CSM/SP: Registro de imóveis – Carta de sentença – Partilha e sobrepartilha de bens – Origem judicial do título que não o torna imune à qualificação registral – Condomínio edilício – Impossibilidade do ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não é mais proprietário do apartamento – Vaga de garagem acessória a unidade autônoma – Irrelevância do fato de a garagem ser objeto de matrícula autônoma no caso concreto, pois funcionalmente vinculada à titularidade do apartamento – Inteligência do art. 1.331, § 1º, do Código Civil – Expressa disposição na convenção de condomínio que veda a aquisição de vaga de garagem por quem não seja proprietário de apartamento no edifício – Óbice mantido – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1066362-21.2024.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1066362-21.2024.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1066362-21.2024.8.26.0100

Registro: 2024.0000961734

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1066362-21.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUIZ GUSTAVO FUNCHAL DE CARVALHO, é apelado 13º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 1º de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1066362-21.2024.8.26.0100

APELANTE: Luiz Gustavo Funchal de Carvalho

APELADO: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.560

Registro de imóveis  Carta de sentença  Partilha e sobrepartilha de bens  Origem judicial do título que não o torna imune à qualificação registral – Condomínio edilício  Impossibilidade do ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não é mais proprietário do apartamento  Vaga de garagem acessória a unidade autônoma – Irrelevância do fato de a garagem ser objeto de matrícula autônoma no caso concreto, pois funcionalmente vinculada à titularidade do apartamento  Inteligência do art. 1.331, § 1º, do Código Civil – Expressa disposição na convenção de condomínio que veda a aquisição de vaga de garagem por quem não seja proprietário de apartamento no edifício  Óbice mantido  Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Luiz Gustavo Funchal de Carvalho contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que manteve a recusa de registro da carta de sentença extraída dos autos do Processo nº 0029713-31.2011.8.26.0100, tendo por objeto os imóveis matriculados sob nºs 53.645, 53.646 e 53.647 junto à referida serventia extrajudicial (fls. 220/225).

O apelante alega, em síntese, que a partilha e a sobrepartilha possuem origem judicial e constituem direito adquirido por parte de Ana Maria Soares Haberbeck Brandão, razões pelas quais, mantida sua condição de condômina, os óbices apresentados ao pretendido registro não merecem subsistir. Nega a incidência das limitações trazidas pelos arts. 1.331 e 1.339 do Código Civil, pois se referem apenas à hipótese de alienação voluntária. Aduz que, por se tratar de vaga de garagem com matrícula própria, deve ser considerada unidade autônoma, com a consequente possibilidade de manutenção da propriedade em nome de Nicanor da Silva Baptista Filho (fls. 231/243).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 267/269).

É o relatório.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada a seus requisitos formais e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

Item 117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.”

Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Cuida-se de registro de carta de sentença (fls. 20/123) oriunda da ação em que partilhados judicialmente os bens que integravam o patrimônio comum de Nicanor da Silva Baptista Filho Ana Maria Soares Haberbeck Brandão (Processo nº 0029713-31.2011.8.26.0100).

Consta do título apresentado (fls. 20/123) que o apartamento nº 268, localizado no “Edifício Central Park Residence Service“, matriculado sob nº 53.645 e vaga de garagem nº 158, no mesmo local, objeto da matrícula nº 53.647, ambas do 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, passarão a pertencer exclusivamente a Ana Maria Soares Haberbeck Brandão. De outro lado, a vaga de garagem nº 157, matriculada sob nº 53.646 junto ao 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, também localizada no “Edifício Central Park Residence Service“, passará a pertencer exclusivamente a Nicanor da Silva Baptista Filho.

O ingresso do título ao fólio registral foi negado pelo Oficial sob o argumento de que, quando do registro da partilha, o apartamento nº 268 passaria a pertencer exclusivamente a Ana Maria Soares Haberbeck Brandão, de maneira que o registro da sobrepartilha da vaga de garagem nº 157 estaria impossibilitado por conta da vedação constante no art. 1.331, § 1º, do Código Civil e na parte final da cláusula terceira da Convenção do Condomínio do edifício.

Isso porque em razão da partilha da unidade autônoma, Nicanor da Silva Baptista Filho deixaria de figurar como condômino (fls. 142/144). Entendeu o registrador, assim, pela impossibilidade de ser o ex-cônjuge titular de vaga de garagem acessória de apartamento que não mais lhe pertence.

A alteração do art. 1.331 do Código Civil, introduzida pela Lei nº 12.607, de 04 de abril de 2012, teve a função relevante de garantir a segurança dos condomínios edilícios, evitando a alienação de garagens a estranhos. Criou aparente antinomia com os arts. 1.338 e 1.339 do Código Civil e merece interpretação criativa.

A segunda parte do § 1º, do art. 1.331 do Código Civil, objeto da inovação, diz que “os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio”.

Falha grave do Código Civil de 2002 é a omissão quanto ao regime jurídico das vagas de garagens. Cabe, de início, ressaltar que as vagas em edifícios-garagem são sempre unidades autônomas. Nos demais casos, há apenas breve alusão ao abrigo de veículos, como parte de utilização exclusiva dos condôminos. Colmata-se a lacuna do Código Civil aplicando-se o que contém o art. 2º, § 1º, da Lei nº 4.591/64.

A doutrina e a jurisprudência admitem tripla modalidade das vagas, a saber: a) como coisa comum, absorvida na fração ideal de terreno da unidade autônoma, conferindo o direito de estacionar veículo no espaço comum que se encontrar desocupado, sem demarcação.

Admite-se que a convenção de condomínio discipline o uso, ou faça o sorteio de utilização temporária das vagas; b) como acessório de unidade autônoma, reservada a um condômino ou a determinado grupo, sem fração ideal de terreno a ela atrelada, mas demarcada para uso privativo do titular da unidade a que se vincula; distingue-se da modalidade anterior, porque a unidade com vaga acessória tem fração ideal maior no terreno do edifício; c) como unidade autônoma, com fração ideal de terreno a ela atrelada, com designação específica e extremada das demais vagas de garagem.

Parece claro que as vagas perfeitamente demarcadas, que constituem unidades autônomas, com fração ideal de terreno própria e não vinculadas a nenhuma unidade habitacional ou comercial, ou seja, aquelas que não guardam relação de dependência e nem são acessórias, podem ser alienadas ou locadas livremente a terceiros.

Tome-se como exemplo os edifícios-garagem, nos quais cada vaga tem plena autonomia, de modo que não faria o menor sentido a restrição quanto ao poder de dispor ou de loca-las a terceiros.

As limitações da parte final do referido § 1º do art. 1.331 do Código Civil alcançam apenas as vagas de garagem indeterminadas, ou mesmo as vagas determinadas que se encontrem vinculadas a uma unidade autônoma principal, seja habitacional ou empresarial. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já afirmou que o simples fato de a garagem situar-se em prédio comercial não dispensa a prévia previsão em convenção de condomínio para alienação a terceiros (TJSP; Apelação Cível 1107811-71.2015.8.26.0100; rel. Des. Corregedor Geral da Justiça Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 20/09/2016; Data de Registro: 26/09/2016).

A limitação abrange tanto a alienação como a locação a terceiros estranhos ao condomínio. É indiferente que a propriedade da vaga de garagem descolada do apartamento tenha origem em negócio de alienação ou de aquisição.

Dizendo de modo diverso, é irrelevante que alguém tenha alienado o apartamento e reservado ara si a garagem, ou, ao contrário, que tenha adquirido somente a garagem sem o apartamento. A função da norma, de preservar a segurança do condomínio edilício, atinge uma e outra situação.

In casu, é incontroverso que não se trata de edifício garagem, seja em sua totalidade ou em parte.

Ademais, a Convenção do Condomínio “Edifício Central Park Residence Service“, na cláusula terceira in fine (fls. 155) dispõe que:

Tais vagas serão consideradas como unidades autônomas, pertencentes individualmente a cada condômino que adquira-las. Essas vagas não estão vinculadas aos apartamentos, e a aquisição de uma ou mais vagas para guarda de automóveis somente poderá ser feita por proprietários de apartamentos do edifício“.

Ora, ainda que as vagas de garagem tenham matrículas próprias, da disposição depreende-se que inexiste autorização para sua alienação àqueles que não são proprietários de unidades autônomas, nos termos determinados pelo art. 1.331, §1º, do Código Civil.

Nessa ordem de ideias, não há como o ex-cônjuge ser aquinhoado com uma vaga de garagem, se não mais é proprietário do apartamento, certo que o pretendido registro representaria manifesta violação ao sentido da norma.

De rigor, pois, a confirmação da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, com a consequente manutenção do óbice apresentado pelo registrador. Nesse sentido:

“Registro de imóveis – Dúvida procedente – Condomínio edilício – Vagas de garagem – Alienação para pessoa que não é proprietária de unidade autônoma – Ausência de autorização na Convenção do Condomínio – Registro negado – Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1090191-75.2017.8.26.0100; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 24/07/2018; Data de Registro: 30/07/2018).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 10.10.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


STJ: Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afasta usucapião de imóvel de sociedade de economia mista com destinação pública

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, rejeitou o pedido de reconhecimento de usucapião de um imóvel de propriedade da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Para o colegiado, como o imóvel pertence à sociedade de economia mista e tem destinação pública, não seria possível a usucapião.

No julgamento, o colegiado considerou viável, em ação de usucapião, proteger a posse da empresa estatal sobre o bem público ocupado irregularmente. Assim, manteve a decisão judicial que, no mesmo processo, acolheu o pedido da Caesb para a reintegração de posse.

Os autores da ação de usucapião extraordinária ajuizada contra a Caesb argumentaram que ocupam uma área de mais de sete mil metros quadrados há mais de 15 anos, o que seria suficiente para o reconhecimento da aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.

Instâncias ordinárias rejeitaram o pedido de usucapião

Em primeiro e segundo graus, a ação foi julgada improcedente. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), não seria possível reconhecer o exercício de posse pelos autores, mas a mera detenção. O TJDFT também entendeu que, constatado o domínio público sobre o imóvel indevidamente ocupado, deveria ser determinada a sua desocupação, conforme pedido apresentado pela Caesb na contestação.

Por meio de recurso especial, os ocupantes do imóvel alegaram que, sendo a Caesb uma sociedade de economia mista submetida ao regime de direito privado, nada impediria o reconhecimento da usucapião. Eles também questionaram a possibilidade do pedido de reintegração de posse no mesmo processo.

Usucapião é inviável quando demonstrada efetiva ou potencial destinação pública

A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que o artigo 1.238 do Código Civil disciplina a usucapião extraordinária, cujo reconhecimento exige a posse do imóvel pelo prazo mínimo de 15 anos, sem interrupção nem oposição, independentemente de título e boa-fé. Nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, o prazo pode ser reduzido para dez anos caso o possuidor more habitualmente no local ou tenha feito obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.

Por outro lado, a relatora destacou que, conforme previsto no artigo 102 do Código Civil, os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.

Nesse contexto, Nancy Andrighi citou jurisprudência do STJ (REsp 1.719.589) no sentido de que os bens de sociedade de economia mista sujeitos a destinação pública podem ser considerados bens públicos e, portanto, insuscetíveis de usucapião. O fato de o imóvel estar momentaneamente vazio ou desocupado não afasta a caracterização da destinação pública. Essa característica tem recebido uma interpretação abrangente pela corte, de modo a significar a utilização efetiva ou potencial do bem para serviços e políticas públicas (REsp 1.874.632).

Área é destinada ao abastecimento de água para a população do DF

No caso dos autos, a ministra lembrou que, além de pertencer à Caesb e estar localizado em área de proteção ambiental, o imóvel se destina à prestação do serviço público de abastecimento de água potável para a população do DF, havendo, inclusive, um reservatório de água na área discutida na ação.

“Tais premissas, portanto, acarretam a impossibilidade de reconhecimento da usucapião, bem como a necessidade de se conferir proteção possessória à Caesb, que, atualmente, encontra-se impossibilitada de utilizar integralmente o imóvel em favor do interesse público, diante da ocupação ilícita por parte dos recorrentes”, completou a ministra.

Sobre a reintegração de posse no âmbito da ação de usucapião, Nancy Andrighi lembrou que a parte autora formulou pedido expresso de manutenção da posse do imóvel. Para se contrapor a esse pedido, apontou, a Caesb, em contestação, pugnou expressamente pela desocupação da área, com a reintegração de posse do imóvel.

“Portanto, ao invocar debate sobre a posse do bem na petição inicial, a própria parte autora atraiu a possibilidade de que a parte ré formulasse pedido de proteção de sua posse em sede de contestação, em conformidade com os artigos 556 e 561 do Código de Processo Civil”, concluiu a ministra.

Leia também:  Usucapião de imóvel urbano: definições, requisitos e limites, segundo o STJ

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):

REsp 2173088

Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


1VRP/SP: Protesto. Instrumento particular. Falta dos 3 requisitos: certeza, liquidez e exibilidade.

Processo 0039696-97.2024.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – Oxxyng Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S. A – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a reclamação formulada por Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Intime-se a parte interessada sobre o resultado. Comunique-se o resultado à E. CGJ, servindo a presente como ofício. Posteriormente, se necessário, comunique a data do trânsito em julgado. Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: JOSE NASSIF NETO (OAB 35157/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 0039696-97.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais

Requerente: Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A.

Requerido: 2º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Comarca da Capital

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de reclamação formulada por Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A. em face do 2º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital.

A requerente alega que apresentou os seguintes documentos necessários a justificar o requerimento para protesto: 1) contrato social da Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A., 2) contrato social da sociedade Logop & Sudeste Saúde do Gmill Distribuição S.A., 3) contrato de sociedade em conta de participação firmado entre a requerente, na condição de sócia ostensiva, e a empresa Logop & Sudeste Saúde do Gmill Distribuição S.A., na condição de sócia participante, 4) comprovante de inscrição e de situação cadastral extraído do site da Receita Federal relativo a CNPJ “inscrita com a razão social de Logop & Sudeste Saúde do Gmill Distribuição S.A., encontra-se registrado em nome da sucessora Marine Distribuidora, Comércio, Indústria e Participações S.A., registrando como nome fantasia Logop & Gmill SA., sediada no mesmo endereço da antecessora …, demonstrando que a mudança de razão social não alterou o compromisso assumido de sociedade em conta de participação”; 5) notificação extrajudicial para comprovação de mora da sócia participante pelo “não atendimento da transferência da parte correspondente a 60% da parte da Oxxing, em razão da transferência de parte do capital social da Marine Distribuidora, Comércio, Indústria e Participações S.A. para a constituição da sociedade Marine – Brafértil Ltda.”, 6) letra de câmbio emitida pela credora e protestada por falta de aceite perante o 10º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital (livro 12853-G – fls. 43), no valor de R$ 7.470.000,04.

Sustenta que tais documentos instruíram o requerimento para protesto de título, tendo como devedores as empresas Marine Distribuidora, Comércio, Indústria e Participações S.A., Marine – Brafértil Ltda., Brafértil Brasil Fertilizantes Ltda e B.C.T.S.A. Banco de Compensação Tributária; que, no entanto, a documentação foi qualificada negativamente, por meio de nota devolutiva fundamentada em carência de liquidez, certeza e exigibilidade, contra a qual se insurge; que a questão levantada pelo Tabelião acerca da união de esforços foi convencionada entre os sócios e se trata de assunto “interna corporis”, enquanto a transferência de parte do capital social, sem anuência da sócia ostensiva, foi ilegal “e ela está em busca deste ressarcimento, através de um título correspondente à letra de câmbio protestada por falta de aceite, passando este título a ter condição de título executivo extrajudicial”; que, na dicção do artigo 786, parágrafo único, do CPC, não pode ser discutida a liquidez do título, vez que nenhuma contraprestação obriga a credora; que, além disso, nos termos do artigo 784, inciso III, do CPC, o contrato de sociedade em conta de participação (documento particular) assinado pelo devedor e por duas testemunhas, consubstancia título executivo extrajudicial; que a sócia participante, ao promover atos societários que destoaram do que foi pactuado com a sócia ostensiva, causou ruptura no pacto, autorizando esta última a buscar seus direitos em relação à sócia participante e às empresas que com ela se associaram sem promover investigação cadastral necessária a com ela se associar, por isso, o protesto deve ser por falta de pagamento e extensivo a todas as quatro empresas relacionadas; que requereu, também, protesto para fins falimentares, esclarecendo, na ocasião, os motivos de fato e de direito que dão suporte ao pedido; que, diante do exposto, requer o processamento do requerimento para protesto (fls. 04/11).

Documentos vieram às fls. 12/73.

O Tabelião manifestou-se, informando que a reclamante apresentou, em 25 de julho de 2024, requerimento para protesto de um documento de dívida, protocolado sob n. 625 de 26 de julho de 2024, tendo como apresentante e credor a reclamante Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A. e como devedoras as empresas Marine Brafertil Ltda., Marine Distribuidora, Comércio, Indústria e Participações S.A., BCT S.A. – Banco de Compensação Tributário, Gestão Administrativa, Negócios e Participações S.A. e Brafertil Brasil Fertilizantes Ltda.; que, após qualificação dos documentos, foi emitida nota devolutiva no sentido de não ter sido encontrada liquidez, certeza e exigibilidade, pelos seguintes motivos: a) pela cláusula 3ª do contrato da sociedade em conta de participação, o objeto social é a “efetiva união de esforços para transferência e cessão de ativos, cotas sociais e participações da sócia participante para a sócia ostensiva”, que parece haver uma promessa de transferência das quotas sociais e não uma atividade específica empresarial da pessoa jurídica, b) a transferência das quotas deveria ter sido realizada pela sociedade Logop & Sudeste Saúde do Gmil Distribuição S.A. aos benefíciários, tratando-se de uma questão societária a ser discutida na esfera judicial, c) a transferência das quotas sociais seriam destinadas aos sócios Valter Moroz (60%) e Antônio Marcos de Oliveira (40%), havendo dúvida sobre a legitimidade dos beneficiários para aquisição das quotas, e d) por ser a transferência uma questão societária, não está demonstrado o termo do cumprimento desta obrigação, bem como a proibição da operação societária (cisão); que, apesar dos argumentos apresentados pela requerente, a nota devolutiva deve ser mantida.

O Tabelião assevera que na nota devolutiva não houve nenhuma menção quanto a sucessão de empresas e/ou alterações nas denominações da empresa sócia participante; que não está a negar eventual direito da reclamante em eventual direito sob a apontada devedora Logop & Sudeste Saúde do Gmil Distribuição S.A., atual denominação de Marine Distribuidora, Comércio, Indústria e Participações S.A.; que parece, se verdadeira as alegações apontadas, que a requerente possui um direito de indenização frente a indicada devedora ou até um direito de receber as quotas societárias prometidas, o que não é negado neste procedimento; que o que se nega, neste momento, é o reconhecimento de um título com obrigação líquida, certa e exigível para os fins almejados; que o requerimento ora apresentado afirma ter havido violação da obrigação de fazer, com destaque dos seguintes trechos da reclamação: “manobra espúria”, “não atendimento da transferência da parte correspondente”, concretizada “com notificação para comprovação de mora”, que a transferência a terceiro teria sido “ilegal e está em busca de ressarcimento” e que esta “causou ruptura do pacto, autorizando esta última a buscar seus direitos em relação a sócia rebelde”; que se a obrigação de fazer fosse clara e que tivesse havido um não cumprimento obrigacional por parte da sócia participante, a consequência prevista na legislação civil é a ação de indenização ou eventualmente uma obrigação de fazer para ser realizada a obrigação posta; que, diante da inexecução obrigacional ora apresentada, não pode o requerente querer uma parte do valor da transferência das cotas a terceiros, sem que seja assim declarada e provada em processo judicial a sua inadimplência e sua consequência jurídica, respeitado o direito constitucional de defesa; que não há elementos aptos a demonstrar como se chegou ao valor de R$ 7.470.000,04 e em qual cláusula contratual permitiria essa liquidação feita pela reclamante de forma unilateral; que a reclamante quer que se admita um direito de converter a obrigação supostamente não executada, liquidar a obrigação contratual inadimplida com uma simples presunção de que aquilo que lhe pertencia e calcular sua indenização liquidada com base em uma operação de alienação de cotas feita a terceiros; que, além disso, a reclamante arrola como devedores pessoas que não assinaram o pato original e imputa responsabilidade a estes somente pelo fato de “com ela se associaram”, isto é, parte do pressuposto que houve má-fé, imputa responsabilidade por acreditar que estão associadas, ao arrepio do direito e das formas de responsabilização de terceiros em um negócio jurídico; que, ao contrário do afirmado pela reclamante, o protesto da letra de câmbio por falta de aceite não transformou o título de crédito sem aceite em título executivo extrajudicial; que este título não tem devedor cambiário e é vazio dos efeitos pretendidos pelo requerente; que, por todos os motivos arrolados, é necessária a manutenção da nota devolutiva (fls. 78/82).

Sobreveio manifestação da parte reclamante (fls. 85/99).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo arquivamento do feito (fls. 102/107).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Considerando os elementos já presentes nos autos, entendo possível julgamento.

De início, observa-se que a parte requerente formalizou a presente reclamação administrativa diretamente à E. Corregedoria Geral da Justiça, em desfavor do 2º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Capital, com o objetivo de manifestar sua insurgência contra a nota devolutiva emitida pela unidade de serviço e obter proclamação desta Corregedoria Permanente para determinar o curso do requerimento de protesto junto à serventia extrajudicial.

Cabe esclarecer, porém, que a via censório-disciplinar não se presta à análise dos óbices indicados pelo Tabelião, contra os quais a parte reclamante deveria ter se insurgido por meio do procedimento administrativo adequado, qual seja, pedido de providências.

Incumbia, assim, à parte manifestar inconformismo com manejo do procedimento adequado para que fosse possível revisão por este juízo, a qual não pode ser alcançada pela via oblíqua da reclamação administrativa.

A avaliação do caso, portanto, será feita tendo em vista as falhas apontadas pela parte interessada na atuação da responsável pela serventia e no atendimento prestado.

No mérito, diante das informações fornecidas e dos documentos que as acompanham, não se verifica falha funcional a ser apurada tampouco providência a ser adotada.

Releva destacar que o Tabelião de Protesto dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 9º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997), o que não se traduz como falha funcional.

No sistema notarial e registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Tabelião, quando da qualificação dos títulos e documentos de dívida protocolados, perfaz exame dos seus caracteres formais e requisitos formais, devendo obstar o curso daqueles que apresentarem vícios ou irregularidade formal.

Vale dizer, a análise qualificativa de protestabilidade do título ou documento de dívida feita por Tabelião restringe-se aos requisitos formais, não podendo adentrar no mérito do documento apresentado ou discutir os seus elementos intrínsecos.

É o que dispõe o artigo 9º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997 (destaque nosso):

“Art. 9º Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade.

Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabelião obstará o registro do protesto.”

No mesmo sentido, os itens 16 e 17, Cap. XV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):

“16. Todos os títulos e documentos de dívida apresentados a protesto serão qualificados pelo Tabelião em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios.

17. Verificada a existência de vícios formais ou inobservância do estatuído na legislação em vigor ou na normatização administrativa do Conselho Nacional de Justiça ou da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, os títulos e outros documentos de dívida serão devolvidos ao apresentante com anotação da irregularidade, ficando obstado o registro do protesto.”

No caso concreto, de fato, não há certeza, liquidez e exigibilidade no documento de dívida apresentado, pelos seguintes motivos: o objeto social da sociedade em conta de participação é a “efetiva união de esforços para transferência e cessão de ativos, cotas sociais e participações da sócia participante para a sócia ostensiva” (cláusula 3ª), o que indica uma promessa de transferência das quotas sociais e não uma atividade específica empresarial da pessoa jurídica; no tocante à transferência das quotas, trata-se de uma questão societária que deve ser discutida na esfera judicial própria, notadamente para se demonstrar o termo do cumprimento desta obrigação e discutir responsabilidade, culpa, eventual legitimidade dos beneficiários para aquisição das quotas e valores envolvidos, com observância do direito constitucional à defesa.

Como bem pontuado pelo Tabelião: “partindo do pressuposto que a obrigação de fazer fosse clara e que tivesse havido um não cumprimento obrigacional por parte da sócia participante, a consequência prevista na legislação civil é a ação de indenização ou eventualmente uma obrigação de fazer para ser realizada a obrigação posta; que não se pode, assim, diante da inexecução obrigacional ora apresentada, o requerente querer uma parte do valor da transferência das cotas a terceiros, sem que seja assim declarada e provada em processo judicial a sua inadimplência e sua consequência jurídica, respeitado o direito constitucional de defesa; que não há elementos aptos a demonstrar como se chegou ao valor de R$ 7.470.000,04 e em qual cláusula contratual permitiria essa liquidação feita pela reclamante de forma unilateral”.

Ora, são muitas as variáveis a serem ponderadas, que demandam contraditório e exame de provas, a afastar a exigibilidade imediata do contrato nos moldes pretendidos.

Não se ignora a possibilidade de contratos bilaterais serem recepcionados como títulos executivos extrajudiciais.

Contudo, há que se observar o disposto no Capítulo XV, das NSCGJ:

“20. Podem ser protestados os títulos de crédito, bem como os documentos de dívida qualificados como títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais.

(…)

22. Além dos considerados títulos executivos, também são protestáveis outros documentos de dívida dotados de certeza, liquidez e exigibilidade, atributos a serem valorados pelo Tabelião, com particular atenção, no momento da qualificação notarial”.

Em outros termos, a despeito de, em tese, haver possibilidade de protesto de instrumento particular, é dever do Tabelião aferir se estão presentes os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.

Tais lições também estão presentes em precedentes da E. Corregedoria Geral da Justiça, dentre os quais destacamos:

“TABELIÃO DE PROTESTO – Recebimento de título para protesto que não constitui título executivo extrajudicial – Sinalagma configurador da avença bilateral com obrigações diversas para ambas as partes – Necessidade, não obstante se tratar de documento assinado por duas testemunhas, e da existência de cláusula na qual as partes reconhecem se tratar de título executivo, de análise cuidadosa para valoração dos atributos de certeza, liquidez e exigibilidade, no momento em que o título é apresentado para protesto, conforme previsto no Capítulo XV, itens 16, 17, 20 e 22 das NSCGJ – Reexame da decisão de absolvição e arquivamento, nos termos do subitem 23.1., do Capítulo XXI, das NSCGJ e do art. 28, XXVII, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, com condenação do Tabelião de Protesto de Letras e Títulos à pena de multa” (Processo n. 146.716/2015; Parecer 411/15-E, aprovado em14.10.15 pelo Des. Hamilton Elliot Akel, então Corregedor Geral da Justiça).

No mais, importa enfatizar que o exame necessário ao protesto restringe-se ao âmbito da análise formal do título.

Do mesmo modo que não cabe ao Tabelião exame intrínseco, não cabe a ele a definição de exigibilidade mediante análise de fatos e provas.

Irretocável, portanto, o óbice apontado na nota devolutiva emitida.

Diante deste painel, à evidência, não verifico qualquer falha funcional ou irregularidade a ser apurada, tampouco providência a ser adotada.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a reclamação formulada por Oxxing Ecologia, Finanças e Projetos Ambientais S.A.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Intime-se a parte interessada sobre o resultado.

Comunique-se o resultado à E. CGJ, servindo a presente como ofício.

Posteriormente, se necessário, comunique a data do trânsito em julgado.

Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 04 de outubro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 08.10.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.