EMENTA NÃO OFICIAL- 1VRP/SP: Registro de Imóveis – Pedido de providências – Formal de partilha – Certidão de título judicial – Inexistência de dever legal de arquivamento e publicidade à época do registro – Natureza pública do formal de partilha – Competência do Juízo para expedição de cópias – Princípios da legalidade e da publicidade registral – Procedência da recusa.

RESUMO (NÃO OFICIAL):
Pedido formulado por interessado para que o Oficial fornecesse cópia do formal de partilha expedido pelo Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões, título que deu origem a registro lavrado em 22.07.2004. Recusa fundamentada na ausência, à época, de obrigação legal de arquivamento de títulos públicos, restrita aos instrumentos particulares (art. 194 da Lei 6.015/1973, redação original). A Lei 14.382/2022, que passou a exigir digitalização e manutenção de arquivos eletrônicos, não possui efeito retroativo.

O formal de partilha, título judicial de natureza pública, não se enquadra nas hipóteses legais de arquivamento obrigatório para fins de publicidade. A eventual microfilmagem efetuada pela serventia não gera dever de expedição de cópias, constituindo ato de gestão interna do acervo, voltado à segurança documental. A emissão de cópias do formal compete exclusivamente ao Juízo que processou o inventário, a quem incumbe deliberar sobre publicidade, sigilo ou aditamentos.

A recusa não se baseou em sigilo ou na LGPD, mas na ausência de previsão legal que imponha ao registrador o dever de fornecer cópias de títulos judiciais. Princípio da legalidade prevalece sobre o dever genérico de colaboração.

Decisão (OFICIAL)

Processo nº: 1111002-75.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: Antonio Carlos Barroso de Siqueira
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Antônio Carlos Barroso de Siqueira, diante de negativa em se proceder à emissão de certidão de formal de partilha, envolvendo o registro n. 22 da matrícula n. 45.272 daquela serventia.
O Oficial informa que o Dr. HEITOR VITOR FRALINO SICA formulou, em 27.08.2025, pedido de cópia do formal de partilha expedido em 25.03.1993, aditado em 22.03.2022, pela 3ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Central desta Comarca da Capital nos autos da ação de Inventário n. 2.232/84, cujo título deu origem ao registro n. 22 da matrícula n. 45.272, de 22.07.2004, da serventia; que, após análise do pedido, a solicitação foi indeferida pela serventia por meio de nota de devolução em 28.08.2025; que, inconformado, o interessado apresentou requerimento, formulando pedido de providências; que a regra é o livre acesso ao conteúdo do acervo da serventia, observando-se, assim, o princípio da publicidade, conforme artigo 1º da Lei n. 8.935/1994 e artigo 17 da Lei n. 6.015/1973; que, no entanto, há exceções que visam à preservação do direito fundamental à intimidade, privacidade e proteção dos dados pessoais (CF, art. 5º, X e LXXIX), que ganharam destaque com a Lei Geral de Proteção de Dados (art. 23, § 4º, da Lei n. 13.709/2018); que tal tema foi incluído nas NSCGJ por meio do Provimento n. 23/2020, em seus itens 127 a 152.1, e também encontra previsão no artigo 79 e seguintes do Provimento CNJ n. 149/2023; que, por ocasião do registro em referência, efetuado em 22.07.2004 – a obrigatoriedade de arquivamento na serventia era circunscrita aos instrumentos particulares, na conformidade com a original redação do art. 194 “caput” da Lei 6.015/1973; que, em decorrência da Lei n. 5.433/1968 (Lei do Microfilme), somente os instrumentos particulares (de arquivamento obrigatório) eram microfilmados, e os demais, por serem instrumentos públicos, não estavam sujeitos ao arquivamento ou microfilmagem, até que a Lei n. 14.382/2022, alterou o artigo 194 da Lei n. 6.015/1973 e estipulou a digitalização dos títulos físicos e sua devolução ao apresentante; que, em regulamentação do tema, o artigo 123, § 4º, do Provimento CNJ n. 149/2023 dispõe que o Oficial pode recusar a expedição de certidão dos documentos arquivados se constatar tentativa de tratamento de dados em desacordo com as finalidades do Registro de Imóveis e com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD); que no pedido inicial não foi indicada a finalidade do pedido de expedição de certidão, malgrado o tenha sido no requerimento de 09.09.2025: “para apresentá-lo ao Compresp, Órgão ligado à Prefeitura Municipal de São Paulo”; que inexiste previsão específica à certidão pretendida pelo requerente, visto que título de tal jaez não era necessariamente microfilmado ou digitalizado, razão em que se assenta a negativa, onde constou o seguinte, na parte final: “Assim, a certidão de cópia do Formal de Partilha, supra mencionado, deverá ser requerido no DD. Juízo de origem, com competência, inclusive, para verificação de eventual segredo de Justiça”; que na serventia todos os títulos que deram origem a atos registrais começaram a ser digitalizados somente em 19.05.2006, sendo que, até então, títulos, como o formal de partilha em referência, eram apenas microfilmados; que a serventia não dispõe de imagens digitais de referido formal de partilha, embora se encontre microfilmado no rolo n. 6230-6234; que, não obstante aos argumentos ora apresentados, caso esta Corregedoria Permanente determine a expedição de cópia de aludido formal de partilha, requer-se, desde já, que cada documento que compõe o formal de partilha seja certificado e considerado uma certidão, para efeitos de custas e emolumentos, aplicando-se, pela similitude, as disposições relativas à formação de cartas de sentenças pelos tabeliães de notas, na forma prevista no item 213 e seguintes, do Cap. XIV, das NSCGJ; e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/43.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte interessada aduz que é filho da finada Sra. Elvira e foi o inventariante do Espólio; que, portanto, o argumento do Oficial não cabe no caso presente; que os cartórios extrajudiciais, como no caso presente, têm o dever de colaborar poupando o trabalho das serventias judiciais; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 45).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 48/49).
Foi determinada a regularização da representação processual, devidamente atendida pela parte.
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
A controvérsia cinge-se ao dever de o Oficial fornecer cópia do Formal de Partilha expedido pelo Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central, que deu origem ao registro lavrado em 2004, a pedido do interessado.
A recusa deve ser mantida.
É crucial, de início, distinguir o escopo do princípio da publicidade registral. Tal princípio se refere às situações jurídicas e não aos fatos inscritíveis.
Ele se concretiza pelo livre acesso às informações constantes na matrícula do imóvel (o fólio real), que espelha a situação jurídica do bem. Qualquer interessado pode obter a certidão da matrícula, que, no caso, publiciza a transmissão ocorrida por força do inventário.
Contudo, este princípio não se estende à obrigação de a serventia fornecer cópia integral de todos os títulos causais (os “fatos inscritíveis”), especialmente quando a lei, à época do ato, não impunha seu arquivamento para tal finalidade.
Com acerto, o Oficial de Registro fundamenta sua recusa na legislação vigente à época do ato (R.22 em 22.07.2004), em estrita observância ao princípio tempus regit actum.
A redação original do artigo 194 da Lei 6.015/73 (LRP) era clara ao impor o dever de arquivamento na serventia apenas aos títulos de natureza particular. O formal de partilha, sendo um título judicial, possui natureza pública e, portanto, não se enquadrava na hipótese legal que obrigaria a serventia a arquivá-lo para fins de publicidade de seu inteiro teor.
A obrigatoriedade de digitalização e manutenção de arquivo eletrônico de documentos públicos apresentados a registro somente foi introduzida muito posteriormente, pela Lei nº 14.382/2022, cujos efeitos não retroagem para impor obrigações que não existiam em 2004.
Destarte, a emissão de cópias de documentos que integram um processo judicial é atribuição do Juízo que o processou. Cabe ao DD. Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões, portanto, fornecer cópias do formal de partilha, bem como decidir sobre a publicidade, eventual segredo de justiça ou aditamentos posteriores ao título – matéria que refoge à competência administrativa e registral.
Como bem ponderou o Ministério Público, a serventia extrajudicial não é responsável pela emissão de certidões ou cópias de atos que não lhe são próprios ou que não foram por ela constituídos.
O fato de a serventia admitir que o título se encontra microfilmado (rolo n. 6230-6234) não altera essa conclusão. A microfilmagem, realizada sobre um título público de arquivamento não-obrigatório, representou, à época, uma liberalidade organizacional para a segurança do acervo interno, e não o cumprimento de um dever legal de arquivamento para publicidade externa. A gestão interna do acervo não cria, por si só, um dever de publicidade.
Note-se que a recusa não se fundamenta em sigilo ou na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A legitimidade do requerente (filho da falecida e inventariante) é inconteste. A negativa assenta-se na ausência de dever legal do Oficial de Registro em fornecer cópias de títulos judiciais.
Por fim, o dever de colaboração invocado pelo interessado, embora meritório, não se sobrepõe à limitação de competência e à estrita observância ao princípio da legalidade, que rege a matéria registral.
Observa-se, portanto, que o Oficial agiu em estrita observância ao princípio da legalidade, não havendo irregularidade ou omissão que justifique o afastamento do óbice apresentado.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter a recusa apresentada pelo delegatário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 31 de outubro de 2025.

Fonte: DJE/SP 03.11.2025-SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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EMENTA NÃO OFICIAL- 1VRP/SP: TÍTULO ARBITRAL – CARTA DE SENTENÇA ARBITRAL – CANCELAMENTO DE DAÇÃO EM PAGAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA CONTINUIDADE REGISTRAL – EFEITOS INTER PARTES – INEXISTÊNCIA DE FÉ PÚBLICA – NOVA TRANSMISSÃO IMOBILIÁRIA – EXIGÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA E RECOLHIMENTO DE ITBI – DIREITOS DE TERCEIROS – INVIABILIDADE DE CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO – SENTENÇA ARBITRAL COM ASSINATURA ELETRÔNICA “INDETERMINADA” PELO ITI – AUSÊNCIA DE AUTENTICIDADE FORMAL – MANUTENÇÃO DO ÓBICE REGISTRÁRIO.

RESUMO (NÃO OFICIAL):
A carta de sentença arbitral, ainda que proveniente de tribunal arbitral regularmente instituído, não se equipara a instrumento público dotado de fé pública e não produz efeitos erga omnes, restringindo-se seus efeitos às partes. O cancelamento de registro de dação em pagamento regularmente inscrito configura, em verdade, nova transmissão imobiliária, a exigir escritura pública, recolhimento do ITBI e observância do princípio da continuidade registral.
A pretensão de cancelar os registros das dações em pagamento, mediante simples averbação de sentença arbitral, implicaria repristinação de registros extintos e violação à segurança jurídica, sobretudo diante da existência de direito real de caução constituído em favor de terceiro de boa-fé.
A assinatura digital do documento, validada como “indeterminada” pelo ITI, reforça a inidoneidade formal do título. Correta a recusa do ingresso no fólio real, nos termos dos arts. 221, 250 e 252 da Lei nº 6.015/73, art. 108 do CC e item 117 do Cap. XX das NSCGJ-SP.

DECISÃO (OFICIAL)

Processo 1102760-30.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Marcelo de Andrade Batista – Vistos. Chamei o feito à conclusão para sanar erro material que constou da sentença retro lançada. Na fundamentação, onde consta: “O pedido é improcedente, para manter o óbice registrário”, leia-se: “O pedido é procedente, para manter o óbice registrário”. E, no dispositivo, onde consta: “Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário”, leia-se: “Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário”. Mantido, no mais, o seu teor. Intimem-se. – ADV: MARCELO DE ANDRADE BATISTA (OAB 195076/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo nº: 1102760-30.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: 5º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo
Requerido: Marcelo de Andrade Batista e outro
Juiz de Direito: Dr. Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de M. Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., Marcelo de Andrade Batista e Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda., diante de negativa em se proceder à averbação de carta de sentença arbitral advinda do procedimento de autos n.0026/2025 do Tribunal Arbitral TAMSP, para cancelamento de atos de registro de dação em pagamento dos imóveis das matrículas ns. 25.638, 39.644 e 25.144 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentada para registro carta de sentença arbitral advinda do procedimento n.0026/2025 do Tribunal Arbitral TAMSP, no âmbito do qual foi homologado, por decisão arbitral, o acordo arbitral pactuado entre as partes que convencionam pelo cancelamento dos atos de registro de dação em pagamento dos imóveis das matrículas ns. 25.638, 39.644 e 25.144; no tocante à situação jurídica: (i) os imóveis objetos das matrículas ns. 25.144, 39.644 e 25.638 revelam as propriedades registradas em nome da empresa Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda., (ii) tal alienação ocorreu por meio de dação em pagamento realizada pelo antigo proprietário, M Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., (iii) o título formal que serviu de base para o registro dessas dações foi uma carta de sentença expedida em 01/08/2019 na ação de execução de título extrajudicial n. 1101753-47.2018.8.26.0100 ajuizada por Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda. contra Marcelo de Andrade Batista, casado com Juliana Maria Freitas Batista, e M. Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., que tramitou perante a 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital (R.08/25.638, de 04/02/2021; R.09/39.644, de 04/02/2021; R.11/25.144, de 04/02/2021), (iv) consta, ainda, da matrícula 25.144 (Av.12) que o imóvel foi dado em caução garantindo obrigações decorrentes de locação em favor de Karina Martin Sposito.
O Oficial informa que o título foi qualificado negativamente, por nota de devolução, pelos seguintes motivos: (a) inidoneidade formal do instrumento apresentado: a sentença arbitral, ainda que exarada em sede de câmara arbitral regularmente constituída, não se equipara aos instrumentos públicos dotados de fé pública; a sentença arbitral, por si só, opera efeitos apenas inter partes, não produzindo eficácia erga omnes, tampouco ostenta eficácia própria de instrumento hábil para dar calço às mutações jurídicas operadas pelo Registro de Imóveis; (b) rescisão da dação configura nova transmissão: a dação em pagamento, devidamente registrada, é negócio jurídico translativo, que extingue a obrigação e transfere o domínio, e seu cancelamento implica, na prática, distrato ou compra e venda inversa, o que importa em nova mutação jurídico-real, sujeita à forma solene (escritura pública ou ato público revestido de fé pública) e recolhimento dos tributos devidos; (c) ITBI – necessidade de recolhimento: a eventual reversão da propriedade à alienante original demanda recolhimento do ITBI, conforme legislação municipal aplicável, por se tratar de nova transmissão onerosa; no caso, não há qualquer comprovação de quitação do tributo; (d) repristinação automática: o cancelamento pretendido acarretaria repristinação de registros anteriores extintos pela inscrição sucessiva da dação, e não há amparo legal para restaurar, por simples averbação, registros de propriedade inscritos e consumados regularmente; o desfazimento de negócio translativo requer novo ato jurídico de igual forma e natureza, não podendo o registro anterior ser restabelecido de forma automática; (e) prevalência de direitos de terceiros (caução locatícia): o imóvel objeto da matrícula n. 25.144 encontra-se gravado com caução real locatícia (Av.12), constituída válida e eficazmente em favor de terceiro, para garantia de contrato de locação (vigente até 2027), porém, tal direito sequer foi mencionado no acordo arbitral, e, nos termos do artigo 252 da Lei de Registros Públicos, enquanto não cancelado, o registro produz todos os seus efeitos legais, não podendo ser atingido por título ou pretensões que podem abalar interesses de terceiros; (f) ITI – assinatura “indeterminada”: a decisão arbitral, assinada eletronicamente com certificado ICP-Brasil, foi considerada indeterminada pelo validador oficial (ITI); os detalhes técnicos que envolvem a utilização do PDF com recurso MDP requerem investigação minuciosa, já que a aceitação incondicional de documentos pendentes de reconhecimento de validade e eficácia pelo próprio ITI pode representar risco à segurança jurídica.
O Oficial esclarece que a dação em pagamento é um meio supletivo de satisfação da obrigação, em que o credor aquiesce em receber coisa diversa da que constituiu o objeto da prestação e o acordo, pelo qual consente na substituição, chama-se dação em pagamento; que, determinado o preço, as relações entre as partes serão reguladas pelas normas do contrato de compra e venda (art. 357 do CC), tratando-se, à evidência, de contrato translativo; que, em regra, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País (art. 108 do CC); que, no caso das dações em pagamento registradas nas matrículas ns. 25.144, 39.644 e 25.638 que ensejaram a transmissão das propriedades dos imóveis para a empresa Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda., o título formal (instrumento) que serviu de base para a inscrição foi uma carta de sentença extraída da ação de execução que tramitou pela 36ª Vara Cível do Foro Central Cível desta Capital (Processo 1101753-47.2018.8.26.0100 – Ação de Execução de Título Extrajudicial); que o cancelamento das transmissões redundaria numa nova transmissão e, nesse caso, é imprescindível a escritura pública, por se tratar de requisito ad substantiam de validade do ato; que o art. 31 da Lei 9.307/1996 prevê que a “sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”, contudo, a sentença arbitral (causa material) não se confunde com formalização do título que dela decorre com eficácia erga omnes (causa formal); a sentença arbitral opera seus efeitos inter partes, é jurisdição privada, com efeitos restritos – não atinge terceiros, salvo sucessores universais, nem faz prova plena, por lhe faltar o atributo de autenticidade e fé pública; ainda que se admita o acesso deste documento atípico (não instrumento em sentido próprio), não se constitui em título formal apto a cancelar atos translativos inscritos no Registro de Imóveis, sendo exigível instrumento dotado de força orgânica (fé pública); que a dação registrada (equivalente à compra e venda) revela um negócio jurídico perfeito e acabado, sua inscrição, feita com base em título formalmente inatacado, exauriu o negócio, a obrigação extinguiu-se, e, consumado o registro e produzindo a inscrição seus regulares efeitos (publicidade jurídico-registral), colhe não só as partes como todos os terceiros; que, assim, o eventual desfazimento do acordo nos autos judiciais (dação no bojo do processo) somente se alcançará com um ato de nova transmissão da propriedade, jamais por meio de cancelamento de registro; que o que pretendem os interessados não é apenas e tão somente o cancelamento das alienações, mas o distrato da alienação onerosa inscrita importa em compra e venda regressiva, portanto, sujeita-se aos mesmos requisitos da primeira, notadamente o pagamento do imposto de transmissão e a nova inscrição; que, diante do exposto, o título apresentado, em sua forma e conteúdo, não reúne os requisitos legais para o ingresso no fólio real (fls. 01/08).
Documentos vieram às fls. 09/71.
Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte interessada requereu a suscitação de dúvida, sob alegação de que a sentença arbitral proferida foi regularmente constituída mediante cláusula compromissória, compromisso arbitral, audiência com participação das partes e lavratura de decisão pela árbitra designada; que a decisão homologou acordo entre as partes, que ajustaram o cancelamento das dações em pagamento anteriormente registradas, foi assinada com certificação digital ICP-Brasil por todos os envolvidos; que, portanto, trata-se de título perfeitamente hábil a produzir efeitos perante o registro imobiliário; que a averbação pretendida é consequência lógica da solução definitiva do litígio entre as partes, e não compromete a segurança jurídica do registro imobiliário, tampouco viola o princípio da continuidade e, portanto, a sentença arbitral, formalizada é título registrável, e sua recusa configura óbice indevido (fls. 56/62).
Apesar de intimada, a parte suscitada não apresentou impugnação nos autos (fls. 71).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo afastamento dos óbices (fls. 75/81).
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
Inicialmente, cabe destacar que no sistema registral vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
A carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, nos termos do artigo 31 da Lei n. 9.307/1996 e artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/1973. Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no pedido de providências n. 0004727-02.2018.2.00.0000 e na consulta n. 0008630-40.2021.2.00.0000, orientada por parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro no âmbito do CNJ.
Mesmo que a carta arbitral se equipare aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7). A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Pode-se concluir, em suma, que a origem dos títulos, seja arbitral ou judicial, não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
Quanto aos requisitos formais dos títulos judiciais, verifica-se que incumbe ao escrivão ou ao chefe da secretaria redigir, na forma legal, os atos que pertençam ao seu ofício (artigo 152, inciso I, do CPC), o que inclui a formação das cartas de sentença.
O escrivão, então, autenticará e conferirá as peças que formam a carta de sentença e certificará a autenticidade da assinatura do juiz que subscreveu o documento. Essa forma de autenticação conta com expressa previsão normativa de validade perante todas as repartições públicas. Ainda assim, o reconhecimento de firmas pode ser exigido se houver dúvida em relação à sua autenticidade (artigo 221, parágrafos 3º e 4º, do Tomo I, das NSCGJ).
As cartas arbitrais, portanto, devem seguir o mesmo regime, com atendimento aos requisitos formais previstos nos artigos 69, § 1º, e 260, § 3º, do CPC, embora sejam expedidas por árbitro ou tribunal arbitral, na forma autorizada pelo artigo 22-C da Lei n. 9.307/1996.
Ainda que a legislação destaque a relação de cooperação e coordenação entre o juízo arbitral e o juízo estatal (artigo 237, inciso IV, do CPC, e artigo 22-C da Lei de Arbitragem), é possível adiar o cumprimento da carta arbitral via decisão devolutiva motivada, quando ela não estiver revestida dos requisitos legais ou houver dúvida acerca de sua autenticidade (artigo 267, incisos I e III, do CPC).
Neste contexto, considerando que a interpretação conferida pelo CNJ ao artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/1973, é no sentido de que a carta arbitral é título hábil para inscrição independentemente de manifestação do Poder Judiciário, incumbirá ao Registrador a verificação dos requisitos formais e, havendo dúvida acerca de sua autenticidade, poderá devolvê-la, esclarecendo sua motivação e exigindo providências suficientes para contornar a insegurança detectada.
A par dessa premissa, passa-se ao exame do mérito.
O pedido é improcedente, para manter o óbice registrário. Vejamos os motivos.
No caso concreto, foi apresentada para registro carta de sentença arbitral oriunda do Tribunal Arbitral TAMSP que formalizou o acordo firmado entre as partes, M Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., Marcelo de Andrade Batista e Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda., com o objetivo de cancelar o registro de dação em pagamento feito nas matrículas ns. 25.144 (R.8), 39.644 (R.09) e 25.638 (R.11), do 5º Registro de Imóveis de São Paulo, suspendendo-se, assim, os efeitos da sentença proferida os autos do processo n. 1101753-47.2018.8.26.0100, da 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital (fls. 16/23).
Pois bem. Em primeiro lugar, vale lembrar que, por força do princípio da inscrição previsto, especialmente, nos artigos 1.227 e 1.245, do Código Civil, os direitos reais sobre imóveis somente se constituem, se transferem e se extinguem, por atos entre vivos, mediante o registro do respectivo título hábil no Registro de Imóveis.
Como se vê das certidões das matrículas ns. 25.144, 39.644 e 25.638, extraídas sob forma de documento eletrônico com reprodução autêntica do inteiro teor das matrículas referidas e certificação específica da situação jurídica atualizada (fls. 37/53), os imóveis objetos das matrículas ns. 25.144, 39.644 e 25.638 revelam as propriedades registradas em nome da empresa Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda.
As certidões mostram que a alienação dos imóveis ocorreu por meio de dação em pagamento realizada pelos antigos proprietários: a) M Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., então proprietária do imóvel objeto da matrícula 25.638, transmitiu, a título de dação em pagamento, a Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda, o imóvel, pelo valor de R$795.548,09 (R.08/25.638, dação em pagamento, em 04/02/2021 – fls. 41/42), b) Marcelo de Andrade Batista, casado com Juliana Maria Freitas Batista, então proprietário do imóvel objeto da matrícula 39.644, transmitiu, a título de dação em pagamento, a Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda, o imóvel, pelo valor de R$750.000,00 (R.09/39.644, dação em pagamento, em 04/02/2021 – fls. 47), c) Marcelo de Andrade Batista, casado com Juliana Maria Freitas Batista, então proprietário do imóvel objeto da matrícula 25.144, transmitiu, a título de dação em pagamento, a Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda, o imóvel, pelo valor de R$750.000,00 (R.11/25.144, dação em pagamento, em 04/02/2021 – fls. 53).
Demonstram, ainda, que o título formal que serviu de base para o registro dessas dações em pagamento foi uma carta de sentença expedida pelo MM. Juiz de Direito da 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital, em 01/08/2019, dos autos da ação de execução de título extrajudicial n. 1101753-47.2018.8.26.0100 ajuizada por Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda. contra Marcelo de Andrade Batista, casado com Juliana Maria Freitas Batista, e M. Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., que tramitou perante a 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital (R.08/25.638, de 04/02/2021; R.09/39.644, de 04/02/2021; R.11/25.144, de 04/02/2021). E, além disso, revelam constar da matrícula 25.144 (Av.12) que o imóvel foi dado em caução garantido obrigações decorrentes de locação em favor de Karina Martin Sposito.
Como consta dos autos, na ação de execução de título extrajudicial n. 1101753-47.2018.8.26.0100, os executados, Marcelo de Andrade Batista e M. Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., reconheceram a dívida exarada na exordial da execução, no valor de R$2.295.548,09. Ajustaram os litigantes o adimplemento da obrigação por meio de dação em pagamento dos imóveis acima descritos, com posterior registro nas respectivas matrículas.
Anos depois, em audiência realizada em sede arbitral, houve celebração de acordo entre M Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda., Marcelo de Andrade Batista e Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda., com o objetivo de cancelar o registro de dação em pagamento feito nas matrículas ns. 25.144 (R.8), 39.644 (R.09) e 25.638 (R.11), todas do 5º Registro de Imóveis de São Paulo, suspendendo-se, assim, os efeitos da sentença proferida os autos do processo n. 1101753-47.2018.8.26.0100, da 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital (fls. 16/23), nos seguintes termos: “acordam as partes, pelo CANCELAMENTO DA DAÇÃO EM PAGAMENTO dos imóveis descritos e caracterizados nas matrículas 25.144, 39.644 e 25.638 todas registradas perante o 5º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo” (fls. 18).
E a parte suscitada pretende o ingresso registrário desta carta de sentença arbitral, com o objetivo de cancelar o registro de dação em pagamento.
Sucede que, como já existem os registros, eventual cancelamento precisaria se enquadrar em algumas das hipóteses de cancelamento de registro, que são aquelas previstas no artigo 250 da Lei n. 6.015/1973 e no item 132, Cap. XX, das NSCGJ:
“Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:
I- em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;
II- a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;
III – a requerimento do interessado, instruído com documento hábil;
IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público.”
“132. Será feito o cancelamento:
a) em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;
b) a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas;
c) a requerimento do interessado, instruído com documento hábil”.
Na precisa lição de Narciso Orlando Neto: “O cancelamento é espécie de retificação. Corrige o registro para extirpar dele o ato nulo; ou o ato que ainda irradia eficácia, mas indevidamente; ou do ato cujos efeitos se esgotaram. É espécie de retificação do registro porque restabelece a conformação do registro com a realidade. O cancelamento não significa a destruição material do ato, mas sim a prática de outro ato que, com efeitos variáveis, de acordo com a causa do cancelamento, tira-lhe a vida; juridicamente, tira-lhe a eficácia ou a validade. A matrícula cancelada será mantida fisicamente, como integrante do Livro 2. Os atos de registro ou de averbação cancelados permanecerão visíveis na matrícula e seu desaparecimento do mundo jurídico só será percebido com a leitura dos atos subsequentes.” (ORLANDI NETO, Narciso. Registro de imóveis. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 277).
Portanto, na forma do artigo 250 da Lei n. 6.015/1973, o cancelamento de ato registral depende de decisão judicial transitada em julgada (inciso I), de requerimento unânime de todos os participantes do ato, se capazes, com firma reconhecida (inciso II), de requerimento do interessado instruído com documento hábil (inciso III), ou de requerimento da Fazenda Pública (inciso IV).
Importa destacar, ainda, que nem todos os atos de registro ou de averbação decorrentes de atos bilaterais de manifestação de vontade podem ser cancelados a requerimento dos que nele intervieram.
Nesse sentido, explica a doutrina: “Podem ser cancelados a requerimento das partes registros e averbações de contratos de locação, de compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão. O requerimento conjunto equivale ao distrato, sempre possível, se não houver transmissão da propriedade plena. Já o registro de título de transmissão da propriedade entre vivos não pode ser simplesmente cancelado a requerimento das partes. Reforçando o que já foi dito em outro tópico, ele já produziu o efeito de transmitir a propriedade ao adquirente. O cancelamento simples restabeleceria o registro anterior, em nome do transmitente, mas, para tanto, é necessária nova transmissão da propriedade, a exigir escritura pública e recolhimento do imposto de transmissão. O ato será de registro, e não de averbação. O título poderá ter qualquer nome, como resilição de contrato de compra e venda, venda regressiva, mas, de direito, será contrato de compra e venda, se houver preço; ou doação, se não houver. O registro será cancelado indiretamente, como efeito do registro da nova transmissão da propriedade.” (ORLANDI NETO, Narciso. Registro de imóveis. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 285/286).
E, enquanto não cancelado, o registro produz todos os seus efeitos legais, ainda que, como dito, por outra maneira, haja prova de que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido, nos exatos termos do artigo 252 da Lei de Registros Públicos:
“Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”.
Nesse mesmo sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido de cancelamento de registro baseado no inciso II do artigo 250 da LRP – Recurso administrativo contra a decisão que manteve a recusa do Oficial – Pretensão inviável, em razão da inexistência de vício extrínseco do registro a justificar o cancelamento na via administrativa e por não ser aplicável o dispositivo legal invocado no caso em tela, por se tratar de registro de escritura de dação em pagamento – Ofensa, ademais, ao princípio da continuidade, porque o cancelamento pretendido configuraria desconformidade com o teor das averbações e matrículas abertas posteriormente, no que diz respeito à titularidade do domínio – Recurso não provido.” (CGJSP – Processo: 627/2006 Localidade: Rio Claro Data de Julgamento: 15/01/2007 Relator: Ana Luiza Villa Nova).
Na hipótese em exame, infere-se que os atos de registros inseridos nas matrículas ns. 25.638 (R.08), 39.644 (R.09) e 25.144 (R.11), do 5º RI, foram praticados de modo perfeitamente harmônico e congruente ao título que lhes deu suporte, não padecendo de nulidade de pleno direito.
Os referidos registros tiveram origem em carta de sentença expedida em 1º de agosto de 2019, pelo Juízo de Direito da 36ª Vara Cível do Foro Central Cível da Comarca da Capital, extraídas dos autos do processo n. 1101753-47.2018.8.26.0100 da ação de execução de título extrajudicial promovida por Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda. em face de Marcelo de Andrade Batista e M. Andrade Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Como bem ponderado pelo Oficial, a dação em pagamento, devidamente registrada na matrícula, é negócio jurídico translativo, que extingue a obrigação e transfere o domínio, sendo certo que seu cancelamento resulta, na prática, em distrato ou compra e venda inversa, o que configura nova mutação real.
Logo, permitir o ingresso registrário da carta de sentença arbitral, que determina o “cancelamento” do ato, implicaria efeitos repristinatórios, restaurando registros anteriores que foram extintos pela inscrição da dação. Tal pretensão viola o princípio da continuidade registral em seu aspecto material, pois o desfazimento de um ato translativo exige um novo ato de transmissão de igual natureza, e não um simples cancelamento, o que não pode ser admitido.
Em outros termos, o desfazimento da dação em pagamento somente se alcançará com um ato de nova transmissão da propriedade, e não por ato de cancelamento de registro.
De igual modo, e constituindo óbice autônomo e intransponível, assiste razão ao Oficial no tocante à prevalência dos direitos de terceiros. Consta da matrícula n. 25.144, em sua Av. 12 (fls. 53/54), a constituição de uma caução real locatícia em favor da Sra. Karina Martin Sposito, direito este constituído pela atual proprietária registral, Indústria e Comércio de Reboques Mimado Ltda. Este direito de terceiro, validamente inscrito, não foi sequer mencionado no acordo arbitral e não pode ser atingido por uma decisão arbitral da qual o titular do direito não participou.
Vige, no caso, o disposto no já mencionado artigo 252 da Lei de Registros Públicos:
“O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. A Sra. Karina Sposito é terceira de boa-fé que confiou na publicidade do R.11 (dação em pagamento) para aceitar a garantia (Av.12). O “cancelamento” do R.11, como pretendido, implicaria o esvaziamento da garantia da Av.12, pois esta perderia seu lastro (o domínio do outorgante), causando prejuízo direto e manifesto ao terceiro. Se admitido o ingresso registrário da sentença arbitral nos termos pretendidos, fora das hipóteses legais, afetaria a esfera jurídica de terceiros alheios ao litígio arbitral.
Noutro giro, o Oficial apontou que a carta de sentença arbitral, embora se afirme assinada eletronicamente com certificado ICP-Brasil, foi considerada “indeterminada” pelo validador oficial do Instituto Nacional da Tecnologia da Informação – ITI (fls. 01/08, 28/36).
A Lei n. 6.015/1973 preceitua que a forma do título é indispensável para sua admissão no Registro de Imóveis. Somente podem ser admitidos a registro os títulos hábeis que assumam a forma prevista em lei (artigo 221, LRP).
Assim, a qualificação registral incide, dentre outros tantos requisitos, no exame dos requisitos formais do título, notadamente sua autenticidade. A assinatura eletrônica qualificada (padrão ICP-Brasil), nos termos da MP n. 2.200-2/2001 e da Lei n. 14.063/2020, goza de presunção de validade jurídica. Contudo, tal presunção decorre da integridade e da confiabilidade do sistema que a certifica.
O Oficial de Registro, no exercício do princípio da legalidade estrita e zelando pela segurança jurídica (item 117, Cap. XX, NSCGJ), tem o dever de verificar a validade e autenticidade das assinaturas. Para tanto, utilizou-se do validador oficial disponibilizado pelo próprio governo (ITI).
Conforme relatado pelo Registrador (fls. 01/08, 34/35), a ferramenta oficial retornou o status de “Assinatura Indeterminada”, apontando que o documento pode ter sido alterado após assinado (recurso Doc MDP) ou que o certificado pode ter expirado.
Ainda que a parte interessada alegue tratar-se de mero detalhe técnico do PDF (fls. 69), a dúvida sobre a integridade e autenticidade do documento foi objetivamente instaurada pela ferramenta oficial de verificação.
A aceitação incondicional de documentos pendentes de reconhecimento de validade e eficácia pelo próprio órgão certificador (ITI) representa risco inaceitável à segurança jurídica do fólio real.
Não se trata de negar validade à assinatura ICP-Brasil, mas de constatar que, no caso concreto, a autenticidade do documento apresentado não pôde ser confirmada pelos meios oficiais disponíveis, o que constitui óbice formal à sua inscrição, cabendo ao interessado apresentar o título em formato que permita a validação inequívoca.
Por fim, no que tange ao recolhimento do ITBI, a exigência também se mostra correta. Uma vez estabelecido que o ato pretendido não é um cancelamento (Art. 250, LRP), mas sim um distrato que configura nova transmissão (compra e venda regressiva), a incidência do imposto de transmissão é medida de rigor, nos termos do art. 156, II, da Constituição Federal. O Oficial de Registro, por força do artigo 289 da Lei n. 6.015/1973, tem o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os atos que lhe são apresentados a registro. A ausência de comprovação de quitação do tributo constitui, portanto, mais um impedimento legal ao ingresso do título.
Portanto, mostra-se correta a nota devolutiva apresentada pelo Oficial. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 31 de outubro de 2025.

Fonte: DJE/SP 03.11.2025-SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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INR: Receita Federal divulga tabela para recolhimento de débitos federais em atraso – Vigência NOVEMBRO/2025.

TABELAS PARA CÁLCULO DE ACRÉSCIMOS LEGAIS PARA RECOLHIMENTO DE DÉBITOS EM ATRASO – VIGÊNCIA: NOVEMBRO de 2025

Tributos e contribuições federais arrecadados pela Receita Federal do Brasil, inclusive Contribuições Previdenciárias da Lei nº 8.212/91

MULTA

A multa de mora incide a partir do primeiro dia após o vencimento do débito e será cobrada em 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, até o limite de 20% (vinte por cento).

Assim, se o atraso superar 60 (sessenta) dias, a multa será cobrada em 20% (vinte por cento).

JUROS DE MORA

No pagamento de débitos em atraso relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil incidem juros de mora calculados pela taxa SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, mais 1% relativo ao mês do pagamento.

Assim, sobre os tributos e contribuições relativos a fatos geradores ocorridos a partir de 01.01.97, os juros de mora deverão ser cobrados, no mês de NOVEMBRO/2025, nos percentuais abaixo indicados, conforme o mês em que se venceu o prazo legal para pagamento:

Ano/Mês 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Janeiro 137,66 126,59 118,71 110,54 100,05 87,39 74,16 65,14
Fevereiro 136,82 125,84 118,22 109,75 99,23 86,39 73,29 64,67
Março 135,90 125,02 117,67 108,98 98,19 85,23 72,24 64,14
Abril 135,06 124,31 117,06 108,16 97,24 84,17 71,45 63,62
Maio 134,07 123,57 116,46 107,29 96,25 83,06 70,52 63,10
Junho 133,11 122,93 115,85 106,47 95,18 81,90 69,71 62,58
Julho 132,14 122,25 115,13 105,52 94,00 80,79 68,91 62,04
Agosto 131,07 121,56 114,42 104,65 92,89 79,57 68,11 61,47
Setembro 130,13 121,02 113,71 103,74 91,78 78,46 67,47 61,00
Outubro 129,25 120,41 112,90 102,79 90,67 77,41 66,83 60,46
Novembro 128,39 119,86 112,18 101,95 89,61 76,37 66,26 59,97
Dezembro 127,48 119,31 111,39 100,99 88,45 75,25 65,72 59,48
Ano/Mês 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025
Janeiro 58,94 53,31 50,82 45,89 33,77 21,61 11,19
Fevereiro 58,45 53,02 50,69 45,13 32,85 20,81 10,20
Março 57,98 52,68 50,49 44,20 31,68 19,98 9,24
Abril 57,46 52,40 50,28 43,37 30,76 19,09 8,18
Maio 56,92 52,16 50,01 42,34 29,64 18,26 7,04
Junho 56,45 51,95 49,70 41,32 28,57 17,47 5,94
Julho 55,88 51,76 49,34 40,29 27,50 16,56 4,66
Agosto 55,38 51,60 48,91 39,12 26,36 15,69 3,50
Setembro 54,92 51,44 48,47 38,05 25,39 14,85 2,28
Outubro 54,44 51,28 47,98 37,03 24,39 13,92 1,00
Novembro 54,06 51,13 47,39 36,01 23,47 13,13
Dezembro 53,69 50,97 46,62 34,89 22,58 12,20

 

Fonte:  Inr Publicações

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