1VRP/SP: Registro de Imóveis. Até que haja partilha dos bens do casal e seu registro na matrícula, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, o acervo patrimonial continua em sua totalidade à disposição de ambos os ex-cônjuges proprietários.Neste contexto, não há como ingressar no fólio real o título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que o adquirente seja o ex-cônjuge e também comunheiro sobre o bem.

Processo 1132624-50.2024.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Paulo Ricardo Lima Alves – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: PAULO RICARDO LIMA ALVES (OAB 94191/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo nº: 1132624-50.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Paulo Ricardo Lima Alves

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Paulo Ricardo Lima Alves, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de dação em pagamento, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 48.223 daquela serventia.

O Oficial informa que o título é compreendido pela escritura pública de dação em pagamento lavrada pelo 2º Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais e 14º Tabelionato de Notas de Curitiba (livro nº 154-N, folhas 27), em 20 de junho de 2022, envolvendo, além de outros imóveis, o objeto da matrícula 48.223 da serventia, de propriedade do casal Katia Nassuno Alcides e Paulo Ricardo Lima Alves; que a desqualificação do título, por nota devolutiva, foi motivada pela necessidade de prévio registro da partilha de bens em decorrência do divórcio de Katia e Paulo, em atenção ao princípio da continuidade; que o interessado requereu a reconsideração da exigência ou suscitação de dúvida, invocando que há precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp n. 983.450/RS, no sentido de que o encerramento do casamento implica em cessação da mancomunhão do imóvel que passa a pertencer em condomínio aos divorciados; que a jurisprudência mais recente do Conselho Superior da Magistratura entende pela formação de mancomunhão em tais situações; que na mancomunhão, a despeito da mudança do estado civil dos ex-cônjuges, a situação patrimonial se mantém, até que se resolva via partilha dos bens; que, no caso, consta da escritura de divórcio do suscitado e Katia Nassuno Alcides Alves que: “6.1. Ao longo do matrimônio os divorciandos adquiriram bens, que serão objetos de futura partilha”; que, desta forma, enquanto não partilhado o imóvel, não há como um dos divorciandos dispor sobre sua parte, sob pena de violação do princípio da continuidade (artigo 195 da Lei de Registros Públicos); que esta confusão patrimonial só desaparecerá com a partilha dos bens (fls. 01/04).

Documentos vieram às fls. 05/48.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada, invocando o precedente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 983.450/RS, defendeu que a separação de fato do casal implica na cessação do regime de bens e a copropriedade do imóvel passa a ser regida pelo instituto do condomínio, não da mancomunhão; requereu a reconsideração da exigência ou suscitação da dúvida (fls. 39/42).

Regularmente intimado, o suscitado não apresentou impugnação nos autos (fls. 54).

O Ministério Público ofertou parecer, pugnando pela improcedência da dúvida (fls. 58/60).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que dispõe o item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, a dúvida é procedente.

No caso concreto, o interessado pretende o registro de escritura pública de dação em pagamento lavrada em 20 de junho de 2022, pela qual Katia Nassuno Alcides transmite a parte ideal correspondente a 50% do imóvel da matrícula n. 48.223, do 8º Registro de Imóveis da Capital, para Paulo Ricardo Lima Alves, seu ex-marido, ora suscitado (fls. 05/08).

O casamento entre Paulo Ricardo Lima Alves e Katia Nassuno Alcides Alves ocorreu em 14 de janeiro de 1989, sob o regime da comunhão parcial de bens (fls. 46).

Pelo registro n. 16 na matrícula n. 48.223 (R.16/48.223 – fls. 30), a propriedade do imóvel foi por eles adquirida em 14 de março de 2002.

Na escritura de divórcio consensual lavrada pelo 11º Tabelião de Notas da Capital, em 29 de setembro de 2021, os divorciandos estabeleceram que os bens imóveis seriam objetos de futura partilha, conforme disposto no item 6.1: “Ao longo do matrimônio os divorciandos adquiriram bens, que serão objeto de futura partilha.” (fls. 47)

Todavia, até o presente momento, a partilha de bens do casal não foi levada ao registro imobiliário. Na falta de registro da partilha, com a consequente atribuição da titularidade da propriedade a cada um dos ex-cônjuges, persiste a propriedade em comunhão em relação à totalidade do bem.

Sobre o tema, ensina Maria Berenice Dias (Manual das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, e-book, 2017):

“Quer no casamento, quer na união estável, quando o regime do casamento prevê a comunhão do patrimônio adquirido durante o período de convívio, os bens pertencem a ambos em partes iguais. A presunção é que foram adquiridos pela comunhão de esforços para amealhá-los. Cada um é titular da metade e tem direito à meação de cada um dos bens. Esta copropriedade recebe o nome de mancomunhão, expressão corrente na doutrina, que, no entanto, não dispõe de previsão legal. É o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Nada mais significa do que propriedade em “mão comum”, ou seja, pertencente a ambos os cônjuges ou companheiros.

Tal figura distingue-se do condomínio: quando o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observada a preferência do outro (CC 1.314 e seguintes).”

A aquisição da propriedade durante o casamento em regime da comunhão parcial, de fato, caracteriza mancomunhão (comunicação do patrimônio), a qual somente deixa de existir com o registro da divisão dos bens do casal:

“Avaliando que a comunhão decorrente do regime de bens é resultante da situação jurídica e não somente da pluralidade de pessoas parecenos que findo o interesse econômico conjugal pela separação ou pelo divórcio, havendo partilha de bem imóvel, é de rigor seu registro como ato constitutivo, de sorte que eventuais interessados saibam qual foi o destino dado ao patrimônio do casal por ocasião da partilha. Parecenos que a publicidade registral resultante de simples averbação de separação ou de divórcio, para fins de atualização do estado civil como é praticado nos Registros Imobiliários do Estado de São Paulo, em razão de decisões vinculantes, não tem a força de estabelecer o condomínio que só seria formado mediante partilha e consequente registro” (SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Condomínio e incorporações no Registro de Imóveis. São Paulo: Mirante, 2011, p.44, nota 2).

O estado de mancomunhão inviabiliza a transmissão e o respectivo registro porque, ausente a partilha, não há atribuição da titularidade da propriedade aos excônjuges.

Consequentemente, não é possível a alienação de parte ideal do imóvel por quem não ostenta a condição de proprietário exclusivo de parte ideal, mas sim de comunheiro por força do regime de bens do casamento.

Para que o título ingresse no fólio real é preciso que esteja amparado no registro anterior, tanto em seus aspectos subjetivos como objetivos, tudo em respeito ao princípio da continuidade, como explica Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, p. 254).

Justamente pela falta de identificação do título apresentado com o conteúdo da matrícula é que a qualificação negativa foi acertada, em consonância com o princípio da continuidade registrária (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73):

“Art. 195 Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

(…)

Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

No mesmo sentido, o item 47 do Cap. XX das NSCGJ:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias.”

Na espécie, o registro da dação em pagamento configuraria violação ao princípio da continuidade, por não ser possível a inscrição da transmissão da propriedade ante a falta de extinção da comunhão decorrente do regime de bens, que persiste mesmo diante da dissolução da sociedade conjugal, não sendo suficiente mera averbação de alteração do estado civil.

A propósito, a matéria já foi objeto de decisão pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:

“1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão.

2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constata é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex cônjuges à totalidade dos bens.” (RESP nº 1.537.107/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJE. 25.11.2016)

Neste sentido, os precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura:

“DÚVIDA – REGISTRO DE IMÓVEIS. Imóvel registrado em nome do casal divorciado. Regime da comunhão de bens. Divórcio não averbado. Partilha não registrada. Posterior acordo, em ação de execução de alimentos, de dação em pagamento pelo ex-marido em favor da ex-esposa. Carta de sentença qualificada negativamente. Exigência de prévia partilha do imóvel comum. Mancomunhão. Não configuração da propriedade em condomínio apenas em razão do divórcio, sequer averbado na matrícula. Violação ao princípio da continuidade registral. Necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges. Pedido de cindibilidade do título para registro apenas da aquisição do terreno que não dispensa a prova de pagamento do ITBI – Dúvida julgada procedente. Nega-se provimento à apelação.” (TJSP; Apelação Cível 1019196-32.2020.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 11/09/2020; Data de Registro: 25/09/2020)

“REGISTRO DE IMÓVEIS DÚVIDA – TUTELA DE URGÊNCIA – NÃO CABIMENTO – TÍTULO JUDICIAL – CARTA DE ARREMATAÇÃO – EXIGÊNCIA DE GEORREFERENCIAMENTO AFASTADA – PARTES IDEAIS DOS IMÓVEIS ARREMATADOS QUE SE ENCONTRAM REGISTRADAS EM NOME DE CASAL DIVORCIADO – PARTILHA NÃO REGISTRADA – MANCOMUNHÃO – AUSÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE PROVA DA INTIMAÇÃO DA EX-CÔNJUGE QUANTO À CONSTRIÇÃO E ALIENAÇÃO JUDICIAL DOS IMÓVEIS ARREMATADOS – ÓBICE MANTIDO – APELAÇÃO NÃO PROVIDA.” (TJSP; Apelação Cível 1012273-77.2023.8.26.0037; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Araraquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2024; Data de Registro: 06/06/2024)

Logo, até que haja partilha dos bens do casal e seu registro na matrícula, identificando e atribuindo a propriedade exclusiva sobre a parte ideal a ser disposta, o acervo patrimonial continua em sua totalidade à disposição de ambos os ex-cônjuges proprietários.

Neste contexto, não há como ingressar no fólio real o título de transmissão decorrente da manifestação de vontade de somente um dos comunheiros, ainda que o adquirente seja o ex-cônjuge e também comunheiro sobre o bem.

Em suma, a fim de se preservarem os princípios da continuidade e da segurança jurídica que regem os registros públicos, há necessidade de ingresso prévio da partilha para que a dação em pagamento possa ter ingresso.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 14.10.2024 – SP).

Fonte:DJE/SP.

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1VRP/SP: Registro de Imóveis. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento: nas hipóteses de alienação judicial de imóvel, seu valor venal corresponde àquele pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI, o que também se aplica aos casos de leilão extrajudicial, em virtude da sua similaridade com a arrematação judicial.

Processo 1151777-69.2024.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Eduardo Stambone – – Karen Cravito Stambone – Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar o registro do título (prenotação n. 629.401 – fls. 57). Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FERNANDO CABECAS BARBOSA (OAB 144157/SP), KARINA DA SILVA CABRAL (OAB 505762/SP), KARINA DA SILVA CABRAL (OAB 505762/SP), FERNANDO CABECAS BARBOSA (OAB 144157/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo nº: 1151777-69.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: Eduardo Stambone e outro

Requerido: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Eduardo Stambone e Karen Cravito pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura pública de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n. 159.499 daquela serventia.

A parte alega que, em 27 de maio de 2024, arrematou o citado imóvel em leilão extrajudicial, pelo valor de R$ 811.800,00, recolheu o imposto de transmissão (ITBI) à Prefeitura Municipal de São Paulo, no valor de R$ 24.354,00, correspondente a 3% sobre o valor da arrematação, e firmou a escritura pública de venda e compra lavrada pelo 8º Tabelião de Notas de São Paulo; que, apresentado para registro, o título foi devolvido por meio de nota devolutiva que considerou que o ITBI não poderia ter sido recolhido sobre o valor da arrematação (R$ 811.800,00), exigindo a apresentação de guia complementar ou retificação do recolhimento do ITBI a ser calculado sobre o valor da transação/negócio (escritura de venda e compra), ou seja, o valor venal de referência do imóvel (R$ 1.530.860,00); que, tratando-se de imóvel arrematado em hasta pública, a interpretação é de que o valor venal corresponde ao valor da arrematação, havendo inclusive, orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido; que, nas hipóteses de alienação judicial ou extrajudicial do imóvel por leilão, o valor venal corresponde ao valor pelo qual foi arrematado, inclusive para fins de cálculo do ITBI; que o fato gerador do ITBI é a efetiva transmissão da propriedade, mediante o registro no competente Registro de Imóveis, não havendo incidência no momento da lavratura da escritura ou do contrato de promessa de compra e venda ou no momento da arrematação do imóvel em leilão; que, deste modo, requer o afastamento do óbice para ingresso do título ao fólio real (fls. 01/15).

Documentos vieram às fls. 16/51.

Constatado o decurso do prazo legal da última prenotação, foi determinada a reapresentação do título (fls. 52/53), o que foi atendido (prenotação n. 629.401 – fls. 57).

Em manifestação, o Oficial informou que o título foi apresentado em 1º de julho de 2024, objeto da prenotação n. 622.826, e desqualificado por nota devolutiva com exigência que, por não ter sido reconsiderada, deu origem ao processo de dúvida n. 1120277-82.2024.8.26.0100, julgada prejudicada por sentença, mas não houve comunicação do trânsito em julgado à serventia, o que ensejará o cancelamento daquela prenotação anterior; que o título foi devolvido porque, ao preencher o sistema municipal gerador da guia de ITBI, o requerente informou, no campo correspondente à natureza da transação, tratar-se de uma arrematação quando, na verdade, trata-se de venda e compra, operada por meio de leilão privado, por escolha e conveniência do vendedor, não resultante do leilão extrajudicial previsto na Lei n. 9.514/1997 ou de hasta pública decorrente de decisão judicial; que, assim fazendo, o ITBI foi calculado automaticamente com base no valor da transação (R$ 811.800,00) em detrimento do valor venal de referência (R$ 1.530.860,00); que foi exigida a revisão e o recolhimento complementar do ITBI, com apresentação da guia complementar ou retificadora, com acréscimos legais, conforme exige o artigo 187 do Decreto Municipal n. 62.137/2022; que houve erro na indicação do fato gerador que ocasionou recolhimento a menor, pois se indicada a natureza da transação correta, ou seja, compra e venda, o sistema levaria em consideração o valor venal de referência, que é superior ao valor da transação (Decreto Municipal n. 55.196/2014 e Lei Municipal n. 11.154/1991); e que o artigo 289 da Lei n. 6.015/1973 aduz que, no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício (fls. 59/62).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela improcedência da dúvida (fls. 66/68).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Assim dispõe o item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, o óbice pode ser afastado, pelos seguintes motivos.

Os interessados buscam o registro de escritura pública de compra e venda lavrada em 25 de junho de 2024 (livro 3.876, fls. 271/276), pela qual adquiriram do Banco Bradesco S/A. o imóvel da matrícula n. 159.499, do 10º Registro de Imóveis da Capital, arrematado em leilão extrajudicial pelo preço de R$ 811.800,00 (fls. 25/29).

Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei 8.935/1994).

Todavia, acerca desta matéria, o E. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. QUALIFICAÇÃO NEGATIVA. QUESTIONAMENTO A RESPEITO DA BASE DE CÁLCULO UTILIZADA PARA RECOLHIMENTO DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI. ANÁLISE DO OFICIAL REGISTRADOR, NA MATÉRIA CONCERNENTE AO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO, QUE DEVE SE ATER AO SEU RECOLHIMENTO, SEM ALCANÇAR O VALOR NÃO CONFIGURAÇÃO DE FLAGRANTE IRREGULARIDADE NO RECOLHIMENTO. PRECEDENTES DO C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. DÁ-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE.” (TJSP; Apelação Cível 1014481-63.2023.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2023; Data de Registro: 19/12/2023)

“Registro de Imóveis. Escritura pública de compra e venda. Qualificação negativa. Questionamento a respeito da base de cálculo utilizada para recolhimento do imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI. Análise pelo Oficial Registrador, na matéria concernente ao imposto de transmissão, que deve se ater ao seu recolhimento, sem alcançar o valor. Não configuração de flagrante irregularidade no recolhimento. Precedentes do C. Conselho Superior da Magistratura. Dá-se provimento à apelação para julgar a dúvida improcedente.” (TJSP; Apelação Cível 1001415-15.2021.8.26.0309; Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Jundiaí – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/11/2021; Data de Registro: 30/11/2021)

Nessa mesma linha, este Juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processos ns. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100, 1039015-81.2022.8.26.0100, 1149447-36.2023.8.26.0100 e 1185365-04.2023.8.26.0100).

No caso concreto, a escritura de venda e compra indica que o negócio foi realizado pelo valor total de R$ 811.800,00 (fls. 26), com recolhimento, a título de ITBI, da quantia de R$ 24.354,00 (fls. 38/40), que corresponde à aplicação da alíquota de 3% sobre o valor do negócio, qual seja, o valor da arrematação do imóvel em leilão extrajudicial.

O recolhimento do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.937.821/SP (processo-paradigma do Tema n. 1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:

“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte entendimento: nas hipóteses de alienação judicial de imóvel, seu valor venal corresponde àquele pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI, o que também se aplica aos casos de leilão extrajudicial, em virtude da sua similaridade com a arrematação judicial:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ITBI. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. FATO GERADOR. REGISTRO DA TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. SÚMULA 83/STJ. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. A irresignação não merece conhecimento. 2. O entendimento aplicado pela Corte paulista está de acordo com o do STJ, o qual afirma que, nas hipóteses de alienação judicial do imóvel, seu valor venal corresponde àquele pelo qual foi arrematado em hasta pública, inclusive para fins de cálculo do ITBI. 3. Ademais, em virtude da similaridade do leilão extrajudicial com a arrematação judicial, aplica-se, mutatis mutandis, o entendimento pacífico na Primeira Seção do STJ de que aquele corresponde a esta. 4. Ademais, o fato gerador do imposto de transmissão é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico. Incide, portanto, a regra da Súmula 83/STJ. 5. Recurso Especial não conhecido.” (STJ, REsp n. 1.803.169/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 29/5/2019)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMÓVEL ALIENADO POR ARREMATAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA ARREMATAÇÃO. I – O STJ tem jurisprudência pacífica no sentido de que, em se tratando de alienação judicial, o valor venal, para os fins da incidência de ITBI, é aquele obtido na arrematação em hasta pública. Precedentes: AgRg no AREsp n. 348.597/MG, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 10/3/2015, DJe de 16/3/2015 e REsp n. 2.525/PR, relator Ministro Armando Rolemberg, Primeira Turma, julgado em 21/5/1990, DJ de 25/6/1990, p. 6027. II – Na arrematação extrajudicial, in casu, que se origina do inadimplemento relacionado à alienação fiduciária, não é necessário o ajuizamento de processo de execução, todavia isso não desnatura o conceito de valor venal, para os fins do art. 38 do CTN, ou seja, o valor deve ser aquele do direito transmitido, aquele obtido no leilão, independentemente do valor da avaliação do imóvel pela municipalidade, isso porque a base de cálculo do tributo deve necessariamente medir as proporções reais do fato sob sua faceta econômica. Precedente: REsp n. 1.803.169/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 29/5/2019. III – Recurso especial provido.” (STJ, REsp n. 1.996.625/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023)

Nesse contexto, a exigência de recolhimento complementar de ITBI tendo como base de cálculo o valor venal de referência do imóvel pode ser afastada, notadamente porque todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência. Eventuais diferenças deverão ser perseguidas pela parte credora na via adequada, com base nos dados de que dispõe.

Além disso, não se pode exigir do Oficial, por isso mesmo, uma prudência maior na fiscalização dessas mesmas informações, sendo suficiente a demonstração do recolhimento por meio da guia própria para que se admita o registro.

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar o registro do título (prenotação n. 629.401 – fls. 57).

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de outubro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 14.10.2024 – SP).

Fonte:DJE/SP.

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Edital COMISSÃO DO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS nº 31, de 11.10.2024 – D.J.E.: 11.10.2024.

Ementa

Torna público o resultado da pontuação dos títulos, apresentados nos termos do Edital nº 22/2024 e pontuados de acordo com o item 7.1 do Edital do certame, conforme a seguinte lista, que elenca os candidatos em ordem alfabética.


A Secretária Geral do Conselho Nacional de Justiça torna público o EDITAL Nº 31/2024 – RESULTADO DA PONTUAÇÃO DE TÍTULOS da Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas.

Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas 

EDITAL Nº 31/2024 – RESULTADO DA PONTUAÇÃO DE TÍTULOS

O Presidente da Comissão de Concurso para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, designado por meio da Portaria Conjunta nº 02 de 09 de abril de 2019 do C. CNJ, no exercício da delegação da prática de atos referentes ao certame, conforme decisão proferida pela Presidência do C. CNJ nos autos do Pedido de Providências nº 0001488-14.2023.2.00.0000, para conhecimento geral, TORNA PÚBLICO o resultado da pontuação dos títulos, apresentados nos termos do Edital nº 22/2024 e pontuados de acordo com o item 7.1 do Edital do certame, conforme a seguinte lista, que elenca os candidatos em ordem alfabética.

Do resultado caberá recurso à Comissão de Concurso, a ser oferecido no prazo de 02 (dois) dias, conforme item 10.5 do Edital do certame. O prazo para interposição do recurso iniciará às 00h01min do dia 15/10/24 e encerrará às 23h59min do dia 16/10/24. O recurso deverá ser interposto por meio de “link” próprio deste Concurso no “site” da Fundação VUNESP (www.vunesp.com.br), durante o prazo recursal.

O recurso poderá ser interposto apenas pelo próprio candidato prejudicado pela nota atribuída. O recurso deverá ser preciso e objetivo, com exposição dos títulos apresentados pelo recorrente e respectivas pontuações que se pretende atribuir, com justificativa da majoração do resultado, sob pena de não conhecimento do recurso.

Clique aqui para visualizar o anexo.

E para que chegue ao conhecimento dos interessados e não se alegue desconhecimento, é expedido o presente edital.

Desembargador MARCELO MARTINS BERTHE

Presidente da Comissão de Concurso

Fonte:DJE/CNJ – 11.10.2024.

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