CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Anterior regularização promovida pelo Município e registrada – Pretensão de registro de nova regularização para corrigir a configuração de lotes e identificar os beneficiários do registro da propriedade – Correção do erro a ser feita mediante retificação do registro da regularização fundiária – Apelação não provida, com observação.

Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1008016-13.2023.8.26.0068
Comarca: BARUERI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068

Registro: 2024.0000118350

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008016-13.2023.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008016-13.2023.8.26.0068

APELANTE: Município de Santana de Parnaíba

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri

VOTO Nº 43.009

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de regularização fundiária – Anterior regularização promovida pelo Município e registrada – Pretensão de registro de nova regularização para corrigir a configuração de lotes e identificar os beneficiários do registro da propriedade – Correção do erro a ser feita mediante retificação do registro da regularização fundiária – Apelação não provida, com observação.

Trata-se de apelação interposta pelo Município de Santana de Parnaíba contra r. sentença que manteve a recusa do registro da regularização fundiária relativa ao lote 07 da quadra C do Loteamento Jardim Ceará, que é objeto da matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri, por se tratar de imóvel com situação já regularizada, em que não existe núcleo urbano, e porque os proprietários do imóvel, que são os beneficiários da anterior regularização, podem extinguir o condomínio voluntário mediante divisão do bem, com recolhimento dos emolumentos devidos pelo ato (fl. 84/85).

A apelante alegou, em suma, que pretende o registro do Projeto de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social – Reurb S para que seja promovida a especialização da fração ideal atribuída a cada condômino do imóvel. Assevera que, na forma do art. 213 da Lei nº 6.015/1973, é possível a retificação do registro da regularização fundiária anterior, a requerimento dos interessados ou de ofício pelo registrador, para corrigir o erro existente. Ademais, os arts. 11, VI, e 25 da Lei nº 13.465/2017 preveem a legitimação de posse como ato do poder público destinado a conferir título para os ocupantes do imóvel, visando que possam, oportunamente, adquirir o direito real de propriedade. Esclareceu que depois do registro da regularização fundiária elaborou o cadastro físico e social dos ocupantes da área, constatando que a Reurb estava em desacordo com a situação da ocupação que se encontra consolidada, sendo o desdobro do lote 07 da quadra C anterior à titulação dos ocupantes, à emissão de títulos de legitimação de posse ocorrida em 2016 e ao registro promovido.

Informou que a área é ocupada por pessoas de baixa renda, que não têm recursos para custear as despesas com o desdobro do imóvel e extinção do condomínio. Além disso, não se trata de nova titulação de interesse social, mas especialização de fração ideal aos ocupantes que receberam títulos de legitimação. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro do Projeto de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social – Reurb S, do lote 07 da quadra C do Jardim Ceará (fl. 93/100).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não não provimento do recurso (fl. 121/123).

É o relatório.

A apelante apresentou, para registro, Certificado de Regularização Fundiária de Interesse Social relativa aos Lotes 07-A e 07- B da Quadra C do Jardim Ceará, situados na rua Aracati, 61/67, Município de Santana de Parnaíba, objeto da matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri, de que figuram como proprietários Davi Claro Cavalcanti e sua mulher Daniele Lima Cavalcanti, e Roberto Toledo Piza e sua mulher Noemi Assis da Silva, o que fez para que o lote 07-A seja atribuído para Davi e Daniela, e o lote 07-B para Roberto e Noemi (fl. 31/59).

Conforme a matrícula nº 175.167 do Registro de Imóveis da Comarca de Barueri, a regularização do loteamento, promovida pelo Município de Santana de Parnaíba, foi registrada em 29 de setembro de 2014.

Por sua vez, a legitimação de posse do lote 07 da quadra C do Jardim Ceará foi registrada em 28 de agosto de 2017, ao passo que o posterior título de legitimação fundiária, em favor de Davi Claro Cavalcanti e sua mulher Daniele Lima Cavalcanti, e de Roberto Toledo Piza e sua mulher Noemi Assis da Silva, foi registrado em 28 de agosto de 2017 (fl. 65/66).

Segundo a apelante, a regularização fundiária e as outorgas dos títulos de legitimação contêm erro porque os ocupantes do lote 07 da quadra C exerciam posse sobre áreas certas e determinadas, situação que não foi considerada apesar de anteceder o registro da regularização.

Não há, em princípio, vedação para o registro de nova regularização fundiária promovida em imóvel que foi anteriormente regularizado, em que realizada nova ocupação mediante constituição de núcleo urbano informal, ou para que a regularização seja promovida sobre parte do imóvel (art. 36, § 2º, da Lei nº 13.465/2017).

Porém, embora o ato rogado tenha consistido em registro de nova regularização fundiária, a apelante pretende a correção do registro da regularização anterior promovida, para que a área que corresponderia ao lote 07 da quadra C seja desdobrada em duas partes, com atribuição do título de legitimação, para cada casal, dos imóveis de que efetivamente exerciam a posse.

Essa pretensão decorre, de forma clara, das razões de recurso, em que a apelante afirmou:

No entanto, incumbe destacar que, de acordo com o artigo 213, da Lei nº 6.015/1973, o Oficial retificará o registro ou a averbação de ofício ou a requerimento nos casos de omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título, assim como inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes” (fl. 97/98).

Contudo, a apelante não foi orientada, pela nota devolutiva, sobre a possibilidade de averbação da retificação do registro da regularização fundiária, destinada à correção do erro existente, pois a exigência formulada consistiu na apresentação de título de extinção do condomínio voluntário e divisão do imóvel (fl. 142).

O registro, entretanto, deve conter a correta descrição da coisa a que se refere e do direito que sobre ela incide, comportando o erro, quando existente, correção mediante retificação.

A regularização fundiária promovida pelo Município não observou a correta forma de ocupação do lote 07 da quadra C, devendo o erro ser corrigido em proveito dos ocupantes do imóvel que foram os destinatários da legitimação de posse e da posterior outorga do título de propriedade.

O título apresentado pela requerente contém todas as informações necessárias para a correção do erro, sendo desnecessária a indicação da proporção que os beneficiários receberão nos imóveis porque, conforme decorre de forma lógica do título apresentado, cada casal permanecerá com o domínio de um lote determinado, sendo os seus respectivos casamentos realizados pelo regime da comunhão parcial de bens, o que, aliás, consta na matrícula nº 175.167 (fl. 66).

E é necessário que a regularização fundiária de interesse social alcance a sua finalidade, não podendo os beneficiários dos títulos de outorga de domínio ser prejudicados por erros contidos no projeto de regularização, no Certificação de Regularização Fundiária, na outorga dos títulos de propriedade, ou de título de constituição de direito de natureza diversa (CRF).

Assim porque, segundo Paola de Castro Ribeiro Macedo:

Dessa forma, pode-se afirmar que ‘a irregularidade fundiária não é poder-dever, mas dever-poder do Estado uma vez que envolve a concretização de direito fundamental social que, portanto, se vincula a eminentemente interesses públicos e não se liga apenas a interesses privados já que envolve o bem-estar de parte da população que reside em locais caracterizados pela precariedade como favelas, comunidades, palafitas e afins” (Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes, São Paulo: Thonson Reuters Brasil, in Coleção Direito Imobiliário, Coord. Alberto Gentil de Almeida Pedroso, vol. V, 2020, p. 60).

Desse modo, mantida a recusa do novo registro, fica observado que, neste caso concreto, não há impedimento para que o mesmo título já apresentado pela requerente seja recebido como destinado à retificação do registro, a ser feita por ato de averbação.

Ante o exposto, pelo meu voto nego provimento ao recurso, com observação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Usucapião extrajudicial – Forma originária de aquisição do domínio – Suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e bloqueio da matrícula, relativa à área de que o imóvel usucapido será desmembrado, que não impedem a aquisição do domínio pela usucapião e o seu respectivo registro – Recurso provido para afastar as exigências formuladas e determinar que o oficial de registro de imóveis prossiga com o procedimento extrajudicial de usucapião.  

Apelação Cível nº 1000363-84.2023.8.26.0059

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000363-84.2023.8.26.0059
Comarca: BANANAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000363-84.2023.8.26.0059

Registro: 2024.0000118342

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000363-84.2023.8.26.0059, da Comarca de Bananal, em que é apelante LIANE RAMALHO FRAGA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BANANAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000363-84.2023.8.26.0059

APELANTE: Liane Ramalho Fraga

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Bananal

VOTO Nº 42.987

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Usucapião extrajudicial – Forma originária de aquisição do domínio – Suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e bloqueio da matrícula, relativa à área de que o imóvel usucapido será desmembrado, que não impedem a aquisição do domínio pela usucapião e o seu respectivo registro – Recurso provido para afastar as exigências formuladas e determinar que o oficial de registro de imóveis prossiga com o procedimento extrajudicial de usucapião. 

Trata-se de apelação interposta por Liane Ramalho Fraga contra r. sentença que, em razão da suposta origem em parcelamento irregular do solo urbano e do bloqueio da matrícula de origem, manteve a recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Bananal em promover o registro da aquisição, pela usucapião, do imóvel situado na Rua Francisco Ribeiro de Almeida, Bairro Laranjeiras, a ser desmembrado da área objeto da matrícula nº 1.966 daquele Registro (fl. 93/95).

A apelante alega, em suma, que a irregularidade do parcelamento do solo urbano e o bloqueio da matrícula relativa à área de que o imóvel será desmembrado não impedem a aquisição do domínio do imóvel pela usucapião e o seu respectivo registro, por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade (fl. 101/113).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do recurso, com declaração de que a dúvida se encontra prejudicada em razão da apresentação de novos documentos visando atender parte das exigências formuladas, ou, alternativamente, pelo seu não provimento (fl. 140/144).

É o relatório.

1. No caso concreto, a juntada de certidões pela apelante (fl. 81/83), antes da prolação da r. sentença, não torna a dúvida prejudicada em razão da natureza do procedimento extrajudicial de usucapião que abrange atos sucessivos, a serem praticados pelo requerente e pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Além disso, sendo forma originária de aquisição do domínio, o reconhecimento da usucapião não seria obstado pela eventual prenotação de outro título que diga respeito às pessoas atualmente indicadas no registro como proprietárias do imóvel, ou titulares de direito real de outra natureza.

4. A apelante pretende o registro da aquisição do domínio do imóvel, pela usucapião extraordinária, alegando o exercício de posse com animus domini, de forma mansa e pacífica, por si e seus antecessores, por mais de trinta anos.

Afirma que o imóvel integra área maior registrada como sendo de propriedade de “Alfa Comércio e Serviços Limitada”, cujos representantes compromissaram à venda para Raimundo Ferreira da Luz, por contrato particular celebrado em 15 de setembro de 1989, área com o total de 1.470m². Assevera que adquiriu de Raimundo Ferreira da Luz parte desse imóvel, com o total de 890m², o que fez por contrato verbal celebrado em 2007 e ratificado, por instrumento particular, em 2020 (fl. 14/27).

O Oficial de Registro de Imóveis recusou o registro da usucapião porque: I) não foram apresentadas as certidões de distribuição da Justiça Federal em nome da apelante e da Justiça Estadual em nome de “Alfa Comércio e Serviços Ltda.”; II) a usucapião extrajudicial não se presta para afastar a correta escrituração da transação sobre imóvel, com recolhimento do imposto de transmissão que for devido; III) existem indícios de que o imóvel teve origem em parcelamento irregular do solo urbano, sendo necessária a prévia regularização desse parcelamento; IV) não é possível praticar qualquer ato relativo à matrícula de que a área a ser usucapida será desmembrada, em razão do bloqueio determinado em ação civil pública (fl. 01/03).

As certidões de fl. 81/83, expedidas pela Justiça Federal em nome da apelante e pela Justiça Comum em relação à atual proprietária indicada na matrícula, demonstram que não existem ações reais e ações possessórias que possam repercutir sobre a aquisição do imóvel.

Por sua vez, a aquisição do domínio pela usucapião se aperfeiçoa com o preenchimento dos requisitos legais, ou constitucionais dependendo da modalidade incidente, o que ocorre independente da sua declaração em ação judicial, ou em procedimento extrajudicial, e do seu registro que somente é necessário para que o novo proprietário possa exercer os poderes inerentes ao domínio, relativos à constituição de novos direitos ou ônus reais, por ato inter vivos.

Além disso, não há relação de continuidade entre o anterior proprietário do imóvel e o que o adquire pela usucapião, porque se trata de forma originária de aquisição do domínio. Benedito Silvério Ribeiro, nesse sentido, esclarece:

A usucapião é, tal como a transcrição, modo originário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucumbe em face da aquisição. O proprietário, como já ensinava Lafayette, perde o domínio porque o adquire o possuidor. A transcrição no caso exige-se para o exercício do jus disponendi, mas não é constitutiva” (Tratado de Usucapião. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 162).

Por isso, o bloqueio da matrícula atualmente relativa ao imóvel não impede o registro da usucapião, com abertura de nova matrícula em que deverão ser observados os requisitos previstos na Lei nº 6.015/1973 que em seu art. 226 dispõe: “Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial“.

Igual se dá com a suposta origem do imóvel no parcelamento irregular de área maior de que foi desmembrado, porque os requisitos de natureza urbanística e ambientais, embora possam restringir o uso, não impedem a aquisição da propriedade pela usucapião e, em consequência, o seu respectivo registro.

A usucapião, ademais, é prevista nos arts. 15, II, 26, § 1º, Lei nº 13.465/2017 como um dos instrumentos a ser utilizado na Regularização Fundiária Urbana (Reurb) que, anota-se, poderá ser implantada sobre a área maior, independente do reconhecimento de que a apelante adquiriu a propriedade do lote de que exerce a posse.

De igual modo decorre da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, como se verifica no Tema Repetitivo nº 1025 e, ainda, no Acórdão prolatado no REsp n. 1.818.564/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado em 9/6/2021, DJe de 3/8/2021, que teve a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO JULGAMENTO DE IRDR. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM IMÓVEL URBANO. ÁREA INTEGRANTE DE LOTEAMENTO IRREGULAR. SETOR TRADICIONAL DE PLANALTINA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE DE REGISTRO. O RECONHECIMENTO DO DOMÍNIO DO IMÓVEL NÃO INTERFERE NA DIMENSÃO URBANÍSTICA DO USO DA PROPRIEDADE. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.

(…)

2. A possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

3. A prescrição aquisitiva é forma originária de aquisição da propriedade e a sentença judicial que a reconhece tem natureza eminentemente declaratória, mas também com carga constitutiva.

4. Não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).

5. O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

6. Impossível extinguir prematuramente as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina com fundamento no art. 485, VI, do NCPC em razão de uma suposta ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação.

7. Recurso especial não provido, mantida a tese jurídica fixada no acórdão recorrido: É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

Observo, por fim, que este procedimento não foi instruído com a certidão de casamento da apelante que se qualificou como divorciada, sem, entretanto, informar sobre eventual exercício de composse com seu ex marido durante o período da prescrição aquisitiva, o que, porém, não impede a apresentação desse documento e a prestação de esclarecimentos ao Oficial de Registro de Imóveis, uma vez que são necessários para a qualificação do requerimento formulado.

3. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para afastar as exigências formuladas e determinar que o procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião prossiga mediante notificação do titular do domínio e dos confrontantes, visando a oportuna análise, pelo Oficial de Registro de Imóveis, do preenchimento dos demais requisitos para a aquisição do domínio do imóvel.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de carta de sentença – Acordo em separação judicial – Partilha de imóvel comum, com doação aos filhos e reserva de usufruto à mulher – Desnecessidade de Escritura Pública de doação – Óbice afastado – Apelação provida para autorizar o registro.

Apelação Cível nº 1001054-12.2022.8.26.0584

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001054-12.2022.8.26.0584
Comarca: SÃO PEDRO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001054-12.2022.8.26.0584

Registro: 2024.0000118345

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001054-12.2022.8.26.0584, da Comarca de São Pedro, em que é apelante ESPÓLIO DE CLAUDIA DOS SANTOS LIMA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO PEDRO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1001054-12.2022.8.26.0584

APELANTE: Espólio de Claudia dos Santos Lima

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Pedro

VOTO Nº 43.007

Registro de imóveis  Dúvida julgada procedente  Registro de carta de sentença  Acordo em separação judicial  Partilha de imóvel comum, com doação aos filhos e reserva de usufruto à mulher  Desnecessidade de Escritura Pública de doação – Óbice afastado – Apelação provida para autorizar o registro.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Espólio de Cláudia dos Santos Lima Sobral contra a r. sentença de fls. 143/144, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Pedro, que julgou “improcedente” a dúvida suscitada pelo Oficial e manteve a recusa em se proceder ao registro de carta de sentença expedida de ação de separação judicial consensual (processo de autos n. 0001592-79.2000.8.26.0584), em que houve partilha do imóvel descrito na matrícula n. 34.540 daquela serventia (prenotação n. 127.726).

Fê-lo a r. sentença, basicamente, diante da ausência de certeza existente no texto do acordo homologado, o qual não evidencia efetiva transferência da propriedade aos filhos do casal nem reserva de usufruto em favor da mulher (fls. 05/15 e 59/62).

Manifestação do Oficial às fls. 01/03, no sentido de que necessária escritura pública de doação para formalização adequada da vontade das partes, na forma da nota devolutiva de fls. 119.

Apela a parte suscitada alegando que solicitou ao Oficial averbação da separação do casal proprietário, Ricardo e Cláudia, e registro da partilha do imóvel da matrícula n. 34.540, conforme carta de sentença extraída de ação de separação judicial (processo de autos n. 0001592-79.2000.8.26.0584); que a exigência deve ser afastada, na medida em que a sentença judicial homologatória do acordo celebrado na separação torna desnecessária a formalização da vontade já declarada por escritura pública; que a interpretação jurídica dos termos da avença evidencia a transferência do imóvel comum aos filhos, com reserva de usufruto à mulher, a qual não é mais relevante na medida em que Cláudia já faleceu.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento da apelação (fls. 173/176).

É o relatório.

Decido.

Por primeiro, vale notar que, embora a dúvida suscitada tenha sido julgada improcedente, o comando judicial foi pela manutenção do óbice.

No mérito, o recurso comporta provimento, respeitado o entendimento do MM. Juiz a quo. Vejamos os motivos.

O Oficial dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994).

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/1994), bem como pelo disposto pelo item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular,quer em atos judiciais”.

Há que se ressaltar, ainda, que os títulos judiciais também dependem de qualificação para ingresso no fólio real, sendo que o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n.413-6/7).

Neste sentido, ainda, a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

Não há dúvidas, portanto, de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao delegatário qualificá-los em consonância com os princípios e as regras que regem a atividade registral.

No caso concreto, o Oficial entendeu pela recusa de registro da carta de sentença em virtude da necessidade de formalização da vontade das partes por escritura pública, já que o acordo celebrado contém termos dúbios, que não possibilitam conclusão inequívoca sobre a sua real intenção (fls. 01/03 e 119).

Contudo, da leitura da avença em questão, não resta dúvida de que a vontade do casal foi a de transferir gratuitamente o imóvel de propriedade comum para os filhos (doação) por ocasião de sua separação, com reserva de usufruto à mulher (fls. 05/15).

Embora mediante a utilização de termos simples, como o imóvel “fica” (e não é doado ou transferido) e “uso e fruto” (e não usufruto), a intenção das partes resta clara e evidente diante do fim do casamento: regularização da propriedade em favor dos filhos e proteção da mulher, com garantia de uso e gozo do bem até a morte.

Note-se que a vontade manifestada é tão clara que sequer promessa, a qual se distingue da formalização de seu objeto, permitindo arrependimento, é identificada no texto.

E, ainda que houvesse, dadas as peculiaridades da partilha ajustada em separações e divórcios, cuja finalidade é a dissolução pacificada e a contento da sociedade conjugal, haveria que se reconhecer verdadeiro pacto concretizado com relação ao ato prometido.

Essa é a orientação atual do C. Superior Tribunal de Justiça, da qual destacamos o seguinte julgado:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO CONSENSUAL. PARTILHA DE BENS. ACORDO. DOAÇÃO AOS FILHOS. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. SENTENÇA COM EFICÁCIA DE ESCRITURA PÚBLICA. FORMAL DE PARTILHA. REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. POSSIBILIDADE. 1. Não constitui ato de mera liberalidade a promessa de doação aos filhos como condição para a realização de acordo referente à partilha de bens em processo de separação ou divórcio dos pais, razão pela qual pode ser exigida pelos beneficiários do respectivo ato. 2. A sentença homologatória de acordo celebrado por excasal, com a doação de imóvel aos filhos comuns, possui idêntica eficácia da escritura pública. 3. Possibilidade de expedição de alvará judicial para o fim de se proceder ao registro do formal de partilha. 4. Recurso especial provido” (REsp n. 1.537.287/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016).

Em outras palavras, também extraídas de precedente da Corte Superior, há “tese pacificada pela Segunda Seção no sentido da validade e eficácia do compromisso de transferência de bens assumidos pelos cônjuges na separação judicial, pois, nestes casos, não se trataria de mera promessa de liberalidade, mas de promessa de um fato futuro que entrou na composição do acordo de partilha dos bens do casal” (REsp n. 1.355.007/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe de 10/8/2017).

Na esteira desse entendimento, já se pronunciou o E. Conselho Superior da Magistratura, afastando a obrigatoriedade de se lavrar escritura pública em hipótese semelhante à dos autos:

“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de Carta de Sentença, oriunda de separação judicial, com doação de imóvel a filha menor – Desnecessidade de escritura pública – Precedentes – Desnecessidade de aceitação da donatária (art. 543 do Código Civil) – Não incidência de emolumentos, por haver gratuidade expressamente exposta no título  Necessidade, contudo, de recolhimento dos tributos  Dúvida prejudicada e recurso não conhecido” (TJSP; Apelação Cível 1000762-62.2014.8.26.0663; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Votorantim – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/05/2016; Data de Registro: 15/09/2016).

Note-se que tal solução em nada conflita com outros precedentes do E. CSM, que versam sobre casos em que havia expressa menção quanto à necessidade de escritura pública no próprio acordo de partilha dos cônjuges (Apelação nº 1002967-74.2019.8.26.0506, j. em 16/03/2020, e Apelação nº 1001280-43.2020.8.26.0404, j. em 13/05/2021, nas quais figurou como Relator o Des. Ricardo Anafe, então Corregedor Geral da Justiça).

Não bastasse tudo isso, observa-se que Cláudia já faleceu (fls. 108/109), o que impediria nova manifestação de vontade, caso se mantivesse a exigência do Oficial.

Não resta dúvida, portanto, de que o óbice não subsiste.

Vale salientar, por fim, que, a despeito de o título dispensar escritura pública de doação, o recolhimento tributário devido deverá ser fiscalizado pelo Oficial, na forma da lei.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida e autorizar o registro do título, observado o recolhimento de eventual imposto de transmissão devido.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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