IBDFAM: STJ reconhece legitimidade da vítima de violência doméstica para recorrer de decisão que revoga medidas protetivas

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, por unanimidade, que a vítima de violência doméstica tem legitimidade para recorrer de decisões que indefiram ou revoguem medidas protetivas de urgência. O colegiado entendeu que essa prerrogativa não pode ser restringida pelo artigo 271 do Código de Processo Penal – CPP, que trata da atuação do assistente de acusação.

O julgamento deu parcial provimento ao recurso especial de uma mulher que buscava reverter decisão do Tribunal de Justiça de Goiás – TJGO. O Tribunal estadual havia considerado que ela não tinha legitimidade recursal para contestar a revogação das medidas protetivas, ainda que representada pela Defensoria Pública.

Segundo o relator, ministro Ribeiro Dantas, negar o direito de a vítima impugnar esse tipo de decisão seria incoerente com o artigo 19 da Lei Maria da Penha, que já lhe garante legitimidade para solicitar as medidas protetivas.

“Restringir o acesso da vítima à instância recursal prejudica a prestação jurisdicional em questão tão sensível e complexa na vida das mulheres, que merecem a máxima efetividade das disposições contidas na Lei Maria da Penha”, destacou o ministro.

O relator também lembrou que, conforme a própria Lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência podem ser concedidas independentemente de boletim de ocorrência, inquérito, ação penal ou tipificação da violência como ilícito penal. Por isso, a vítima não atua como assistente de acusação, mas em defesa de seus próprios direitos – inclusive da integridade física.

O processo tramita em segredo de justiça.

Perspectiva de gênero

A professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão Nacional de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia que a decisão segue a orientação de que a Justiça deve adotar sempre uma perspectiva de gênero, ou seja, levar em conta a desigualdade entre homens e mulheres e a vulnerabilidade da vítima.

“Não há espaço para questionamentos da necessidade urgente dessa interpretação, conforme determina a Resolução CNJ nº 492/2023, que consolidou a política judiciária ao estabelecer a adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário. Esse entendimento pode impactar o dia a dia da Justiça como precedente a ser invocado na proteção de mulheres em situação de violência, além de reafirmar a necessidade de lentes de gênero em julgamentos nas justiças por meio da assistência qualificada e integra”, afirma.

Segundo ela, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, voltadas à prevenção e combate à violência doméstica e familiar, podem ser solicitadas diretamente ao juízo pela própria mulher em situação de violência, conforme prevê o artigo 19.

“Tais medidas são concedidas em juízo de cognição sumária, a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações por escrito, e independerão da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência, conforme previsto na Lei nº 14.550, de 2023”, aponta.

A especialista acrescenta que as medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória, não dependem da existência de inquérito policial ou ação penal e devem ser aplicadas por prazo indeterminado. Adélia lembra que esse entendimento foi fixado pela Terceira Seção do STJ, no julgamento do Tema 1.249 dos recursos repetitivos, estabelecendo que a proteção deve perdurar enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo certo de validade.

Participação ativa

Adélia Moreira Pessoa analisa que, nos últimos anos, o sistema de Justiça tem-se mostrado cada vez mais atento à experiência das mulheres em situações de violência, reconhecendo que sua participação ativa é fundamental para a efetividade das medidas de proteção e para a prevenção de novos abusos.

“O papel da vítima nos casos que envolvem violência de gênero – um tipo diferente de violência, fundada em uma desigualdade estrutural entre homens e mulheres já reconhecida por convenções internacionais de direitos humanos – tem adquirido visibilidade e protagonismo no processo”, diz.

Esse cenário, segundo ela, deve-se muito à assistência qualificada à vítima prevista nos artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, segundo o qual  “em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, garantindo-se o “acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, mediante atendimento específico e humanizado”.

“A assistência qualificada à vítima – de caráter sui generis – não tem como objetivo principal a condenação do agressor ou a persecução criminal, mas sim evitar a revitimização da mulher, garantir que sua vontade seja efetivamente respeitada e proteger seus interesses, conferindo-lhe protagonismo no processo, e não apenas o papel de personagem-objeto”, esclarece.

A especialista ressalta ainda que a crescente importância da proteção às mulheres em situação de violência no ordenamento jurídico vai além da punição do agressor, focando também na garantia dos direitos da vítima e na valorização de sua voz ao longo de todo o processo judicial.

“A Lei Maria da Penha, ao reconhecer à vítima de violência doméstica uma série de direitos relacionados à sua participação no processo, promoveu uma redefinição do papel do defensor ou advogado, que não atua apenas judicialmente na assistência à acusação no processo penal, mas também presta uma assistência integral, abrangendo o atendimento às necessidades e interesses da mulher em situação de violência, vista como parte do processo e não apenas como espectadora. Assim, para concretizar o acesso à justiça em seu sentido mais amplo, a vítima pode participar de todas as etapas processuais, inclusive no âmbito recursal”, conclui.

Por Guilherme Gomes

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Famíla.

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IBDFAM: TJMS mantém pacto antenupcial que exclui concorrência sucessória entre cônjuges.

Decisão em MS confirma validade de pacto que afasta cônjuge da concorrência em herança.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul – TJMS confirmou a validade de um pacto antenupcial no qual os cônjuges renunciaram reciprocamente ao direito de concorrer na sucessão em caso de existência de descendentes ou ascendentes. O entendimento é de que a cláusula não representa renúncia à herança em si, o que é vedado pelo art. 426 do Código Civil, mas apenas à concorrência com pais e filhos, preservando a condição de herdeiro universal do cônjuge sobrevivente quando inexistirem descendentes ou ascendentes.

O caso envolveu um pacto firmado em cartório, por meio do qual o casal, ao escolher o regime de separação de bens, incluiu cláusula de renúncia recíproca à sucessão concorrencial. Menos de dois anos após o casamento, o marido faleceu sem deixar filhos, mas com ambos os pais vivos.

Apesar do pacto firmado, a viúva pediu para ingressar no inventário do falecido, argumentando que a cláusula seria nula por configurar renúncia antecipada de direitos hereditários, o que, segundo ela, contraria a legislação civil.

O argumento foi refutado pelo TJMS, sob o entendimento de que não houve renúncia ao direito à herança em abstrato, mas apenas à concorrência, em observância à autonomia da vontade, à boa-fé e ao respeito ao que fora livremente convencionado pelos cônjuges em vida. Ainda conforme a decisão, pactos antenupciais, quando celebrados diante de autoridade notarial competente, constituem instrumento legítimo de autorregulação patrimonial e sucessória no âmbito do casamento.

Autonomia privada

A advogada Silmara Amarilla, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, atuou no caso – que também contou com opinião legal do jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto.

Para a advogada, a decisão figura como um importante precedente no atual estado da arte do Direito Sucessório brasileiro. “Compreender que os nubentes possuem a liberdade para se autodeterminarem e estabelecerem, de forma livre e esclarecida, sua vontade, significa prestigiar, de um lado, a autonomia privada e, de outro, a intervenção mínima do Estado nas relações familiares.”

“Quando duas pessoas, maiores, capazes e esclarecidas, comparecem perante o tabelionato e espontaneamente abdicam do direito concorrencial sucessório, externam o desejo legítimo de diáspora patrimonial que regerá a vida do casal na presença de descendentes e ascendentes, nada havendo de imoral nesse tipo de ajuste. Assim, mediante a concretização da livre manifestação de vontade, enquanto expressão consciente de suas aspirações, desejos, ideias e valores, o pacto vai além da mera divisão patrimonial, assumindo uma dimensão mais ampla, apta a definir acordos promotores da realização pessoal dos envolvidos, suas legítimas expectativas presentes e futuras, tudo lastreado na boa-fé, eticidade e transparência”, comenta.

Renúncia

Silmara Amarilla explica que a abdicação recíproca ao direito concorrencial sucessório, titulado por cônjuges e conviventes, objeto da cláusula cuja validade foi reconhecida, de modo algum se confunde com a contratualização da herança de pessoa viva – essa sim vedada pelo pacto corvina.

“A renúncia em questão concerne exclusivamente ao direito concorrencial do cônjuge sobrevivo – e podemos perfeitamente estabelecer a simetria com os conviventes – no sentido de não participar da sucessão do morto colateralmente a descendentes e ascendentes, mantendo, contudo, sua posição de herdeiro universal na ausência dessas duas classes de parentesco. Limita-se, portanto, ao concurso do sobrevivente enquanto sucessor eventual, não resvalando de modo algum no seu status de herdeiro necessário, por força do qual lhe seria destinada a universalidade da herança na falta das duas primeiras classes da ordem a vocação hereditária (ou seja, na falta de filhos e pais)”, esclarece.

Na visão da advogada, a decisão figura como um marco importante no atual cenário dos planejamentos patrimoniais e sucessórios, guardando sintonia com a melhor interpretação do art. 426, do Código Civil. “Devemos compreender que os juízes não são autômatos e há muito deixaram de desempenhar o limitado papel de bouche de da loi (a boca da lei).” “Faz-se necessário, para que o progresso jurídico se instale, que as fórmulas de outrora, a exemplo da vedação aos pactos sucessórios, sejam revisitadas com os olhos contemporâneos, vivificando-se e oxigenando-se dessa maneira os comandos legislativos. Como Carlos Maximiliano exalta, o Direito vive pela jurisprudência e pela jurisprudência vemos muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação imóvel”, observa.

Segundo Silmara, conferir autonomia aos nubentes para que eles possam, de forma ética e transparente, decidir sobre temas existenciais, patrimoniais e sucessórios, exorta a singularidade das uniões, sejam conjugais ou convivenciais.

“O pacto antenupcial representa o principal instrumento a serviço e à disposição dos nubentes a fim de exercerem a autonomia privada no âmbito das relações familiares. Por seu intermédio podem, portanto, atuarem como legisladores de seus próprios interesses, regulando o estatuto jurídico que lhes regerá doravante, seja do ponto de vista patrimonial, seja do ponto de vista existencial”, avalia

A advogada conclui que a presença de um advogado na elaboração dos pactos e na concepção de suas cláusulas reveste de segurança e previsibilidade as questões abordadas, “sendo igualmente importante o esclarecimento dos nubentes, por intermédio de uma linguagem (conquanto técnica) simples e acessível, sobre as repercussões de cada disposição”.

Confira a íntegra da decisão no Banco de Jurisprudência do IBDFAM.

O acesso é exclusivo para associados.

Por Débora Anunciação

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.

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