Processo 1104583-39.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Eliana Ciulada Cattani – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FELIPE CIULADA CATTANI (OAB 5420/SE)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1104583-39.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Eliana Ciulada Cattani
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Eliana Ciulada Cattani, diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentada para registro, sob prenotação n. 888.818, carta de sentença expedida pelo 7º Tabelião de Notas desta Capital, em 24.07.2014, dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada, aberta em 11.05.1986, e de sua mulher Katrina Ciulada, aberta em 09.08.1993, que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 da serventia; que o título havia sido devolvido pela serventia em 11.06.2025 e foi reapresentado em 31.07.2025, com pedido de reconsideração ou suscitação de dúvida; que entende ser possível reconsiderar a exigência de apresentação de certidão de casamento dos falecidos, visto que as informações podem ser obtidas por outros documentos apresentados, e de que deveria constar o Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Katrina Ciulada, sendo possível nesse caso o direito de representação do herdeiro pré-morto; que, de todo modo, a exigência a respeito da presença do Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Bernardo Ciulada deve ser mantida, assim como a exigência de que não haja partilha “per saltum”; que o principal argumento da suscitada se restringe à impossibilidade de retificação de partilha já apreciada judicialmente e transitada em julgado; que os títulos judiciais também se sujeitam à qualificação registrária, cabendo ao Oficial analisar o escorreito cumprimento da legislação pertinente, não caracterizando desobediência ou descumprimento; que não se discute a possibilidade de cumulação de inventários em um mesmo processo judicial, mas sim o fato de que a partilha não pode ser realizada sem observar cada uma das transmissões por sucessão (ou seja, uma partilha para a sucessão de Bernardo Ciulada e outra para a sucessão de Katrina Ciulada); que o que impede o registro é a falta de haver duas partilhas com o recolhimento dos correspondentes ITCMDs; que, em que pese o pagamento único de duas sucessões, houve equívoco no pagamento, pois considerou-se apenas a sucessão total de Katrina Ciulada em detrimento do herdeiro-filho Antônio Ciulada em relação à primeira sucessão, o que configura sucessão “per saltum”; que, em respeito ao princípio da continuidade (artigo 195, LRP), deve ser observada a razão da ordem dos falecimentos: (a) Bernardo Ciulada – falecido em 11.05.1986, em cujo inventário os herdeiros são: Aldônia e Antônio, e (b) Katrina Ciulada – falecida em 09.08.1993, cujos herdeiros são: Aldônia e os herdeiros-netos Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e a suscitada Eliana Ciulada Cattani (estes últimos por representação de Antônio Ciulada, falecido em 24.01.1991); e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/179.
Em impugnação, a suscitada aduz que a qualificação registral do título judicial deve se limitar à verificação de sua aptidão para ingressar no fólio real, no que concerne aos seus aspectos extrínsecos e formais, sem adentrar na justiça ou correção da divisão patrimonial já chancelada pelo Poder Judiciário; que, se houvesse alguma inconsistência na forma da partilha, esta deveria ter sido arguida e debatida no curso do processo de inventário e partilha; que, uma vez transitada em julgado a sentença homologatória, a questão está definitivamente resolvida, e o Oficial não tem competência para atuar como uma instância revisora de decisões judiciais, sob pena de subverter a ordem jurídica e desrespeitar o princípio da separação dos Poderes; que o princípio da continuidade registral não pode ser invocado de forma absoluta a ponto de esvaziar a eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado; que a decisão judicial levou em conta todas as especificidades do caso, como o falecimento de Antônio Ciulada antes de Katrina Ciulada, o que gerou o direito de representação dos herdeiros-netos na segunda sucessão; que a discussão sobre o pagamento do ITCMD é uma questão tributária que, embora correlata à partilha, não pode ser obstáculo ao registro se a partilha foi judicialmente validada; que a exigência representa um entrave burocrático excessivo que desconsidera os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, gerando insegurança e prejuízos injustificados; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 186/193).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 183/185).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
Nesse sentido, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Conclui-se, portanto, que a origem do título judicial não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
No mérito, a dúvida é procedente.
A suscitada pretende o registro de carta de sentença extraída dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 07/130).
No caso concreto, houve inventário conjunto para partilha dos bens integrantes dos espólios de Bernardo Ciulada, falecido em 11 de maio de 1986 (fls. 19), e de Katrina Ciulada, falecida em 9 de agosto de 1993, nos autos do processo n. 0717446-84.1991.8.26.0100.
Da leitura dos autos, extrai-se que o casal Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada deixou dois filhos: (a) Antônio Ciulada, que veio a falecer em 24 de outubro de 1991 (fls. 139/140), e (b) Aldônia Helena Ciulada (fls. 25/26).
Com relação à partilha, constou que (a) pelo falecimento de Bernardo Ciulada, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: metade à viúva-meeira e outra metade aos dois filhos, Antônio Ciulada e Aldônia Helena Ciulada; e (b) pelo falecimento de Katrina Ciulada, que deixou testamento, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: toda a parte disponível e metade da legítima à filha Aldônia Helena Ciulada, e outra metade da legítima aos filhos de Antônio Ciulada, por representação – Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e Eliana Ciulada Cattani (fls. 65).
Quanto ao pagamento dos quinhões, notadamente com relação ao imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º RI, restou consignado que (a) para Aldônia Helena Ciulada, seria atribuída fração ideal de 62,50% (5/8) do imóvel, e (b) para cada um dos três herdeiros de Antônio Ciulada, seria atribuída fração ideal de 4,16%, totalizando 12,48% (1/8), do imóvel (fls. 67/73).
Embora a legislação processual permita a cumulação de inventários para partilha de heranças de pessoas diversas (artigo 672 do CPC), as sucessões devem ser feitas corretamente e de modo individualizado, com a declaração e o pagamento dos tributos devidos para cada hipótese de incidência prevista em lei.
Em termos diversos, a sucessão de cada um dos titulares do domínio constitui um fato independente, que deve ser levado para o fólio real nos termos do artigo 231 da Lei de Registros Públicos, que determina que, no preenchimento dos livros, sejam lançados “por ordem cronológica e em forma narrativa, os registros e averbações dos atos pertinentes ao imóvel matriculado”. Garante-se, assim, concretude ao princípio da continuidade registral.
Somente deste modo será possível preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e dos princípios da continuidade e disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ). Eventual concordância de outros herdeiros envolvidos não supre a falta.
Neste sentido, a jurisprudência:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO CONJUNTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE BENS QUE DEVEM SER PAULATINAMENTE PARTILHADOS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR DOIS PLANOS DE PARTILHA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1023686-87.2021.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Ausência de Irresignação parcial. Manutenção dos óbices. Necessidade de partilhas sucessivas. Ofensa ao princípio da continuidade. Recurso a que se nega provimento” (TJSP; Apelação Cível 1022725-25.2021.8.26.0100; Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 20/10/2021)
E, ainda, nos termos do V. Acórdão proferido na Apelação Cível n. 1013445-56.2019.8.26.0114, de relatoria do então D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Pinheiro Franco:
“Pelo princípio da continuidade, ou do trato sucessivo compete a transmissão da propriedade ao espólio herdeiro, e assim sucessivamente, não sendo possível a transmissão da propriedade diretamente aos herdeiros filhos, pelo fato daquele que faleceu posteriormente ainda estar vivo quando aberta a sucessão anterior. A cumulação de inventários visa privilegiar a economia processual, mas não é apta a afastar a previsão de partilhas distintas, sucessivas e sequenciais, aplicáveis no caso em tela”.
Na espécie, verifica-se que, quando do pagamento único dos quinhões, o imóvel da matrícula n. 146.134 do 8º RI foi atribuído, de forma direta, a Aldônia Helena Ciulada e aos filhos de Antônio Ciulada (fls. 67/73).
Conforme bem apontado pelo Oficial, o pagamento deveria retratar as duas sucessões distintas processadas nos autos, de forma subsequente, de modo a evidenciar (a) a primeira transmissão de bens do espólio de Bernardo Ciulada para Katrina Ciulada, Aldônia Helena Ciulada e Antônio Ciulada, e (b) a segunda transmissão dos bens do espólio de Katrina Ciulada para Aldônia Helena Ciulada e os herdeiros de Antônio Ciulada.
Portanto, para se permitir o acesso do formal de partilha ao fólio real, é necessário aditamento para preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e do princípio da continuidade.
Ademais, outro problema que imediatamente decorre dessa irregularidade é a impossibilidade de verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões e da transmissão onerosa por ato “inter vivos”, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD e ITBI, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos.
A respeito de tais pontos, transcrevo trecho elucidativo do voto do D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Eduardo Francisco Loureiro, nos autos da Apelação Cível n. 1005840-69.2022.8.26.0400 (destaques nossos):
“Contudo, verifica-se que a partilha homologada não especifica os bens que constituíram cada espólio nem a forma de pagamento individualizada de cada sucessão (fls. 34/37).
(…)
O título violaria, em consequência, também o princípio da disponibilidade.
Assim, sem que se possa aferir exatamente a fração ideal do imóvel que caberia aos herdeiros, diante das omissões das transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João, bem como da posterior alienação de parte do imóvel, de rigor a manutenção do primeiro óbice questionado: necessidade de emenda do formal de partilha para que dele constem os planos de partilha, um para cada inventariado, à luz do artigo 237 da Lei n. 6.015/73.
Por consequência, como a partilha deverá ser retificada, nova declaração precisará ser feita à Fazenda Estadual para aferição do recolhimento do ITCMD. As declarações feitas com base na partilha per saltum , ainda que tenham sido homologadas pelo fisco, não suprem nova avaliação à vista da confirmação de que necessária correção no título, o que deverá ser providenciado junto ao juízo do inventário.
Note-se que erro ou omissão em partilha homologada por sentença transitada em julgado pode ser corrigido.
Essa hipótese já vinha expressa no Código de Processo Civil de 1973, artigo 1.028, e foi mantida em termos idênticos no atual Código de Processo Civil, que assim dispõe: ‘Art. 656. A partilha, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, pode ser emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes, quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens, podendo o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a qualquer tempo, corrigir-lhe as inexatidões materiais’.
(…)
Sendo assim, o título deverá ser retificado com especificação dos bens do espólio e da forma de pagamento individualizada de cada sucessão. Isso permitirá a verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos. É importante ressaltar que não se está fiscalizando a regularidade dos valores devidos a título de ITCMD, o que compete ao fisco estadual.
O que se discute nestes autos, e que deve ser observado pelo Oficial por ocasião da qualificação registrária, é a existência do recolhimento do imposto devido sobre cada hipótese de incidência tributária, o que não pôde ser cumprido no caso em virtude das omissões nas transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João. (…)
A conclusão se reforça pelo fato de que cabe aos registradores o controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73 e artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional), o que vem corroborado pelos itens 117 e 117.1 do Capítulo XX das NSCGJ.” (CSMSP – Apelação Cível: 1005840-69.2022.8.26.0400 Localidade: Olímpia Data de Julgamento: 31/10/2024 Data DJ: 08/11/2024 Relator: Francisco Loureiro)
Destarte, o óbice deve ser mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 11 de setembro de 2025.
Renata Lima Zanetta
Juíza de Direito.
Fonte: DJE/SP 12.09.25.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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