RESUMO (NÃO OFICIAL):
Pedido formulado por interessado para que o Oficial fornecesse cópia do formal de partilha expedido pelo Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões, título que deu origem a registro lavrado em 22.07.2004. Recusa fundamentada na ausência, à época, de obrigação legal de arquivamento de títulos públicos, restrita aos instrumentos particulares (art. 194 da Lei 6.015/1973, redação original). A Lei 14.382/2022, que passou a exigir digitalização e manutenção de arquivos eletrônicos, não possui efeito retroativo.
O formal de partilha, título judicial de natureza pública, não se enquadra nas hipóteses legais de arquivamento obrigatório para fins de publicidade. A eventual microfilmagem efetuada pela serventia não gera dever de expedição de cópias, constituindo ato de gestão interna do acervo, voltado à segurança documental. A emissão de cópias do formal compete exclusivamente ao Juízo que processou o inventário, a quem incumbe deliberar sobre publicidade, sigilo ou aditamentos.
A recusa não se baseou em sigilo ou na LGPD, mas na ausência de previsão legal que imponha ao registrador o dever de fornecer cópias de títulos judiciais. Princípio da legalidade prevalece sobre o dever genérico de colaboração.
Decisão (OFICIAL)
Processo nº: 1111002-75.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: Antonio Carlos Barroso de Siqueira
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Antônio Carlos Barroso de Siqueira, diante de negativa em se proceder à emissão de certidão de formal de partilha, envolvendo o registro n. 22 da matrícula n. 45.272 daquela serventia.
O Oficial informa que o Dr. HEITOR VITOR FRALINO SICA formulou, em 27.08.2025, pedido de cópia do formal de partilha expedido em 25.03.1993, aditado em 22.03.2022, pela 3ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Central desta Comarca da Capital nos autos da ação de Inventário n. 2.232/84, cujo título deu origem ao registro n. 22 da matrícula n. 45.272, de 22.07.2004, da serventia; que, após análise do pedido, a solicitação foi indeferida pela serventia por meio de nota de devolução em 28.08.2025; que, inconformado, o interessado apresentou requerimento, formulando pedido de providências; que a regra é o livre acesso ao conteúdo do acervo da serventia, observando-se, assim, o princípio da publicidade, conforme artigo 1º da Lei n. 8.935/1994 e artigo 17 da Lei n. 6.015/1973; que, no entanto, há exceções que visam à preservação do direito fundamental à intimidade, privacidade e proteção dos dados pessoais (CF, art. 5º, X e LXXIX), que ganharam destaque com a Lei Geral de Proteção de Dados (art. 23, § 4º, da Lei n. 13.709/2018); que tal tema foi incluído nas NSCGJ por meio do Provimento n. 23/2020, em seus itens 127 a 152.1, e também encontra previsão no artigo 79 e seguintes do Provimento CNJ n. 149/2023; que, por ocasião do registro em referência, efetuado em 22.07.2004 – a obrigatoriedade de arquivamento na serventia era circunscrita aos instrumentos particulares, na conformidade com a original redação do art. 194 “caput” da Lei 6.015/1973; que, em decorrência da Lei n. 5.433/1968 (Lei do Microfilme), somente os instrumentos particulares (de arquivamento obrigatório) eram microfilmados, e os demais, por serem instrumentos públicos, não estavam sujeitos ao arquivamento ou microfilmagem, até que a Lei n. 14.382/2022, alterou o artigo 194 da Lei n. 6.015/1973 e estipulou a digitalização dos títulos físicos e sua devolução ao apresentante; que, em regulamentação do tema, o artigo 123, § 4º, do Provimento CNJ n. 149/2023 dispõe que o Oficial pode recusar a expedição de certidão dos documentos arquivados se constatar tentativa de tratamento de dados em desacordo com as finalidades do Registro de Imóveis e com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD); que no pedido inicial não foi indicada a finalidade do pedido de expedição de certidão, malgrado o tenha sido no requerimento de 09.09.2025: “para apresentá-lo ao Compresp, Órgão ligado à Prefeitura Municipal de São Paulo”; que inexiste previsão específica à certidão pretendida pelo requerente, visto que título de tal jaez não era necessariamente microfilmado ou digitalizado, razão em que se assenta a negativa, onde constou o seguinte, na parte final: “Assim, a certidão de cópia do Formal de Partilha, supra mencionado, deverá ser requerido no DD. Juízo de origem, com competência, inclusive, para verificação de eventual segredo de Justiça”; que na serventia todos os títulos que deram origem a atos registrais começaram a ser digitalizados somente em 19.05.2006, sendo que, até então, títulos, como o formal de partilha em referência, eram apenas microfilmados; que a serventia não dispõe de imagens digitais de referido formal de partilha, embora se encontre microfilmado no rolo n. 6230-6234; que, não obstante aos argumentos ora apresentados, caso esta Corregedoria Permanente determine a expedição de cópia de aludido formal de partilha, requer-se, desde já, que cada documento que compõe o formal de partilha seja certificado e considerado uma certidão, para efeitos de custas e emolumentos, aplicando-se, pela similitude, as disposições relativas à formação de cartas de sentenças pelos tabeliães de notas, na forma prevista no item 213 e seguintes, do Cap. XIV, das NSCGJ; e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/06).
Documentos vieram às fls. 07/43.
Em manifestação dirigida ao Oficial, e em impugnação, a parte interessada aduz que é filho da finada Sra. Elvira e foi o inventariante do Espólio; que, portanto, o argumento do Oficial não cabe no caso presente; que os cartórios extrajudiciais, como no caso presente, têm o dever de colaborar poupando o trabalho das serventias judiciais; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 45).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 48/49).
Foi determinada a regularização da representação processual, devidamente atendida pela parte.
É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
A controvérsia cinge-se ao dever de o Oficial fornecer cópia do Formal de Partilha expedido pelo Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central, que deu origem ao registro lavrado em 2004, a pedido do interessado.
A recusa deve ser mantida.
É crucial, de início, distinguir o escopo do princípio da publicidade registral. Tal princípio se refere às situações jurídicas e não aos fatos inscritíveis.
Ele se concretiza pelo livre acesso às informações constantes na matrícula do imóvel (o fólio real), que espelha a situação jurídica do bem. Qualquer interessado pode obter a certidão da matrícula, que, no caso, publiciza a transmissão ocorrida por força do inventário.
Contudo, este princípio não se estende à obrigação de a serventia fornecer cópia integral de todos os títulos causais (os “fatos inscritíveis”), especialmente quando a lei, à época do ato, não impunha seu arquivamento para tal finalidade.
Com acerto, o Oficial de Registro fundamenta sua recusa na legislação vigente à época do ato (R.22 em 22.07.2004), em estrita observância ao princípio tempus regit actum.
A redação original do artigo 194 da Lei 6.015/73 (LRP) era clara ao impor o dever de arquivamento na serventia apenas aos títulos de natureza particular. O formal de partilha, sendo um título judicial, possui natureza pública e, portanto, não se enquadrava na hipótese legal que obrigaria a serventia a arquivá-lo para fins de publicidade de seu inteiro teor.
A obrigatoriedade de digitalização e manutenção de arquivo eletrônico de documentos públicos apresentados a registro somente foi introduzida muito posteriormente, pela Lei nº 14.382/2022, cujos efeitos não retroagem para impor obrigações que não existiam em 2004.
Destarte, a emissão de cópias de documentos que integram um processo judicial é atribuição do Juízo que o processou. Cabe ao DD. Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões, portanto, fornecer cópias do formal de partilha, bem como decidir sobre a publicidade, eventual segredo de justiça ou aditamentos posteriores ao título – matéria que refoge à competência administrativa e registral.
Como bem ponderou o Ministério Público, a serventia extrajudicial não é responsável pela emissão de certidões ou cópias de atos que não lhe são próprios ou que não foram por ela constituídos.
O fato de a serventia admitir que o título se encontra microfilmado (rolo n. 6230-6234) não altera essa conclusão. A microfilmagem, realizada sobre um título público de arquivamento não-obrigatório, representou, à época, uma liberalidade organizacional para a segurança do acervo interno, e não o cumprimento de um dever legal de arquivamento para publicidade externa. A gestão interna do acervo não cria, por si só, um dever de publicidade.
Note-se que a recusa não se fundamenta em sigilo ou na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A legitimidade do requerente (filho da falecida e inventariante) é inconteste. A negativa assenta-se na ausência de dever legal do Oficial de Registro em fornecer cópias de títulos judiciais.
Por fim, o dever de colaboração invocado pelo interessado, embora meritório, não se sobrepõe à limitação de competência e à estrita observância ao princípio da legalidade, que rege a matéria registral.
Observa-se, portanto, que o Oficial agiu em estrita observância ao princípio da legalidade, não havendo irregularidade ou omissão que justifique o afastamento do óbice apresentado.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências para manter a recusa apresentada pelo delegatário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 31 de outubro de 2025.
Fonte: DJE/SP 03.11.2025-SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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