Processo 1112234-25.2025.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Clinicuore Assistencia Medica Ltda – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: MARUM KALIL HADDAD (OAB 33888/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1112234-25.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 9º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: Clinicuore Assistencia Medica Ltda
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de CLINICUORE ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA diante de negativa em se proceder à averbação de contrato de locação comercial nas matrículas 262.872 e 262.874 daquela serventia.
O Oficial informa que se trata de contrato de locação comercial, datado de 22/05/2023, no qual figuram como locadora PIEDADE LOPES GARCIA DE SOUZA e a locatária, ora requerente. Afirma que a desqualificação registral do título foi motivada pelo fato da locadora ser apenas usufrutuária do imóvel, e que veio a óbito, assim, foi cancelado o usufruto, não restando nenhum direito real vigente em seu nome. Alega que a locação por usufrutuário e apresentação do título após o cancelamento do usufruto ofendem o disposto no parágrafo único do Art. 167 e no Art. 195, ambos da Lei 6.015/73.
O Oficial esclarece que ao pedido de averbação feito pelo interessado foi oposta a nota devolutiva solicitando a apresentação de um novo contrato de locação, firmado pelos proprietários do imóvel ou conter cláusula expressa de vigência (fls. 01/02).
Documentos vieram às fls. 03/107.
Embora notificada, decorreu o prazo de impugnação da parte reclamante sem manifestação (fls. 107).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção dos óbices (fls. 110/112).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
No mérito, o pedido é procedente, para manter o óbice registrário.
No caso concreto, a parte busca a averbação de contrato de locação comercial firmado entre a locadora a PIEDADE LOPES GARCIA DE SOUZA e a locatária CLINICUORE – ASSISTÊNCIA MÉDICA LTDA, tendo como objeto os imóveis matriculados sob os n. 262.872 e 262.874 do 9º RI. E é relevante ressaltar que os nu-proprietários não compareceram ao contrato como locadores ou anuentes.
Quando do ingresso do título em 11/08/2025, a locadora não mais detinha qualquer direito real sobre os imóveis, pois o usufruto havia sido cancelado em virtude de seu óbito em 20/10/2024.
Em outras palavras, o título foi apresentado após a extinção do direito real que legitimava a outorgante a praticar atos sobre o bem, rompendo-se o necessário encadeamento registral.
O princípio da continuidade, consagrado no art. 195 da Lei de Registros Públicos, impõe que todo ato registral derive de titular inscrito na matrícula. Inexistindo essa correspondência, o registrador não pode praticar o ato, sob pena de violar a legalidade e a fé pública registral.
Ademais, mesmo que o usufruto ainda estivesse vigente no momento da apresentação, a averbação encontraria um segundo óbice intransponível, de natureza jurídica.
A parte busca a averbação para fins de direito de preferência (Art. 167, II, 16, LRP). As matrículas (fls. 97/105) demonstram que os proprietários do imóvel são Hamilton de Souza, Vânia Lucia Lopes de Souza e Ariovaldo Lopes de Souza, tendo sido instituído usufruto vitalício em favor da locadora, Piedade Lopes Garcia de Souza (fls. 98 e 103/104).
Ocorre que a lei impõe, em seu art. 167, parágrafo único, que a averbação de preferência exige a “coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador”:
“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
(…)
II – a averbação:
(…)
16) do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência.
(…)
Parágrafo único. O registro previsto no item 3 do inciso I do caput e a averbação prevista no item 16 do inciso II do caput deste artigo serão efetuados no registro de imóveis da circunscrição onde o imóvel estiver matriculado, mediante apresentação de uma via do contrato assinado pelas partes, admitida a forma eletrônica e bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador.”
Como fica evidente, averbado o usufruto na matrícula do imóvel, tal situação não tornaria possível o ingresso do contrato de locação ao fólio real, haja vista que, quanto à averbação do contrato locativo, o artigo 167, inciso II, “16”, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73, impõe a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador. Sendo a norma registral de legalidade estrita, não é possível ao Oficial estendê-la para abranger o usufrutuário. Logo, forçoso concluir que o ingresso não é mesmo possível.
Nesse sentido, a orientação da E. Corregedoria Geral da Justiça a partir do julgamento do processo de autos n. 1034699-51.2020.8.26.0114, com parecer da lavra da Dra. Caren Cristina Fernandes de Oliveira, MMª. Juíza Assessora da Corregedoria, aprovado pelo Exmo. Des. Ricardo Anafe, Corregedor Geral da Justiça à época:
“Registro de Imóveis – Contrato de locação – Averbação para fins de exercício de direito de preferência – Locador que não é mais o proprietário do bem – Divergência entre a descrição do imóvel locado no título e aquela existente no registro – Ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade objetiva – Óbices mantidos – Recurso não provido”.
No mesmo sentido (destaques nossos):
“Registro de Imóveis – Averbação de contrato de locação – Direito de preferência previsto nos arts. 27 e 33 da Lei n. 8.245/1991 – Imóvel alienado a terceira pessoa antes da apresentação do título para o ato registral – Ausência de coincidência entre o nome de um dos proprietários do imóvel e o do locador (art. 169, III, da Lei n. 6.015/1973) – Violação ao princípio da continuidade caracterizada – Inadmissibilidade da averbação pretendida – Recurso não provido” (Proc. CG n° 914/2006; Autor: Álvaro Luiz Valery Mirra, Juiz Auxiliar da Corregedoria, aprovado pelo Exmo. Des. Gilberto Passos de Freitas, Corregedor Geral da Justiça, em 09.01.2007).
Ressalte-se que o fato de a locação se transmitir aos herdeiros do locador, conforme o art. 10 da Lei nº 8.245/91, não afasta a exigência dos requisitos formais para o registro ou averbação perante terceiros, pois tal regra disciplina apenas a eficácia obrigacional entre as partes e sucessores, e não a eficácia erga omnes dos atos perante o registro imobiliário.
Subsiste, assim, o óbice apontado.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 30 de outubro de 2025.
Fonte: DJE/SP 31.10.2025-SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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