CSM/SP: Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra – Suposta simulação quanto ao valor do imóvel – Recolhimento do imposto de transmissão com base no valor do negócio jurídico, que é superior ao valor venal – Ausente flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo – Recurso provido.


  
 

Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001261-07.2024.8.26.0595
Comarca: SERRA NEGRA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Registro: 2025.0000988363

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001261-07.2024.8.26.0595, da Comarca de Serra Negra, em que é apelante LUIZ AUGUSTO NETO, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SERRA NEGRA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001261-07.2024.8.26.0595

Apelante: Luiz Augusto Neto

Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Serra Negra

VOTO Nº 43.900

Direito Registral – Apelação – Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra – Suposta simulação quanto ao valor do imóvel – Recolhimento do imposto de transmissão com base no valor do negócio jurídico, que é superior ao valor venal – Ausente flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo – Recurso provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro de escritura pública de venda e compra sob o fundamento de simulação quanto ao valor do bem. O Oficial defende recolhimento a menor do tributo devido e, por consequência, dos emolumentos necessários ao registro do título, o que torna necessária retificação para que o real valor do imóvel possa ser retratado. A parte, por sua vez, sustenta que o negócio jurídico foi documentado sem simulação quanto ao valor.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a exigência de retificação da escritura pública é cabível por necessidade de correção do valor do negócio jurídico de venda e compra.

III. Razões de decidir

3. O Registrador possui autonomia para recusar títulos que não atendam aos requisitos legais conforme o princípio da legalidade estrita.

4. A escritura pública apresentada, porém, preenche todos os seus requisitos legais, notadamente porque o valor negociado para o imóvel é superior ao valor venal. 5. Ausência de prova de simulação ou de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo no recolhimento do imposto de transmissão.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. Ao Oficial compete apenas fiscalizar o recolhimento do imposto de transmissão devido, mas não sua exatidão. 2. Quando inexistente prova concreta de simulação ou flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo no recolhimento do imposto de transmissão, não se pode exigir retificação do negócio jurídico apresentado a registro”.

Legislação e jurisprudências relevantes:

– Lei n. 8.935/1994, art. 28 e 30, XI; Lei n. 6.015/73, art. 289; CTN, art. 134, VI.

– STJ, Recurso Especial n.1.937.821/SP.

– CSM, Apelação n. 20522-0/9; Apelação n. 996-6/6; Apelação n. 0009480-97.2013.8.26.0114; Apelação n. 1000710-27.2024.8.26.0595.

Trata-se de apelação interposta por Luiz Augusto Neto contra a r. sentença de fls. 67/70, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Serra Negra, que manteve recusa ao registro de escritura pública de venda e compra que envolve o imóvel da matrícula n. 28.765 daquela serventia (prenotação n.114.042, nota de devolução às fls. 19/21).

A Registradora esclareceu que o negócio jurídico é nulo em virtude de simulação quanto ao valor do imóvel alienado, já que, no mesmo condomínio, há anúncios retratando valor de mercado muito superior para terrenos e construções; que a previsão de valor inferior reflete em recolhimento do imposto de transmissão e dos emolumentos devidos para registro a menor; que ao Registrador, enquanto substituto tributário, compete fiscalização (fls. 01/18).

Tais fundamentos foram acolhidos pela Corregedoria Permanente, que julgou procedente a dúvida (fls. 67/70).

Em suas razões (fls. 73/83), a parte apelante defende que incumbe ao Registrador fiscalizar o recolhimento do imposto de transmissão devido para o registro de título e não fixar valores mínimos para a transação de venda e compra entre particulares; que o negócio jurídico apresentado à serventia imobiliária retrata o valor efetivamente avençado entre os contratantes, o qual é superior ao valor venal do imóvel; que o fisco municipal concordou com o valor recolhido a título de ITBI; que não há comprovação inequívoca sobre a simulação alegada; que não há precedente a sustentar a exigência formulada no caso, de retificação da escritura pública; que não se opõe à comunicação do negócio jurídico para qualquer autoridade competente para apurar eventual irregularidade.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 103/107), nos moldes do que já havia sido enunciado pelo Ministério Público de primeiro grau (fls. 62/66).

Por força da decisão de fl. 108, os autos foram redistribuídos a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Cumpre ressaltar, de início, que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Por isso mesmo, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e das normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Neste sentido, o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, porém, o recurso merece provimento. Vejamos os motivos.

A controvérsia versa sobre a registrabilidade de escritura pública de venda e compra celebrada em 29 de abril de 2024 entre Aparecida Ferreira Vieira e Durval Vieira, alienantes, e Salvador Canton Garcia Junior, Silvia Helena Krahembuhl Canton Garcia, Rosana Canton Garcia e Luiz Augusto Neto, adquirentes, a qual envolve o imóvel da matrícula n. 28.765 da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Serra Negra. O valor atribuído ao bem foi de R$ 545.000,00 (fls. 24/29).

Ingresso foi recusado em virtude de suposta simulação quanto ao valor do negócio jurídico (fls. 01/18 e 19/21).

Entretanto, o que se nota é que o título não possui vício formal que obste registro, notadamente porque o valor do negócio jurídico é superior ao valor venal houve recolhimento do ITBI conforme comprovante que instruiu a apresentação (fls. 30/31).

Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Por outro lado, acerca desta matéria, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão” (Apelação n. 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação n. 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

“Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor” (Apelação n. 0009480-97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Vale consignar, ainda, que o recolhimento do ITBI tomando por base o valor da transação não se mostra flagrantemente incorreto, notadamente diante das teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n.1.937.821/SP (processo- paradigma do Tema n.1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral:

“a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;

b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);

c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Não bastasse tudo isso, sequer há evidência concreta de simulação quanto ao valor do imóvel negociado por meio da escritura pública em questão. Toda a tese da Oficial se desenvolve com base em anúncios relativos a outros imóveis do condomínio, o que nada comprova (fls. 01/18).

De fato, há que se pressupor que as partes negociantes atuam com boa-fé em suas relações civis, não podendo delegatário de serviço público preconceber o contrário. Nesse quesito, boa-fé e probidade vêm estampadas no próprio Código Civil, em seu artigo 422, que aponta que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, e tais conceitos se aplicam a todos os âmbitos da vida civil, não ficando restritas ao Direito Contratual.

Esta conclusão já foi alcançada em julgamento recente deste C. Conselho Superior da Magistratura, envolvendo caso da mesma Comarca: Apelação n. 10007010-27.2024.8.26.0595.

Nota-se, ainda, que todos os dados informados na guia gerada pela municipalidade para o recolhimento do ITBI podem ser conferidos pelo ente tributante, permitindo sua atuação na hipótese de incongruência.

Uma observação derradeira: eventual comunicação a órgão competente na visão da Oficial poderá ser feita após o registro (como o COAF), com o que a própria parte recorrente concorda.

Nesse contexto, a exigência de retificação do título não só pode como deve ser afastada.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação para autorizar o registro do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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