I. Caso em Exame
1. Recurso de apelação interposto contra sentença que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à carta de sentença de divórcio litigioso, em razão da incerteza quanto aos termos da partilha do único imóvel do casal. A apelação busca a reforma da sentença, alegando que a qualificação negativa desrespeita a coisa julgada e que o título é apto ao registro.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a carta de sentença apresentada é clara quanto aos termos da partilha do imóvel e se deve ser afastada a exigência de retificação do título judicial para registro.
III. Razões de Decidir
3. O título apresentado não é suficientemente claro quanto ao conteúdo pretendido pelo apelante, devendo a solução ocorrer na via jurisdicional própria.
4. Não há decisão judicial reconhecendo o direito à integralidade do imóvel ao apelante, prevalecendo, na via administrativa, o conteúdo da sentença no sentido da meação em percentuais idênticos a cada cônjuge, reservando ao momento da venda do bem a divisão de acordo com o pagamento do financiamento imobiliário.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A qualificação registral deve respeitar a clareza e a legalidade do título apresentado. 2. A partilha de bens deve ser clara e específica para permitir o registro.
Legislação Citada:
Lei nº 6.015/1973, art. 1º e art. 289; Lei nº 8.935/1994, art. 1º e art. 30, XI; Código Civil, art. 1.658; Código Tributário do Município de Indaiatuba, art. 130, VII, “a”.
Trata-se de recurso de apelação interposto por ALESSANDRO DEPIERI MATOS em face da r. sentença de fls. 110, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Indaiatuba que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à carta de sentença expedida nos autos da ação de divórcio litigioso nº 1008152-28.2018.8.26.0248 perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Indaiatuba, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 57.411 da Serventia.
A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que a qualificação negativa do título desrespeita os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, implicando negativa de prestação jurisdicional. Sustenta que o título é apto ao ingresso no registro imobiliário, pois a atividade do registrador deve se limitar aos aspectos formais do título judicial, sendo-lhe vedado adentrar no mérito da decisão que lhe deu origem. Aponta que houve clara decisão judicial reconhecendo a titularidade do imóvel ao apelante e que a esfera administrativa não pode se imiscuir em questão já decidida na esfera jurisdicional. Por fim, destaca que não se justifica a exigência de recolhimento do ITBI porque não configurado o excesso de meação e tampouco fato gerador do imposto, tendo havido atribuição judicial proporcional de direitos decorrentes do financiamento (fls. 136/145).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo (fls. 167/169).
É o relatório.
O apelo não merece provimento.
O apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis uma carta de sentença expedida nos autos da ação de divórcio litigioso nº 1008152-28.2018.8.26.0248, perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Indaiatuba, pela qual, decretado o divórcio, foi determinada a partilha do imóvel objeto da matrícula 57.411 da Serventia.
O título foi prenotado (prenotação nº 378.775) e recebeu a seguinte nota de devolução (fls. 44/45):
“01) Constou da sentença proferida em 07/07/2022 (fls. 1320/1332), que “a propriedade do casal sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio”, sendo que o Juiz decretou a partilha do bem comum. Assim, em análise a referida decisão, verifica-se que o imóvel ficou pertencendo 50% para cada um dos ex- cônjuges.
Ocorre que, em 22/07/2022, Alessandro Depieri Matos opôs embargos de declaração em face da sentença acima mencionada, alegando que por se tratar de imóvel financiado, e que, após a separação de fato do casal ocorrida em setembro de 2017, o embargante passou a quitar exclusivamente as parcelas relativas ao financiamento, deveriam ser partilhadas de forma igualitária somente o SALDO pago até setembro de 2017.
Conforme decisão proferida em 17/08/2022, foi assistida razão ao embargante, ficando determinado pelo r. Juízo que, a partilha, ficaria limitada às parcelas efetivamente pagas durante a convivência do casal, ou seja, até setembro de 2017.
Após parcial provimento aos embargos de declaração, não ficou claro a quem ficaria pertencendo os direitos e obrigações sobre o imóvel, e de que forma proceder o registro da Carta de Sentença. Além disso, foi informado verbalmente na recepção desta Serventia em 07/06/2024, por Alessandro Depieri Matos, que tem há intenção de que o imóvel fique pertencendo exclusivamente para ele.
Diante de todo o exposto, necessário esclarecer, através de aditamento, DEVIDAMENTE HOMOLOGADO PELO JUÍZO, o que segue:
a) Se os direitos e obrigações sobre o imóvel objeto da matrícula nº 57.411 serão partilhados entre os ex- cônjuges, ficando 50% para cada um, a título de condomínio civil.
b) Sendo partilhados em proporções desiguais, ou sendo atribuído exclusivamente somente à um deles, deverá ser apresentada declaração de anuência firmada pelo credor constante do R8/57.411, ou, instrumento particular de cessão de direitos também firmado pelo credor pelo qual os direitos relativos ao imóvel ficarão pertencendo somente à um dos ex-cônjuges, acompanhada do imposto ITBI devidamente recolhido.
OU,
c) Se a intenção das partes for apenas partilhar o produto da venda, poderá ser procedida apenas a averbação do divórcio do casal, permanecendo o imóvel em mancomunhão.
Fundamentação: Princípios da segurança e certeza jurídica, previstos no art. 1º da Lei nº 6.015/73 e art. 1º da Lei n. 8.935/94.”
Adicionalmente, ainda pontuou o Registrador que caso o imóvel fosse atribuído integralmente ao apelante (cônjuge varão), além da retificação dos documentos apresentados, ainda seria necessária a apresentação do recolhimento do ITBI, em razão da ocorrência da transmissão da meação da ex-mulher.
Pois bem.
Inicialmente, oportuno ressaltar que é dever do Oficial de Registro de Imóveis proceder à qualificação dos títulos que ingressam na Serventia, verificando sua compatibilidade com o ordenamento jurídico. E por estar vinculado ao princípio da legalidade estrita e obrigado a respeitar a segurança jurídica (art. 1º da Lei n. 6.015/1973 e art. 1º da Lei n. 8.935/1994), imprescindível o cumprimento de todos os requisitos previstos na legislação em vigor para que seja admitido o ingresso do título, judicial ou não, ao fólio real.
É o que se extrai da leitura do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Da análise a matrícula n. 57.411, verifica-se que o imóvel foi adquirido, onerosamente, por ambos os ex-consortes, Flávia Maria Ammirabile Pires Matos e Alessandro Depieri Matos, os quais eram casados no regime da comunhão parcial de bens (R.7). Após a aquisição, houve o registro da alienação fiduciária em favor do Banco Bradesco (R.8).
O cerne da presente dúvida é saber se da carta de sentença apresentada é possível extrair a conclusão de que o imóvel partilhado, objeto da matrícula 57.411, foi integralmente atribuído ao apelante e se deve ser afastada a exigência de retificação do título.
A resposta é negativa.
O título apresentado não é suficientemente claro quanto ao conteúdo pretendido pelo apelante, de modo que a solução da omissão ou, no mínimo, da dubiedade, deve ocorrer na via jurisdicional própria, e não na presente esfera administrativa.
Da sentença proferida na ação de divórcio (fls. 62/73), ficou determinado o seguinte:
“No que tange a partilha dos bens comuns, restou incontroverso nos autos que as partes possuem um imóvel financiado e um veículo.
…
Vale consignar que as partes casaram no regime de comunhão parcial de bens. Deste modo, nos moldes do art. 1.658, “comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”. O regime da comunhão parcial tem como nota característica a divisão do patrimônio em função de um marco temporal: o casamento. Os bens existentes até a data da celebração do casamento são de propriedade exclusiva de cada cônjuge, ou seja, são bens particulares. Os bens adquiridos na constância do casamento, conjunta ou isoladamente, presumem-se da propriedade de ambos os cônjuges, isto é, são bens comuns, salvo as exceções previstas nos arts. 1.659 e seguintes do Código Civil.
Portanto o patrimônio comum deve ser vendido (imóvel e veículo), o saldo obtido deverá ser usado para quitar dívidas comuns atinente ao financiamento e empréstimo bancário. Enquanto o imóvel e veículo não forem alienados, caberá a cada uma das partes o pagamento de metade das despesas incidentes sobre os bens. Quitadas as dívidas comuns, o saldo remanescente deverá ser partilhado igualmente entre as partes.”
É verdade que, após a sentença, o apelante opôs Embargos de Declaração, “a fim de que fosse reconhecido que somente as parcelas do financiamento pagas durante a constância do casamento fossem partilhadas e não o valor equivalente a totalidade do bem”. E, na própria petição dos Embargos, constou que “quando da venda do imóvel, o valor obtido deverá servir originalmente para quitar o empréstimo e para quitar o financiamento imobiliário, sendo devido em favor da Embargada tão somente a meação no que tange aos valores pagos durante a constância do casamento, até a data limite da separação de fato do casal” (fl. 04).
A decisão de fls. 48/49 apreciou os embargos com a seguinte conclusão:
“Razão assiste ao embargante. Trata-se de imóvel financiado. De fato, o imóvel continua sendo quitado exclusivamente pelo embargante. Nessas condições, de imóvel financiado por apenas um dos cônjuges/conviventes e, tendo havido a ruptura da convivência, a partilha deve mesmo recair sobre o valor pago na quitação do contrato e não sobre o imóvel como um todo, sob pena de enriquecimento sem causa. No caso, portanto, de rigor integralizar a sentença para constar que a partilha fica limitada às parcelas efetivamente pagas durante a convivência do casal, ou seja, no caso, aquelas pagas até setembro de 2017, data em que houve a separação de fato do casal”.
Entretanto, mais uma vez, a decisão que apreciou os embargos declaratórios não afastou a dúvida, e, ao contrário, gerou uma decisão anômala, incapaz de autorizar a interpretação pretendida pelo apelante e muito menos o registro da integralidade do bem em seu nome, quer pela falta de expressa determinação em tal sentido, quer pela ausência de especificação do percentual eventualmente cabível e/ou diferenciado a cada cônjuge.
Como bem pontuado pela Promotoria de Justiça, na medida do decidido, o bem imóvel continua sendo de copropriedade dos ex-cônjuges até sua venda, ocasião em que, com o produto da venda deverá ser observada a regra de partilha limitada ao período da contribuição mútua, ou seja, até setembro de 2017, devendo o remanescente ser atribuído ao apelante, que efetivamente pagou as parcelas vencidas a partir da referida data (fls. 83/85).
Deveras, muito embora não se questione a limitação da função qualificadora, pelo Oficial, os títulos judiciais não estão imunes ao juízo prudencial de verificação da compatibilidade do título com a ordem jurídica dada pelas regras ou princípios, pressupondo-se que a prática válida de um ato de registro decorre de uma qualificação registral positiva, a partir de um controle que se formaliza pelo exame prévio da legalidade dos títulos, que vise a estabelecer o equilíbrio entre a situação jurídica e a posição registral, conduzindo o público a confiar plenamente no registro (Nicolau Balbino Filho, Direito Registral Imobiliário, 2ª Edição, Saraiva, 2012, pag. 234).
Não se verifica invasão à competência jurisdicional, pelo Oficial, no contexto das competências e atribuições judiciais e administrativas, ao juiz é dado o poder para adjudicação do direito e ao registrador a atribuição para a tutela da certeza e segurança das situações jurídicas constituídas.
No caso, não há certeza quanto à adjudicação da integralidade do imóvel à titularidade do autor quando da leitura das decisões judiciais lançadas pelo juízo que decretou o divórcio e que instruíram a carta de sentença submetida à qualificação registral.
À luz de tais premissas e considerando que não há decisão judicial reconhecendo o direito à integralidade do imóvel ou mesmo em percentual diferenciado ao apelante, até que a questão seja novamente decidida na esfera jurisdicional, prevalecem a meação em percentuais idênticos a cada cônjuge na esfera registral e a exigência da nota devolutiva, solicitando os devidos esclarecimentos na esfera jurisdicional, tal como decidido neste procedimento de dúvida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.
Em acréscimo, verificou-se que também não houve participação da credora fiduciária, tampouco foi juntado documento de quitação referente à alienação fiduciária em favor do Banco Bradesco registrada na matrícula (R.8/57.411).
Diante disso, foi solicitada eventual liberação do ônus, o que somente ocorreu quando da apresentação do presente requerimento de Suscitação de Dúvida.
Assim, apresentou o apelante, no curso do procedimento, termo de quitação firmado pelo Banco Bradesco, no qual consta a autorização para a quitação da alienação fiduciária mencionada.
Como se sabe, incabível o atendimento a exigência no curso do procedimento de dúvida, ante a necessidade de que os quesitos sejam atendidos ao tempo do protocolo e prenotação do título, considerando o princípio da prioridade.
Além disso, importante ainda pontuar que caso ocorra a retificação do título judicial, além da retificação dos documentos ora apresentados, seria necessária a apresentação da guia comprobatória do recolhimento do ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis conforme determina o Código Tributário do Município de Indaiatuba, verbis:
“Art. 130. A incidência do imposto alcança os seguintes atos: […]
VII – tornas ou reposições que ocorram:
a) nas partilhas efetuadas em virtude de dissolução da sociedade conjugal ou morte quando o cônjuge ou herdeiro receber, dos imóveis situados no Município, cota-parte cujo valor seja maior do que o da parcela que lhe caberia na totalidade desses imóveis;”
Assim, em caso de nova prenotação, caberá ao apelante juntar a guia comprobatória do recolhimento do ITBI, em razão do dever do Oficial de Registro de fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que praticar (art. 30, XI, da Lei nº 8.935/94 e art. 289 da Lei nº 6.015/73), prova que pode ser substituída por documento oficial, pelo ente tributante, de que configurada hipótese de isenção.
Assim, não se identifica fundamento jurídico que justifique a reforma da sentença. A manutenção do registro em regime de condomínio está em conformidade tanto com a decisão judicial quanto com os princípios que regem a atividade registral.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Fonte: DJEN/SP – 04.11.2025.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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