir que o artigo 4º do estatuto social seja adaptado, visto que muitas das atividades arroladas à entidade extrapolam o âmbito religioso da organização.
Caso a parte interessada pretenda que a entidade seja constituída como organização religiosa, deverá ajustar suas finalidades de acordo com as atividades estritamente religiosas.
Nada impede que as demais atividades sejam exercidas, inclusive para a manutenção das funções religiosas, mas desde que por outra instituição criada pela organização, com a natureza de associação ou fundação, tal como orienta o artigo 24, § 2º, da Lei Estadual n. 17.346/2021.
Nesse sentido:
“REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Averbação de ata de assembleia geral de eleição de diretoria – Recusa, por constar da redação do estatuto, ao lado das práticas estritamente religiosas, atividades de musicalização, alfabetização e outras – Natureza mista das atividades da entidade religiosa, ensejando o registro como associação, ou alteração do estatuto para que suas atividades sejam restritas ao culto religioso e à liturgia – Juízo negativo de qualificação registral confirmado – Pedido de providências improcedente – Recurso Provido.” (CGJSP – Pedido de Providências: 1096194-80.2016.8.26.0100; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 23/05/2017; Data DJ: 15/09/2017; Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças)
De outro giro, caso a entidade constituída pretenda exercer atividades sujeitas à disciplina e fiscalização de entidades profissionais (tais como, Conselho Regional de Medicina – CREMESP, Conselho Regional de Odontologia – CRO, Conselho Regional de Farmácia – CRF, Conselho Regional de Nutrição – CRN, dentre outros), deve a parte interessada apresentar ao Oficial comprovação do pedido de inscrição da entidade no órgão de fiscalização competente, conforme item 38, Cap. XVIII, das NSCGJ:
“38. Para o registro dos atos constitutivos e de suas alterações, das sociedades a que se refere o art. 1º da Lei Federal 6.839, de 30 de outubro de 1980, exigir-se-á a comprovação do pedido de inscrição no respectivo órgão de disciplina e fiscalização do exercício profissional.”
Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida, observando que os óbices subsistem.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 26 de novembro de 2024.
Renata Pinto Lima Zanetta – Juíza de Direito

Fonte: DJE/SP 28.11.2024.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.