1VRP/SP- EMENTA NÃO OFICAL: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Apresentação de carta de sentença extraída de inventário judicial cumulativo de bens deixados por cônjuges falecidos em datas distintas – Partilha realizada de forma única, com atribuição direta de frações ideais a herdeiros-netos, sem menção à ordem cronológica das transmissões hereditárias – Ausência de individualização das sucessões de Bernardo e Katrina Ciulada – Infringência ao princípio da continuidade registral (art. 195 da LRP), da disponibilidade (art. 237 da LRP) e da legalidade – Necessidade de retificação do título para constar o desdobramento das transmissões patrimoniais em etapas sucessivas, com individualização de quinhões e recolhimento do ITCMD em cada hipótese de incidência – Alegação de coisa julgada afastada – Títulos judiciais também se submetem à qualificação registral – Precedentes do CSM/SP – Dúvida procedente.

Processo 1104583-39.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Eliana Ciulada Cattani – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: FELIPE CIULADA CATTANI (OAB 5420/SE)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1104583-39.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Eliana Ciulada Cattani
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Eliana Ciulada Cattani, diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentada para registro, sob prenotação n. 888.818, carta de sentença expedida pelo 7º Tabelião de Notas desta Capital, em 24.07.2014, dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada, aberta em 11.05.1986, e de sua mulher Katrina Ciulada, aberta em 09.08.1993, que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 da serventia; que o título havia sido devolvido pela serventia em 11.06.2025 e foi reapresentado em 31.07.2025, com pedido de reconsideração ou suscitação de dúvida; que entende ser possível reconsiderar a exigência de apresentação de certidão de casamento dos falecidos, visto que as informações podem ser obtidas por outros documentos apresentados, e de que deveria constar o Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Katrina Ciulada, sendo possível nesse caso o direito de representação do herdeiro pré-morto; que, de todo modo, a exigência a respeito da presença do Espólio de Antônio Ciulada no inventário de Bernardo Ciulada deve ser mantida, assim como a exigência de que não haja partilha “per saltum”; que o principal argumento da suscitada se restringe à impossibilidade de retificação de partilha já apreciada judicialmente e transitada em julgado; que os títulos judiciais também se sujeitam à qualificação registrária, cabendo ao Oficial analisar o escorreito cumprimento da legislação pertinente, não caracterizando desobediência ou descumprimento; que não se discute a possibilidade de cumulação de inventários em um mesmo processo judicial, mas sim o fato de que a partilha não pode ser realizada sem observar cada uma das transmissões por sucessão (ou seja, uma partilha para a sucessão de Bernardo Ciulada e outra para a sucessão de Katrina Ciulada); que o que impede o registro é a falta de haver duas partilhas com o recolhimento dos correspondentes ITCMDs; que, em que pese o pagamento único de duas sucessões, houve equívoco no pagamento, pois considerou-se apenas a sucessão total de Katrina Ciulada em detrimento do herdeiro-filho Antônio Ciulada em relação à primeira sucessão, o que configura sucessão “per saltum”; que, em respeito ao princípio da continuidade (artigo 195, LRP), deve ser observada a razão da ordem dos falecimentos: (a) Bernardo Ciulada – falecido em 11.05.1986, em cujo inventário os herdeiros são: Aldônia e Antônio, e (b) Katrina Ciulada – falecida em 09.08.1993, cujos herdeiros são: Aldônia e os herdeiros-netos Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e a suscitada Eliana Ciulada Cattani (estes últimos por representação de Antônio Ciulada, falecido em 24.01.1991); e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/179.
Em impugnação, a suscitada aduz que a qualificação registral do título judicial deve se limitar à verificação de sua aptidão para ingressar no fólio real, no que concerne aos seus aspectos extrínsecos e formais, sem adentrar na justiça ou correção da divisão patrimonial já chancelada pelo Poder Judiciário; que, se houvesse alguma inconsistência na forma da partilha, esta deveria ter sido arguida e debatida no curso do processo de inventário e partilha; que, uma vez transitada em julgado a sentença homologatória, a questão está definitivamente resolvida, e o Oficial não tem competência para atuar como uma instância revisora de decisões judiciais, sob pena de subverter a ordem jurídica e desrespeitar o princípio da separação dos Poderes; que o princípio da continuidade registral não pode ser invocado de forma absoluta a ponto de esvaziar a eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado; que a decisão judicial levou em conta todas as especificidades do caso, como o falecimento de Antônio Ciulada antes de Katrina Ciulada, o que gerou o direito de representação dos herdeiros-netos na segunda sucessão; que a discussão sobre o pagamento do ITCMD é uma questão tributária que, embora correlata à partilha, não pode ser obstáculo ao registro se a partilha foi judicialmente validada; que a exigência representa um entrave burocrático excessivo que desconsidera os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, gerando insegurança e prejuízos injustificados; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 186/193).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 183/185).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
Nesse sentido, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Conclui-se, portanto, que a origem do título judicial não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
No mérito, a dúvida é procedente.
A suscitada pretende o registro de carta de sentença extraída dos autos da ação de inventário e partilha de Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada que tramitou perante a 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital sob n. 0717446-84.1991.8.26.0100, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º Registro de Imóveis de São Paulo (fls. 07/130).
No caso concreto, houve inventário conjunto para partilha dos bens integrantes dos espólios de Bernardo Ciulada, falecido em 11 de maio de 1986 (fls. 19), e de Katrina Ciulada, falecida em 9 de agosto de 1993, nos autos do processo n. 0717446-84.1991.8.26.0100.
Da leitura dos autos, extrai-se que o casal Bernardo Ciulada e Katrina Ciulada deixou dois filhos: (a) Antônio Ciulada, que veio a falecer em 24 de outubro de 1991 (fls. 139/140), e (b) Aldônia Helena Ciulada (fls. 25/26).
Com relação à partilha, constou que (a) pelo falecimento de Bernardo Ciulada, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: metade à viúva-meeira e outra metade aos dois filhos, Antônio Ciulada e Aldônia Helena Ciulada; e (b) pelo falecimento de Katrina Ciulada, que deixou testamento, os seus bens foram partilhados da seguinte forma: toda a parte disponível e metade da legítima à filha Aldônia Helena Ciulada, e outra metade da legítima aos filhos de Antônio Ciulada, por representação – Luis Antônio Ciulada, Auro Leandro e Eliana Ciulada Cattani (fls. 65).
Quanto ao pagamento dos quinhões, notadamente com relação ao imóvel objeto da matrícula n. 146.134 do 8º RI, restou consignado que (a) para Aldônia Helena Ciulada, seria atribuída fração ideal de 62,50% (5/8) do imóvel, e (b) para cada um dos três herdeiros de Antônio Ciulada, seria atribuída fração ideal de 4,16%, totalizando 12,48% (1/8), do imóvel (fls. 67/73).
Embora a legislação processual permita a cumulação de inventários para partilha de heranças de pessoas diversas (artigo 672 do CPC), as sucessões devem ser feitas corretamente e de modo individualizado, com a declaração e o pagamento dos tributos devidos para cada hipótese de incidência prevista em lei.
Em termos diversos, a sucessão de cada um dos titulares do domínio constitui um fato independente, que deve ser levado para o fólio real nos termos do artigo 231 da Lei de Registros Públicos, que determina que, no preenchimento dos livros, sejam lançados “por ordem cronológica e em forma narrativa, os registros e averbações dos atos pertinentes ao imóvel matriculado”. Garante-se, assim, concretude ao princípio da continuidade registral.
Somente deste modo será possível preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e dos princípios da continuidade e disponibilidade (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73; item 47 do Cap. XX das NSCGJ). Eventual concordância de outros herdeiros envolvidos não supre a falta.
Neste sentido, a jurisprudência:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – FORMAL DE PARTILHA EXTRAÍDO DE INVENTÁRIO CONJUNTO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE BENS QUE DEVEM SER PAULATINAMENTE PARTILHADOS – NECESSIDADE DE ADITAMENTO DO TÍTULO PARA CONSTAR DOIS PLANOS DE PARTILHA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (TJSP; Apelação Cível 1023686-87.2021.8.26.0577; Relator: Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São José dos Campos – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2022; Data de Registro: 10/01/2023)
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Ausência de Irresignação parcial. Manutenção dos óbices. Necessidade de partilhas sucessivas. Ofensa ao princípio da continuidade. Recurso a que se nega provimento” (TJSP; Apelação Cível 1022725-25.2021.8.26.0100; Relator: Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 20/10/2021)
E, ainda, nos termos do V. Acórdão proferido na Apelação Cível n. 1013445-56.2019.8.26.0114, de relatoria do então D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Pinheiro Franco:
“Pelo princípio da continuidade, ou do trato sucessivo compete a transmissão da propriedade ao espólio herdeiro, e assim sucessivamente, não sendo possível a transmissão da propriedade diretamente aos herdeiros filhos, pelo fato daquele que faleceu posteriormente ainda estar vivo quando aberta a sucessão anterior. A cumulação de inventários visa privilegiar a economia processual, mas não é apta a afastar a previsão de partilhas distintas, sucessivas e sequenciais, aplicáveis no caso em tela”.
Na espécie, verifica-se que, quando do pagamento único dos quinhões, o imóvel da matrícula n. 146.134 do 8º RI foi atribuído, de forma direta, a Aldônia Helena Ciulada e aos filhos de Antônio Ciulada (fls. 67/73).
Conforme bem apontado pelo Oficial, o pagamento deveria retratar as duas sucessões distintas processadas nos autos, de forma subsequente, de modo a evidenciar (a) a primeira transmissão de bens do espólio de Bernardo Ciulada para Katrina Ciulada, Aldônia Helena Ciulada e Antônio Ciulada, e (b) a segunda transmissão dos bens do espólio de Katrina Ciulada para Aldônia Helena Ciulada e os herdeiros de Antônio Ciulada.
Portanto, para se permitir o acesso do formal de partilha ao fólio real, é necessário aditamento para preservação da ordem das sucessões e, por consequência, da ordem cronológica dos registros e do princípio da continuidade.
Ademais, outro problema que imediatamente decorre dessa irregularidade é a impossibilidade de verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões e da transmissão onerosa por ato “inter vivos”, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD e ITBI, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos.
A respeito de tais pontos, transcrevo trecho elucidativo do voto do D. Corregedor Geral da Justiça, Des. Eduardo Francisco Loureiro, nos autos da Apelação Cível n. 1005840-69.2022.8.26.0400 (destaques nossos):
“Contudo, verifica-se que a partilha homologada não especifica os bens que constituíram cada espólio nem a forma de pagamento individualizada de cada sucessão (fls. 34/37).
(…)
O título violaria, em consequência, também o princípio da disponibilidade.
Assim, sem que se possa aferir exatamente a fração ideal do imóvel que caberia aos herdeiros, diante das omissões das transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João, bem como da posterior alienação de parte do imóvel, de rigor a manutenção do primeiro óbice questionado: necessidade de emenda do formal de partilha para que dele constem os planos de partilha, um para cada inventariado, à luz do artigo 237 da Lei n. 6.015/73.
Por consequência, como a partilha deverá ser retificada, nova declaração precisará ser feita à Fazenda Estadual para aferição do recolhimento do ITCMD. As declarações feitas com base na partilha per saltum , ainda que tenham sido homologadas pelo fisco, não suprem nova avaliação à vista da confirmação de que necessária correção no título, o que deverá ser providenciado junto ao juízo do inventário.
Note-se que erro ou omissão em partilha homologada por sentença transitada em julgado pode ser corrigido.
Essa hipótese já vinha expressa no Código de Processo Civil de 1973, artigo 1.028, e foi mantida em termos idênticos no atual Código de Processo Civil, que assim dispõe: ‘Art. 656. A partilha, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, pode ser emendada nos mesmos autos do inventário, convindo todas as partes, quando tenha havido erro de fato na descrição dos bens, podendo o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a qualquer tempo, corrigir-lhe as inexatidões materiais’.
(…)
Sendo assim, o título deverá ser retificado com especificação dos bens do espólio e da forma de pagamento individualizada de cada sucessão. Isso permitirá a verificação da incidência tributária sobre cada uma das sucessões, que caracterizam fatos geradores distintos de ITCMD, o qual tem por base de cálculo o valor dos bens ou direitos transmitidos. É importante ressaltar que não se está fiscalizando a regularidade dos valores devidos a título de ITCMD, o que compete ao fisco estadual.
O que se discute nestes autos, e que deve ser observado pelo Oficial por ocasião da qualificação registrária, é a existência do recolhimento do imposto devido sobre cada hipótese de incidência tributária, o que não pôde ser cumprido no caso em virtude das omissões nas transmissões intermediárias relativas às heranças de Dorcelino, Francisco e João. (…)
A conclusão se reforça pelo fato de que cabe aos registradores o controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73 e artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional), o que vem corroborado pelos itens 117 e 117.1 do Capítulo XX das NSCGJ.” (CSMSP – Apelação Cível: 1005840-69.2022.8.26.0400 Localidade: Olímpia Data de Julgamento: 31/10/2024 Data DJ: 08/11/2024 Relator: Francisco Loureiro)
Destarte, o óbice deve ser mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 11 de setembro de 2025.
Renata Lima Zanetta
Juíza de Direito.

Fonte: DJE/SP 12.09.25.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇAO
Número: 1062962-62.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0000988356

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1062962-62.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes WILSON DOS SANTOS CANHAS, MOACIR DOS SANTOS CANHAS e TANIA REGINA POCCI CANHAS, é apelado 16º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1062962-62.2025.8.26.0100

Apelantes: Wilson dos Santos Canhas, Moacir dos Santos Canhas e Tania Regina Pocci Canhas

Apelado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.895

Direito registral – Apelação – Carta de sentença arbitral que declara o domínio por meio da usucapião – À justiça arbitral não compete declarar a propriedade pela usucapião. Prescrição aquisitiva que só pode ser decidida em juízo ou pela via extrajudicial prevista em lei – Ainda que a carta de sentença arbitral em apreço pudesse ingressar no fólio real, constata-se que não houve participação dos proprietários tabulares do imóvel no procedimento arbitral – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

1.Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa de registro de carta de sentença arbitral, que declarou o domínio dos apelantes sobre imóvel pela usucapião.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a carta de sentença arbitral que declara o domínio de imóvel pela usucapião pode ingressar no fólio real.

III. Razões de Decidir

3. As cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

4. A justiça arbitral é uma via alternativa à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao tribunal arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996), e, no caso concreto, tal consenso não se fez presente porque nem mesmo os titulares do domínio participaram do procedimento arbitral. Não bastasse, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara. Na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973. Isso impede a appsição de cláusula compromissória para tribunal arbitral decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestam vontade nesse sentido. A convenção de arbitragem ou cláusula compromissória teria o potencial de violar direitos de terceiros interessados.

5. As regras sobre usucapião são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023). Além disso, há risco concreto de prática de fraudes mediante processos simulados, com atuação de grileiros e instabilidade fundiária, tudo a justificar a falta de competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: A justiça arbitral não tem competência para decidir sobre a usucapião porque inviável a manifestação de vontade de todos os possíveis interessados para que tal via seja escolhida e porque além da usucapião judicial, só existe a usucapião extrajudicial que decorre dos artigos 1.071 do CPC e do artigo 216-A da Lei de Registros Públicos.

A sentença arbitral não pode ser registrada como título que declara o domínio pela usucapião.

Legislação Citada: CF/1988, art. 5º, XXXV; Lei nº 9.307/1996, artigos 1º e 31; Lei nº 6.015/1973, art. 216-A e 221, IV; CPC, arts. 259, I; 1.071; Provimento nº 65/2017 e Código de Normas, ambos do CNJ (Provimento nº 149/2023).

Jurisprudência Citada:

CNJ, Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, Rel. Cons. Marcello Terto, j. 18/06/2025;

Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, j. 01/03/2024;

Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000;

CNJ, Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000, Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, 26/08/2019.

Cuida-se de apelação interposta por WILSON DOS SANTOS CANHAS, TANIA REGINA POCCI CANHAS e MOACIR DOS SANTOS CANHAS em face da r. sentença de fls. 227/231, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital que, em dúvida suscitada pela 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a pedido dos ora recorrentes, manteve a recusa de registro à carta de sentença arbitral.

A referida carta de sentença arbitral é advinda de procedimento efetuado pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano, em que foi acolhido o pedido de usucapião, declarando-se o domínio dos ora recorrentes sobre o imóvel localizado na Rua José Ataliba Ortiz, n. 467, casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito, Pirituba, nesta Capital.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que: (i) embora não exista previsão legal para o reconhecimento da usucapião por meio de sentença arbitral, tampouco há qualquer previsão que a proíba; (ii) a arbitragem não tem jurisdição e, por essa razão, não há regras legais que imponham o foro para conhecimento de questões relacionadas a direito patrimonial disponível; (iii) a competência territorial na arbitragem é determinada pela convenção de arbitragem, seja ela uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral, nos termos da Lei nº 9.307/96 – Lei da Arbitragem; (iv) o procedimento de usucapião, perante a Câmara de Arbitragem, encontra respaldo no artigo 1º da Lei 9.307/96 e, atendendo, ainda, aos requisitos do Provimento CNJ n. 65/2017, é de ser considerado legal; (v) a sentença arbitral é equiparada em todos os efeitos à sentença proferida por um juiz togado; (vi) o art. 515, inciso VII, do Código de Processo Civil estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial e assim ser executada; (vii) quanto à alegação de ausência de litígio, não há outra forma de regularização do imóvel, citando precedente do C.N.J. que entendeu pela existência de litígio entre o proprietário registral e o requerente da aquisição da propriedade; (viii) o título preenche todos os requisitos legais para acesso ao fólio real, atendendo a todos os princípios previstos na Lei nº 6.015/1973, em especial o artigo 216-A da L.R. e Provimentos 149/2023 e 65/2017 do CNJ.

A Procuradoria de Justiça opinou pela rejeição do apelo (fls. 272/275).

É o relatório.

Conforme se extrai dos autos, o procedimento arbitral objetivando a declaração de domínio por usucapião teve início a partir de requerimento dos ora recorrentes, Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O imóvel não ostenta matrícula própria e está inserido em área maior de 140.415m2, denominada sítio Mangalot, descrita na transcrição nº 34.674, aberta em 19/04/1927 no 2º RI da Capital (fls. 90/98), que indica como proprietária a Sociedade Civil de Terrenos Mangalot.

Consta, ainda, da referida certidão, que em 07/03/1931, conforme transcrição nº 3.845, a supracitada proprietária adquiriu vinte e um alqueires no lugar denominado sítio Mangalot – Gleba A.

A área, ao que indica, foi loteada e diversos lotes foram compromissados a diferentes promissários compradores. Uma gleba maior, com área de 9.600m2, foi inteiramente compromissada à venda a Francisco Antonio Pedrão, conforme av. 27 de 30/11/1949 (fls. 90/96).

Os apelantes apresentaram a registro a carta de sentença arbitral de fls. 09/165, emitida pelo IMAT – Instituto de Mediação e Arbitragem do Alto Tietê, sediado em Suzano/SP.

A sentença arbitral (fls. 153/158) declarou o domínio do imóvel pela usucapião em favor dos requerentes Wilson dos Santos Canhas, Tania Regina Pocci Canhas e Moacir dos Santos Canhas, relativamente ao imóvel situado na Rua José Ataliba Ortiz, nº 467, Casas 01 e 02, Vila Mangalot, 31º Subdistrito – Pirituba, nesta Capital.

O título foi protocolado e prenotado sob nº 680.620, em 10 de abril de 2025 e, qualificado negativamente, gerou a nota de devolução de fls. 05/06, em 14/04/2025, nos seguintes termos:

“O presente título é devolvido nesta data pelos motivos abaixo expostos e/ou para atendimento das seguintes exigências:

O procedimento de usucapião extrajudicial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Provimento nº 65/2017 do CNJ, o qual estabeleceu diretrizes a serem observadas pelos serviços notariais e registrais, conforme disposto no art. 1.071 do CPC e no art. 216-A da Lei nº 6.015/73.

Entretanto, tais diretrizes não se aplicam ao procedimento arbitral, uma vez que não há previsão legal que autorize o reconhecimento extrajudicial da usucapião com fundamento em sentença arbitral. Dessa forma, o reconhecimento extrajudicial da usucapião deve observar estritamente as normas estabelecidas no referido provimento, atualmente revogado e substituído pelo Provimento nº 149/2023 do CNJ.

Nesse contexto, é nula a sentença arbitral que declara a aquisição da propriedade por usucapião, conforme entendimento consolidado na Apelação Cível nº 1000201-52.2024.8.26.0642 e no Pedido de Providências nº 0005352-60.2023.2.00.0000.

Esclarece-se, ainda, que, nos termos do art. 156 da Lei nº 6.015/73 e do item 117, Capítulo XX das NSCGJ, compete ao oficial registrador rejeitar o registro de qualquer título que não observe as formalidades legais.

Por fim, cumpre destacar que, nos termos do art. 47 do CPC, as ações fundadas em direito real sobre imóveis devem ser propostas no foro da situação da coisa, neste caso, a Comarca da Capital”.

Posteriormente, por ocasião da suscitação da dúvida, o Oficial acrescentou que não houve litígio real porque os próprios requerentes declararam a inexistência de controvérsia quanto à posse ou à propriedade do imóvel, além de ter mencionado a não participação do titular do domínio do imóvel no procedimento arbitral, de forma a comprometer a validade e a higidez do título apresentado.

Bem analisados os autos, tem-se que a recusa do Oficial de Registro de Imóveis quanto ao ingresso do título no fólio real deve prevalecer.

De início, é preciso constar que as cartas de sentença arbitrais, em sentido amplo, são títulos hábeis a registro, nos termos do artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei nº 6.015/1973, as quais, à semelhança do que se passa com as cartas de sentença judiciais, são qualificáveis pelos Oficiais de Registro de Imóveis, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Em julgamento recente deste C. CSM, nos autos da Apelação Cível nº 1034506-89.2023.8.26.0224, foi decidido que: “…Não se questiona que a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário (artigo 31 da Lei n. 9.307/96, e artigo 221, inciso IV, da LRP). Ocorre que mesmo a carta arbitral, que se equipara aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação” (data do julgamento: 01/03/2024).

No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo então Excelentíssimo Senhor Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, em 26/08/2019, nos autos da Consulta nº 0004727-02.2018.2.00.0000: “Assim, a sentença arbitral, possui os mesmos efeitos da sentença judicial como título executivo, há uma equiparação eficaz, e nesta conformidade, assume prerrogativas de título hábil para o acesso ao registro imobiliário. Portanto, a expressão ‘carta de sentença’ contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial”.

Vale dizer, a carta de sentença arbitral é título hábil para inscrição no fólio real, independentemente de manifestação do Poder Judiciário, mas, a exemplo dos títulos judiciais, também não está isenta de qualificação pelo Registrador, conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

Assentada a registrabilidade, em sentido amplo, da carta de sentença arbitral, resta aferir se a carta de sentença arbitral declaratória de domínio pela usucapião pode obter ingresso no fólio real.

Isso porque, enquanto ao Poder Judiciário é conferida competência para apreciar toda lesão ou ameaça a direito, como decorre do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, à justiça arbitral é imputada competência limitada ao disposto no artigo 1º da Lei nº 9.307/1996: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Trata-se de uma das vias alternativas à judicial, mas que somente pode ser utilizada se houver consenso entre as partes interessadas pela submissão da solução de seus litígios ao juízo arbitral, mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei 9.307/1996).

“A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4º da Lei 9.307/1996) e “O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (artigo 9º da Lei 9.307/1996).

Indispensável, portanto, que as partes, por consenso,, elejam a justiça arbitral para a solução do litígio em que envolvidas, sem o que a justiça arbitral não pode atuar.

Na hipótese vertente, os titulares do domínio não manifestaram vontade de solucionar a questão posta por meio da justiça arbitral.

Como bem observou o Registrador, não houve a participação dos titulares do domínio no procedimento arbitral, os quais, inclusive, não foram intimados a respeito da pretensão dos ora recorrentes.

Disso decorre que diante da mais completa ausência de cláusula compromissória ou convenção arbitral entre as partes, inviável o julgamento da usucapião por tribunal arbitral.

Isso é, por si só, suficiente para desqualificar o título, já que o procedimento arbitral só se instaura pela vontade das partes para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei nº 9.307/1996).

Irrelevante que o Oficial de Registro de Imóveis só tenha levantado esse específico óbice por ocasião da suscitação da dúvida porque a Corregedoria, Permanente e Geral, pode analisar a questão posta em toda sua extensão. Em outras palavras, faz-se nova qualificação do título por inteiro, podendo apontar novos obstáculos não apontados pelo oficial.

Além disso, a sentença que reconhece a usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, gerando os mesmos efeitos da propriedade que declara, tanto que, na ação de usucapião, além da intimação dos confrontantes e das Fazendas Públicas, possíveis interessados devem ser citados por edital, conforme as regras inseridas no artigo 259, I, do CPC e no artigo 216-A, §§3º e 4º, da Lei 6.015/1973.

Isso impede que seja avençado o juízo arbitral para decidir sobre a usucapião, eis que os potenciais interessados não manifestaram vontade nesse sentido, o que macula a convenção de arbitragem, seja a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral.

Nesse sentido, foi o parecer técnico da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça, exarado nos autos Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000, acolhido como razão de decidir pelo Conselheiro Marcelo Terto, em 18/06/2025, do qual se destaca o seguinte trecho:

“Logo, considerando que na ação de usucapião há necessidade de intimação dos confinantes, das Fazendas Públicas e ainda de quaisquer outros ‘eventuais interessados’ que possam se opor à prescrição aquisitiva do bem, torna-se inviável a utilização do juízo arbitral por força da evidente nulidade de cláusula compromissória e/ou compromisso arbitral nesse sentido, pois os possíveis interessados não foram chamados a acatar com a submissão do tema à arbitragem, maculando a convenção de arbitragem.

É por isso que o processo de usucapião, seja judicial, seja extrajudicial, não pode submeter-se ao juízo arbitral, pois há um ‘rol indeterminado’ de possíveis interessados que precisam ser intimados por via editalícia, consoante previsões do art. 259, inciso I do CPC e art. 216-A §§3º e 4º da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).

(…)

Neste cenário jurídico, não há como se admitir o ingresso da sentença arbitral declaratória de domínio por usucapião no registro público de imóveis, devendo ser respondida positivamente a presente Consulta: Sim, o Oficio de Registro de Imóveis deverá negar o registro de sentença arbitral declaratória de propriedade pela usucapião diante de sua evidente nulidade”.

Ao decidir a Consulta em pauta, também foi destacado que a atividade registral está submetida ao principio da legalidade, “à medida que o art. 236, § 1º, da Constituição Federal determina que as atividades delegadas pelo Poder Público aos notários e oficiais de registro será regulada por lei, o que remete à Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios) e à Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos)”, e que a única previsão de procedimento extrajudicial de usucapião é a que decorre da inovação trazida pelo Código de Processo Civil, artigo 1.071, que acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos, prevendo-se requisitos e tramitação do pedido de usucapião no cartório de registro de imóveis competente.

No julgamento da referida Consulta, o C. Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, pela negativa do ingresso no fólio real da sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, fixando a seguinte tese:

“O ofício de registro de imóveis deve negar o registro de sentença arbitral que declara a aquisição originária da propriedade de bem imóvel por usucapião, diante da incompatibilidade da arbitragem com os parâmetros legais que regem a usucapião extrajudicial e a atividade registral” (Consulta nº 0006596-24.2023.2.00.0000; Relator: Conselheiro Marcello Terto, j. em 18/06/2025).

Então, como a sentença que julga a ação de usucapião tem efeitos difusos – erga omnes, e gera os mesmos efeitos absolutos da propriedade que declara, além do fato de que as regras que cuidam da matéria são de ordem pública, só existindo, além da usucapião judicial, a via extrajudicial nos termos do Provimento nº 65/2017, cujas disposições compõem o atual Código de Normas do CNJ (Provimento nº 149/2023), sem falar no risco de prática de fraudes mediante processos simulados, atuação de grileiros e instabilidade fundiária, é que deve ser recusada a competência da justiça arbitral para tratar da usucapião.

Não vem ao caso, portanto, discutir a competência da Câmara Arbitral que julgou a questão posta, já que à justiça arbitral não se pode conferir competência para decidir sobre a usucapião.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Apelação – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso do procedimento – Recurso que não pode ser conhecido – Análise para orientação de futura prenotação – Regime da separação obrigatória de bens – Cônjuge sobrevivente que precede os colaterais na ordem de sucessão – Regime de bens que não afeta a qualidade de herdeiro necessário conforme dispositivo expresso de lei e entendimento jurisprudencial.

Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1032247-29.2024.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Registro: 2025.0000988373

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1032247-29.2024.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante JOÃO CICERO FERREIRA DE LIMA NETO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 17 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1032247-29.2024.8.26.0405

Apelante: João Cicero Ferreira de Lima Neto

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.914

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso do procedimento – Recurso que não pode ser conhecido – Análise para orientação de futura prenotação – Regime da separação obrigatória de bens – Cônjuge sobrevivente que precede os colaterais na ordem de sucessão – Regime de bens que não afeta a qualidade de herdeiro necessário conforme dispositivo expresso de lei e entendimento jurisprudencial.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial por inobservância da ordem da vocação hereditária estabelecida pelo Código Civil. O cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus, o que a parte recorrente, parente colateral de quarta classe, sustenta ser correto em razão do regime de bens adotado (separação obrigatória).

II. Questões em discussão

2. As questões em discussão consistem em determinar se o recurso pode ser conhecido e se o único óbice questionado se mantém: necessidade de inclusão do cônjuge sobrevivente na partilha do bem deixado pelo falecido, ainda que considerado o regime de bens de seu casamento (separação obrigatória).

III. Razões de decidir

3. O recurso de apelação não pode ser conhecido, pois a dúvida está prejudicada pela falta de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de parte das exigências no curso do procedimento. Análise da exigência impugnada para orientação de futura prenotação. 4. No mérito, a dúvida seria procedente, já que, segundo dispositivo expresso da lei e entendimento jurisprudencial, o cônjuge sobrevivente precede os colaterais na ordem sucessória independentemente do regime de bens adotado pelo casamento. 5. Qualificação registrária que não adentra no mérito da decisão judicial (princípio da legalidade).

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso de apelação não conhecido.

Tese de julgamento: “1. A dúvida está prejudicada pela ausência de impugnação de todos os óbices registrários, com atendimento de exigências no curso do procedimento. 2. Em orientação de futura prenotação, observa-se que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais na ordem de sucessão independentemente do regime de bens do casamento. 3. Para ingresso de formal de partilha judicial, participação do cônjuge no processo de inventário e decisão expressa sobre a ordem de sucessão são necessários”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Código Civil, art. 1.829 e 1.838; Lei n. 8.935/1994, art. 28; NSCGJSP, item 117, Cap. XX.

– TJSP, Apelação Cível 1012461-19.2024.8.26.0269.

-STJ, REsp n. 2.187.920/PR; EREsp n. 1.171.820/PR; AgInt no REsp n. 1.294.290/MS; REsp 285.651/MT.

– CSM do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223; Apelação n. 464-6/9.

Trata-se de apelação interposta por João Cicero Ferreira de Lima Neto, advogado de Maria Aparecida Sant’Anna da Silva, contra a r. sentença de fls.245/250, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco, que julgou procedente a dúvida suscitada para manter óbices ao registro de formal de partilha judicial na matrícula n.12.120 daquela serventia (prenotação n.140.745 – fls.09/10).

A parte apelante alega que o cônjuge sobrevivente não foi incluído na partilha do bem deixado pelo de cujus A. S. em razão do regime de casamento adotado ser o da separação obrigatória, conforme entendimento consolidado pelo STJ e pelo STF (fls.252/261).

A Procuradoria de Justiça se manifestou pelo não provimento do recurso (fls. 281/282).

É o relatório.

Inicialmente, importante observar que, ainda que se trate de título judicial, tal fato não o torna imune à qualificação registral (CSMSP, Apelação n. 413-6/7; Apelação n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Nesse sentido, também a Apelação n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental“.

De fato, o Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das NSCGJ:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral.

O recurso de apelação, no entanto, não pode ser conhecido já que a dúvida está prejudicada.

Vejamos os motivos.

A nota devolutiva apresentada no caso formulou as seguintes exigências (fls.09/10, abreviações nossas):

O presente formal de partilha já foi objeto de análise anterior, tendo sido lançada nota devolutiva aos 11/09/2024, no protocolo 140.100. Reanalizado o título, verifica-se que as exigências não foram cumpridas. Destarte reitero na íntegra a nota devolutiva anterior, abaixo transcrita:

Trata-se de formal de partilha conjunta, dos bens deixados pelos falecimentos (…). Analisado o título, o mesmo foi qualificado negativamente, devendo a parte interessada cumprir as seguintes exigências:

1) Conforme plano de partilha, na 5ª sucessão (óbito de …), o pagamento feito aos herdeiros colaterais. Ocorre que conforme certidão de óbito de fls. 141 e certidão de casamento de fls. 144, o autor da herança faleceu no estado civil de casado com (…) sem deixar descendentes. No que pese o regime do casamento ser o de separação obrigatória de bens, a mesma só não comparece como herdeira, em concorrência com os descendentes do autor da herança. Todavia, na falta de descendentes (previsto no inciso I da lei 1.829 do C.C.), o cônjuge sobrevivente é o 3º na ordem sucessória (art; 1829, III), e vindo antes dos herdeiros colaterais (art. 1.829, IV).

Portanto, em obediência ao item 117 do cap. XX das Normas da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, deverá a RETIFICAR o plano de partilha, para esclarecer referido pagamento e/ou CORRIGIR onde necessário, trazendo aos autos a viúva-herdeira e adjudicando a ela seu quinhão, na forma do art. 1.829 c/c artigos 1.838, uma vez que os herdeiros colaterais somente são chamados à sucessão, na falta de descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente, conforme estabelece o art. 1.839 do Código Civil Brasileiro. (…)

2) Considerando o lapso temporal entre as aberturas das sucessões com o presente formal de partilha, e em atenção ao art. 1.784 do Código Civil (Princípio da Saisine), deverá ser apresentado ainda, a certidão de inteiro teor dos casamentos de i) A., ii) E. e iii) D., para averiguar seus estados civis nas datas das aberturas das sucessões.

3) Apresentar para averbação (item 9, “b” nº 5 do Cap. XX das NSCGJSP), a certidão dos casamentos de (…) com (…)”.

Contudo, ao oferecer sua impugnação (fls.155/158), a parte impugnante se opôs apenas contra a primeira exigência e apresentou certidões de casamento em atendimento às exigências de número dois e três (fls.213/220).

A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo Oficial ou o atendimento no curso da dúvida ou de recurso contra decisão nela proferida prejudica- a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n.º 220.6/6-00).

Nada impede, porém, que se analise a exigência impugnada para orientação de futura prenotação.

No mérito, a dúvida seria procedente.

O título apresentado a registro consiste em formal de partilha extraído da ação de arrolamento de bens que tramitou perante a 1ª Vara de Famílias e Sucessões da Comarca de Osasco (autos n. 1021568-38.2022.8.26.0405).

A exigência do Oficial diz respeito à partilha do bem deixado pelo de cujus A. S., que faleceu sem deixar descendentes ou ascendentes, mas era casado com M. de O. S. pelo regime da separação obrigatória em virtude da idade.

A viúva não foi incluída no plano de partilha, o qual atribuiu quinhões apenas à irmã do falecido e a seus sobrinhos (fls.92/100).

O Oficial esclareceu sobre a qualidade de herdeira do cônjuge sobrevivente, pelo que exigiu a retificação do título para sua inclusão na partilha do imóvel que compõe a herança ou esclarecimento acerca do pagamento pelos demais herdeiros de valor referente ao quinhão da viúva.

Isto porque o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e precede os colaterais (irmãos e sobrinhos) na ordem de sucessão estabelecida pelo artigo 1.829 e corroborada pelo artigo 1.838, ambos do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.”

“Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.

Logo, no regime da separação obrigatória de bens e somente se houver descendentes é que o cônjuge sobrevivente não terá direito a herança. Se concorrer com os ascendentes ou se inexistirem descendentes ou ascendentes, sempre será herdeiro.

O entendimento também é confirmado pela jurisprudência:

PROCESSO CIVIL. INVENTÁRIO. REQUERIMENTO POR HERDEIROS COLATERAIS. FALECIDO QUE DEIXOU CÔNJUGE SUPÉRSTITE. REALIZAÇÃO DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE. EXTINÇÃO. 1. A restrição imposta no art. 1.829, I, CC, limita-se à hipótese em que o cônjuge supérstite, casado no regime de separação obrigatória, concorre com os filhos do “de cujus”, não se estendendo aos demais incisos da referida norma, o que é reforçado pelo texto do art. 1.838 do mesmo Diploma Legal, que cuida da situação presente, em que a apelada não concorre com ascendentes ou descendentes. 2. Incontroversa a existência de cônjuge supérstite que, ademais, realizou o inventário extrajudicial do falecido, carece de interesse processual e legitimidade os herdeiros colaterais para a abertura do inventário judicial, sendo o caso de manutenção da r. sentença de extinção. 3. Recurso improvido” (TJSP; Apelação Cível n. 1012461-19.2024.8.26.0269; Relator (a): Ademir Modesto de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Itapetininga – 2ª Vara da Família e das Sucessões; Data do Julgamento: 31/03/2025; Data de Registro: 31/03/2025).

RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE PARTILHA. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. HERDEIRO NECESSÁRIO. CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTE. CONFIGURAÇÃO. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. 1. Na espécie, não houve violação dos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil, visto que agiu corretamente  o tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração por inexistir omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão atacado, ficando patente o intuito infringente da irresignação. 2. O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os ascendentes, nos termos do art. 1.829, II, do Código Civil, independentemente do regime de bens. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e não provido” (REsp n. 2.187.920/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 12/8/2025, DJEN de 18/8/2025.)

Note-se que o controle de legalidade impede que a publicidade registral seja automática com a apresentação do título perante o fólio real.

Neste contexto, a qualificação registral, enquanto função típica do Oficial Registrador (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), é exteriorização do princípio da legalidade, o qual abrange não só todas as prescrições legais e normativas, como também a orientação jurisprudencial relacionada ao tema.

É evidente que, na hipótese de título com origem judicial, a qualificação deve se ater à análise dos elementos extrínsecos, com respeito ao mérito da decisão, revestida pela coisa julgada material.

No entanto, no caso concreto, estamos diante de sentença homologatória que não solucionou questão de mérito nem conflito, mas apenas ratificou plano de partilha apresentado pelo inventariante, com ressalva expressa sobre a possibilidade de erro ou omissão e em processo do qual o cônjuge supérstite não participou (fls.52/109 e 110):

(…) Nessa conformidade, presentes os requisitos e preenchidas as demais formalidades legais, homologo as partilhas apresentadas às fls. 29/35, 59/65, 89/102, 215/218 e 219/227, atribuindo aos herdeiros contemplados os seus respectivos quinhões, ressalvados erros e omissões para terceiros”.

Segundo o artigo 654 do Código de Processo Civil, a partilha judicial, esboçada pelo partidor ou constante de plano apresentado pelo inventariante, deve ser julgada por sentença.

Na partilha amigável, via de regra, a sentença homologa o que é apresentado, baseando-se na presunção de boa-fé das declarações do inventariante e restringindo-se à análise de questões formais.

Assim, verifica-se que a atuação judicial se limitou à análise da regularidade formal do acordo apresentado, sem adentrar no mérito das questões jurídicas ou patrimoniais.

Por isso mesmo, o Superior Tribunal de Justiça entende que as sentenças meramente homologatórias não fazem coisa julgada material:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. 1. Não faz coisa julgada material a decisão meramente homologatória de acordo, isto é, adstrita aos aspectos formais da transação, não podendo ela ser utilizada como paradigma para se pleitear a rescisão da sentença proferida em sede ação indenizatória posteriormente ajuizada. Precedentes. 2. Agravo interno não provido” (AgInt no REsp n. 1.294.290/MS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 29/6/2018).

PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSAÇÃO COM O ESTADO. DESCONSTITUIÇÃO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA FORMAL. A sentença que homologa transação realizada entre o Estado e o particular, com o objetivo de abreviar liquidação de sentença, não faz coisa julgada material, podendo ser desconstituída por ação diversa da que foi extinta. A pretensão intentada pelo Estado, através de ação civil pública, objetivando a anulação de transação de caráter eminentemente privado, tem a incidência do art. 177, caput, do Código Civil, sobrevindo prescrição vintenária, ao contrário da pretendida prescrição qüinqüenal. Recurso especial improvido” (REsp 285.651/MT, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/11/2002, DJ 03/02/2003, p. 265).

Não há que se falar, portanto, em incursão do Oficial no mérito da sentença ou em desrespeito à coisa julgada.

A exigência se sustenta com base em princípio registrário próprio, o da legalidade.

Ingresso do título dependerá, portanto, de retificação do formal de partilha judicial com demonstração de participação do cônjuge supérstite e/ou decisão expressa sobre sua não qualidade de herdeiro.

Por fim, vale ressaltar que a jurisprudência colecionada pela parte apelante, incluindo a interpretação atual da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal pelo Superior Tribunal de Justiça, diz respeito à meação:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos para negar seguimento ao recurso especial” (EREsp n. 1.171.820/PR, Relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de 21/9/2015).

Em outras palavras, para meação dos bens quando da dissolução de casamento (ou união estável) em que adotado o regime da separação obrigatória (seja pela nulidade, pelo divórcio ou pelo óbito de um dos cônjuges/companheiros), deve haver prova de aquisição por esforço comum.

Entretanto, no caso sub judice, não há discussão acerca da meação.

Em verdade, a qualificação registrária apenas aponta, com precisão por apoio no princípio da legalidade, que o título judicial não pode ter ingresso em virtude da exclusão de herdeiro necessário da partilha, o cônjuge supérstite, o que precisa ser regularizado pelo juízo competente.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço o recurso de apelação já que prejudicada a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: DJEN/SP 22.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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