CSM/SP: Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.

Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1042311-59.2024.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Registro: 2025.0000988355

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1042311-59.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1042311-59.2024.8.26.0224

Apelante: Altair Ferreira dos Santos

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.887

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Hipoteca Judiciária – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa ao registro de hipoteca judiciária sobre imóvel com averbação de indisponibilidade, com base no art. 1.420 do Código Civil, além de ausência de determinação judicial sobre a prevalência da oneração.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a hipoteca judiciária pode ser registrada em imóvel com averbação de indisponibilidade sem determinação judicial expressa sobre a prevalência da oneração.

III. Razões de Decidir

3. O art. 1.420 do Código Civil não se aplica à hipoteca judicial, que não tem natureza negocial, mas sim processual. Não deriva da vontade do devedor, mas sim do credor, e visa conferir publicidade ao crédito reconhecido por sentença judicial.

4. A hipoteca judiciária não implica em privilégio do crédito, muito menos em alienação imediata do bem. O atributo da hipoteca judicial é conferir efeito erga omnes ao crédito e sequela em relação terceiros, de modo que e não impede o registro, pois não há transmissão da propriedade. Tem a natureza de medida processual para assegurar futura execução.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A hipoteca judiciária pode ser registrada mesmo com averbação de indisponibilidade, pois não implica alienação imediata. 2. A prevalência da hipoteca judicial não necessita de determinação expressa quando se trata de alienação judicial forçada.

Legislação Citada:

– Código Civil, art. 1.420.

– Código de Processo Civil, arts. 495, 835, § 3º.

Jurisprudência Citada:

– CSM, Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017.

– CSM, Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368, Rel. Des. Pinheiro Franco, j. 27/08/2019.

– CSM, Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278, Rel. Des. Fernando Torres Garcia, j. 01/09/2022.

– CSM, Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 22/08/2024.

– CSM, Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 27/06/2024.

Trata-se de apelação interposta por ALTAIR FERREIRA DOS SANTOS em face da r.sentença de fls. 467/471, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para registro da hipoteca judiciária junto ao imóvel objeto da matrícula 76.031, em razão de averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária Imobiliária e Construtora Continental Ltda, com fundamento no art. 1.420 do Código Civil e pela ausência de determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade.

O apelante busca a reforma da sentença, tendo em vista que a pretensão é de registro de hipoteca judiciária determinada por decisão judicial após comprovação do cumprimento dos requisitos legais, a fm de garantir e satisfazer a condenação imposta em processo judicial, de modo que não há que se falar em preferência da indisponibilidade porque necessária a proteção ao credor em fase de cumprimento de sentença ou execução. Acrescente-se que a Imobiliária e Construtora Continental Eireli tem outros imóveis e figura como devedora em muitos outros processos judiciais (fls. 479/484).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 507/508).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

De acordo com os autos, o apelante apresentou ao 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos requerimento para registro de hipoteca judiciária do imóvel objeto da matrícula 76.031, autorizada por decisão judicial nos autos do processo nº 0012924-50.2023.8.26.0224 movido pelo apelante Altair Ferreira dos Santos em face da Imobiliária e Construtora Continental Eirelli, perante a 8ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos.

O Oficial informou que junto à matrícula 76.031 consta averbação vigente de indisponibilidade dos bens e direitos da proprietária e requerida Imobiliária e Construtora Continental Ltda, o que impede o registro da hipoteca, mesmo da judiciária, tendo em vista a vedação contida no art. 1.420 do Código Civil, no sentido de que somente os bens alienáveis podem ser dados em hipoteca e também porque o requerimento veio desacompanhado de qualquer determinação judicial acerca da prevalência da oneração em relação à indisponibilidade, razão para a nota de devolução (fls. 81/82).

Como se vê, o ingresso do título foi impedido pela existência de averbação de indisponibilidade proveniente de ordem de outro juízo (Av. 08, ação civil pública nº 224.01.2009.049383-8/000000-000, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos), sem que o juízo da execução tenha ressalvado a prevalência da hipoteca.

No entanto, a qualificação negativa deve ser afastada.

Em primeiro lugar porque o artigo 1.420 do Código Civil não se destina às hipóteses de hipoteca judicial, decorrente da vontade do credor, mas principalmente à hipoteca convencional, que deriva da vontade do devedor. Logo, óbice apresentado pelo Registrador quanto a esse fundamento não se justifica.

Em segundo lugar, com amparo no art. 495 do Código de Processo Civil, a hipoteca judiciária tem a função de “garantir uma possível execução definitiva ou provisória” (FONSECA, João Francisco N. da. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. IX. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87). Por meio dela, o bem é afetado para que recaia sobre ele, ao depois, a penhora em eventual cumprimento de sentença (art. 835, § 3º, do CPC/2015).

Uma vez constituída, a hipoteca judiciária confere ao credor hipotecário o direito de preferência no pagamento, observada prioridade no registro (art. 495, § 4º, do CPC/2015). Vale dizer, o montante obtido na excussão hipotecária servirá, prioritariamente, ao pagamento do credor hipotecário, ressalvadas eventuais preferências estabelecidas a outros créditos por leis específicas. Por ser “apenas uma medida processual, diferente, portanto, da hipoteca como garantia real do direito material, a preferência apontada pelo dispositivo legal cede a qualquer regra de direito material” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. 8ª ed. Juspodivm: 2023, p. 919).

Dizendo de outro modo: por si só ela não implica em transmissão do domínio ou imediata alienação do imóvel e eventual registro da arrematação ou adjudicação futuras deverá ser precedido do levantamento da indisponibilidade.

Lado outro, “a hipoteca judiciária não estabelece vinculação absoluta quanto ao futuro bem a penhorar. Tanto o credor como o devedor podem motivadamente vir a pleitear que a penhora atinja outro bem – cabendo ao juiz resolver a questão tomando em conta as diretrizes do menor sacrifício do devedor e da utilidade da execução” (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Egon Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a hipoteca judiciária. Revista de Informação Legislativa, n. 133, jan.-mar./1997. Brasília, p. 88).

Nessa linha de ideias, a hipoteca judiciária não acarreta, tal qual o pagamento, a imediata satisfação do direito do credor. A constituição da hipoteca judiciária, além de não derivar de ato do devedor, mas sim do próprio credor, destina-se, reitera-se, a assegurar futura execução. Inclusive, a excussão da hipoteca somente ocorrerá se o executado não pagar o débito no prazo legal.

Não há óbice, portanto, para o deferimento de seu registro porque ela não importa, por princípio, em alienação do bem.

Adicionalmente, a sustentar o mesmo raciocínio, este C. Conselho Superior da Magistratura, em precedentes envolvendo alienação judicial forçada, ou seja, não voluntária, vem entendendo que a previsão expressa de prevalência da alienação judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo é prescindível:

“(…) apesar de o decreto de indisponibilidade advir de Juízo distinto daquele que providenciou a alienação forçada, é de se amainar a necessidade de que a carta de arrematação contenha expressa menção de prevalência da venda judicial. Deveras, a preferência da alienação judicial sobre eventuais decretos de indisponibilidade é ínsita à expedição da carta de arrematação ou de adjudicação. A finalidade precípua da carta é viabilizar o registro da venda forçada. Seria de todo incongruente que o Juízo em que efetuada a hasta pública expedisse carta de arrematação ou de adjudicação, se não fosse para que arrematante ou adjudicante pudesse levá-la a efetivo registro. Quando da ordem de expedição da carta de arrematação, o Juízo que providenciou a alienação já está afirmando, porque consequência imanente ao ato, que o respectivo registro há de ser efetuado, ainda que Juízo distinto tenha decretado a indisponibilidade do bem arrematado. Note-se que o registro não trará, em tese, prejuízo àquele cuja demanda tenha ensejado o decreto de indisponibilidade. O crédito que possui subroga-se no preço da arrematação, sem alteração alguma na ordem de preferência. Tampouco se olvide que o destinatário da determinação judicial de indisponibilidade é o próprio devedor. A ordem presta- se a obstar que o devedor, sponte propria, por alienação entre particulares, desfaça-se de seu patrimônio, furtando-se ao pagamento da dívida. Todavia, a ordem de indisponibilidade não impede a venda judicial do bem” (Apelação nº 1011373-65.2016.8.26.0320, Rel. Des. Pereira Calças, j. 05/12/2017).

No mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Indisponibilidade decorrente de penhora determinada em favor do INSS – Carta de Arrematação – Alienação forçada – Dúvida julgada procedente – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido” (CSM; Apelação Cível 1005168-36.2017.8.26.0368; Rel. Des. Pinheiro Franco; j. 27/08/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – INDISPONIBILIDADE DOS BENS DA EXECUTADA DESPROVIDA DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO BEM IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, AFASTADO O ÓBICE REGISTRAL E REFORMADA A SENTENÇA” (CSM; Apelação Cível 0004027-07.2019.8.26.0278; Rel. Des. Fernando Torres Garcia; j. 01/09/2022).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE AVERBADAS NA MATRÍCULA DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DO IMÓVEL E SEU RESPECTIVO REGISTRO – PRECEDENTES DESTE EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO PROVIDA” (CSM; Apelação Cível 1048319-36.2024.8.26.0100, de minha relatoria; j. 22/08/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTAS DE ARREMATAÇÃO – ALIENAÇÃO FORÇADA – DÚVIDA INVERSA – AUSÊNCIA DE PROTOCOLO VÁLIDO – ANUÊNCIA EM RELAÇÃO A PARTE DAS EXIGÊNCIAS FORMULADAS PELO OFICIAL DE REGISTRO – IMPUGNAÇÃO PARCIAL – DÚVIDA PREJUDICADA – ANÁLISE, EM TESE, DA EXIGÊNCIA IMPUGNADA A FIM DE ORIENTAR FUTURA PRENOTAÇÃO ORDENS DE INDISPONIBILIDADE AVERBADAS NAS MATRÍCULAS DESPROVIDAS DE FORÇA PARA OBSTACULIZAR A ALIENAÇÃO FORÇADA DOS IMÓVEIS E SEU RESPECTIVO REGISTRO PRECEDENTES DO EGRÉGIO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – APELAÇÃO NÃO CONHECIDA” (CSM; Apelação Cível 0000138-72.2024.8.26.0568, de minha relatoria; j. 27/06/2024).

A conclusão acima ganha reforço com alteração recente das Normas de Serviço Extrajudiciais (item 413 do Capítulo XX), por força de aprovação do Parecer 607/2024-E, elaborado no bojo da Apelação n. 1073659-79.2024.8.26.0100, em reflexo do entendimento que tem prevalecido neste Conselho Superior da Magistratura, no sentido de se admitir o registro da alienação judicial do bem imóvel ainda que oriunda de juízo diverso do que determinou a indisponibilidade e ainda que ausente, no título, alusão à sua prevalência.

Assim, por força do Provimento CG n. 44/2024, publicado em 19/09/2024, foi suprimida a parte final do item 413 do Cap.XX das NSCGJ, que hoje vigora com a seguinte redação:

“413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 e CNJ n.º 39/2014 e na forma do § 1.º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel”.

Por consequência, os precedentes acima, apesar de referentes à alienação judicial forçada, estendem-se aos casos de hipoteca voluntária, uma das modalidades de constrição judicial.

Ressalte-se, no entanto, que a solução dada ao caso concreto não se baseia na aplicação retroativa do dispositivo alterado, mas nos precedentes deste Conselho Superior da Magistratura, que há longa data vêm prevalecendo.

Daí porque desnecessária a exigência de que seja consignada, no título, a prevalência da hipoteca judicial em relação à restrição oriunda de outro juízo ou de que seja previamente cancelada a ordem de indisponibilidade averbada.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da hipoteca judiciária.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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CSM/SP: Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra – Suposta simulação quanto ao valor do imóvel – Recolhimento do imposto de transmissão com base no valor do negócio jurídico, que é superior ao valor venal – Ausente flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001261-07.2024.8.26.0595
Comarca: SERRA NEGRA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Registro: 2025.0000988363

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595, da Comarca de Serra Negra, em que é apelante LUIZ AUGUSTO NETO, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SERRA NEGRA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Apelante: Luiz Augusto Neto

Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra

VOTO Nº 43.900

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra – Suposta simulação quanto ao valor do imóvel – Recolhimento do imposto de transmissão com base no valor do negócio jurídico, que é superior ao valor venal – Ausente flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo – Recurso provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de venda e compra sob o fundamento de simulação quanto ao valor do bem. O Oficial defende recolhimento a menor do tributo devido e, por consequência, dos emolumentos necessários ao registro do título, o que torna necessária retificação para que o real valor do imóvel possa ser retratado. A parte, por sua vez, sustenta que o negócio jurídico foi documentado sem simulação quanto ao valor.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de retificação da escritura pública é cabível por necessidade de correção do valor do negócio jurídico de venda e compra.

III. Razões de decidir

3. O Registrador possui autonomia para recusar títulos que não atendam aos requisitos legais conforme o princípio da legalidade estrita.

4. A escritura pública apresentada, porém, preenche todos os seus requisitos legais, notadamente porque o valor negociado para o imóvel é superior ao valor venal. 5. Ausência de prova de simulação ou de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo no recolhimento do imposto de transmissão.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. Ao Oficial compete apenas fiscalizar o recolhimento do imposto de transmissão devido, mas não sua exatidão. 2. Quando inexistente prova concreta de simulação ou flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo no recolhimento do imposto de transmissão, não se pode exigir retificação do negócio jurídico apresentado a registro”.

Legislação e jurisprudências relevantes:

– Lei n. 8.935/1994, art. 28 e 30, XI; Lei n. 6.015/73, art. 289; CTN, art. 134, VI.

– STJ, Recurso Especial n.1.937.821/SP.

– CSM, Apelação n. 20522-0/9; Apelação n. 996-6/6; Apelação n. 0009480-97.2013.8.26.0114; Apelação n. 1000710-27.2024.8.26.0595.

Trata-se de apelação interposta por Luiz Augusto Neto contra a r. sentença de fls. 67/70, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Serra Negra, que manteve recusa ao registro de escritura pública de venda e compra que envolve o imóvel da matrícula n. 28.765 daquela serventia (prenotação n.114.042, nota de devolução às fls. 19/21).

A Registradora esclareceu que o negócio jurídico é nulo em virtude de simulação quanto ao valor do imóvel alienado, já que, no mesmo condomínio, há anúncios retratando valor de mercado muito superior para terrenos e construções; que a previsão de valor inferior reflete em recolhimento do imposto de transmissão e dos emolumentos devidos para registro a menor; que ao Registrador, enquanto substituto tributário, compete fiscalização (fls. 01/18).

Tais fundamentos foram acolhidos pela Corregedoria Permanente, que julgou procedente a dúvida (fls. 67/70).

Em suas razões (fls. 73/83), a parte apelante defende que incumbe ao Registrador fiscalizar o recolhimento do imposto de transmissão devido para o registro de título e não fixar valores mínimos para a transação de venda e compra entre particulares; que o negócio jurídico apresentado à serventia imobiliária retrata o valor efetivamente avençado entre os contratantes, o qual é superior ao valor venal do imóvel; que o fisco municipal concordou com o valor recolhido a título de ITBI; que não há comprovação inequívoca sobre a simulação alegada; que não há precedente a sustentar a exigência formulada no caso, de retificação da escritura pública; que não se opõe à comunicação do negócio jurídico para qualquer autoridade competente para apurar eventual irregularidade.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 103/107), nos moldes do que já havia sido enunciado pelo Ministério Público de primeiro grau (fls. 62/66).

Por força da decisão de fl. 108, os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Cumpre ressaltar, de início, que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Por isso mesmo, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e das normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Neste sentido, o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, porém, o recurso merece provimento. Vejamos os motivos.

A controvérsia versa sobre a registrabilidade de escritura pública de venda e compra celebrada em 29 de abril de 2024 entre Aparecida Ferreira Vieira e Durval Vieira, alienantes, e Salvador Canton Garcia Junior, Silvia Helena Krahembuhl Canton Garcia, Rosana Canton Garcia e Luiz Augusto Neto, adquirentes, a qual envolve o imóvel da matrícula n. 28.765 da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Serra Negra. O valor atribuído ao bem foi de R$ 545.000,00 (fls. 24/29).

Ingresso foi recusado em virtude de suposta simulação quanto ao valor do negócio jurídico (fls. 01/18 e 19/21).

Entretanto, o que se nota é que o título não possui vício formal que obste registro, notadamente porque o valor do negócio jurídico é superior ao valor venal houve recolhimento do ITBI conforme comprovante que instruiu a apresentação (fls. 30/31).

Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Por outro lado, acerca desta matéria, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação n. 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação n. 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação n. 0009480-97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Vale consignar, ainda, que o recolhimento do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo- paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:

“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Não bastasse tudo isso, sequer há evidência concreta de simulação quanto ao valor do imóvel negociado por meio da escritura pública em questão. Toda a tese da Oficial se desenvolve com base em anúncios relativos a outros imóveis do condomínio, o que nada comprova (fls. 01/18).

De fato, há que se pressupor que as partes negociantes atuam com boa-fé em suas relações civis, não podendo delegatário de serviço público preconceber o contrário. Nesse quesito, boa-fé e probidade vêm estampadas no próprio Código Civil, em seu artigo 422, que aponta que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, e tais conceitos se aplicam a todos os âmbitos da vida civil, não ficando restritas ao Direito Contratual.

Esta conclusão já foi alcançada em julgamento recente deste C. Conselho Superior da Magistratura, envolvendo caso da mesma Comarca: Apelação n. 10007010-27.2024.8.26.0595.

Nota-se, ainda, que todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência.

Uma observação derradeira: eventual comunicação a órgão competente na visão da Oficial poderá ser feita após o registro (como o COAF), com o que a própria parte recorrente concorda.

Nesse contexto, a exigência de retificação do título não só pode como deve ser afastada.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação para autorizar o registro do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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CSM/SP: Direito registral – Hipoteca judiciária baseada em sentença ilíquida – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1015122-56.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0000988361

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015122-56.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LOCA – IMÓVEIS INDUSTRIAIS EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015122-56.2025.8.26.0100

Apelante: Loca – Imóveis Industriais Empreendimentos e Participações Ltda.

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.892

Direito registral – Hipoteca judiciária baseada em sentença ilíquida – Registro recusado – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.

I. Caso em exame1. A recorrente, irresignada com o julgamento procedente da dúvida, questionando o obstáculo oposto ao registro da hipoteca judiciária, a desqualificação registral lastreada na iliquidez da sentença condenatória, interpôs apelação.

II. Questão em discussão2. A controvérsia versa a respeito da registrabilidade de hipoteca judiciária decorrente de condenação genérica.

III. Razões de decidir3. A hipoteca judiciária, subespécie de hipoteca legal, é efeito anexo de decisão judicial condenatória (ou que somente reconheça a exigibilidade de uma obrigação). 4. Com vistas à constituição da hipoteca judiciária, é suficiente a apresentação de cópia da decisão judicial ao Oficial do Registro de Imóveis, título constitutivo da garantia hipotecária, ainda que ilíquida a obrigação garantida e impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. 5. Uma vez ilíquida a decisão, será necessária uma estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, em atenção à especialização da hipoteca. 6. O valor da dívida deve constar do título judicial, quando não da cópia da decisão condenatória, de outra complementar, estimando-o, para fins de constituição da garantia hipotecária. 7. Dúvida procedente, juízo negativo de qualificação registral confirmado.

IVDispositivo8. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: O registro de hipoteca judiciária lastreada em condenação genérica exige estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, em atenção à indispensável especialização da hipoteca.

Legislação citada: CPC/1973, art. 466, par. único, I; Lei n.º 6.015/1973, art. 176, § 1.º, III, 5); CC/2002, art. 1.497, caput; CPC/2015, arts. 495, caput, § 1.º, I e III, e §§ 2.º e 3.º, e 515, I.

A interessada, ora recorrente, LOCA – IMÓVEIS INDUSTRIAIS EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., busca o registro de hipoteca judiciária na matrícula n.º 36.807 do 10.º RI desta Capital, lastreada em sentença condenatória proferida em desfavor da coproprietária do bem imóvel, MARINA AGUIAR, decisão judicial que, pendente de liquidação, não autoriza, segundo o Oficial, a inscrição.

Irresignada, suscitou dúvida inversa, afirmando, em sua manifestação de fls. 1-4, que a condenação genérica não é obstáculo ao registro, escorando-se, aí, na regra do art. 495, § 1.º, I, do CPC.

O Oficial, ao apresentar suas razões, ratificando a nota devolutiva de fls. 29-30 e justificando, na petição de fls. 35-38, a recusa impugnada, argumentou que, para fins de especialização da hipoteca, o título judicial deve fazer menção ao valor líquido da obrigação garantida, exigência em conformidade com o art. 1.497 do CC.

Ao menos, genérica a condenação, a estimativa judicial do montante devido seria, alegou, imprescindível.

A dúvida foi julgada procedente. Inconformada com a r. sentença de fls. 99-106, que prestigiou a desqualificação registral, a interessada apelou, sem nada substancialmente inovar em suas razões de fls. 112-122.

Seja como for, ponderou que o valor a ser considerado, para fins de inscrição, é encontrado no relatório da sentença; equivale ao valor histórico de R$ 82.456,20 (valor atribuído à causa), a ser acrescido de encargos moratórios, a partir de 7 de dezembro de 2020.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 187-190, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa a respeito do registro de hipoteca judiciária na matrícula n.º 36.807 do 10.º RI desta Capital, bem imóvel do qual Marina Aguiar, em desfavor de quem então proferida a sentença condenatória ilíquida (genérica), era coproprietária (fls. 6-15).

O bem imóvel, após a suscitação da dúvida inversa e a prenotação do título, foi objeto de divisão, desdobrado em dois novos lotes, o que causou o encerramento da matrícula n.º 36.807 e originou as matrículas n.º 177.733 e n.º 177.734. In casu, o imóvel correspondente à primeira coube a Marina Aguiar (fls. 77-80); o outro, à interessada, ora recorrente (fls. 81-84).

Quer dizer, a hipoteca judiciária que se busca hoje teria por objeto o bem imóvel descrito na matrícula n.º 177.733.

In concreto, a interessada não se conforma com o óbice levantado pelo Oficial, que, fundado na especialização exigida pelo art. 1.497 do CC, apontou não constar do título o valor da dívida, tampouco uma estimativa judicial do montante devido (fls. 29-30 e 35-38). Invocou, a favor do registro, o art. 495, § 1.º, I, do CPC.

A r. decisão de fls. 71-72, proferida pelo MM Juízo da 35.ª Vara Cível do Foro Central desta Capital, por ocasião do exame de embargos de declaração, não é, realmente, líquida; nos seus expressos termos, “faz-se necessário a liquidação da condenação em procedimento específico”.

De qualquer maneira, não vislumbra aí, o recorrente, empeço ao registro intencionado.

2. Em conformidade com o art. 495, caput, do CPC, “a decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.”

A hipoteca judiciária, direito real de garantia, in casusubespécie de hipoteca legal, é efeito anexo (acessório, secundário) de decisão judicial condenatória; na lição de João Francisco N. da Fonseca, “de qualquer decisão que reconheça a exigibilidade de obrigação, e não apenas da condenatória, na medida em que também aquela é título executivo judicial (CPC, art. 515, I).”[1]

Não se exige, exatamente, uma sentença tipicamente condenatória; dela não depende a hipoteca judiciária, que também pode ser constituída “com base em sentenças declaratórias ou constitutivas, sempre que nelas se der o acertamento da existência de obrigação cuja prestação seja o pagamento de soma de dinheiro ou de decisões que tenham convertido em dinheiro prestações originariamente relacionadas a outros bens.”[2]

A hipoteca judiciária independe, nos termos do § 2.º do art. 495 do CPC, de expressa ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de prova de urgência; também não está condicionada a pedido da parte a ser submetido ao juiz da causa; trata-se de efeito próprio de decisão judicial condenatória (ou que apenas reconheça a exigibilidade de uma obrigação).

O contraditório é diferido (art. 495, § 3.º, do CPC).

Suficiente, logo, com vistas à constituição da hipoteca judiciária, a mera apresentação de cópia da decisão judicial ao Oficial do Registro de Imóveis, que assim serve como título constitutivo da garantia hipotecária, ainda que ilíquida a obrigação garantida, e impugnada (a decisão) por recurso dotado de efeito suspensivo (art. 495, § 1.º, I e III).

Não é necessário mandado judicial, tampouco a prévia manifestação da outra parte; além disso, a hipoteca judiciária não está subordinada à coisa julgada, pouco importando, ademais, sua liquidez (ou iliquidez). A propósito, o inc I do § 1.º do art. 495 do CPC é expresso, ao realçar que, nada obstante genérica a condenação, a decisão produz a hipoteca judiciária.

3. Agora, genérica a condenação, ilíquida a obrigação, será indispensável, e aí em atenção à especialização da hipoteca, uma estimativa oficial (judicial) do quantum debeatur, “a instauração de um incidente para estimar a repercussão financeira da decisão”[3], do qual dependerá a constrição intencionada, a recair assim sobre o patrimônio do devedor.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “toda hipoteca tem de ser especializada, para que se determine o bem separado do patrimônio, e o débito que se destina a garantir“; “não se conhecendo o quantitativo do débito, far-se-á uma estimativa“.[4] (sublinhei)

No autorizado escólio de Araken de Assis, “apesar da irrelevância da condenação genérica, a especialização reclama prévia liquidação do montante da condenação”[5], ainda que não uma liquidação propriamente dita, por meio de incidente típico, uma estimativa judicial, do juiz da causa.

É indispensável, diante de uma decisão ilíquida, e na falta de liquidação, pedir ao juiz da causa a definição do valor da dívida para fins de constituição da garantia, uma estimativa provisória, prévia à liquidação, a ser depois, eventualmente, confirmada no incidente próprio. Não se exige a definição exata, definitiva, do valor da dívida, porém uma estimativa.

4. Convém conciliar a previsão do inc I do § 1.º do art. 495 do CPC, que, aliás, nada inovou em relação à legislação revogada (cf. art. 466, par. único, I, do CPC/1973), com as exigências do art. 176, § 1.º, III, 5), da Lei n.º 6.015/1973, e do art. 1.497, caput, do CC, relativas à especialização.

De acordo com o primeiro deles, norma extraída da Lei de Registros Públicos, o valor da dívida é requisito do registro no Livro 2 (Registro Geral).

O princípio da especialidade, que é consubstancial ao registro, abrange, acentua Afrânio de Carvalho, “a individualização obrigatória de: …; b) toda dívida que seja garantida por um direito real, pois a quantia não pode ser indefinida, mas certa, expressa em moeda nacional.”[6]

Adiante, em passagem que respalda o entendimento aqui defendido, pontua:

… Se a dívida tem um valor fixo, bastará a menção desse valor extraído do título; se não o tem, é preciso apenas que esse valor seja estimado no título para daí ser levado à inscrição. Em suma, quando falta a fixaçãoé ela suprida pela estimação. …[7] (sublinhei)

Já o art. 1.497 do CC, relacionado especificamente às hipotecas, estabelece, em reforço da norma registral, que as hipotecas de qualquer natureza devem ser especializadas.

5. Ao tempo do CPC de 1973, Egas Moniz de Aragão, ao comentar o art. 466, par. único, I, abordar a admissibilidade da hipoteca judiciária, quando genérica a condenação, seguiu nessa linha, in verbis:

… No caso de condenação genérica será necessário proceder a uma estimativa da responsabilidade, para delimitar a parcela de bens a ser afetada, o que pode gerar desencontro de opiniões e exigir a intervenção do juiz para equacionar e solucionar o problema …[8]

Pontes de Miranda também considerava necessária a prévia liquidação, para fins de inscrição de hipoteca judiciária baseada em condenação a dívida certa, admitindo, tal como in casu se entende, a apuração provisória do valor da responsabilidade do devedor.[9]

É a posição de José Miguel Garcia Medina, e é a que deve prevalecer, porque em harmonia com o sistema registral, com os seus princípios, em especial, então, com os da segurança jurídica e da especialidade:

… Em se tratando de decisão condenatória genérica (art. 495, § 1.º, I, do CPC/2015) será necessário requerer ao juiz que ele defina um valor, apenas para fins de constituição da hipoteca judiciária. Assim, no caso, para o registro da hipoteca será necessário apresentar cópia da sentença condenatória genérica e da decisão do juiz que definir o valor para fins de constituição de tal garantia.[10]

Sob essa ótica, por conseguinte, o valor da dívida deve constar do título judicial, quando não da cópia da decisão condenatória, de outra complementar, estimando-o. E respeitada opinião divergente, em especial, a de Moacyr Amaral dos Santos[11], o valor da causa, porque atribuído anteriormente à decisão ilíquida, por não ter se baseado no título constitutivo da hipoteca, não pode servir (logicamente) de baliza, salvo se, provocado, assim decidir o juiz da causa.

Em síntese, a dúvida é procedente; o juízo negativo de qualificação registral é de ser confirmado, tal como, consequentemente, a r. sentença impugnada.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Comentários ao Código de Processo Civilda sentença e da coisa julgadaarts. 485 a 508. José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli, João Francisco N. da Fonseca (coords.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 87. v. IX.

[2] Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 56.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1.081. v. I.

[3] João Francisco N. da Fonseca, opcit., p. 88.

[4] Instituições de Direito CivilDireitos Reais. 20.ª ed. Atualizada por Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 324-325. v. IV.

[5] Processo civil brasileiroparte especialprocedimento comum (da demanda à coisa julgada). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.313. v. III.

[6] Registro de imóveis. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 219.

[7] Opcit., p. 244.

[8] Sentença e coisa julgadaexegese do Código de Processo Civil (arts. 444 a 475). Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 184.

[9] Comentários ao Código de Processo Civil (arts. 444 a 475). 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 91 e 94.

[10] Sentençacoisa julgada e ação rescisóriadecisão judicial e formas de estabilizaçãoinexistênciainvalidaderevisãorescisão. 1.ª ed., 2.ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 90.

[11] Comentários ao Código de Processo Civilarts. 332 a 475. 7.ª ed. Atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 421. v. IV.

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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