CSM/SP: Direitos reais – Usucapião de imóveis – Procedimento extrajudicial – Impugnação acolhida pelo Corregedor Permanente – Recurso provido.

Apelação Cível nº 1050853-76.2022.8.26.0114

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1050853-76.2022.8.26.0114
Comarca: CAMPINAS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1050853-76.2022.8.26.0114

Registro: 2025.0001020148

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1050853-76.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes FELIPE SALLES FERNANDES e ELISA SALLES FERNANDES, é apelado CONDOMINIO EDIFICIO AMBIENTE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e determinaram o retorno dos autos ao Oficial de Registro, para o prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião, nos termos do voto do Relator, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 24 de setembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1050853-76.2022.8.26.0114

Apelantes: Felipe Salles Fernandes e Elisa Salles Fernandes

Apelado: CONDOMINIO EDIFICIO AMBIENTE

VOTO Nº 43.923

Direitos reais – Usucapião de imóveis – Procedimento extrajudicial – Impugnação acolhida pelo Corregedor Permanente – Recurso provido.

I. Caso em exame. 1. Os recorrentes, possuidores indiretos dos bens imóveis usucapiendos, unidades condominiais, insurgem- se contra o acolhimento da impugnação apresentada pelo condomínio edilício, que se reportou à posse direta exercida por terceira pessoa, daí a interposição da apelação, na qual se alega a posse ad usucapionem deles, interessados.

II. Questão em discussão. 2. A controvérsia versa a respeito da qualidade da posse dos recorrentes, a quem cedidos os direitos sobre os imóveis, então pelo possuidor direto, que reteve o uso e gozo das coisas, a título de suposto usufruto.

III. Razões de decidir. 3. A cadeia possessória está devidamente demonstrada. 4. A posse dos imóveis usucapiendos foi transmitida aos interessados, ora recorrentes, pelo genitor deles, por meio de cláusula constituti, sem entrega física dos bens, conservados na posse direta do cessionário, posse precária. 5. A usucapião requerida conta com a concordância do cessionário e da cotitular dos direitos cedidos, cuja anuência à cessão é ínsita à sua declaração. 6. A posse indireta dos recorrentes, advinda do ajustado desdobramento vertical da posse, é compatível com o poder de fato, o exercício do poder de fato sobre os imóveis; trata-se de posse com animus domini, que não reconhece, sobre as unidades autônomas, direito superior ao deles, interessados. 7. Conforme a teoria objetiva da posse, adotada por nós, pode haver posse sem contato ou poder físico entre a pessoa e a coisa, e aí não por uma ficção jurídica; ora, por vezes, o proprietário exerce prerrogativas do domínio sem contato físico ou material com a coisa, e o mesmo pode se dar com o possuidor, que age como o proprietário. 8. Os recorrentes, à luz da convenção na qual se baseia o desdobramento da posse, comportam-se como proprietários, exercem poderes que, na posição jurídica de proprietários, exerceriam, convivendo com o direito de usufruto instituído em favor de terceira pessoa. 9. A posse indireta não representa, per se, em si considerada, obstáculo à configuração da posse vocacionada à consumação do domínio. 10. A posse direta que era exercida pelo genitor dos interessados, a reportada na impugnação, poder de fato que exerceu até seu recente passamento, não é empeço à usucapião; a impugnação, logo, é infundada, é de ser rejeitada, a permitir o regular prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião.

IV. Dispositivo. 11. Apelação provida.

Tese de julgamento: 1. A posse indireta, exercida pro sua, com animus domini, é idônea à usucapião, à aquisição originária da propriedade imobiliária, uma vez presentes os demais requisitos exigidos por lei. 2. O rol do subitem 420.2. do Cap. XX das NSCGJ, t. II, relativo às impugnações infundadas, exemplificativo

Legislação citada: CC, arts. 1.196, 1.197, 1.203 e 1.243; Lei n.º 6.015/1973, art. 216-A, caput e § 10; NSCGJ, t. II, subitens 420.2. e 420.4 do Cap. XX.

Os interessados FELIPE SALLES FERNANDES e ELISA SALLES FERNANDES, ora recorrentes, pretendem o reconhecimento da usucapião extrajudicial dos bens imóveis então matriculados sob os n.ºs 36.866 e 36.867 do 3.º RI de Campinas, correspondentes, in casu, ao apartamento n.º 13 e à vaga de garagem n.º 03 do Condomínio Edifício Ambiente, ambos sob titularidade registral de LINEU DA SILVA e ANNA NATALINA BRUNHEROTO SILVA (fls. 10-21, 22-26 e 41-44).

Não se conformam, nesse passo, com a r. sentença de fls. 547-550, que não considerou infundada a impugnação formulada pelo condomínio edilício, de acordo com quem a posse dos imóveis, das unidades condominiais, é, há mais de dez anos, exercida exclusivamente pelo condômino ANDRÉ APARECIDO FERNANDES, então genitor dos interessados.

Irresignados, portanto, com a extinção do procedimento da usucapião extrajudicial, interpuseram a apelação de fls. 558-567. Em suas razões recursais, ponderam que a impugnação apresentada atesta, na realidade, a posse ad usucapionem, ao reconhecer a presença do pai deles no imóvel, no apartamento n.º 13 do Edifício Ambiente. Alegam ser evidente posse indireta, pública, com animus domini, posse contínua, baseada em justo título. Daí porque aguardam a reforma do decisum.

O CONDOMÍNIO EDIFÍCIO AMBIENTE apresentou suas contrarrazões, petição de fls. 571-573 pela confirmação da r. sentença, e, ato contínuo, enviados os autos a este C. CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, a d. PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em seu parecer de fls. 587-588, opinou pelo desprovimento do recurso.

Os interessados comunicaram o passamento do genitor deles, ANDRÉ APARECIDO FERNANDES, ocorrido no dia 16 de agosto de 2025 (fls. 591-592).

É o relatório.

1. Os recorrentes FELIPE SALLES FERNANDES e ELISA SALLES FERNANDES, escorados no art. 216-A da Lei n.º 6.015/1973, em alegada posse ad usucapionem, posse longeva, pacífica, contínua e ininterrupta, fundados em justo título e na accessio possessionis, pedem o reconhecimento extrajudicial da usucapião dos imóveis matriculados sob o n.ºs 36.866 e 36.867 do 3.º RI de Campinas.

O requerimento, expresso na petição de fls. 9-21, aditada pela de fls. 22-26, foi, contudo, contestado pelo CONDOMÍNIO EDIFÍCIO AMBIENTE, condomínio edilício onde situadas as unidades autônomas usucapiendas; na impugnação de fls. 470-473, reiterada por meio da petição de fls. 515-523, argumentou que a posse dos imóveis é exercida, há mais de dez anos, somente por ANDRÉ APARECIDO FERNANDES.

Questionou, consequentemente, a posse ad usucapionem afirmada pelos interessados, ora recorrentes.

O Oficial, ao considerar a impugnação justificada, remeteu os autos ao MM Juízo Corregedor Permanente, mediante a petição de fls. 1-7, ratificada pela de fls. 535-536, amparado no art. 216-A, § 10, da Lei n.º 6.015/1973, e no subitem 420.4. do Cap. XX das NSCGJ, t. II. Ao final, a impugnação foi acolhida, em conformidade com a r. sentença de fls. 547-550, daí a irresignação recursal dos interessados, a ser provida.

2. Os proprietários LINEU DA SILVA e ANNA NATALINA BRUNHEROTO SILVA alienaram os bens imóveis referidos, identificados nas certidões de fls. 41-44, por meio de escritura lavrada no dia 15 de dezembro de 1989, a FARID AUADA (fls. 93-95), que os compromissou à venda, no dia 6 de abril de 1991, ao casal EURÍPEDES MARTINS SIMÕES e CLAUDETE APARECIDA CAETANO SIMÕES (fls. 84-85).

Poucos anos depois, no dia 7 de maio de 1993, os direitos sobre os bens imóveis foram cedidos, pelos promitentes compradores, a ANDRÉ APARECIDO FERNANDES e MARIA JOSÉ SOARES SALLES, por meio de permuta (fls. 72-76 e 77-78). Por sua vez, no dia 8 de abril de 2011, ANDRÉ APARECIDO FERNANDES transferiu os direitos sobre os imóveis aos recorrentes, seus filhos, FELIPE SALLES FERNANDES e ELISA SALLES FERNANDES, reservando-lhe o usufruto (fls. 57-58).

Na realidade, por não ser proprietário, tampouco titular de direito real de aquisição dos bens imóveis (nenhum dos títulos aquisitivos acima reportados foi levado a registro), reservou-lhe, isso sim, sob forma contratual, a posse direta, uso e gozo dos imóveis, direito pessoal, direito fundamentado exclusivamente em vínculo obrigacional.

Nessa ocasião, deu-se a interversão da posse, a inversão do título da posse exercida por ANDRÉ APARECIDO FERNANDES, a mutação da natureza originária de sua posse, da causa possessionis. A qualidade de sua posse, modificada a causa jurídica, foi alterada. Deixou de ser animus domini, apta à aquisição do direito de propriedade, ainda que idônea para fins de usucapio usufructus.

De sua parte, no dia 23 de março de 2022, MARIA JOSÉ SOARES DE SALLES, mãe dos recorrentes, cotitular de direitos sobre os bens imóveis, promitente compradora, manifestou sua concordância com relação à usucapião extrajudicial requerida pelos seus filhos, logo, é manifesto, anuiu, anuência ínsita à manifestação de vontade, à cessão de direitos convencionada pelos interessados com ANDRÉ APARECIDO FERNANDES (fls. 70-71).

Aliás, assim como MARIA JOSÉ SOARES SALLES, ele, o pai dos interessados, o cessionário ANDRÉ APARECIDO FERNANDES, recentemente falecido (fls. 592), e que era o possuidor direto dos imóveis usucapiendos, também anuiu explicitamente com o reconhecimento da usucapião extrajudicial, e aí por ocasião da lavratura da ata notarial, no dia 27 de dezembro de 2021 (fls. 30-39).

Dentro desse contexto, e à luz dos documentos exibidos, que instruíram o pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião, a impugnação oposta pelo condomínio edilício se mostra infundada, não é pertinente, enfim, não é de ser acolhida; consequentemente, a apelação de fls. 558-567 comporta provimento.

3. O histórico acima traçado ilustra a cadeia possessória, em particular, no que aqui interessa, revela a posse dos interessados, posse ad usucapionem, que está suficientemente configurada. In casu, a transferência da posse aos recorrentes ocorreu pelo consentimento, via cláusula constituti, logo, sem entrega física do bem, da disponibilidade do uso dos bens imóveis.

A transmissão (imaterial) se deu por ocasião da cessão e transferência de direitos expressa no instrumento particular de fls. 57-58, sem apreensão material das coisas. Consumou-se, assim, via constituto possessório, “modo de aquisição da posse que opera quando o cedente, após a transferência, se mantenha no controlo material da coisa … forma de tradição simbólica”, nas palavras de António Menezes Cordeiro.[1]

O cedente ANDRÉ APARECIDO FERNANDES reteve a posse direta, in concreto, posse precária, posse degradada, inidônea à aquisição da propriedade imobiliária. Coube, portanto, nesse passo, aos recorrentes, e aí por força do desdobramento vertical da posse, a posse indireta, posse, essa sim, in casuanimus domini, posse pro suo, que não reconhece, sobre as unidades autônomas, nenhum direito superior ao deles, interessados.

Trata-se de posse que não é incompatível com o poder de fato, com o exercício do poder de fato sobre os imóveis cujos direitos foram cedidos aos interessados/recorrentes; sem dúvida, aí, no contexto do desdobramento da posse, da relação temporária de desdobramento, os poderes do possuidor indireto são limitados, mas conciliáveis com a posse ad usucapionem.

Em atenção à teoria objetiva da posse de Ihering, adotada por nós, pelo art. 1.196 do CC, pode haver posse sem contato ou poder físico entre a pessoa e a coisa. Ora, por vezes, o proprietário exerce as prerrogativas do domínio sem o contato físico ou material com a coisa, como, v.g., na locação e no empréstimo de coisa a terceiro. E o mesmo, logicamente, pode se dar com o possuidor, que age como o proprietário.[2]

Não se vale aqui de ficção jurídica. A natureza jurídica da posse indireta não assume caráter ficcional. Na precisa lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “o conteúdo da expressão poder de fato sobre a coisa envolve mais do que simplesmente ter a coisa consigo. O corpus de Ihering … engloba a possibilidade de utilização econômica da coisa, o exercício de fato de alguns dos direitos inerentes ao domínio.”[3]

Em seguida, arremata: “… comporta-se como proprietário aquele que explora a coisa, constituindo sobre ela uma relação fática ou jurídica que desdobra a posse plena.”[4]

Sob essa lógica, os recorrentes, tendo em conta o ajuste no qual se baseia o desdobramento vertical da posse, comportam-se como proprietários, exercem poderes que exerceriam na posição jurídica de proprietários, proprietários então convivendo com o direito de usufruto instituído em favor de terceiras pessoas.

Nessa trilha, Crome, lembrado por José Carlos Moreira Alves, “adverte que o possuidor indireto não é possuidor fictício, porém verdadeiro, uma vez que no desdobramento da posse há divisão de poderes de fato entre o possuidor imediato (ou direto) e o possuidor mediato (indireto), divisão essa que corresponde, no mundo do direito, à das faculdades que se dá entre o proprietário e o titular do direito real limitado.”[5]

Adiante, José Carlos Moreira Alves se posiciona, ao dizer que “a posse indireta é posse real, efetiva, e não mera ficção da lei”; é elucidativo, ao discorrer que “quem se comporta como se tivesse, de direito, alguns dos poderes inerentes à propriedade sobre a coisa é possuidor dela, ainda que não a tenha sob sua dominação direta”; ora, ressalta, o poder de fato aí é correspondente ao jurídico.[6]

Vale ainda, sobre a questão, transcrever o comentário de Adroaldo Fabrício Furtado, in verbis:

… A posse daquele que exerce efetiva e materialmente o poder fático sobre a coisa pode ser oriunda de alguma relação jurídica, real ou obrigacional, com o possuidor “próprio”, originário (usufruto, locação etc.), o que não afasta a posse deste. As posses convivem, e se diz que é direta ou imediata a daquele, e indireta ou mediata a deste. Não há aí representação ou delegação, mas verdadeira partição de poderes de fato em que a posse consiste. …[7] (sublinhei)

Em síntese, a posse indireta não representa, per se, em si valorada, obstáculo à configuração da posse vocacionada à consumação do domínio, à consolidação da propriedade. Portanto, a posse direta que era exercida pelo genitor dos interessados, a reportada na impugnação, poder de fato que exerceu até seu recente passamento, no dia 16 de agosto de 2025, não é empeço à usucapião.

4. De acordo com o art. 1.197 do CC, “a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida…” Sob essa perspectiva, a posse que era exercida pelo genitor dos interessados, resultante de vínculo obrigacional, em virtude de direito pessoal, não compromete a invocada posse ad usucapionem.

A posse indireta, evidente in casu, é, se exercida animus domini, apta a gerar a usucapião. E, no caso discutido, assim é exercida.

Na justa advertência de Fabio Caldas de Araújo, a divisão entre posse direta e indireta, própria da organização vertical da posse, “não assume relevância maior para a usucapião, pois ela está vocacionada à proteção possessória; portanto, para o estudo da possessio ad interdicta, e não para a possessio ad usucapionem.”[8]

O que a distingue (a posse ad usucapionem)e a separa da posse ad interdicta, é a causa possessionis, a causa da posse, “uma vez que a mesma externará a qualidade da posse exercida”[9], logo, sob essa lógica, na hipótese vertente, considerada a cadeia possessória, os títulos que a amparam, fica clara a posse qualificada dos recorrentes, posse com animus domini, malgrado indireta.

A causa da posse dos recorrentes, posse justa, que não se apresenta viciosa, então exercida sem emprego de violência, de modo pacífico, de forma pública, que não é mascarada, que não é exercida às escondidas, é, além disso, contínua e ininterrupta, possibilita a usucapião invocada, não afetada, em nada, pela posse direta que, ao tempo do requerimento e da sentença, era exercida pelo pai deles, interessados.

A propósito, nos exatos termos do art. 1.203 do CC, “salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.” Sob outro prisma, à posse dos requerentes é possível juntar a de seus antecessores, em particular, à dos pais deles, exercida anteriormente à cessão de direitos, consoante prevê o art. 1.243 do CC.

Trata-se da acessão na posse, da accessio possessionis.

Dentro desse contexto, a impugnação, porque infundada, deve ser rejeitada; a propósito, a lista do subitem 420.2. do Cap. XX das NSCGJ, t. II, relacionada às impugnações infundadas, é exemplificativa; deve-se dar, assim, regular seguimento ao procedimento extrajudicial de usucapião, prematuramente encerrado.

Ante o exposto, pelo meu voto, rejeitando a impugnação, afastando a extinção resolvida em primeira instância, dou provimento à apelação e, logo, determino o retorno dos autos ao Oficial de Registro, para o prosseguimento do procedimento extrajudicial de usucapião.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] A posseperspectivas dogmáticas actuais. 3.ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 108.

[2] Teoria simplificada da posse. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 106-115.

[3] Dos vícios da posse. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 33.

[4] Ibidem.

[5] Posseestudo dogmático. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 451. v. II, t. I.

[6] Opcit., p. 454-455.

[7] Comentários ao Código de Processo Civilarts. 890 a 945. 9.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 406-407. v. VIII, t. III.

[8] Usucapião judicial e extrajudicial. 4.ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025, p. 172.

[9] Fabio Caldas de Araújo, opcit., p. 184. (Acervo INR – DJEN de 30.09.2025 – SP)

Fonte: DJEN/SP 30.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


TJ/SP: Exame Nacional dos Cartórios reúne milhares de candidatos em São Paulo. Magistrados paulistas acompanham realização da prova.

O 2º Exame Nacional dos Cartórios (Enac) foi aplicado no último domingo (28) em todo o País e contou com 9.195 participantes. São Paulo registrou 1.125 inscritos. Instituído pela Resolução nº 81/09 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o exame é obrigatório para quem deseja concorrer a concursos de provimento ou remoção de serventias extrajudiciais. Realizado a cada seis meses, possui caráter eliminatório, mas não classificatório, e garante habilitação válida por seis anos aos aprovados.

Na capital paulista, a aplicação da prova ocorreu na Universidade Presbiteriana Mackenzie e registrou presença de 874 pessoas (71% dos candidatos). Os trabalhos foram acompanhados por representantes do Tribunal de Justiça de São Paulo: a juíza Karina Ferraro Amarante Innocencio, assessora da Presidência, e o juiz Luciano Gonçalves Paes Leme, assessor da Corregedoria Geral da Justiça. Também estavam presentes o juiz assessor da Corregedoria Nacional de Justiça Lizandro Garcia Gomes Filho e a tabeliã de Notas Ana Paula Frontini, que integram a comissão do exame, comandada pelo corregedor nacional, ministro Mauro Campbell Marques.

A prova teve 100 questões de múltipla escolha. Serão considerados habilitados os candidatos que obtiverem, no mínimo, 60% de acertos — ou 50% no caso de candidatos autodeclarados negros, indígenas ou pessoas com deficiência. Entre as matérias estavam Direito Notarial e Registral, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Processual Civil, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Penal, Direito Processual Penal e conhecimentos gerais.

Para o ministro Mauro Campbell Marques, o Enac impõe um padrão mínimo de qualidade no processo seletivo para quem trabalha com esses serviços essenciais para a população, desde a documentação básica até medidas de desjudicialização.

A divulgação do gabarito preliminar está prevista para amanhã (30) e a homologação do resultado final está prevista para 15/12. Mais informações no Portal do CNJ.

Comunicação Social TJSP – CA (texto) / LC (fotos)  

imprensatj@tjsp.jus.br 

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


2VRP/SP: REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE SENTENÇA NOTARIAL DE DECISÃO ARBITRAL – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – NEGATIVA DE REGISTRO – PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA

Processo 1104501-08.2025.8.26.0100
Dúvida – Averbação ou registro de sentença na matrícula do imóvel – Isaac da Silva – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Por fim, considerando o documento notarial apresentado – “ata notarial de carta de sentença” notarial, referente à decisão arbitral, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D’Oeste/SP – e as observações consignadas na nota de rodapé n. 2 desta sentença, em atenção ao disposto no artigo 9º, da Lei n. 8.935/1994; artigos 286 a 289 e 302, “caput”, do Provimento CNJ n. 149/2023; e item 5 e subitens, itens 138 a 139 e itens 214 a 219, todos do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por se tratar de caso inédito envolvendo carta de sentença notarial de decisão arbitral, reputo necessário, oportuno e conveniente a comunicação do fato à E. Corregedoria Geral da Justiça; ao MM. Juiz Corregedor Permanente do Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D’Oeste/SP, da Comarca de Estrela D’Oeste; bem como ao Ministério Público, para ciência e eventuais providências cabíveis, servindo a presente como ofício, devidamente instruído com cópias de fls. 43/146. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CARLOS HENRIQUE MENDES DIAS (OAB 171260/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA  –
Processo nº: 1104501-08.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Averbação ou registro de sentença na matrícula do imóvel
Requerente: Isaac da Silva
Requerido: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Isaac da Silva em face do 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, diante de negativa em se proceder ao registro de carta de sentença notarial, referente à decisão arbitral de Agata Câmara de Arbitragem, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 66.850 daquela serventia.
O suscitante alega que, no procedimento arbitral de adjudicação compulsória de autos n. 1002/2024 de Agata Câmara de Arbitragem Ltda., “a sentença arbitral em favor do requerente, devidamente notificadas às partes, inclusive à Caixa Econômica Federal, foi protocolada com vistas ao registro em questão, sendo este adquirido em 2013 quando ainda não havia qualquer gravame registrado”; que, no entanto, o Oficial Registrador qualificou negativamente o título, sob o argumento de que a Caixa Econômica Federal não participou do procedimento arbitral, apesar de notificada tanto para o processo arbitral quanto da sentença arbitral; que “a Caixa Econômica Federal, na qualidade de terceira interessada, consolidou propriedade sobre o imóvel em virtude de alienação praticada durante o comodato gratuito, quando não adimpliu sua obrigação, o que reforça sua legítima condição de participante indireta, ainda que não ativa na arbitragem”; que “a recusa registral fundada exclusivamente na ausência de participação formal da Caixa não se sustenta diante da documentação juntada, sendo infundada e desproporcional, razão pela qual se requer o acolhimento da presente suscitação de dúvida, com o consequente deferimento do registro da carta de sentença arbitral.” (fls. 01/07)
Documentos vieram às fls. 08/146.
Nas informações prestadas nos autos, o Oficial esclareceu que foi apresentada para registro a carta de sentença notarial, referente a decisão arbitral de Ágata Câmara de Arbitragem, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D’Oeste/SP; que o título visa à adjudicação compulsória do imóvel matriculado sob n. 66.850, embora a atual proprietária, Caixa Econômica Federal, não tenha participado do compromisso arbitral firmado por Isaac da Silva, LTR Editora Ltda. e o árbitro Ailton da Silva Oliveira; que consta da matrícula n. 66.850, que, pelo R.02, o imóvel foi alienado por compra e venda à LTR Editora Ltda. e, posteriormente, nos termos do R.07, constituiu-se a alienação fiduciária em garantia em favor da Caixa Econômica Federal; que, por fim, conforme a Av.08, em 19/05/2025, houve a consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária, Caixa Econômica Federal; que, após exame, o título foi devolvido pelos seguintes fundamentos: (i) a atual proprietária do imóvel, Caixa Econômica Federal, não figura no compromisso arbitral, em afronta ao artigo 3º da Lei n. 9.307/1996, que exige a vontade expressa das partes para se submeterem à arbitragem, que, diante disso, o título não pode ser registrado, sob pena de violação ao princípio da continuidade registral; (ii) ademais, não foi possível verificar a autenticidade, no site do CENAD, das peças extraídas dos autos, sendo confirmada apenas a autenticidade do termo de abertura e encerramento; que a sentença arbitral possui eficácia apenas inter partes e, ainda que reduzida a termo notarial, não se equipara a título judicial ou notarial hábil a produzir mutações no fólio real com eficácia erga omnes; que, além disso, o compromisso de compra e venda não foi inscrito na matrícula, inexistindo, portanto, direito real de aquisição, limitando-se a pretensão ao plano obrigacional; que, nessa condição, a adjudicação compulsória não pode ser oposta a terceiro adquirente de boa- fé, como pacificado pela jurisprudência do STJ (fls. 164/166).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 169/170).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
No mérito, a dúvida é procedente, para manter o óbice registrário. Inicialmente, cabe destacar que no sistema registral vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
A carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, nos termos do artigo 31 da Lei n. 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/1973. Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no pedido de providências n. 0004727-02.2018.2.00.0000 e na consulta n. 0008630-40.2021.2.00.0000, orientada por parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro no âmbito do CNJ.
Mesmo que a carta arbitral equipare-se aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7). A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Podemos concluir, em suma, que a origem dos títulos, seja arbitral ou judicial, não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
Quanto aos requisitos formais dos títulos judiciais, verifica-se que incumbe ao escrivão ou ao chefe da secretaria redigir, na forma legal, os atos que pertençam ao seu ofício (artigo 152, inciso I, do CPC), o que inclui a formação das cartas de sentença.
O escrivão, então, autenticará e conferirá as peças que formam a carta de sentença e certificará a autenticidade da assinatura do juiz que subscreveu o documento. Essa forma de autenticação conta com expressa previsão normativa de validade perante todas as repartições públicas. Ainda assim, o reconhecimento de firmas pode ser exigido se houver dúvida em relação à sua autenticidade (artigo 221, parágrafos 3º e 4º, do Tomo I, das NSCGJ).
As cartas arbitrais, portanto, devem seguir o mesmo regime, com atendimento aos requisitos formais previstos nos artigos 69, § 1º, e 260, § 3º, do CPC, embora sejam expedidas por árbitro ou tribunal arbitral, na forma autorizada pelo artigo 22-C da Lei n. 9.307/1996.
Ainda que a legislação destaque a relação de cooperação e coordenação entre o juízo arbitral e o juízo estatal (artigo 237, inciso IV, do CPC, e artigo 22-C da Lei de Arbitragem), é possível adiar o cumprimento da carta arbitral via decisão devolutiva motivada, quando ela não estiver revestida dos requisitos legais ou houver dúvida acerca de sua autenticidade (artigo 267, incisos I e III, do CPC).
Neste contexto, considerando que a interpretação conferida pelo CNJ ao artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/1973, é no sentido de que a carta arbitral é título hábil para inscrição independentemente de manifestação do Poder Judiciário, incumbirá ao Registrador a verificação dos requisitos formais e, havendo dúvida acerca de sua autenticidade, poderá devolvê- la, esclarecendo sua motivação e exigindo providências suficientes para contornar a insegurança detectada.
No caso sub judice, constata-se que o título apresentado a registro não foi a carta de sentença arbitral emitida do procedimento de adjudicação compulsória de autos n. 1002/2024 pela Agata Câmara de Arbitragem Ltda., mas sim um instrumento notarial denominado “ata notarial de carta de sentença” notarial, referente à decisão arbitral, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP, via plataforma do e-Notariado, em formato de ato notarial eletrônico (fls. 43/146).
Conforme consta da “ata notarial de carta de sentença” notarial, o Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP praticou o ato notarial eletrônico indicando como fundamento a combinação das seguintes disposições legais e normativas: artigo 6º, inciso III, da Lei n. 8.935/1994; itens 214 a 219, do Cap. XVI das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; Lei da Arbitragem n. 9.307/1996; Lei de Mediação n. 13.140/2015; e artigo 515 do Código de Processo Civil (fls. 43/146).
Percebe-se, com isso, que o ato notarial singular em comento, pela própria denominação que recebeu, foi praticado com vistas a aglutinar, em um só documento notarial protocolar dotado de fé pública, a ata notarial (com fundamento o artigo 6º, inciso III, da Lei n. 8.935/1994) e a carta de sentença notarial (itens 214 a 219, do Cap. XVI, das NSCGJ).
Pois bem. A ata notarial tem por finalidade a pré-constituição de prova: seu objeto é o fato jurídico em sentido estrito (artigos 6º, III, 7º, III, LNR; artigos 384 e 405, CPC). Assim, o fato de constituir a ata um documento notarial protocolar lavrado no livro de notas pelo Tabelião deve-se utilizar como ponto de partida para o estabelecimento de seus requisitos o artigo 215 do Código Civil, que trata das formalidades da escritura pública, e ainda o artigo 22 da Lei n. 9.492/1997, que trata dos requisitos da lavratura do instrumento de protesto[1].
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, ao disciplinar as atas notariais, no Capítulo XVI, assim dispõe, como dever do Tabelião (nossos destaques):
“138. Ata notarial é a narração objetiva, fiel e detalhada de fatos jurídicos presenciados ou verificados pessoalmente pelo Tabelião de Notas.
138.1. A ata notarial é documento dotado de fé pública.
138.2. A ata notarial será lavrada no livro de notas.
139. A ata notarial conterá:
a) local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados pelo Tabelião de Notas;
b) nome e qualificação do solicitante;
c) narração circunstanciada dos fatos;
d) assinatura e sinal público do Tabelião de Notas.”
Na hipótese concreta, verifica-se que não consta, na ata notarial, rigorosamente nenhuma informação quanto aos seguintes requisitos obrigatórios: a) local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados pelo Tabelião de Notas[2]; b) nome e qualificação do solicitante; c) narração circunstanciada dos fatos; d) número do registro do documento notarial procolocar no livro do tabelião de notas.
Portanto, diante da omissão, na ata notarial, dos requisitos obrigatórios acima indicados, o documento notarial protocolar apresentado fica comprometido.
Em sua segunda parte, o ato notarial consubstancia uma carta de sentença notarial, referente a decisão arbitral de Ágata Câmara de Arbitragem, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, nas disposições relativas à formação das cartas de sentença notariais, no Capítulo XVI, assim estabelecem, como dever do Tabelião (nossos destaques):
“214. O Tabelião de Notas poderá, a pedido da parte interessada, formar cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, nos moldes da regulamentação do correspondente serviço judicial.
214.1. As peças instrutórias das cartas de sentença deverão ser extraídas dos autos judiciais originais, ou do processo judicial eletrônico, conforme o caso.
214.2. As cópias deverão ser autenticadas e autuadas, com termo de abertura e termo de encerramento, numeradas e rubricadas, de modo a assegurar ao executor da ordem ou ao destinatário do título não ter havido acréscimo, subtração ou substituição de peças.
214.3. O termo de abertura deverá conter a relação dos documentos autuados, e o termo de encerramento informará o número de páginas da carta de sentença. Ambos serão considerados como uma única certidão para fins de cobrança de emolumentos.
214.4. O tabelião fará a autenticação de cada cópia extraída dos autos do processo judicial, atendidos os requisitos referentes à prática desse ato, incluídas a aposição de selo de autenticidade e cobrança dos emolumentos. (…)
218. A critério do interessado, as cartas de sentença poderão ser formadas em meio físico ou eletrônico, aplicando-se as regras relativas à materialização e desmaterialização de documentos pelo serviço notarial.
218.1. Para a formação das cartas de sentença em meio eletrônico, deverá ser utilizado documento de formato multipágina (um documento com múltiplas páginas), como forma de prevenir subtração, adição ou substituição de peças.
219. Aplicam-se às cartas de sentença expedidas pelo serviço notarial, no que couberem, as disposições contidas no item 221 e seguintes, das Normas do Serviço Judicial da Corregedoria Geral da Justiça. ”
No caso em tela, verifica-se não constar, na carta de sentença notarial, qualquer informação quanto à qualificação da parte interessada que solicitou ao Tabelião a prática do ato, havendo menção sucinta, na parte final do texto do ato, do seguinte:
“A MM. Juiz Arbitral, Dr. Ailton da Silva Oliveira, manda que se cumpra e guarde esta CARTA DE SENTENÇA como se contém e declara, rogando às autoridades deste país que lhe deem inteiro cumprimento e justiça. Dou fé.” (fls. 43)
A partir deste trecho final, é possível deduzir que o ato notarial possa ter sido praticado a partir de rogação feita pelo próprio árbitro que firmou o compromisso arbitral (fls. 77/79) e emitiu, “na plataforma digital deste Câmara de Arbitragem Ágata” (fls. 106), a sentença arbitral no âmbito do processo arbitral n. 1002/2024. Não consta, porém, no ato notarial, a qualificação da parte interessada que solicitou ao Tabelião a prática do ato, tampouco menção ao número do registro do documento notarial procolocar no livro do tabelião de notas.
Estabelecidas essas considerações preliminares que acabam por comprometer o próprio instrumento notarial apresentado, passa-se agora ao exame dos óbices apontados pelo Oficial Registrador.
Convém iniciar a análise do dissenso a partir do segundo óbice constante na nota devolutiva emitida: o Oficial explicou que não foi possível verificar a autenticidade, no site do CENAD, das peças extraídas dos autos, sendo confirmada apenas a autenticidade do termo de abertura e encerramento.
Neste aspecto, o item 219, Cap. XVI, das NSCGJ, acima transcrito, assim dispõe: aplicam-se às cartas de sentença expedidas pelo serviço notarial, no que couberem, as disposições contidas no item 221 e seguintes, das Normas do Serviço Judicial da Corregedoria Geral da Justiça.
Diante da impossibilidade de verificação, pelo Oficial Registrador, da autenticidade, no site do CENAD, de todas as peças extraídas dos autos, foi corretamente apontado o óbice registral pelo Oficial, que não pode ser afastado.
Sob esta ótica, é importante ressaltar que os serviços notariais e de registro são destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (artigo 1º, da LRP e artigo 1º, da LNR).
Logo, se não foi possível verificar, em sede de qualificação registral do título notarial, a autenticidade dos documentos no site do CENAD, tal circunstância configura, por si só, óbice registrário suficiente para impedir o acesso do título ao fólio real.
Por outro lado, no tocante ao primeiro e principal óbice registral, foi corretamente apontado pelo Oficial e também fica mantido, pelos seguintes motivos, senão vejamos.
Da análise da matrícula n. 66.850, do 5º Registro de Imóveis de São Paulo, extrai-se que, inicialmente, o imóvel foi alienado por compra e venda à LTR Editora Ltda. (R.02, de 05/05/1996 – fls. 31/32); posteriormente, LTR Editora Ltda. alienou fiduciariamente o bem em garantia em favor de Caixa Econômica Federal (R.07, de 23/02/2017 – fls. 34); por fim, com a averbação da consolidação da propriedade, o imóvel encontra-se, atualmente, registrado em nome da credora fiduciária Caixa Econômica Federal (Av.08, de 19 /05/2025 – fls. 34/35).
De acordo com a mesma matrícula, Isaac da Silva não consta inscrito, e jamais constou, no fólio real como titular de qualquer direito real.
Por sua vez, o procedimento arbitral que deu origem à sentença arbitral envolveu pedido formulado por Isaac da Silva em face de LTR Editora Ltda. e Caixa Econômica Federal, embora tenha inicialmente indicado como “objeto: pedido de adjudicação compulsória, da matrícula nº 35.820 do 5º Registro de Imóveis de São Paulo/SP” (fls. 50), nas razões de fato, expôs que, em 11 de fevereiro de 2013, firmou com LTR Editora Ltda. “contrato particular de compra e venda de imóvel – devidamente quitado” indicando que o pedido versava sobre o imóvel da matrícula 66.850 do 5º RI, e, assim, pleiteou a adjudicação compulsória do imóvel da matrícula 66.850 do 5º RI, para “declará-lo, através de sentença arbitral, como proprietário do imóvel”, para “reintegrar o demandante na posse imediata do imóvel, tendo em vista o término do comodato gratuito se deu em 11/05/2024”, e para “cancelar a averbação 07 e 08/66.850 na matrícula pedido de adjudicação compulsória, da matrícula nº 35.820 do 5º Registro de Imóveis de São Paulo/SP” (fl. 50).
A sentença arbitral de procedência foi emitida em 19 de agosto de 2024, com se seguinte dispositivo, in verbis:
“Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por ISAAC DA SILVA em face de LTR EDITORA LTDA E CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, para a) deferir em favor do requerente, a adjudicação compulsória da matrícula, sendo: 66.850 do 5º RI-SP, suprindo a outorga de escritura pública, pelo proprietário registral, sujeitando-se o registro da sentença ao cumprimento das normas registrais pertinentes. b) Corrijo de ofício o valor, como base para cálculo de tributos (ITBI) e emolumentos cartorários (REGISTRO), sendo o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). c) Em decisão de CARÁTER IMEDIATO, reintegro na posse do imóvel ao Requerente, visto que o Contrato Particular de Compra e Venda de Imóvel em questão foi firmado em 11 de fevereiro de 2013, e o prazo de comodato gratuito venceu em 11/05/2024, não restituindo a posse ao requerente, mesmo sendo notificada, supridas pela adjudicação compulsória. Em conformidade com o princípio da boa-fé contratual, conforme o Artigo 422 do Código Civil, a presente decisão deve ser aplicada a todos os ocupantes do imóvel, inclusive terceiros desconhecidos, autorizando, o uso de Força Policial para cumprimento imediato desta ordem. Expeça-se a respectiva Carta Arbitral, contendo a presente decisão com o pedido de cooperação estatal. Determino a imediata expedição do Respectivo Mandado Imediato de reintegração na posse da matrícula 66.850 do 5-° RI-SP, em favor de ISAAC DA SILVA, reiterando o uso de Força Policial caso necessário. Fixo uma multa de R$1.000,00 (um mil reais) por dia, pelo descumprimento, até o limite do valor do imóvel, valendo a presente decisão como título executivo judicial. d) OFICIE-SE 0 5 º CARTÓRIO D E REGISTRO D E IMOVEIS P A RA q u e conste o CANCELAMENTOS na Matrícula n° 66.850, anulando e cancelando as averbações AV 07 e 08 -M.66.850 sendo a descrição da averbação 07, a alienação fiduciária do imóvel objeto deste, onde a requerida LTR Editora, alienou onerosamente o imóvel posterior ao contrato de compra e venda firmado com o requerente Isaac da Silva, e averbação AV 08, cancelamento ref. a consolidação do imóvel a Caixa Econômica Federal, pela inadimplência da requerida LTR Editora Ltda, além de proceder à TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE do imóvel em favor de ISAAC DA SILVA “REQUERENTE”, mediante ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, livres de quaisquer averbações existentes, ônus reais e fidejussórias existentes. Dado Instrumento Particular firmado entre as partes, pelas razões acima expostas, valendo a presente decisão como escritura definitiva com seu trânsito em julgado” (fls. 124/125).
Conforme já enfatizado alhures, a carta de sentença, seja judicial, notarial ou arbitral, deve trazer todas as peças processuais necessárias à correta interpretação do contexto do feito em que a ordem foi proferida, o que garante segurança jurídica ao seu executor ou ao destinatário do título.
A Lei de Registros Públicos trata dos títulos registráveis, principalmente, nos artigos 167 e 221 da Lei n. 6.015/73. A subsunção dos títulos à legalidade estrita, evidentemente, é de rigor.
Na hipótese da carta de sentença (artigo 221 da Lei n. 6.015/73) que exterioriza como causa ou fundamento jurídico, no sentido do direito material, a adjudicação de imóvel (artigo 167 da Lei 6.015/73), imprescindível a apresentação dos elementos processuais que comprovem os dados de qualificação, a representação e a legitimidade das partes envolvidas no procedimento, a fim de se verificar se o título está apto ao ingresso no sistema registral imobiliário, em obediência dos princípios basilares inerentes à legislação registrária, notadamente os princípios da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/1973), disponibilidade, especialidade objetiva e subjetiva.
No caso concreto, porém, infere-se das cópias da íntegra do procedimento arbitral n. 1002/2024 reproduzido na “ata notaria de carta de sentença” notarial, que a Caixa Econômica Federal, a atual proprietária tabular do imóvel da matrícula n. 66.850, não firmou compromisso arbitral e não participou em momento algum do procedimento arbitral.
Sabe-se que, conceitualmente, a arbitragem representa método heterocompositivo e alternativo de solução de conflitos. As partes capazes, de comum acordo, diante de um litígio, ou por meio de uma convenção, estabelecem que um terceiro, ou colegiado, terá poderes para solucionar a controvérsia, sem a intervenção estatal, sendo que a decisão terá a mesma eficácia que uma sentença judicial.
A sentença arbitral, nos termos do artigo 31 da Lei n. 9.307/1996, produz efeitos e vincula somente as partes que firmaram o compromisso arbitral e seus sucessores. Estender seus efeitos a terceiros que não anuíram e não participaram efetivamente à convenção viola a natureza consensual da arbitragem, bem como as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Sem prova documental de que o compromisso arbitral foi firmado pela proprietária tabular do imóvel, é evidente que os efeitos da sentença arbitral apresentada não podem ser estendidos a ela, o que impede acesso do título ao fólio real.
Não resta dúvida, assim, que os óbices registrários corretamente formulados pelo Oficial, devem ser mantidos.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.
Por fim, considerando o documento notarial apresentado – “ata notarial de carta de sentença” notarial, referente à decisão arbitral, lavrada pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP – e as observações consignadas na nota de rodapé n. 2[3] desta sentença, em atenção ao disposto no artigo 9º, da Lei n. 8.935/1994; artigos 286 a 289 e 302, “caput”, do Provimento CNJ n. 149/2023; e item 5 e subitens, itens 138 a 139 e itens 214 a 219, todos do Capítulo XVI, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por se tratar de caso inédito envolvendo carta de sentença notarial de decisão arbitral, reputo necessário, oportuno e conveniente a comunicação do fato à E. Corregedoria Geral da Justiça; ao MM. Juiz Corregedor Permanente do Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP, da Comarca de Estrela D´Oeste; bem como ao Ministério Público, para ciência e eventuais providências cabíveis, servindo a presente como ofício, devidamente instruído com cópias de fls. 43/146.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 29 de setembro de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
Notas:
[1] Loureiro, Luiz Guilherme. Manual de Direito Notarial: da atividade e dos documentos notariais. 3ª ed. Salvador: editora Juspodivm, 2018, p. 713-4.
[2] Mormente se considerados os seguintes dados concretos: (i) o interessado Issac da Silva (fl. 50) e o árbitro Ailton da Silva Nogueira (fl.78) têm domicílio nesta cidade de São Paulo; (ii) o compromisso arbitral (fls.75/79) foi firmado em São Paulo; (iii) o imóvel objetivado está localizado nesta cidade de São Paulo e matriculado nesta Comarca da Capital; (iv) o processo arbitral de “adjudicação compulsória do imóvel” matriculado no 5º RI/SP realizou-se integralmente neste Município de São Paulo – consta a certificação da Junta Comercial do Estado do Tocantins (JUCETINS), juntada às fls. 138/142, atestando que a empresa Agata Assessoria e Câmara de Arbitragem e Mediação Treinamento Ltda está constituída perante a JUCETINS, com a sede da empresa na cidade de Palmas, no Estado do Tocantins [convém aqui mencionar: é sabido que não se aplica regra de competência territorial no âmbito da arbitragem, de modo que o registro secundário da empresa perante a JUCESP, em tese, seria necessário em caso de atuação habitual da empresa neste Estado da Federação, sendo certo que, nesta última situação, deveria providenciar um CNPJ para a filial, se o caso, e também sua inscrição no cadastro de contribuinte municipal, já que a prestação de serviços pela empresa dentro do Município de São Paulo, em tese, configura fato gerador do imposto ISS]; (v) o Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP lavrou o ato notarial eletrônico, via plataforma do e-Notariado, todavia, deixando de consignar, no documento notarial protocolar, os requisitos obrigatórios prescritos sobre o local e a qualificação da parte interessada que solicitou a prática do ato; (vi) o ato notarial eletrônico foi praticado pelo Tabelião de Notas que recebeu a delegação para desempenha-la dentro da circunscrição territorial da Comarca de Estrela D´Oeste, o que, de forma intuitiva, chama atenção, inclusive porque a distância entre as Comarcas da Capital e de Estrela D´Oeste é de mais de 595 km.
[3] No sentido de não constar, na “ata notarial de carta de sentença” notarial apresentada, informação quanto: a) local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados pelo Tabelião de Notas; b) nome e qualificação do solicitante; c) número do registro do documento notarial no livro do tabelião de notas; mormente se considerados os seguintes dados concretos: (i) o interessado Issac da Silva (fl. 50) e o árbitro Ailton da Silva Nogueira (fl.78) têm domicílio nesta cidade de São Paulo; (ii) o compromisso arbitral (fls.75/79) foi firmado em São Paulo; (iii) o imóvel objetivado está localizado nesta cidade de São Paulo e matriculado nesta Comarca da Capital; (iv) o processo arbitral de “adjudicação compulsória do imóvel” matriculado no 5º RI/SP realizou-se integralmente neste Município de São Paulo (ISS) – consta a certificação da Junta Comercial do Estado do Tocantins (JUCETINS), juntada às fls. 138/142, atestando que a empresa Agata Assessoria e Câmara de Arbitragem e Mediação Treinamento Ltda está constituída perante a JUCETINS, com a sede da empresa na cidade de Palmas, no Estado do Tocantins [convém observar: é sabido que não se aplica regra de competência territorial no âmbito da arbitragem, de modo que o registro secundário da empresa perante a JUCESP, em tese, seria necessário na atuação habitual da empresa neste Estado da Federação, sendo certo que, nesta última situação, seria necessário providenciar um CNPJ para a filial, se o caso, e também a inscrição no cadastro de contribuinte municipal, já que a prestação de serviços pela empresa dentro do Município de São Paulo, em tese, configura fato gerador do imposto ISS]; (v) o Tabelião de Notas e de Protesto de Estrela D´Oeste/SP lavrou o ato notarial eletrônico,todavia, deixando de consignar, no documento notarial, os requisitos obrigatórios prescritos sobre o local e a qualificação da parte interessada que solicitou a prática do ato, além do número do registro no livro daquelas notas; o que chama atenção, levando em conta a distância entre as Comarcas da Capital e de Estrela D´Oeste é de mais de 595 km, ante o que dispõe o art. 9º, LNR, e art. 289 do Prov. CNJ 149/2023. (DJE de 30.09.2025 – SP)

Fonte: DJE/SP 30.09.2025.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.