CSM/SP: Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇAO
Número: 1062962-62.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0000988356

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes WILSON DOS SANTOS CANHAS, MOACIR DOS SANTOS CANHAS e TANIA REGINA POCCI CANHAS, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Apelantes: Wilson dos Santos Canhas, Moacir dos Santos Canhas e Tania Regina Pocci Canhas

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.895

Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

1.Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença arbitral, que declarou o domínio dos apelantes sobre imóvel pela usucapião.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a carta de sentença arbitral que declara o domínio de imóvel pela usucapião pode ingressar no fólio real.

III. Razões de Decidir

3. As cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

4. A justiça arbitral é uma via alternativa à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao tribunal arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996), e, no caso concreto, tal consenso não se fez presente porque nem mesmo os titulares do domínio participaram do procedimento arbitral. Não bastasse, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara. Na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973. Isso impede a appsição de cláusula compromissória para tribunal arbitral decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestam vontade nesse sentido. A convenção de arbitragem ou cláusula compromissória teria o potencial de violar direitos de terceiros interessados.

5. As regras sobre usucapião são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023). Além disso, há risco concreto de prática de fraudes mediante processos simulados, com atuação de grileiros e instabilidade fundiária, tudo a justificar a falta de competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: A justiça arbitral não tem competência para decidir sobre a usucapião porque inviável a manifestação de vontade de todos os possíveis interessados para que tal via seja escolhida e porque além da usucapião judicial, só existe a usucapião extrajudicial que decorre dos artigos 1.071 do CPC e do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos.

A sentença arbitral não pode ser registrada como título que declara o domínio pela usucapião.

Legislação Citada: CF/1988, art. 5º, XXXV; Lei nº 9.307/1996, artigos 1º e 31; Lei nº 6.015/1973, art. 216-A e 221, IV; CPC, arts. 259, I; 1.071; Provimento nº 65/2017 e Código de Normas, ambos do CNJ (Provimento nº 149/2023).

Jurisprudência Citada:

CNJ, Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, Rel. Cons. Marcello Terto, j. 18/06/2025;

Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, j. 01/03/2024;

Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000;

CNJ, Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000, Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, 26/08/2019.

Cuida-se de apelação interposta por WILSON DOS SANTOS CANHAS, TANIA REGINA POCCI CANHAS e MOACIR DOS SANTOS CANHAS em face da r. sentença de fls. 227/231, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital que, em dúvida suscitada pela 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a pedido dos ora recorrentes, manteve a recusa de registro à carta de sentença arbitral.

A referida carta de sentença arbitral é advinda de procedimento efetuado pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano, em que foi acolhido o pedido de usucapião, declarando-se o domínio dos ora recorrentes sobre o imóvel localizado na Rua José Ataliba Ortiz, n. 467, casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito, Pirituba, nesta Capital.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que: (i) embora não exista previsão legal para o reconhecimento da usucapião por meio de sentença arbitral, tampouco há qualquer previsão que a proíba; (ii) a arbitragem não tem jurisdição e, por essa razão, não há regras legais que imponham o foro para conhecimento de questões relacionadas a direito patrimonial disponível; (iii) a competência territorial na arbitragem é determinada pela convenção de arbitragem, seja ela uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral, nos termos da Lei nº 9.307/96 – Lei da Arbitragem; (iv) o procedimento de usucapião, perante a Câmara de Arbitragem, encontra respaldo no artigo 1º da Lei 9.307/96 e, atendendo, ainda, aos requisitos do Provimento CNJ n. 65/2017, é de ser considerado legal; (v) a sentença arbitral é equiparada em todos os efeitos à sentença proferida por um juiz togado; (vi) o art. 515, inciso VII, do Código de Processo Civil estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial e assim ser executada; (vii) quanto à alegação de ausência de litígio, não há outra forma de regularização do imóvel, citando precedente do C.N.J. que entendeu pela existência de litígio entre o proprietário registral e o requerente da aquisição da propriedade; (viii) o título preenche todos os requisitos legais para acesso ao fólio real, atendendo a todos os princípios previstos na Lei nº 6.015/1973, em especial o artigo 216-A da L.R. e Provimentos 149/2023 e 65/2017 do CNJ.

A Procuradoria de Justiça opinou pela rejeição do apelo (fls. 272/275).

É o relatório.

Conforme se extrai dos autos, o procedimento arbitral objetivando a declaração de domínio por usucapião teve início a partir de requerimento dos ora recorrentes, Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O imóvel não ostenta matrícula própria e está inserido em área maior de 140.415m2, denominada sítio Mangalot, descrita na transcrição nº 34.674, aberta em 19/04/1927 no 2º RI da Capital (fls. 90/98), que indica como proprietária a Sociedade Civil de Terrenos Mangalot.

Consta, ainda, da referida certidão, que em 07/03/1931, conforme transcrição nº 3.845, a supracitada proprietária adquiriu vinte e um alqueires no lugar denominado sítio Mangalot – Gleba A.

A área, ao que indica, foi loteada e diversos lotes foram compromissados a diferentes promissários compradores. Uma gleba maior, com área de 9.600m2, foi inteiramente compromissada à venda a Francisco Antonio Pedrão, conforme av. 27 de 30/11/1949 (fls. 90/96).

Os apelantes apresentaram a registro a carta de sentença arbitral de fls. 09/165, emitida pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano/SP.

A sentença arbitral (fls. 153/158) declarou o domínio do imóvel pela usucapião em favor dos requerentes Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O título foi protocolado e prenotado sob nº 680.620, em 10 de abril de 2025 e, qualificado negativamente, gerou a nota de devolução de fls. 05/06, em 14/04/2025, nos seguintes termos:

“O presente título é devolvido nesta data pelos motivos abaixo expostos e/ou para atendimento das seguintes exigências:

O procedimento de usucapião extrajudicial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Provimento nº 65/2017 do CNJ, o qual estabeleceu diretrizes a serem observadas pelos serviços notariais e registrais, conforme disposto no art. 1.071 do CPC e no art. 216-A da Lei nº 6.015/73.

Entretanto, tais diretrizes não se aplicam ao procedimento arbitral, uma vez que não há previsão legal que autorize o reconhecimento extrajudicial da usucapião com fundamento em sentença arbitral. Dessa forma, o reconhecimento extrajudicial da usucapião deve observar estritamente as normas estabelecidas no referido provimento, atualmente revogado e substituído pelo Provimento nº 149/2023 do CNJ.

Nesse contexto, é nula a sentença arbitral que declara a aquisição da propriedade por usucapião, conforme entendimento consolidado na Apelação Cível nº 1000201-52.2024.8.26.0642 e no Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000.

Esclarece-se, ainda, que, nos termos do art. 156 da Lei nº 6.015/73 e do item 117, Capítulo XX das NSCGJ, compete ao oficial registrador rejeitar o registro de qualquer título que não observe as formalidades legais.

Por fim, cumpre destacar que, nos termos do art. 47 do CPC, as ações fundadas em direito real sobre imóveis devem ser propostas no foro da situação da coisa, neste caso, a Comarca da Capital”.

Posteriormente, por ocasião da suscitação da dúvida, o Oficial acrescentou que não houve litígio real porque os próprios requerentes declararam a inexistência de controvérsia quanto à posse ou à propriedade do imóvel, além de ter mencionado a não participação do titular do domínio do imóvel no procedimento arbitral, de forma a comprometer a validade e a higidez do título apresentado.

Bem analisados os autos, tem-se que a recusa do Oficial de Registro de Imóveis quanto ao ingresso do título no fólio real deve prevalecer.

De início, é preciso constar que as cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Em julgamento recente deste C. CSM, nos autos da Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, foi decidido que: “…Não se questiona que a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário (artigo 31 da Lei n. 9.307/96, e artigo 221, inciso IV, da LRP). Ocorre que mesmo a carta arbitral, que se equipara aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação” (data do julgamento: 01/03/2024).

No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo então Excelentíssimo Senhor Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, em 26/08/2019, nos autos da Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000: “Assim, a sentença arbitral, possui os mesmos efeitos da sentença judicial como título executivo, há uma equiparação eficaz, e nesta conformidade, assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário. Portanto, a expressão ‘carta de sentença’ contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial”.

Vale dizer, a carta de sentença arbitral é título hábil para inscrição no fólio real, independentemente de manifestação do Poder Judiciário, mas, a exemplo dos títulos judiciais, também não está isenta de qualificação pelo Registrador, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Assentada a registrabilidade, em sentido amplo, da carta de sentença arbitral, resta aferir se a carta de sentença arbitral declaratória de domínio pela usucapião pode obter ingresso no fólio real.

Isso porque, enquanto ao Poder Judiciário é conferida competência para apreciar toda lesão ou ameaça a direito, como decorre do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, à justiça arbitral é imputada competência limitada ao disposto no artigo 1º da Lei nº 9.307/1996: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Trata-se de uma das vias alternativas à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao juízo arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996).

“A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4º da Lei 9.307/1996) e “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (artigo 9º da Lei 9.307/1996).

Indispensável, portanto, que as partes, por consenso,, elejam a justiça arbitral para a solução do litígio em que envolvidas, sem o que a justiça arbitral não pode atuar.

Na hipótese vertente, os titulares do domínio não manifestaram vontade de solucionar a questão posta por meio da justiça arbitral.

Como bem observou o Registrador, não houve a participação dos titulares do domínio no procedimento arbitral, os quais, inclusive, não foram intimados a respeito da pretensão dos ora recorrentes.

Disso decorre que diante da mais completa ausência de cláusula compromissória ou convenção arbitral entre as partes, inviável o julgamento da usucapião por tribunal arbitral.

Isso é, por si só, suficiente para desqualificar o título, já que o procedimento arbitral só se instaura pela vontade das partes para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei nº 9.307/1996).

Irrelevante que o Oficial de Registro de Imóveis só tenha levantado esse específico óbice por ocasião da suscitação da dúvida porque a Corregedoria, Permanente e Geral, pode analisar a questão posta em toda sua extensão. Em outras palavras, faz-se nova qualificação do título por inteiro, podendo apontar novos obstáculos não apontados pelo oficial.

Além disso, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara, tanto que, na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973.

Isso impede que seja avençado o juízo arbitral para decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestaram vontade nesse sentido, o que macula a convenção de arbitragem, seja a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral.

Nesse sentido, foi o parecer técnico da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça, exarado nos autos Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, acolhido como razão de decidir pelo Conselheiro Marcelo Terto, em 18/06/2025, do qual se destaca o seguinte trecho:

“Logo, considerando que na ação de usucapião há necessidade de intimação dos confinantes, das Fazendas Públicas e ainda de quaisquer outros ‘eventuais interessados’ que possam se opor à prescrição aquisitiva do bem, torna-se inviável a utilização do juízo arbitral por força da evidente nulidade de cláusula compromissória e/ou compromisso arbitral nesse sentido, pois os possíveis interessados não foram chamados a acatar com a submissão do tema à arbitragem, maculando a convenção de arbitragem.

É por isso que o processo de usucapião, seja judicial, seja extrajudicial, não pode submeter-se ao juízo arbitral, pois há um ‘rol indeterminado’ de possíveis interessados que precisam ser intimados por via editalícia, consoante previsões do art. 259, inciso I do CPC e art. 216-A §§3º e 4º da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).

(…)

Neste cenário jurídico, não há como se admitir o ingresso da sentença arbitral declaratória de domínio por usucapião no registro público de imóveis, devendo ser respondida positivamente a presente Consulta: Sim, o Oficio de Registro de Imóveis deverá negar o registro de sentença arbitral declaratória de propriedade pela usucapião diante de sua evidente nulidade”.

Ao decidir a Consulta em pauta, também foi destacado que a atividade registral está submetida ao principio da legalidade, “à medida que o art. 236, § 1º, da Constituição Federal determina que as atividades delegadas pelo Poder Público aos notários e oficiais de registro será regulada por lei, o que remete à Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) e à Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)”, e que a única previsão de procedimento extrajudicial de usucapião é a que decorre da inovação trazida pelo Código de Processo Civil, artigo 1.071, que acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos, prevendo-se requisitos e tramitação do pedido de usucapião no cartório de registro de imóveis competente.

No julgamento da referida Consulta, o C. Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, pela negativa do ingresso no fólio real da sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, fixando a seguinte tese:

“O ofício de registro de imóveis deve negar o registro de sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, diante da incompatibilidade da arbitragem com os parâmetros legais que regem a usucapião extrajudicial e a atividade registral” (Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000; Relator: Conselheiro Marcello Terto, j. em 18/06/2025).

Então, como a sentença que julga a ação de usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, e gera os mesmos efeitos absolutos da propriedade que declara, além do fato de que as regras que cuidam da matéria são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023), sem falar no risco de prática de fraudes mediante processos simulados, atuação de grileiros e instabilidade fundiária, é que deve ser recusada a competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

Não vem ao caso, portanto, discutir a competência da Câmara Arbitral que julgou a questão posta, já que à justiça arbitral não se pode conferir competência para decidir sobre a usucapião.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Apelação – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso do procedimento – Recurso que não pode ser conhecido – Análise para orientação de futura prenotação – Regime da separação obrigatória de bens – Cônjuge sobrevivente que precede os colaterais na ordem de sucessão – Regime de bens que não afeta a qualidade de herdeiro necessário conforme dispositivo expresso de lei e entendimento jurisprudencial.

Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1032247-29.2024.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Registro: 2025.0000988373

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante JOÃO CICERO FERREIRA DE LIMA NETO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Apelante: João Cicero Ferreira de Lima Neto

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.914

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso do procedimento – Recurso que não pode ser conhecido – Análise para orientação de futura prenotação – Regime da separação obrigatória de bens – Cônjuge sobrevivente que precede os colaterais na ordem de sucessão – Regime de bens que não afeta a qualidade de herdeiro necessário conforme dispositivo expresso de lei e entendimento jurisprudencial.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial por inobservância da ordem da vocação hereditária estabelecida pelo Código Civil. O cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus, o que a parte recorrente, parente colateral de quarta classe, sustenta ser correto em razão do regime de bens adotado (separação obrigatória).

II. Questões em discussão

2. As questões em discussão consistem em determinar se o recurso pode ser conhecido e se o único óbice questionado se mantém: necessidade de inclusão do cônjuge sobrevivente na partilha do bem deixado pelo falecido, ainda que considerado o regime de bens de seu casamento (separação obrigatória).

III. Razões de decidir

3. O recurso de apelação não pode ser conhecido, pois a dúvida está prejudicada pela falta de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de parte das exigências no curso do procedimento. Análise da exigência impugnada para orientação de futura prenotação. 4. No mérito, a dúvida seria procedente, já que, segundo dispositivo expresso da lei e entendimento jurisprudencial, o cônjuge sobrevivente precede os colaterais na ordem sucessória independentemente do regime de bens adotado pelo casamento. 5. Qualificação registrária que não adentra no mérito da decisão judicial (princípio da legalidade).

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso de apelação não conhecido.

Tese de julgamento: “1. A dúvida está prejudicada pela ausência de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de exigências no curso do procedimento. 2. Em orientação de futura prenotação, observa-se que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais na ordem de sucessão independentemente do regime de bens do casamento. 3. Para ingresso de formal de partilha judicial, participação do cônjuge no processo de inventário e decisão expressa sobre a ordem de sucessão são necessários”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Código Civil, art. 1.829 e 1.838; Lei n. 8.935/1994, art. 28; NSCGJSP, item 117, Cap. XX.

– TJSP, Apelação Cível 1012461-19.2024.8.26.0269.

-STJ, REsp n. 2.187.920/PR; EREsp n. 1.171.820/PR; AgInt no REsp n. 1.294.290/MS; REsp 285.651/MT.

– CSM do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223; Apelação n. 464-6/9.

Trata-se de apelação interposta por João Cicero Ferreira de Lima Neto, advogado de Maria Aparecida Sant’Anna da Silva, contra a r. sentença de fls.245/250, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco, que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial na matrícula n.12.120 daquela serventia (prenotação n.140.745 – fls.09/10).

A parte apelante alega que o cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus A. S. em razão do regime de casamento adotado ser o da separação obrigatória, conforme entendimento consolidado pelo STJ e pelo STF (fls.252/261).

A Procuradoria de Justiça se manifestou pelo não provimento do recurso (fls. 281/282).

É o relatório.

Inicialmente, importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral (CSMSP, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Nesse sentido, também a Apelação n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental“.

De fato, o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das NSCGJ:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

O recurso de apelação, no entanto, não pode ser conhecido já que a dúvida está prejudicada.

Vejamos os motivos.

A nota devolutiva apresentada no caso formulou as seguintes exigências (fls.09/10, abreviações nossas):

O presente formal de partilha já foi objeto de análise anterior, tendo sido lançada nota devolutiva aos 11/09/2024, no protocolo 140.100. Reanalizado o título, verifica-se que as exigências não foram cumpridas. Destarte reitero na íntegra a nota devolutiva anterior, abaixo transcrita:

Trata-se de formal de partilha conjunta, dos bens deixados pelos falecimentos (…). Analisado o título, o mesmo foi qualificado negativamente, devendo a parte interessada cumprir as seguintes exigências:

1) Conforme plano de partilha, na 5ª sucessão (óbito de …), o pagamento feito aos herdeiros colaterais. Ocorre que conforme certidão de óbito de fls. 141 e certidão de casamento de fls. 144, o autor da herança faleceu no estado civil de casado com (…) sem deixar descendentes. No que pese o regime do casamento ser o de separação obrigatória de bens, a mesma só não comparece como herdeira, em concorrência com os descendentes do autor da herança. Todavia, na falta de descendentes (previsto no inciso I da lei 1.829 do C.C.), o cônjuge sobrevivente é o 3º na ordem sucessória (art; 1829, III), e vindo antes dos herdeiros colaterais (art. 1.829, IV).

Portanto, em obediência ao item 117 do cap. XX das Normas da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, deverá a RETIFICAR o plano de partilha, para esclarecer referido pagamento e/ou CORRIGIR onde necessário, trazendo aos autos a viúva-herdeira e adjudicando a ela seu quinhão, na forma do art. 1.829 c/c artigos 1.838, uma vez que os herdeiros colaterais somente são chamados à sucessão, na falta de descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente, conforme estabelece o art. 1.839 do Código Civil Brasileiro. (…)

2) Considerando o lapso temporal entre as aberturas das sucessões com o presente formal de partilha, e em atenção ao art. 1.784 do Código Civil (Princípio da Saisine), deverá ser apresentado ainda, a certidão de inteiro teor dos casamentos de i) A., ii) E. e iii) D., para averiguar seus estados civis nas datas das aberturas das sucessões.

3) Apresentar para averbação (item 9, “b” nº 5 do Cap. XX das NSCGJSP), a certidão dos casamentos de (…) com (…)”.

Contudo, ao oferecer sua impugnação (fls.155/158), a parte impugnante se opôs apenas contra a primeira exigência e apresentou certidões de casamento em atendimento às exigências de número dois e três (fls.213/220).

A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo Oficial ou o atendimento no curso da dúvida ou de recurso contra decisão nela proferida prejudica- a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n.º 220.6/6-00).

Nada impede, porém, que se analise a exigência impugnada para orientação de futura prenotação.

No mérito, a dúvida seria procedente.

O título apresentado a registro consiste em formal de partilha extraído da ação de arrolamento de bens que tramitou perante a 1ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de Osasco (autos n. 1021568-38.2022.8.26.0405).

A exigência do Oficial diz respeito à partilha do bem deixado pelo de cujus A. S., que faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, mas era casado com M. de O. S. pelo regime da separação obrigatória em virtude da idade.

A viúva não foi incluída no plano de partilha, o qual atribuiu quinhões apenas à irmã do falecido e a seus sobrinhos (fls.92/100).

O Oficial esclareceu sobre a qualidade de herdeira do cônjuge sobrevivente, pelo que exigiu a retificação do título para sua inclusão na partilha do imóvel que compõe a herança ou esclarecimento acerca do pagamento pelos demais herdeiros de valor referente ao quinhão da viúva.

Isto porque o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais (irmãos e sobrinhos) na ordem de sucessão estabelecida pelo artigo 1.829 e corroborada pelo artigo 1.838, ambos do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.”

“Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.

Logo, no regime da separação obrigatória de bens e somente se houver descendentes é que o cônjuge sobrevivente não terá direito a herança. Se concorrer com os ascendentes ou se inexistirem descendentes ou ascendentes, sempre será herdeiro.

O entendimento também é confirmado pela jurisprudência:

PROCESSO CIVIL. INVENTÁRIO. REQUERIMENTO POR HERDEIROS COLATERAIS. FALECIDO QUE DEIXOU CÔNJUGE SUPÉRSTITE. REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE. EXTINÇÃO. 1. A restrição imposta no art. 1.829, I, CC, limita-se à hipótese em que o cônjuge supérstite, casado no regime de separação obrigatória, concorre com os filhos do “de cujus”, não se estendendo aos demais incisos da referida norma, o que é reforçado pelo texto do art. 1.838 do mesmo Diploma Legal, que cuida da situação presente, em que a apelada não concorre com ascendentes ou descendentes. 2. Incontroversa a existência de cônjuge supérstite que, ademais, realizou o inventário extrajudicial do falecido, carece de interesse processual e legitimidade os herdeiros colaterais para a abertura do inventário judicial, sendo o caso de manutenção da r. sentença de extinção. 3. Recurso improvido” (TJSP; Apelação Cível n. 1012461-19.2024.8.26.0269; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapetininga – 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 31/03/2025; Data de Registro: 31/03/2025).

RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE. CONFIGURAÇÃO. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. 1. Na espécie, não houve violação dos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, visto que agiu corretamente  o tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração por inexistir omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão atacado, ficando patente o intuito infringente da irresignação. 2. O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os ascendentes, nos termos do art. 1.829, II, do Código Civil, independentemente do regime de bens. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e não provido” (REsp n. 2.187.920/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/8/2025, DJEN de 18/8/2025.)

Note-se que o controle de legalidade impede que a publicidade registral seja automática com a apresentação do título perante o fólio real.

Neste contexto, a qualificação registral, enquanto função típica do Oficial Registrador (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), é exteriorização do princípio da legalidade, o qual abrange não só todas as prescrições legais e normativas, como também a orientação jurisprudencial relacionada ao tema.

É evidente que, na hipótese de título com origem judicial, a qualificação deve se ater à análise dos elementos extrínsecos, com respeito ao mérito da decisão, revestida pela coisa julgada material.

No entanto, no caso concreto, estamos diante de sentença homologatória que não solucionou questão de mérito nem conflito, mas apenas ratificou plano de partilha apresentado pelo inventariante, com ressalva expressa sobre a possibilidade de erro ou omissão e em processo do qual o cônjuge supérstite não participou (fls.52/109 e 110):

(…) Nessa conformidade, presentes os requisitos e preenchidas as demais formalidades legais, homologo as partilhas apresentadas às fls. 29/35, 59/65, 89/102, 215/218 e 219/227, atribuindo aos herdeiros contemplados os seus respectivos quinhões, ressalvados erros e omissões para terceiros”.

Segundo o artigo 654 do Código de Processo Civil, a partilha judicial, esboçada pelo partidor ou constante de plano apresentado pelo inventariante, deve ser julgada por sentença.

Na partilha amigável, via de regra, a sentença homologa o que é apresentado, baseando-se na presunção de boa-fé das declarações do inventariante e restringindo-se à análise de questões formais.

Assim, verifica-se que a atuação judicial se limitou à análise da regularidade formal do acordo apresentado, sem adentrar no mérito das questões jurídicas ou patrimoniais.

Por isso mesmo, o Superior Tribunal de Justiça entende que as sentenças meramente homologatórias não fazem coisa julgada material:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. 1. Não faz coisa julgada material a decisão meramente homologatória de acordo, isto é, adstrita aos aspectos formais da transação, não podendo ela ser utilizada como paradigma para se pleitear a rescisão da sentença proferida em sede ação indenizatória posteriormente ajuizada. Precedentes. 2. Agravo interno não provido” (AgInt no REsp n. 1.294.290/MS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 29/6/2018).

PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO COM O ESTADO. DESCONSTITUIÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA FORMAL. A sentença que homologa transação realizada entre o Estado e o particular, com o objetivo de abreviar liquidação de sentença, não faz coisa julgada material, podendo ser desconstituída por ação diversa da que foi extinta. A pretensão intentada pelo Estado, através de ação civil pública, objetivando a anulação de transação de caráter eminentemente privado, tem a incidência do art. 177, caput, do Código Civil, sobrevindo prescrição vintenária, ao contrário da pretendida prescrição qüinqüenal. Recurso especial improvido” (REsp 285.651/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 03/02/2003, p. 265).

Não há que se falar, portanto, em incursão do Oficial no mérito da sentença ou em desrespeito à coisa julgada.

A exigência se sustenta com base em princípio registrário próprio, o da legalidade.

Ingresso do título dependerá, portanto, de retificação do formal de partilha judicial com demonstração de participação do cônjuge supérstite e/ou decisão expressa sobre sua não qualidade de herdeiro.

Por fim, vale ressaltar que a jurisprudência colecionada pela parte apelante, incluindo a interpretação atual da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal pelo Superior Tribunal de Justiça, diz respeito à meação:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial” (EREsp n. 1.171.820/PR, Relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de 21/9/2015).

Em outras palavras, para meação dos bens quando da dissolução de casamento (ou união estável) em que adotado o regime da separação obrigatória (seja pela nulidade, pelo divórcio ou pelo óbito de um dos cônjuges/companheiros), deve haver prova de aquisição por esforço comum.

Entretanto, no caso sub judice, não há discussão acerca da meação.

Em verdade, a qualificação registrária apenas aponta, com precisão por apoio no princípio da legalidade, que o título judicial não pode ter ingresso em virtude da exclusão de herdeiro necessário da partilha, o cônjuge supérstite, o que precisa ser regularizado pelo juízo competente.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço o recurso de apelação já que prejudicada a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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CSM/SP: Direitos reais – Processo de dúvida – Escritura de venda e compra – Ordens de indisponibilidade – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Apelo provido.

Apelação Cível nº 1006438-53.2024.8.26.0529

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1006438-53.2024.8.26.0529
Comarca: SANTANA DE PARNAÍBA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006438-53.2024.8.26.0529

Registro: 2025.0000988367

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006438-53.2024.8.26.0529, da Comarca de Santana de Parnaíba, em que é apelante VENEZA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTANA DE PARNAÍBA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006438-53.2024.8.26.0529

Apelante: Veneza Empreendimentos Imobiliários e Participações Societárias Ltda

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santana de Parnaíba

VOTO Nº 43.890

Direitos reais – Processo de dúvida – Escritura de venda e compra – Ordens de indisponibilidade – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Apelo provido.

I. Caso em Exame1. A interessada, adquirente do domínio útil de bem imóvel e cessionária de direitos anteriormente prometidos à venda pela enfiteuta aos cedentes, anuentes ao negócio jurídico, pretende o registro da escritura de venda e compra, recusado pelo Oficial, diante das indisponibilidades em nome dos cedentes. 2. Irresignada, a cessionária requereu suscitação de dúvida, julgada procedente; agora, interpôs apelação.

II. Questões em Discussão3. A controvérsia versa sobre as indisponibilidades em nome dos cedentes, anuentes, não averbadas na matrícula do bem imóvel objeto da cessão; tal negócio jurídico foi antecedido pela promessa de venda e compra também não levada a registro, e sucedido pelo negócio de transmissão  do domínio útil à cessionária pelo enfiteuta, cuja correspondente escritura teve seu registro negado; discute-se se a indisponibilidade relacionada às pessoas dos cedentes em cadeia de transmissão não levada ao registro imobiliário obsta o acesso do título do negócio de cessão.

III. Razões de Decidir4. As indisponibilidades que recaem sobre os anuentes, ainda que vigentes ao tempo da dação em pagamento por meio da qual cederam seus direitos (não registrados) à suscitada, em favor de quem, por causa da cessão, outorgada a escritura de venda e compra, não impedem o registro intencionado, pois não constantes da matrícula. 5. A não oponibilidade das indisponibilidades decorre do princípio da concentração dos riscos, à luz do qual não são oponíveis ao adquirente, terceiro de boa-fé, as situações não registradas/averbadas na matrícula. 6. Prepondera, in concreto, a ponderação legislativa, expressa no art. 54 da Lei n.º 13.097/2015, que, em detrimento pontual da segurança jurídica, optou pela proteção dos negócios imobiliários, pela segurança do tráfico imobiliário, em prestígio assim da fé pública registral, da confiança espelhada no registro predial, da confiança na legitimação registral. 7. A inscrição visada está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular). 8. Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, alheios à matrícula, extratabulares, em particular, a promessa de venda e a dação em pagamento referidas no título aquisitivo, negócios intermediários, lá descritos para contextualizar a cadeia de transmissões, e justificar a outorga do título, não obstam a inscrição constitutiva requerida. 9. O juízo de desqualificação registral é de ser revisto; a dúvida é improcedente.

IV. Dispositivo10. Apelo provido; registro do título determinado.

Teses de julgamento: As situações não averbadas na matrícula, em especial, indisponibilidades relativas a cedentes de direitos objeto de negócio jurídico não levado a registro, não são oponíveis a adquirentes, terceiros de boa-fé, com quem, depois, o proprietário tabular ajusta negócio de transmissão, e aí por força do princípio da concentração dos riscos; prepondera, in casu, a tutela dos negócios imobiliários, então em prestígio da legitimação registral.

Legislação citada: CC, art. 356; Lei n.º 13.097/2015, art. 54, III e §§ 1.º e 2.º.

A interessada/recorrente VENEZA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA. pretende o registro da escritura pública de venda e compra de fls. 5-11 na matrícula n.º 92.529 do RI de Barueri, recusado pelo Oficial, nos termos da nota devolutiva de fls. 49-50, em atenção às ordens de indisponibilidade em nome dos anuentes/cedentes Cassiano Tadeu de Carvalho e Rosangela Di Mazio Neiva de Carvalho.

Irresignada com a r. sentença de fls. 110-111, que então confirmou o juízo de desqualificação registral, interpôs a apelação de fls. 114-122, argumentando que os direitos sobre o bem imóvel pertencentes aos anuentes/cedentes lhe foram cedidos em pagamento de dívida, por meio de transação homologada judicialmente, não representando estorvo ao registro as ordens de indisponibilidades, que sequer estão averbadas na matrícula; tratou-se de uma transferência atípica; não houve cessão voluntária; os direitos cedidos estavam penhorados.

Nessa linha, aguarda a reforma do decisum e, com isso, o julgamento improcedente da dúvida e o registro do título, em prestígio do resolvido no processo contencioso, e de modo a resguardar a segurança jurídica e seu direito de propriedade.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 145-148).

É o relatório.

1. O dissenso versa a respeito do registro da escritura de fls. 5-11, lavrada no dia 3 de maio de 2024, prenotada sob o n.º 6451, por meio do qual formalizada a venda e compra do domínio útil do imóvel objeto da matrícula n.º 92.529 do RI de Barueri, ajustada entre o espólio da foreira Marisa Stella Vieira e a VENEZA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA., adquirente.

O negócio jurídico dispositivo contou com a anuência de Cassiano Tadeu de Carvalho e Rosangela Di Mazio Neiva de Carvalho, para quem, anteriormente, no dia 31 de julho de 1999, há mais de vinte anos, a enfiteuta havia prometido vender o domínio útil, pelo preço de R$ 160.000,00, satisfeito. In casu, cederam seus direitos à adquirente/recorrente, para quem outorgada a escritura levada a registro.

Os anuentes, na realidade, deram os seus direitos sobre o bem imóvel em pagamento de dívida, cederam os seus direitos mediante dação em pagamento no valor de R$ 943.478,26, objeto de transação convencionada no dia 11 de março de 2024, homologada pelo Juízo da 3.ª Vara Cível da Comarca de Barueri, então nos autos do processo n.º 0013404-21.2017.8.26.0068 (fls. 30-35 e 36-37).

2. Na escritura de venda e compra, os anuentes ratificam a cessão de seus direitos e a dação em pagamento, negócio jurídico de disposição.

Tratou-se aí de acordo liberatório, convenção por meio da qual a recorrente consentiu na substituição do objeto da prestação que lhe era devida pelos anuentes.

O acordo é da essência da dação em pagamento. O art. 356 do CC é elucidativo, ao dispor que “o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.” (sublinhei)

A dação em pagamento, meio supletivo de extinção das obrigações, é, sem dúvida, contrato translativo, como esclarece, com propriedade, Orlando Gomes[1], daí porque, consequentemente, o poder de disposição é um pressuposto subjetivo seu.

Nas palavras de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, “o devedor precisa ter o poder de dispor do bem que será objeto da dação em pagamento, já que esta envolve a alienação daquele.”[2] Na dação, reforça Judith Martins-Costa, “há  negócio jurídico bilateral de alienação …, havendo um plus, que é solver a dívida.”[3]

3. Os direitos foram cedidos, dados em pagamento; houve dação consensual (perdoem-me a redundância, a tautologia) de direitos sobre bem imóvel em pagamento de dívida; nada obstante estivessem penhorados, não foram excutidos, expropriados.

Na precisa e oportuna advertência de Orlando Gomes, “o direito moderno desconhece a dação em pagamento coativa. Há de ser convencionada entre os interessados.”[4] (sublinhei)

In concreto, por conseguinte, ocorreu, apesar da retórica empregada pela recorrente, alienação voluntária. À época, entretanto, os cedentes estavam privados da plena disponibilidade de seus bens, de seus direitos imobiliários.

As indisponibilidades arroladas nos relatórios de fls. 51-62, que acompanham a nota devolutiva de fls. 49-50, persistiam ao tempo da lavratura da escritura de venda e compra e, especialmente, quando da prenotação, da apresentação do título a registro.

De todo modo, não são oponíveis à adquirente/recorrente.

4. A não oponibilidade das indisponibilidades listadas é, in casu, decorrente do princípio da concentração dos riscos, de acordo com o qual, pontua Narciso Orlandi Neto, “a matrícula atrai também os riscos que envolvem o imóvel e os direitos reais inscritos” e, assim, se lá não registrados/averbados, conclui, não são oponíveis ao adquirente, “que fica dispensado até de buscar informações nos distribuidores forenses.”[5] Escora-se na Lei n.º 13.097/2015, no seu art. 54.

No que ora interessa, o art. 54, III, dispõe que os negócios jurídicos translativos de direitos reais sobre bens imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, se não averbada, na matrícula, a indisponibilidade do direito registrado. Por sua vez, o § 1.º do art. 54 deixa claro que não podem ser opostas, ao terceiro adquirente de boa-fé, situações jurídicas ausentes da matrícula.

Sob essa lógica, as indisponibilidades mencionadas pelo Oficial, uma vez não lançadas na matrícula n.º 92.529 do RI de Barueri, até porque estranhas à enfiteuta, não podem ser opostas à adquirente do domínio útil, ora recorrente, de quem, para fins de caracterização de sua boa-fé, não era exigível, por ocasião da transação judicial, obtenção de documentos outros, além de certidão de propriedade e de ônus reais.

Dela, adquirente/recorrente, também não era exigível, ao tempo da dação em pagamento, a consulta à CNIB, Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, tampouco a obtenção de certidões forenses e de distribuidores judiciais. É o que se infere e se extrai do § 2.º do art. 54 da Lei n.º 13.097/2015.

Prevalece, na hipótese vertente, a soberana ponderação legislativa, que, em detrimento pontual da segurança jurídica, optou pela proteção dos negócios imobiliários, pela segurança do tráfico imobiliário, em prestígio da fé pública registral, da confiança espelhada no registro imobiliário, confiança na legitimação registral.

Evidente que eventuais prejudicados poderão, na via jurisdicional, postular a ineficácia do negócio jurídico de alienação do domínio útil celebrado entre o enfiteuta e o cessionário de modo direto. O que não se admite é que a indisponibilidade que não consta do registro imobiliário constitua óbice a registro do contrato.

Dentro desse contexto, impõe-se o registro intencionado.

5. A inscrição constitutiva visada está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular).

O registro tem respaldo na titularidade de direito inscrita na matrícula; preserva a integridade da cadeia de titularidade de direitos reais.

A aptidão registral do título aquisitivo não é, in concreto, afetada pelas indisponibilidades enumeradas pelo Oficial, desprovidas de força para obstar o acesso da escritura ao álbum imobiliário.

Ao outorgar a escritura de venda e compra, o intitulado vendedor, retendo, à época, mero domínio formal, apenas cumpriu um dever seu, fundado em sua titularidade formal e sua autonomia privada, não alcançada pelos comandos de indisponibilidade.

O título formaliza um negócio jurídico vinculado, devido, “o negócio jurídico é, aí, pagamento”[6], concorrendo a sua inscrição para a estabilização das relações jurídicas.

Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, então alheios à matrícula, extratabulares, em particular, aqui, a promessa de venda e a dação em pagamento aludidas na escritura de venda e compra, negócios intermediários, descritos para contextualizar a cadeia de transmissões, e justificar a outorga do título, não se prestam a bloquear o registro.

O controle desses negócios intermediários, não levados a registro, não submetidos à qualificação registral, não compete ao Oficial.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, logo, julgando improcedente a dúvida, determino o registro da escritura pública de fls. 5-11, prenotada sob o n.º 6451, na matrícula n.º 92.529 do RI de Barueri.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Obrigações. 13.ª ed. Atualizado por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 119.

[2] Fundamentos de Direito Civilobrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 270. v. 2.

[3] Comentários ao novo Código Civildo direito das obrigaçõesdo adimplemento e da extinção das obrigaçõesarts. 304 a 388.. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 485. v. 5, t. I.

[4] Opcit., p. 120.

[5] Registro de imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 52-55.

[6] Antonio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico e declaração negocial: noções gerais e formação da declaração negocial. Tese de titularidade Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 218-219.

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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