Processual civil e tributário – Ofensa aos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil – Não ocorrência – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) – Lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 – Interpretação extensiva – Possibilidade – Itens 21 e 21.01 – Serviços de registros públicos, notariais e cartorários – Conceituação teleológica haurida das Leis nºs 6.015/1973 e 8.935/1994 – Delegação de atividades dos órgãos e entidades de trânsito a titulares de serventias extrajudiciais – Art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro – Preponderância do poder de polícia – Inexistência de serviço apto a ensejar a tributação – Recurso especial provido – I. A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante análise da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição, obscuridade ou deficiência de fundamentação – II. Nos moldes do art. 156, III, da Constituição da República, compete aos Municípios instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), assim definidos em lei complementar, sendo possível interpretação extensiva dos itens da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, de modo a alcançar atividades que lhes sejam inerentes ou congêneres, desde que capituláveis como serviços e assemelhadas àquelas previstas no respectivo rol. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Primeira Seção – III. Os itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, os quais foram tidos por constitucionais em precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, viabilizam a incidência do tributo sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, cuja concepção deve ser extraída da legislação que rege tais atividades – IV. De acordo com as Leis nºs 6.015/1973 e 8.935/1994, o conceito de registros públicos, cartorários e notariais não adota perspectiva subjetiva, mas, sim teleológica, porquanto sua definição não diz com o sujeito responsável por sua prestação, atrelando-se, diversamente, às funções e às finalidades a eles inerentes, mais precisamente as de garantir publicidade, conferir autenticação, atribuir eficácia ou emprestar segurança jurídica a atos negociais praticados por pessoas privadas – V. A legislação autoriza os titulares de serventias extrajudiciais a exercerem, de maneira atípica, atividades de outra natureza, inclusive aquelas legalmente atribuídas aos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, nos termos do art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro, as quais, todavia, não se transmudam em serviços de registros públicos, cartorários ou notariais tão somente em virtude de caracteres inerentes ao sujeito responsável por seu desempenho – VI. As atividades de registro, licenciamento, vistoria e inspeção, exercidas pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN), denotam aspectos predominantes do exercício do poder de polícia administrativa, sendo possível à Administração Pública, mediante credenciamento, transferir a execução dos respectivos atos materiais ou instrumentais à iniciativa privada órgãos ou entidades estaduais de trânsito, nos termos do VII – À vista da exegese dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, não incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre as atividades desempenhadas por titulares de serventias extrajudiciais em virtude de credenciamento realizado por órgãos ou entidades estaduais de trânsito, porquanto, em sua execução, preponderam caracteres atinentes ao poder de polícia, restando ausente a prestação de serviço a ensejar a tributação órgãos ou entidades estaduais de trânsito, nos termos do VIII. Recurso Especial provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)


  
 

RECURSO ESPECIAL Nº 2125340 – RS (2018/0161870-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA REGINA HELENA COSTA

RECORRENTE : CARLOS FERNANDO REIS

ADVOGADOS : MAURILURDES ALMEIDA E OUTRO(S) – RS026965

DIXMER VALLINI NETTO – DF017845

MARCIA DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS039148

REJANE MARIA VANZIN DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS030927

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

PROCURADOR : FERNANDO VICENZI E OUTRO(S) – RS049701

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN). LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. ITENS 21 E 21.01. SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, NOTARIAIS E CARTORÁRIOS. CONCEITUAÇÃO TELEOLÓGICA HAURIDA DAS LEIS NS. 6.015/1973 E 8.935/1994. DELEGAÇÃO DE ATIVIDADES DOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DE TRÂNSITO A TITULARES DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ART. 25 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PREPONDERÂNCIA DO PODER DE POLÍCIA. INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO APTO A ENSEJAR A TRIBUTAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fund amentos suficientes, mediante análise da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão, contradição, obscuridade ou deficiência de fundamentação.

II – Nos moldes do art. 156, III, da Constituição da República, compete aos Municípios instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), assim definidos em lei complementar, sendo possível interpretação extensiva dos itens da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, de modo a alcançar atividades que lhes sejam inerentes ou congêneres, desde que capituláveis como serviços e assemelhadas àquelas previstas no respectivo rol. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Primeira Seção.

III – Os itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, os quais foram tidos por constitucionais em precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, viabilizam a incidência do tributo sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, cuja concepção deve ser extraída da legislação que rege tais atividades.

IV – De acordo com as Leis ns. 6.015/1973 e 8.935/1994, o conceito de registros públicos, cartorários e notariais não adota perspectiva subjetiva, mas, sim teleológica, porquanto sua definição não diz com o sujeito responsável por sua prestação, atrelando-se, diversamente, às funções e às finalidades a eles inerentes, mais precisamente as de garantir publicidade, conferir autenticação, atribuir eficácia ou emprestar segurança jurídica a atos negociais praticados por pessoas privadas.

V – A legislação autoriza os titulares de serventias extrajudiciais a exercerem, de maneira atípica, atividades de outra natureza, inclusive aquelas legalmente atribuídas aos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, nos termos do do art. 25 Código de Trânsito Brasileiro, as quais, todavia, não se transmudam em serviços de registros públicos, cartorários ou notariais tão somente em virtude de caracteres inerentes ao sujeito responsável por seu desempenho.

VI – As atividades de registro, licenciamento, vistoria e inspeção, exercidas pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN), denotam aspectos predominantes do exercício do poder de polícia administrativa, sendo possível à Administração Pública, mediante credenciamento, transferir a execução dos respectivos atos materiais ou instrumentais à iniciativa privada.

VII – À vista da exegese dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, não incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre as atividades desempenhadas por titulares de serventias extrajudiciais em virtude de credenciamento realizado por órgãos ou entidades estaduais de trânsito, porquanto, em sua execução, preponderam caracteres atinentes ao poder de polícia, restando ausente a prestação de serviço a ensejar a tributação.

VIII – Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e Paulo Sérgio Domingues, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Regina Helena Costa, que lavrará o acórdão.

Votaram com a Sra. Ministra Regina Helena Costa os Srs. Ministros Gurgel de Faria e Benedito Gonçalves (voto-vista).

Brasília, 14 de outubro de 2025.

REGINA HELENA COSTA

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 2125340 – RS (2018/0161870-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

RECORRENTE : CARLOS FERNANDO REIS

ADVOGADOS : MAURILURDES ALMEIDA E OUTRO(S) – RS026965

DIXMER VALLINI NETTO – DF017845

MARCIA DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS039148

REJANE MARIA VANZIN DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS030927

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

PROCURADOR : FERNANDO VICENZI E OUTRO(S) – RS049701

EMENTA

DIREITO TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INEXISTÊNCIA. CONVÊNIO ENTRE O DETRAN/RS E OS CARTÓRIOS DO REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS. REMUNERAÇÃO PAGA PELO DETRAN AOS CENTROS DE REGISTRO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (CRVA). SERVIÇOS DE REGISTRO PÚBLICO REALIZADOS PELAS SERVENTIAS CONVENIADAS. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS/ISS. INCIDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não se descortina a alegada ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC, na medida em que a Corte local dirimiu, fundamentadamente, as essenciais questões postas nos autos.

2. O cerne da discussão está em saber se as atividades dos centros de registro de veículos automotores (CRVA), realizadas por conveniado do Detran/RS, no caso concreto, um cartório de registro civil de pessoas naturais sediado em Porto Alegre, estão sujeitas, ou não, à incidência do ISS, conforme o item 21 e subitem 21.01, da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

3. Cabe ressaltar que os Centros de Registro de Veículos Automotores (CRVA’s), tal como criados, têm a função principal de executar serviços relacionados à vida registral do veículo.

4. Conforme abalizada lição doutrinária, o “serviço de qualquer natureza, para fins de tributação por via de ISS, é a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou imaterial, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado (em caráter negocial), mas não trabalhista” (CARRAZZA, Roque Antonio. Inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, LC 116, de 31.07.2003. In: Revista de Direito Imobiliário (São Paulo), v. 27, n. 56, p. 212-232, jan/jun. 2004, p. 217).

5. Nos termos do º da mencionada LC n. art. 3 116/2003, a base de cálculo do tributo é “a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador“.

6. O item 21 e o subitem 21.01, da mencionada lista anexa, contemplam três rubricas, a saber: “serviços de registros públicos, cartorários e notariais“.

7. O caso concreto revela a inequívoca presença de prestação de serviços de registros públicos (primeira rubrica) de atos concernentes a dados de veículos automotores, por parte de cartório extrajudicial conveniado, mediante remuneração específica prevista em Portaria do Detran local, que aprovou o regulamento dos CRVA’s.

8. Os serviços de registro de veículos automotores, implementados com base em convênio firmado entre serventuário do foro extrajudicial e o Detran/RS (cf. autoriza o art. 25 do CTB), por albergarem intuito lucrativo em prol do cartorário, com atividades enquadráveis no item 21 e subitem 21.01, da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, sujeitam-se à incidência do ISS.

9. Recurso não provido.

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Trata-se de recurso especial manejado por Carlos Fernando Reis, com fundamento no art. 105, III, a, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fls. 1.167/1.168):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CRÉDITO FISCAL. ISS. SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL. CRV. LEGALIDADE DA COBRANÇA DO TRIBUTO. ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO STF. NULIDADE DA SENTENÇA.

Inexistência de nulidade da sentença. Absoluta congruência entre o pedido e o decidido.

O STF, na sua composição Plenária expressou entendimento no sentido de que as pessoas que exercem atividade notarial e registral não são imunes à tributação do ISS porque desenvolvem os serviços com intuito lucrativo. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo.

Dúvida não há que o autor, exercendo por delegação do DETRAN, entre outras atividades remuneradas pelos tomadores, os serviços de registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município, liberações, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor – CRV, efetivamente pratica o fato gerador descrito nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116 /2003, bem como os serviços listados nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar do Município de Porto Alegre, submetendo-se à incidência do ISS.

Ausência de nulidade do Auto de Infração e Lançamento impugnado.

Apelação desprovida.

Os embargos declaratórios opostos foram rejeitados, nos termos do aresto de fls. 1.202/1.203.

A parte recorrente aponta violação aos seguintes dispositivos: (I) arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, parágrafo único, do CPC, à alegação de que o decisório colegiado não enfrentou todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador, pois o “v. acórdão que julgou a apelação, ao afastar a pretensão anulatória, analisou o tema como se a prestação de serviços fosse aquela prevista no da CF/88, qual seja, dos serviços notariais e de registro, art. 236 exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público” (fl. 1.225); (II) arts. 1º da Lei n. 8.935/1994; e 1º, § 1º, da Lei n. 6.015/1973, porque os serviços prestados junto ao CRVA pelo ora recorrente derivam de um convênio firmado entre ele e o Detran/RS e “não há delegação como equivocadamente afirmado no acórdão recorrido” (fl. 1.227), referindo a “inexistência de previsão legal para a tributação dos serviços prestados pelo autor junto ao CRVA por força de convênio mantido com o DETRAN/RS” (fl. 1.223); e (III) arts. 97, I e II, e 108, I, § 1º, do CTN, uma vez que inexiste a possibilidade de interpretação extensiva, porquanto não se trata de atividade congênere, “mas, sim, de atividade absolutamente distinta e que não se caracteriza como serviço de registro público, cartorário e/ou notarial” (fl. 1.230).

Foram ofertadas contrarrazões às fls. 1.263/1.264.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): A presente controvérsia diz com a incidência, ou não, do ISS em relação aos serviços realizados pelo serventuário recorrente, no município de Porto Alegre, na condição de conveniado do Detran/RS – cf. autoriza o art. 25 do CTB -, por intermédio de Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA), relativos a atividades como vistoria veicular, baixa de veículo, reserva de numeral de placas, alteração de endereço residencial, dentre outras.

No capítulo inicial de seu recurso, a parte recorrente defende a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, uma vez que, “ao analisar o tema como se a prestação de serviços fosse aquela prevista no art. 236 da CF/88, sem enfrentar a questão efetivamente deduzida na ação e no apelo, reiterada nos aclaratórios, no sentido de que os serviços prestados não se enquadravam na Lista Anexa às Leis Complementares Federal e Municipal (argumento este que, por si só, era capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador), os v. acórdãos combatidos violaram de morte a regra do art. 1.022, II, § único, II, c/c o art. 489, § 1°, IV, do CPC/2015” (fls. 1.226/1.227).

No ponto, verifica-se não ter ocorrido ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC, na medida em que o Pretório de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional ( AgInt no AREsp n. 1.678.312/PR, rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 13/4/2021) .

A tanto, verifica-se, pela fundamentação do acórdão recorrido (fls. 1.163/1. 174), integrada em sede de embargos declaratórios (fls. 1.201/1.207), que o Sodalício de origem motivou adequadamente sua decisão e solucionou a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese, ao compreender que o “disposto nos itens 21 e 21.01 da lista anexa à LC n.116/2003 e 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar Municipal 7/73 se limitam a descrever os serviços de registros públicos, cartorários e notariais submetidos à incidência do ISS, o que coincide com a atividade antes descrita pelo autor” (fl. 1.206); “os serviços de registros públicos de forma genérica (primeira hipótese de incidência da lista anexa às citadas leis complementares) compreende[m] a atividade registral do autor relativamente aos registros de veículos, como determinado pela Lei 9.503/1997 ” (fl. 1.206); e “a citação do artigo 236 da Constituição Federal e dos artigos das leis 8.935/94 e 6.015/73 são irrelevantes para o desate da controvérsia e não têm o condão de infirmar a conclusão do julgado” (fl. 1.207).

Outrossim, não se descortina negativa de prestação jurisdicional, ao tão só argumento de o aresto recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte.

Frise-se, mais, que o Tribunal não fica obrigado a examinar todos os artigos de lei invocados no recurso, desde que decida a matéria questionada sob fundamento suficiente para sustentar a manifestação jurisdicional, tornando dispensável a análise dos dispositivos que pareçam para a parte significativos, mas que para o julgador, senão irrelevantes, constituem questões superadas pelas razões de julgar.

A propósito, confira-se:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. REFORMA EX OFFICIO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. OMISSÃO NÃO VERIFICADA. A DISCUSSÃO DO MÉRITO IMPÕE O REVOLVIMENTO DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. O PERÍODO EM QUE O MILITAR TEMPORÁRIO ESTIVER ADIDO, PARA FINS DE TRATAMENTO MÉDICO, NÃO É COMPUTADO PARA FINS DE ESTABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

I – Trata-se de demanda ajuizada por ex-militar, objetivando provimento jurisdicional que determine sua reforma ex officio, com soldo referente ao posto/graduação por ele ocupado quando na ativa, bem como condenação da demandada ao pagamento de danos morais e estéticos.

II – Após sentença que julgou parcialmente procedente a demanda, foi interposta apelação pela parte autora e ré, sendo que o TRF da 5ª Região, por maioria, deu provimento ao apelo da ré, julgando prejudicado o apelo do autor, ficando consignado, com base nas provas carreadas aos autos, que o autor está definitivamente incapacitado para o serviço militar, fazendo jus aos proventos correspondentes à graduação que ocupava.

III – Sustenta, em síntese, que o Tribunal a quo deixou de se manifestar acerca da omissão descrita nos aclaratórios, defendendo ter direito à reforma ex officio, seja pela incapacidade definitiva para o serviço militar, seja pelo tempo transcorrido na condição de agregado, bem como pela estabilidade que supostamente alcançou (ex vi arts. 50, IV, a e 106, II e III, da Lei n. 6.880/1980).

IV – Não assiste razão ao recorrente no tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC. Consoante a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o julgador não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos invocados pelas partes quando, por outros meios que lhes sirvam de convicção, tenha encontrado motivação suficiente para dirimir a controvérsia; devendo, assim, enfrentar as questões relevantes imprescindíveis à resolução do caso. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1575315/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10/6/2020; REsp 1.719.219/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23/5/2018; AgInt no REsp n. 1.757.501/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 3/5/2019; AgInt no REsp n. 1.609.851/RR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, Dje 14/8/2018. […]

VII – Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.752.136/RN, rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 1º/12/2020.)

No mais, a presente controvérsia diz com a forma de tributação do ISS em relação aos serviços realizados pelo recorrente na condição de conveniado do Detran, consistente na atividade de registro de veículos automotores.

O ISS é tributo de competência municipal, tendo por possibilidade de incidência os serviços de qualquer natureza, nos termos do art. 156, III, da CF:

Art. 156, III, da Constituição Federal.

Compete aos Municípios instituir imposto sobre:

[…]

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Marçal Justen Filho define a materialidade da hipótese de incidência do ISS como a “prestação de esforço (físico-intelectual) produtor de utilidade (material ou imaterial) de qualquer natureza, efetuada sob regime de Direito Privado, que não caracterize relação empregatícia” (O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 83).

Em adendo, Roque Antonio Carrazza defende que, “nos termos da Constituição, serviço de qualquer natureza, para fins de tributação por via de ISS, é a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou imaterial, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado (em caráter negocial), mas não trabalhista” (Inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, LC 116, de 31.07.2003. In: Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 27, n. 56, p. 212-232, jan/jun. 2004, p. 217).

A base de cálculo do tributo exsurge disciplinada pelo art. 1º da LC n. 116/2003, que assim dispõe:

Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.

§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.

§ 3º O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

§ 4º A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.

Como se vê, a hipótese de incidência do ISS é vinculada à prestação de serviço constante em lista anexa.

A finalidade da introdução do rol de serviços tributáveis relaciona-se com a necessidade de elucidar aquelas atividades passíveis de incidência do imposto, ao tempo em que constitui obstáculo para interpretações tendentes a albergar serviços que estariam no campo de incidência de outros tributos, em especial o ICMS, considerando, ainda, que, em muitas situações, há operações mistas, envolvendo a prestação de serviços e fornecimento ou comercialização de produtos.

O contribuinte recorrente defende que “[o]s serviços conveniados, por isso, não podem ser considerados como serviços de registros públicos cartorários e notariais, pois, como consignado expressamente no Convênio firmado entre as partes, trata-se de serviços relacionados à atividade de vistoria veicular, baixa de veículo e reserva de numeral de placa, alteração de endereço residencial no município, segunda via do CRLV, liberação da restrição financeira, comunicação de venda, alteração de endereço e entrega do CRLV. São para a atividade fim, esta sim prestada atividades meio pelo DETRAN/RS. Quem presta serviço de registro é o DETRAN/RS, não o recorrente conveniado” (fl. 1.228). Assevera que a atividade que presta, registro de veículos automotores, na condição de conveniado do Detran (e não por delegação), não se confundiria com a atividade registral ou notarial típicas, enquanto exercidas por delegação do poder público. Segue afirmando que “[a] interpretação extensiva que possibilita a cobrança do ISSQN, refere-se a serviços congêneres aos listados, devendo prevalecer a efetiva natureza do serviço – e não apenas a denominação utilizada -, mas desde que demonstrada a pertinência dos serviços prestados aos constantes da Lista Anexa à Lei, o que, in casu, não se verifica” (fl. 1.232). Conclui, por fim, que a “circunstância de o Convênio ter sido firmado pelo DETRAN/RS com um Registrador (poderia ter sido com qualquer outra pessoa física – art. 25 do CTN), não torna os serviços conveniados congêneres àqueles serviços registrais e notariais definidos nas leis de regência (art. 1°, da Lei Federal n. 8.935/94 e art. 1°, § 1°, da Lei Federal n. 6.015/73), estes últimos, sim, como já se disse à exaustão, com expressa previsão legal de cobrança pelo ISSQN (itens 21 e 21.01, da Lei Complementar Federal n. 116/03 e Lei Complementar Municipal n. 7/73)” (fl. 1.234).

O entendimento firmado pela sentença e, depois, confirmado pelo acórdão local em sede apelatória, por sua vez, é o de que “o autor, exercendo por delegação do DETRAN, entre outras atividades remuneradas pelos tomadores, os serviços de registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município, liberações, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor – CRV, efetivamente pratica o fato gerador descrito nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, bem como os serviços listados nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar do Município de Porto Alegre, submetendo-se à incidência do ISS” (fl. 1.167).

Presente tal contexto, a controvérsia a ser decidida diz com a possibilidade ou não de tributação das atividades exercidas pela parte autora, considerando o convênio firmado com o Departamento Estadual de Trânsito gaúcho.

O Detran, na circunstância em análise, é órgão executivo estadual responsável pelo registro e licenciamento de veículos, bem como pela habilitação de condutores, conforme estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro (arts. 7º, III, e 22, II e III, do CTB), in verbis:

Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:

[…]

III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[…]

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

[…]

II – realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, de aperfeiçoamento, de reciclagem e de suspensão de condutores e expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão máximo executivo de trânsito da União;

III – vistoriar, inspecionar as condições de segurança veicular, registrar, emplacar e licenciar veículos, com a expedição dos Certificados de Registro de Veículo e de Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão máximo executivo de trânsito da União;

Além disso, referida norma de trânsito autoriza a celebração de convênios em ordem a delegar “as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via” (art. 25 do CTB), entre as quais se incluem: (I) “registrar e licenciar, na forma da legislação, veículos de tração e propulsão humana e de tração animal” (art. 24, XVII, CTB) e (II) “vistoriar veículos que necessitem de autorização especial para transitar” (art. 24, XXI, CTB).

Em razão da grande demanda e extensão territorial, muitos estados firmaram convênios com os cartórios de registro civil ou tabelionatos, permitindo que essas unidades também realizassem funções delegadas do Detran.

Nesse contexto, foram criados os Centros de Registro de Veículos Automotores (CRVA’s), unidades credenciadas pelo supracitado departamento de trânsito com a função principal de executar serviços relacionados à vida registral do veículo.

No Estado do Rio Grande do Sul, os CRVAs passaram a ser operados por cartórios conveniados, que atuavam sob a supervisão do Detran, como ocorreu no caso concreto.

Dessa forma, alguns dos serviços de competência do mencionado órgão de trânsito passaram a ser executados pelos cartorários, mediante a remuneração prevista no convênio firmado.

Verifica-se, assim, na espécie, a existência de duas relações jurídicas distintas: (I) aquela entre o Detran e o usuário do serviço, consistente no pagamento, por este último, da respectiva taxa de serviço; e (II) aquela entre a serventia conveniada e o Detran, em que este último remunera os serviços prestados pelo cartório, mediante os valores estabelecidos no convênio.

E as atividades objeto da presente ação correspondem àquelas inseridas na segunda relação jurídica.

É certo que, a respeito das atividades (típicas) realizadas pelos cartorários, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI n. 3.089/DF, reconheceu o caráter empresarial dos prestadores de serviços cartorários, concluindo que “[a] imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados“. A partir desse julgamento, passou a ser possível a tributação de ISS sobre os serviços prestados pelos cartórios.

Confira-se a ementa desse julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o VI, a e §§ 2º e art. 150, 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.

(ADI n. 3089, Relator(a): Carlos Britto, Relator(a) p/ Acórdão: Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 13/2/2008, DJe-142 DIVULG 31/7/2008 PUBLIC 1º/8/2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58.)

Em reforço a essa orientação, a Primeira Seção do STJ, a respeito das atividades notariais, concluiu que “[a] prestação de serviços de registros públicos (cartorário e notarial) não se enquadra no regime especial previsto no art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, pois, além de manifesta a finalidade lucrativa, não há a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, especialmente porque o art. 236 da CF/88 e a legislação que o regulamenta permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa” (REsp n. 1.328.384/RS, rel. p/ acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 29/5/2013), ou seja, restou definido que a tributação do ISS observa o regime normal da LC n. 116/2003.

A parte ora recorrente defende a atipicidade de sua atividade para fins de tributação por ISS, pois só poderiam ser tributados os serviços típicos de cartório, não sendo possível a interpretação extensiva na espécie.

No ponto, a lista anexa de serviços da Lei Complementar n. 116/2003 contém o item 21, o qual contempla os serviços de registros públicos, cartorários e notariais:

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

[…]

21 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

21.01 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

Os serviços típicos de cartórios estão previstos na Lei n. 8.935/1994, que, em seu art. 1º, estabelece que “[s]erviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos“. Mas a própria lei de regência, desde 2022, autoriza expressamente que os tabeliães de notas prestem “outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio com órgãos públicos, entidades e empresas interessadas, respeitados os requisitos de forma previstos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)” (art. 7º, § 5º, incluído pela Lei n. 14.382/2022).

O caso concreto envolve a prática, pelo cartório conveniado, de atos que reclamam o correspondente registro veicular e atraem a remuneração prevista em ato normativo específico. Ilustrativamente, confira-se o art. 13 da Portaria Detran/RS n. 40, de 2 de abril de 2002 (fl. 12):

Art. 13 – O Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN – RS remunerará o CRVA pelos serviços prestados da seguinte forma:

I – Pela execução dos serviços que envolverem a realização de vistoria de identificação nos veículos: 90% (noventa por cento) do valor correspondente à taxa do serviço de vistoria, prevista na Lei 8109/85 e alterações;

II – Pela execução dos serviços: de baixa simples de veículo, reserva de. Numeral de placa, alteração de endereço residencial no município, segunda via do CRLV e liberação da restrição financeira: 10% (dez por cento) do valor correspondente à taxa do serviço de vistoria, prevista na Lei 8109/85 e alterações.

III – Pela execução dos serviços de comunicação de venda, alteração de endereço de entrega do CRLV e emissão de GAD-E: R$ 1,40 (um real e quarenta centavos) por processo.

§ 2° – Os valores correspondentes à remuneração do Centro de Registro de Veículos Automotores – CRVA, relativos aos serviços prestados serão apurados mensalmente, tendo como termo inicial o 26.° (vigésimo sexto) dia de um mês termo final o 25.° (vigésimo quinto) dia do mês subsequente e serão creditados em conta corrente específica, a ser informada ao Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN – RS;

[…]

Como o próprio nome indica, tratam-se de serviços desenganadamente enquadráveis no item 21 e no subitem 21.01 da Lista Anexa à LC 116/2003, precisamente na sua primeira rubrica, a saber, “Serviços de registros públicos”, cujo item não se confunde, é certo, com as atividades cartorárias típicas indicadas nas duas rubricas seguintes do mesmo item 21 e subitem 21.01.

Assim, tenho que as atividades conveniadas exercidas pelo ora recorrente, apesar de não poderem ser consideradas típicas dos cartórios extrajudiciais, efetivamente se enquadram no item 21 e subitem 21.01, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, em sua primeira modalidade, repita-se, “Serviços de registros públicos”, porquanto concernentes a dados que ficarão oficialmente registrados no âmbito de uma entidade pública, como bem o é a autarquia de trânsito.

Foi, aliás, o que corretamente afirmou o Tribunal ao a quo, considerar que os serviços realizados pela parte insurgente se enquadram na categoria de “registros públicos de forma genérica (primeira hipótese de incidência da lista anexa às citadas leis complementares)“, compreendendo “a atividade registral do autor relativamente aos registros de veículos, como determinada pela Lei 9.503/1997” (fl. 1.206).

Ademais disso, o convênio firmado com o Detran/RS, só por si, não desnatura o intuito lucrativo e a capacidade contributiva das atividades realizadas pelo serventuário demandante, consistentes em: registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município; liberações, inclusões e correções de restrições em geral; correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor – CRV.

Com base nesses fundamentos, tenho que os serviços de registro de veículos automotores, mesmo quando realizados, a exemplo do caso concreto, por intermédio de convênio firmado entre serventuário do foro extrajudicial e o Detran (cf. autoriza o art. 25 do CTB), por albergarem intuito lucrativo em prol do cartorário, com atividades de registro veicular enquadráveis nos item 21 e subitem 21.01, da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, lícita se fará a exigência do ISSQN.

ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 2125340 – RS (2018/0161870-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

RECORRENTE : CARLOS FERNANDO REIS

ADVOGADOS : MAURILURDES ALMEIDA E OUTRO(S) – RS026965

DIXMER VALLINI NETTO – DF017845

MARCIA DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS039148

REJANE MARIA VANZIN DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS030927

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

PROCURADOR : FERNANDO VICENZI E OUTRO(S) – RS049701

VOTO-VISTA

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA HELENA COSTA:

Trata-se de Recurso Especial interposto por CARLOS FERNANDO REIS contra acórdão prolatado pela 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl. 1.167e):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CRÉDITO FISCAL. ISS. SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL. CRV. LEGALIDADE DA COBRANÇA DO TRIBUTO. ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO STF. NULIDADE DA SENTENÇA.

Inexistência de nulidade da sentença. Absoluta congruência entre o pedido e o decidido.

O STF, na sua composição Plenária, expressou entendimento no sentido de que as pessoas que exercem atividade notarial e registral não são imunes à tributação do ISS porque desenvolvem os serviços com intuito lucrativo. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo.

Dúvida não há que o autor, exercendo por delegação do DETRAN, entre outras atividades remuneradas pelos tomadores, os serviços de registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município, liberações, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor – CRV, efetivamente pratica o fato gerador descrito nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, bem como os serviços listados nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar do Município de Porto Alegre, submetendo-se à incidência do ISS.

Ausência de nulidade do Auto de Infração e Lançamento impugnado.

Apelação desprovida.

Opostos Embargos Declaratórios, foram rejeitados (fls. 1.201/1.207e).

Com amparo no III, , da Constituição da República, art. 105, aponta-se ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do Código de Processo Civil de 2015; 1º da Lei n. 8.935/1994; 1º, § 1º, da Lei n. 6.015/1973; e 97, I e II, e 108, I, § 1º, do Código Tributário Nacional.

Sem contrarrazões (fls. 1.263/1.264e), o recurso foi inadmitido (fls. 1.267/1. 289e), tendo sido interposto Agravo nos próprios autos (fls. 1.294/1.310e), posteriormente convertido em Recurso Especial (fls. 1.425/1.426e).

Na sessão de julgamento de 13.5.2025, o Sr. Relator, Ministro Sérgio Kukina, apresentou voto mediante o qual afastou a tese de negativa de prestação jurisdicional, reconhecendo, no mérito, que as atividades de registro inicial de veículos automotores, transferência de propriedade, troca de placas, licenciamento veicular, entre outras, exercidas por cartório extrajudicial em virtude de convênio pactuado com o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS), são enquadráveis nos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 para efeito de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).

Na ocasião, solicitei vista antecipada dos autos, a fim de analisá-los com maior detença.

Feito breve relato, passo ao exame do recurso.

Inicialmente, adiro à compreensão do Sr. Ministro Sérgio Kukina no tocante à ausência de violação dos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, pois o tribunal de origem apreciou integralmente a controvérsia com argumentos suficientes.

Superado tal ponto, prossigo com a delimitação da controvérsia.

I. Contornos da lide e delimitação da controvérsia

Na origem, CARLOS FERNANDO REIS, ora Recorrente, titular de Registro Civil das Pessoas Naturais, ajuizou Ação Anulatória objetivando invalidar o Auto de Infração e Lançamento n. 015/2012, mediante o qual a Secretaria da Fazenda do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE/RS constituiu créditos tributários de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) relativamente às atividades desempenhadas pelo registrador em decorrência de ajuste entabulado com o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS) (fls. 1/40e).

Segundo consta da petição inicial, mediante convênios firmados com serventias extrajudiciais, a autarquia estadual de trânsito delegou aos denominados Centros de Registro de Veículos Automotores (CRVA) as atividades de cadastramento e registro de veículos, as quais passaram a ser realizadas por titulares de Registros Civis das Pessoas Naturais.

Sustenta-se, em síntese, ter o Fisco municipal passado a exigir Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no tocante às ações albergadas pelo convênio, capitulando-as como serviços de registros públicos, nos termos dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, exação que, a seu ver, revela-se indevida, pois somente os afazeres tipicamente registrais, notariais ou cartorários ensejam a imposição tributária com espeque em tais normas.

Em primeiro grau, o pedido foi julgado improcedente (fls. 1.089/1.095e), decisão mantida pelo tribunal de origem, sob os seguintes fundamentos: i) o Supremo Tribunal Federal reconhece a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) relativamente às atividades registral e notarial; e ii) o exercício de ações delegadas pelo Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS), tais como registro inicial de veículos, transferência de propriedade, troca de placas, mudança de endereço e licenciamento, qualificam-se como serviços de registro público.

Nesse contexto, o cerne da controvérsia reside em definir se incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no tocante às atividades delegadas a titular de Registro Civil de Pessoas Naturais em virtude de convênio firmado com órgão ou entidade estadual de trânsito, à luz dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

II. Moldura normativa e lineamentos doutrinários acerca do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN)

Nos moldes do art. 156, III, da Constituição da República, compete aos Municípios instituir o Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), assim definidos em lei complementar, ressalvados os serviços de comunicação e aqueles relacionados ao transporte interestadual ou intermunicipal, porquanto compreendidos na competência tributária estadual.

Por sua vez, no plano infraconstitucional, a matéria é regulada pela Lei Complementar n. 116/2003, cujo art. 1º estabelece que a exação em exame “[…] tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador”.

A despeito da ausência de disposição constitucional expressa definindo o termo serviço – cuja conceituação, igualmente, não encontra lastro preciso na Lei Complementar n. 116/2003, a qual, na prática, apenas veicula anexo contendo fatos jurídicos passíveis de tributação pelo imposto em tela –, a disciplina contida no Sistema Tributário Nacional interdita a incidência do tributo sobre condutas que, embora impropriamente rotuladas como tal, não se compactuam com a concepção de serviço, possuindo, diversamente, natureza jurídica distinta.

Na linha sufragada por Geraldo Ataliba, “[…] a circunstância de outorgar a Constituição à lei complementar a tarefa de definir serviços não quer significar, absolutamente, que a Constituição tenha dado ao legislador complementar liberdade de ampliar o conceito de serviço pressuposto constitucionalmente” (InISS – Intributabilidade de Convites Gratuitos para Feiras ComerciaisIn: Estudos e Pareceres de Direito Tributário. Vol. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, pp. 155-180).

Em igual sentido, destaco a doutrina de Aires Fernandino Barreto:

Se a competência tributária é outorgada diretamente pela CF – que a discrimina de forma exaustiva, minudente e rígida, atribuindo a cada uma das pessoas políticas faixas privativas de competência – é imperioso concluir-se que os conceitos jurídicos utilizados pelo Texto Magno para definir essas faixas de competência tributária não podem ser alterados pelo legislador infraconstitucional, complementar ou ordinário.

Deveras, se assim não fosse, a exaustividade, a rigidez e a privatividade das diversas esferas de competências – que caracterizam o nosso sistema constitucional tributário – restariam derruídas, na medida em que o legislador infraconstitucional pela mela alteração da definição, conteúdo ou alcance dos conceitos de Direito Privado empregados pela CF (para identificar e demarcar as competências tributárias), poderia alterar a discriminação constitucional de competências tributárias.

Nem se diga que serviço é aquilo que a lei complementar disser que é, porque tal exegese derruiria todo o sistema constitucional tributário.

(InISS na Constituição e na Lei. 4ª Ed. São Paulo: Noeses, 2018, pp. 40-41 – destaques meus).

Diante dessa premissa, em âmbito doutrinário, o termo serviço, para efeito da exação em tela, é compreendido como a prestação de atividade economicamente apreciável, em caráter negocial e sob regime de direito privado, da qual resulte uma utilidade, material ou imaterial, em favor do respectivo tomador (cf. MELLO, José Eduardo Soares; PAULSEN, Leandro. Impostos: Federais, Estaduais e Municipais. 15ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 363; e BARRETO, Aires Fernandino. Conceito de ServiçosIn: Revista Suplemento Tributário LTR, n. 19, p. 81).

Noutro giro, a lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003 arrola diversas atividades, entre as quais a previsão constante dos itens 21 e 21.01, in verbis:

21 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

21.01 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

Tais materialidades – que, sob a égide do Decreto-Lei n. 406/1968, não estavam contempladas no rol de fatos jurídicos sujeitos ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) – foram relacionadas na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 tendo por propósito alcançar as atribuições tipicamente desempenhadas pelos titulares de serventias extrajudiciais, cujas atividades precípuas, à falta de previsão legal, escapavam à tributação (cf. KALLÁS FILHO, Elias; BELTRÃO, Demétrius Amaral. InISS nas Atividades de Registros Públicos, Cartorárias e Notariais: Pessoalidade dos Serviços e Regime Especial de Tributação In: Revista Direito Tributário Atual: RDTA, São Paulo, n. 30, 2013, pp. 146-157).

Nesse contexto, a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com arrimo nos itens 21 e 21.01 da sobredita lista exige incursão sobre o conceito de registros públicos, notariais ou cartorários, cuja definição deve ser haurida da legislação específica.

III. Conceito e objeto dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais

Fundamentado no art. 236, caput e § 1º, da Constituição da República – o qual, em suma, qualifica as atividades registrais e notariais como serviços públicos exercidos em caráter privado e fiscalizados pelo Poder Judiciário, cabendo à legislação regular suas atividades –, o art. 1º da Lei n. 6.015/1973 estabelece serem os registros públicos voltados à autenticidade, à segurança e à eficácia dos atos jurídicos.

Na mesma linha, o art. 1º Lei n. 8.935/1994 conceitua os serviços notariais e de registro como os atos de “[…] organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

A seu turno, de acordo com o art. 3º do mesmo diploma normativo, os notários, tabeliães, oficiais de registro e registradores são profissionais dotados de fé pública, aos quais compete o desempenho dos apontados serviços, na qualidade de delegatários, cujas competências e atribuições seguem indicadas nos respectivos arts. 6º a 12, valendo destacar os seguintes preceitos:

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I – lavrar escrituras e procurações, públicas;

II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;

III – lavrar atas notariais;

IV – reconhecer firmas;

V – autenticar cópias.

[…]

§ 5º Os tabeliães de notas estão autorizados a prestar outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio com órgãos públicos, entidades e empresas interessadas, respeitados os requisitos de forma previstos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

[…]

Art. 7º-A Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades:

I – certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto;

II – atuar como mediador ou conciliador;

III – atuar como árbitro.

[…]

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas (destaque meu).

Ainda, em âmbito infralegal, tais atividades são reguladas pelo Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial, instituído pelo Provimento CNJ n. 149/2023, cujas prescrições igualmente dizem com a autenticação, a publicidade e a atribuição de eficácia/validade a negócios jurídicos privados.

À vista dessa disciplina normativa, o conceito legal de registros públicos, cartorários e notariais não adota perspectiva subjetiva, mas, sim teleológica. Vale dizer, sua definição não diz com o sujeito responsável por sua prestação, atrelando-se, diversamente, às funções e às finalidades inerentes a tais serviços, mais precisamente as de garantir, mediante legítima certificação outorgada por profissional dotado de fé pública, publicidade, eficácia e segurança jurídica a atos negociais praticados por pessoas privadas.

Sobre o tema, a lição de Miguel Maria de Serpa Lopes:

O registo é a menção de certos atos ou fatos, exarada em registros especiais, por um oficial público, quer à vista dos títulos comuns que lhe são apresentados, quer em face de declarações escritas ou verbais das partes interessadas.

[…]

A sua função no Direito consiste em tornar conhecidas certas situações jurídicas, precipuamente quando se refletem nos interesses de terceiros. Por outro lado, a sua finalidade caracteriza-se por essa dupla face: ao mesmo tempo que realiza uma defesa, serve de elemento de garantia.

Relações jurídicas existem que exigem ser respeitadas por terceiros, sendo imperiosa a necessidade de criação de um órgão, de um sistema capaz de possibilitar esse conhecimento erga omnes

(In: Tratado dos Registros Públicos:. 5ª Ed. Brasília: Editora In Tratado dos Registros Públicos Brasília Jurídica, 1995, p. 18 – destaque meu).

Por isso, ainda que os delegatários mencionados no art. 236 da Constituição da República desempenhem outras funções (e.g. atuação como árbitro, mediador ou conciliador, além de outras atividades fundadas em convênios com órgãos públicos, como autorizam os arts. 7º e 7º-A da Lei n. 8.935/1994), tais atos não serão encartados como serviços registrais, cartorários ou notariais, porquanto não destinados a conferir autenticação, a atribuir eficácia ou a emprestar segurança jurídica a negócios privados.

Nessa linha, a Lei n. 8.935/1994, ao cometer aos respectivos delegatários a possibilidade de exercer outras atividades para além daquelas compreendidas em suas competências típicas, mediante ajuste com entidades ligadas à Administração Pública (art. 7º, § 5º), não as transmudou em ações insertas no rol de suas tarefas precípuas, motivo pelo qual não se ajustam ao conceito de registros públicos, cartorários e notariais.

Essas ações – de natureza distinta, repise-se –, porquanto incumbências típicas do Poder Público que, voluntariamente, firma acordo com notários e registradores para exercê-las em seu nome, submetem-se a regime jurídico próprio, não lhes alterando a essência tão somente em virtude da transferência de seu exercício a pessoa diversa.

Dessa maneira, somente as atribuições típicas dos tabeliães, notários, oficiais de registro e registradores, nos moldes definidos na legislação, são encartadas como legitimando-serviços de registros públicos, notariais ou cartorários, se, apenas nessa hipótese, a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com arrimo nos itens 21 e 21.01 da lista de serviços constante da Lei Complementar n. 116/2003, sendo impróprio conferir igual caracterização a atividades de outra natureza.

IV. Natureza jurídica das atividades desempenhadas pelos órgãos ou entidades executivos estaduais de trânsito

De outra parte, versando a presente controvérsia acerca da tributabilidade das atribuições legais dos órgãos ou entidades estaduais de trânsito quando transferidas a pessoas privadas mediante convênio, de rigor investigar sua respectiva natureza jurídica, a qual demanda, primeiramente, incursão sobre a pertinente disciplina normativa.

IV.1. Análise das normas do Código de Trânsito Brasileiro

Os arts. 1º, § 2º, 5º, 6º, I, 7º, III, 22, III e XV, e 25, todos do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/1997), prescrevem o seguinte:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

[…]

Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.

[…]

Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:

I – estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;

[…]

Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:

[…]

III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[…]

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

[…]

III – vistoriar, inspecionar as condições de segurança veicular, registrar, emplacar e licenciar veículos, com a expedição dos Certificados de Registro de Veículo e de Licenciamento Anual, mediante delegação do órgão máximo executivo de trânsito da União;

[…]

XV – fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o estabelecido no art. 66, além de dar apoio, quando solicitado, às ações art. 66 específicas dos órgãos ambientais locais;

[…]

Art. 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via

(destaques meus).

De acordo com essa disciplina legal, entende-se por trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos ou animais, para fins de circulação, parada, estacionamento ou operações de carga ou descarga (art. 1º, § 1º), impondo-se ao Poder Público o dever de adotar medidas destinadas ao seu desenvolvimento seguro, de modo a proporcionar a incolumidade de todos os usuários (art. 1º, § 2º).

Para tal finalidade, instituiu-se o denominado Sistema Nacional de Trânsito, composto por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cujas competências normativas, fundamentadas no interesse da coletividade, têm por objetivo impor condicionantes às ações dos particulares alusivas ao tráfego de veículos, como forma de garantir a segurança, a fluidez, o conforto, a defesa ambiental e a educação para o trânsito (arts. 5º e 6º).

Avultam, nessa ambiência, as atribuições outorgadas às entidades ou aos órgãos executivos estaduais – comumente denominados de Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN) –, especialmente as ações concernentes ao registro, ao licenciamento, à vistoria, à inspeção e ao emplacamento de veículos, além da fiscalização dos respectivos níveis de poluição ambiental (art. 22, III e XV).

Tais ações, conquanto legalmente atribuídas ao aparato estatal, podem ter seu desempenho delegado mediante convênio, com vistas à maior eficiência e à segurança dos usuários (art. 25), o que ocorreu, por exemplo, mediante a publicação das Resoluções CONTRAN ns. 809/2020 e 941/2022, as quais autorizaram os órgãos ou entidades estaduais de trânsito a firmar ajustes com entidades privadas para promover, respectivamente, o registro/licenciamento de veículos e as vistorias de identificação veicular.

Ainda, as atividades em apreço possuem conteúdo delimitado pelo Código de Trânsito Brasileiro e por normas infralegais editadas pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), podendo ser assim sintetizadas:

i) : ato mediante o qual todo veículo automotor, registro de veículos articulado, reboque e semirreboque é inscrito perante os órgãos estaduais de trânsito, com vistas a garantir a integridade sobre as informações do proprietário e a viabilizar o controle da gestão do trânsito, inclusive para fins de segurança, sendo ultimado pela expedição do Certificado de Registro de Veículo (CRLV) (arts. 120 a 129 do CTB);

iilicenciamento veicular: procedimento anual obrigatório que atesta estar o veículo em conformidade com as normas de trânsito, especialmente em relação às inspeções de segurança, comprovado pela emissão do Certificado de Licenciamento Anual (arts. 130 a 135 do CTB);

iiiinspeção: procedimento de verificação das condições de segurança, de controle de gases poluentes e de emissão de ruídos, cuja realização é obrigatória, na forma estabelecida pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), sob pena de retenção do veículo (art. 104 do CTB);

ivvistoria: procedimento obrigatório por ocasião da transferência de propriedade ou de domicílio do proprietário, que tem por objetivo verificar a autenticidade da identificação do veículo, tais como placas e chassi, a legitimidade do proprietário, a presença de componentes obrigatórios e eventual modificação das características originais (Resolução CONTRAN n. 941/2022).

Ademais, pontue-se que o descumprimento de tais exigências enseja, no caso da falta de licenciamento e de registro, infração gravíssima sujeita à pena de multa e à medida administrativa de remoção do veículo (art. 230, V, do CTB), ou, no tocante à inspeção e à vistoria, o reconhecimento de infração grave passível de penalidade pecuniária e de medida administrativa de retenção do veículo para regularização (art. 230, VIII e XVIII, do CTB).

IV.2. O credenciamento de particulares para execução de atividades materiais ou instrumentais de polícia administrativa

Não obstante atribua-se às atividades exercidas pelos órgãos ou entidades estaduais de trânsito o corriqueiro rótulo de serviços, em sua execução preponderam caracteres próprios do exercício do poder de polícia, designado pelo art. 78 do Código Tributário Nacional como a “[…] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

A distinção entre ambas as espécies de atividades estatais deflui, em âmbito doutrinário, de suas respectivas finalidades: enquanto, na prestação de serviço público, oferta-se ao administrado uma utilidade positiva que amplia suas faculdades, o exercício do poder de polícia, por sua vez, destina-se a restringir, a limitar ou a condicionar a conduta privada em prol do harmônico convívio social, como pondera Celso Antônio Bandeira de Mello:

Para o leigo, insciente das coisas jurídicas, podem parecer como ‘serviços’, e, portanto, ‘serviços públicos’, as perícias, exames, vistorias, efetuadas pelo Estado ou suas entidades auxiliares com o fito de examinar o cabimento da liberação do exercício de atividades privadas, ou, com o propósito de fiscalizar-lhes a obediência aos condicionamentos da liberdade e da propriedade, ou com a finalidade de comprovar a existência de situações que demandariam a aplicação de sanções (como multas, interdição de atividades ou embargo de suas continuidades até que sejam ajustadas aos termos normativos).

Este tipo de equívoco em que podem incorrer pessoas desinformadas do Direito ocorre sobreposse quando as competências para a prática dos atos em apreço estejam radicalizadas sob titulações genéricas, tais como as de ‘coordenação’, ‘articulação’, ‘gerenciamento’ e quejandas. É claro, a todas as luzes, entretanto, que se constituem em rotineiros atos de polícia administrativa, distintos dos atos de prestação de serviço público.

[…]

Enquanto o serviço público visa a ofertar ao administrado uma utilidade, ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante prestações feitas em prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção do interesse de todos), visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua atuação livre, exatamente para que seja possível um bom convívio social. Então, a polícia administrativa constitui-se em uma atividade orientada para a contenção de comportamentos dos administrados, ao passo que o serviço público, muito ao contrário, orienta-se para a atribuição aos administrados de comodidades e utilidades materiais.

(InCurso de Direito Administrativo. 35ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2021, pp. 667-668 – destaques meus).

Anote-se, ainda, ser comum indicar a possibilidade de delegação de serviços públicos a pessoas privadas e a indelegabilidade do exercício do poder de polícia a sujeitos estranhos ao aparato estatal como traço distintivo entre as funções em exame.

Tal orientação, entretanto, não obsta a transferência de atos materiais ou instrumentais de polícia administrativa à iniciativa privada, conjuntura evidenciada no instituto do credenciamento, qualificado por Adilson Abreu Dallari como o cometimento de uma atribuição pública a particulares para, em auxílio ao Poder Público, permitir o desempenho escorreito do poder de polícia, in verbis:

Ao desenvolver a atividade consistente na prestação de serviços públicos, a Administração faz ou coloca à disposição dos administrados uma comodidade, um conforto, uma utilidade, algo que vem em proveito direito dos particulares.

Totalmente diferente disso é a atividade consistente em impedir, em nome do interesse público ou da coletividade como um todo, que particulares façam determinadas coisas de seu interesse, pelo menos sem que a autoridade pública competente manifeste sua anuência. Neste caso, o Poder Público não está fazendo coisa alguma de interesse específico ou em benefício direto de determinada pessoa ou entidade privada.

Esta última atividade melhor se enquadra no conceito de poder de polícia.

[…]

Neste passo é preciso fazer uma nova distinção: uma coisa é o reconhecimento oficial (mediante a emissão de um ato jurídico administrativo) de que o interessado preenche os requisitos legais para construir ou dirigir veículo; outra coisa é a atividade técnica destinada a verificar se esse ato jurídico administrativo pode ou não ser emitido. Esta última atividade, de natureza instrumental, pode ser delegada; a primeira […] é exclusiva de órgão dotado de fé pública, de prerrogativas inerentes ao Poder Público.

Esse entendimento não impede a atribuição a particulares das técnicas, instrumentais, de mera verificação, com base na qual a entidade pública emitirá uma declaração de conformidade (habilitando ao exercício de um direito) ou aplicará alguma sanção, no caso de desconformidade.

[…]

Tudo isso foi dito e demonstrado para que se possa melhor compreender a afirmação no sentido de que o credenciamento está precipuamente voltado para a execução, por particulares, dos serviços instrumentais necessários ao desenvolvimento das atividades de polícia administrativa.

(In: CredenciamentoIn: Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, n. 5, jan./fev. 2006 – destaquei).

Assinale-se que o credenciamento não detém típico caráter negocial ou contratual, bastando, uma vez preenchidos determinados requisitos, o assentimento da Administração Pública com o seu exercício privado sob ordem e fiscalização estatal, traço presente, exemplificativamente, nas vistorias de licenciamento veicular e nas inspeções voltadas a aferir o atendimento às condições de segurança e a averiguar o controle de gases poluentes ou a emissão de ruídos, todas previstas no art. 104 do Código de Trânsito Brasileiro, como pondera Gustavo Binenbojm:

[…] o ordenamento jurídico pode atribuir a particulares o exercício de atividades que envolvam potestades públicas, incluídas as de polícia administrativa. E, em alguns casos, a lei poderá determinar que o exercício desse poder se dê sem que haja a necessidade de celebração de contrato administrativo que especifique tal delegação. São hipóteses que geralmente abarcam atividades técnicas ou materiais, a serem exercidas em colaboração com o Poder Público. Nelas, desde que observados os requisitos técnicos fixados pelo Poder Público, o particular interessado pode postular e adquire o direito de exercer a atividade pública, desde que conte com um ato administrativo de anuência para tanto.

[…]

Tais atos de consentimento são usualmente tratados pela doutrina como credenciamento. Na lição de Adilson Abreu Dallari, o instituto consagra uma outorga de atribuição pela qual o credenciado recebe do Poder Público a prerrogativa de exercer certa atividade material ou técnica, em caráter instrumental ou de colaboração com o ente público, a título oneroso.

[…]

É o caso – como reconhece o próprio Adilson Abreu Dallari – da vistoria preliminar ao licenciamento de veículos.

[…]

O mesmo se dá nas inspeções veiculares previstas no art. 104 do Código de Trânsito Brasileiro. Como explica Rafael Wallbach Schwind, elas vêm sendo exercidas por pessoas credenciadas pelo Poder Público, conforme prevê a Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 466/2013, mediante ato administrativo que lhes confere a possibilidade de elaboração de um atestado de inspeção técnica capaz de subsidiar a tomada de decisão, pela autoridade pública, quanto à retenção ou não dos veículos reprovados.

(InPoder de Polícia, Ordenação, Regulação: Transformações Político- Jurídicas, Econômicas e Institucionais no Direito Administrativo Ordenador. 3ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, pp. 314-315 – destaques meus).

Nessas hipóteses de desempenho privado de atividades materiais ou instrumentais mediante credenciamento, ainda que o particular colete dados dos destinatários da ação pública (e.g. informações cadastrais do proprietário, preenchimento dos requisitos de segurança, correta identificação do veículo), tais elementos servem, precipuamente, ao controle governamental acerca da observância das ordens ou das condicionantes fixadas pela Administração Pública – não se qualificando, portanto, como um típico serviço de registro público, pois ausente a atribuição de eficácia a negócios jurídicos privados, elemento que lhe é inerente –, circunstância evidenciada em fiscalizações ou vistorias de trânsito ou de tráfego (cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira. op. cit. pp. 801-802).

Conquanto, em teoria, a distinção entre a prestação de serviços públicos e o exercício de poder de polícia esteja calcada em premissas discerníveis entre si, é possível evidenciar, no plano empírico, certa integração material entre ambas as formas de atuação, cujas estruturas organizadas podem desempenhar funções com contornos complexos, sem prejuízo, no entanto, de constatar-se, casuisticamente, aspectos preponderantes de uma delas nos mais diversos âmbitos de atuação do Estado (cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 359).

À luz dessas premissas, a despeito da imbricação de funções estatais distintas nas atribuições empreendidas pelos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, é possível evidenciar, ao menos no tocante às atividades de registro, licenciamento, vistoria e inspeção, aspectos predominantes do exercício do poder de polícia administrativa. Isso porque, ao submeterem o uso da propriedade privada e o exercício da liberdade de locomoção ao cumprimento de determinadas condicionantes, cuja verificação e consentimento incumbem à Administração Pública, configuram medidas limitadoras de direitos em razão do interesse público concernente à segurança do trânsito, do tráfego e do uso regular dos meios de transporte, ainda que possam implicar, de maneira mediata, a fruição de utilidades em favor dos usuários.

Essa orientação é confirmada pela constatação de que eventual descumprimento das regras previstas no Código de Trânsito Brasileiro – as quais são obrigatórias para autorizar o interessado a exercer a liberdade de locomoção mediante a condução de veículo automotor –, resulta na imposição de medidas estatais coercitivas, elemento ausente na inobservância de normas atinentes à prestação de serviços públicos Não por outra razão, relativamente aos regramentos estampados no Código de Trânsito Brasileiro, Diogo de Figueiredo Moreira Neto evidencia o desempenho precípuo de funções estatais qualificadas como exercício do poder de polícia, mais precisamente aquelas ligadas à viação, ao tráfego e aos transportes (cf.Curso de Direito. 16ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, pp. 448-Administrativo 449), quadro também narrado por Diógenes Gasparini ao discorrer acerca das diversas formas de manifestação do poder de polícia, inclusive no tocante à “[…] polícia de trânsito e tráfego, destinada a garantir a segurança e a ordem nas estradas” (InDireito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 133).

Dessarte, as competências dos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, conquanto possam redundar, em certa medida, na concessão de vantagens e utilidades aos administrados – expressando, assim, aspectos que tangenciam a prestação de serviços públicos –, detêm caracteres prevalecentes do exercício de poder de polícia, natureza jurídica que, evidentemente, não se altera pela mera transferência parcial da respectiva execução a pessoas de direito privado mediante credenciamento de atividades materiais ou instrumentais de apoio às ações do Poder Público.

Anotados tais pontos, prossigo com o exame do panorama jurisprudencial.

V. Panorama jurisprudencial

De início, registre-se ter o Supremo Tribunal Federal reconhecido a constitucionalidade dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, viabilizando, dessarte, a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no tocante aos serviços registrais e cartorários. Adotou-se compreensão segundo a qual, embora tais atividades sejam próprias do Estado, sua transferência, mediante delegação a pessoas privadas que as exercem a título remunerado, importa manifestação de capacidade contributiva, afastando-se, ainda, a aplicação da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição da República (cf. Tema n. 688, RE n. 756.915/RS, Relator Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, j. 17.10.2013, DJe 12.11.2013; e ADI 3.089/DF, Redator p/ Acórdão Ministro JOAQUIM BARBOSA, TRIBUNAL PLENO, j. 13.2.2008, DJe 1º.8.2008).

De outra parte, sob o regime de repercussão geral, ao reconhecer a validade da instituição do imposto em tela no tocante às atividades de operadoras de planos de saúde, o Supremo Tribunal Federal, a despeito de apontar ser a acepção constitucional de serviço distinta da empregada no direito privado e não adstrita à ideia de obrigação de fazer, igualmente consignou que “[…] o aspecto primordial para a compreensão da incidência deste tributo encontra-se na definição do que se enquadra como serviço, uma vez que apenas as atividades classificadas como tal, à luz da materialidade constitucional do conceito de serviço, são passíveis de atrair a obrigatoriedade do imposto ” (cf. Tema n. 581, RE n. 651.703/PR, Relator Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, j. 29.9.2016, DJe 26.4.2017 – destaque meu).

Cumpre rememorar, ademais, a tese vinculante fixada pelo Supremo Tribunal para o Tema n. 296 da repercussão geral, consoante a qual “[é] taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o III, da Constituição art. 156, Federal, admitindose, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva” (cf. RE n. 784.439/DF, Relatora Ministra ROSA WEBER, TRIBUNAL PLENO, j. 29.6.2020, DJe 15.9.2020), orientação que viabiliza a cobrança do tributo sobre operações não expressamente previstas na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, desde que (i) capituláveis como serviço e (ii) assemelhadas e inerentes àquelas constantes do respectivo rol.

Essa linha hermenêutica já era adotada pela Primeira Seção desta Corte que, em precedente vinculante, consagrou a admissibilidade de interpretação extensiva da lista de serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/68, de modo a abranger serviços congêneres àqueles listados, vale dizer, semelhantes em seus traços característicos e em suas respectivas finalidades (cf. Tema n. 132, REsp n. 1.111.234/PR, Relatora Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, j. 23.9.2009, DJe 8.10.2009).

De tal panorama é possível extrair compreensão uníssona de que, não obstante a higidez normativa dos itens 21 e 21.01 da Lei Complementar n. 116/2003, a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sob tal perspectiva demanda, insofismavelmente, a constatação de operação, pública ou privada, caracterizada como serviço de registro público, cartorário ou notarial – ainda que com distinta nomenclatura –, elemento indissociável da tributação em debate.

Dessa forma, atividades de outra natureza, mesmo que desempenhadas, de maneira atípica, pelos delegatários mencionados no art. 236 da Constituição da República e responsáveis pela prestação dos serviços de registros públicos, não se coadunam com a materialidade do apontado imposto.

A esse respeito – e embora não esteja sob escrutínio a validade da transferência de competências administrativas a sujeitos estranhos ao aparato estatal, mas, tão somente, as eventuais consequências tributárias daí decorrentes –, recorde-se que, conquanto o Supremo Tribunal Federal, classicamente, extraísse da ordem constitucional “[…] a indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia” (cf. ADI n. 1.717/DF, Relator Ministro SYDNEY SANCHES, TRIBUNAL PLENO, j. 7.11.2002, DJ 28.3.2003), tal concepção vem sendo arrefecida mediante o reconhecimento da constitucionalidade da delegação de atos materiais capituláveis como parcelas do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta, com atuação própria do Estado e em regime não concorrencial (cf. Tema n. 532, RE n. 633.782/MG, Relator Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, j. 26.10.2020, DJe 25.11.2020).

No apontado , o Sr. Relator, Ministro Luiz leading case Fux, anotou ser possível atribuir a empresas estatais a capacidade de impor multas por descumprimento das regras de trânsito, registrando, ainda, “[…] a única fase do ciclo de polícia que, por sua natureza, é absolutamente indelegável: a ordem de polícia, ou seja, a função legislativaOs atos de consentimento, de fiscalização e de aplicação de sanções podem ser delegados a estatais que, à luz do entendimento desta Corte, possam ter um regime jurídico próximo daquele aplicável à Fazenda Pública” (destaque meu).

VI. Síntese conclusiva

Diante de todo o exposto, penso ser possível estabelecer as seguintes conclusões:

i) Nos termos do art. 156, III, da Constituição da República, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) está jungido ao conceito de serviço, o qual deve ser compreendido como a prestação de atividade economicamente apreciável, em caráter negocial e sob regime de direito privado, da qual resulte uma utilidade, material ou imaterial, em favor do respectivo tomador;

ii) Os itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, os quais foram tidos por constitucionais em precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, viabilizam a incidência do tributo sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, cuja concepção deve ser extraída da legislação que rege tais atividades;

iii) De acordo com as Leis ns. 6.015/1973 e 8.935/1994, o conceito de registros públicos, cartorários e notariais não adota perspectiva subjetiva, mas, sim teleológica, porquanto sua definição não diz com o sujeito responsável por sua prestação, atrelando-se, diversamente, às funções e às finalidades a eles inerentes, mais precisamente as de garantir publicidade, conferir autenticação, atribuir eficácia ou emprestar segurança jurídica a atos negociais praticados por pessoas privadas;

iv) A legislação autoriza os titulares de serventias extrajudiciais a exercerem, de maneira atípica, atividades de outra natureza, inclusive aquelas legalmente atribuídas aos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, nos termos do art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro, as quais, todavia, não se transmudam em serviços de registros públicos, cartorários ou notariais tão somente em virtude de caracteres inerentes ao sujeito responsável por seu desempenho;

v) As atividades de registro, licenciamento, vistoria e inspeção, exercidas pelos Departamentos Estaduais de Trânsito (DETRAN), denotam aspectos predominantes do exercício do poder de polícia administrativasendo possível à Administração Pública, mediante credenciamento, transferir a execução dos respectivos atos materiais ou instrumentais à iniciativa privada;

vi) O instituto do credenciamento não detém típico caráter negocial ou contratual, traduzindo apenas o assentimento do Poder Público com o exercício privado de atos instrumentais de polícia administrativa, sob ordem e fiscalização estatal, razão pela qual eventual coleta de dados de pessoas físicas ou jurídicas pelos credenciados não se qualifica como típico serviço de registro público, cartorário ou notarial, pois ausente a atribuição de autenticação, eficácia ou segurança jurídica a negócios jurídicos privados, elementos que lhes são inerentes;

vii) A tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema n. 296 de repercussão geral, bem como a orientação desta Corte cristalizada no Tema Repetitivo n. 132 autorizam interpretação extensiva dos itens da lista encartada da Lei Complementar n. 116/2003, de modo a alcançar atividades que lhes sejam inerentes ou congêneres, desde que capituláveis como serviço e assemelhadas àquelas previstas no respectivo rol; e

viii) À vista da exegese dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, não incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre as atividades desempenhadas por titulares de serventias extrajudiciais em virtude de credenciamento efetuado por órgãos ou entidades estaduais de trânsito, pois, nessa ambiência: a) preponderam aspectos atinentes ao exercício do poder de polícia; b) ausente caráter negocial entre credenciante e credenciado; c) não se verifica concessão de utilidade em prol do Poder Público, mas, sim, em favor do usuário e a título meramente mediato; e, d) tais atividades não são congêneres, tampouco inerentes, aos serviços de registros públicos, cartorários e notariais, porquanto cometidas a pessoas privadas credenciadas à Administração Pública, que as exercem no interesse da segurança do trânsito, do tráfego e do uso regular dos meios de transporte, e não para atribuir eficácia, autenticidade ou publicidade a atos negociais entre particulares.

Assentadas tais premissas, passo à análise do caso concreto.

VII. Exame do caso concreto

No caso, as instâncias ordinárias registraram que o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul/RS (DETRAN/RS), mediante instituição dos denominados Centros de Registros de Veículos Automotores (CRVA), delegou aos titulares de serventias extrajudiciais diversas atividades, entre elas “[…] os serviços de registro inicial, transferência de propriedade, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor – CRV” (fl. 1.170e).

Essas operações vêm descritas nos arts. 1º e 2º, § 2º, da Portaria DETRAN/RS n. 432/2018, por meio do qual a autarquia gaúcha de trânsito regula, de maneira expressa, o credenciamento dos Centos de Registro de Veículos Automotores (CRVA):

Art. 1º A presente Portaria institui regulamentação complementar ao disposto no Código de Trânsito Brasileiro e Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, especificamente para o processo de seleção, credenciamento e operacionalização dos Centros de Registro de Veículos Automotores – CRVAs do Estado.

Parágrafo único. Os CRVAs, Entidades credenciadas para a realização das atividades necessárias ao registro de veículos, novos e usados, no Estado, executarão as pertinentes atividades com observância as normativas do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/RS, do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei Federal nº 9.503/97), e demais normativas vigentes.

Art. 2º As atividades inerentes ao registro de veículos, exercidas por meio de Centros de Registro de Veículos Automotores – CRVAs, por esta Portaria ficam delegadas aos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado

.

[…]

§2º São atividades inerentes ao registro de veículos automotores: realização de vistoria de identificação veicular; registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município; liberações, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos, segunda via de Certificado de Registro de Veículo Automotor – CRV e Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo Automotor – CRLV; solicitação de emissão de cópia de CRLV; correção de marca; reserva de placas; baixa de veículos; alteração do endereço residencial e endereço de entrega de CRV e CRLV; autorização, baixa e renovação de placas de experiência e fabricante; inclusão de comunicação de venda, reagrupamento de taxas, fornecimento de copias de processos ou documentos; colocação de lacre em veículos; emissão de certidões de registro, licença especial de trânsito, guia de arrecadação eletrônica do DETRAN/RS – GAD-E, extrato de débitos de licenciamento, certidão de baixa e outros documentos legais; emissão de autorização de remarcação de chassi, motor e fabricação de placas; autorização previa para alteração de características; alterações de características; solicitação de numeração de chassi de veículos artesanais, autorização para transporte de escolares; filmagem do ambiente de vistoria e dos veículos; fotografias de veículos; digitalização de documentos; sendo que se equiparam as atividades de trânsito os serviços que servem de suporte ou meio para elas e outras atividades correlatas determinadas pelo DETRAN/RS (destaques meus).

A Corte a qua, qualificando tais atividades como serviços de registros públicos, cartorários e notariais, validou a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) em razão do seu exercício pelo Recorrente, titular de Registro Civil de Pessoas Naturais, enquadrando-as nos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

Por sua vez, o Sr. Relator, Ministro Sérgio Kukina, após evidenciar duas relações jurídicas distintas – a primeira, formalizada entre a autarquia estadual e o destinatário da atividade, e outra no tocante à serventia extrajudicial conveniada e a entidade executiva de trânsito –, entende ser viável a exação em apreço relativamente a esta última, pois “[…] as atividades conveniadas exercidas pelo ora recorrente, apesar de não poderem ser consideradas típicas dos cartórios extrajudiciais, efetivamente se enquadram no item 21 e subitem 21.01, da lista de serviços anexa à LC n. 116/2003, em sua primeira modalidade, repita-se, ‘serviços de registros públicos’, porquanto concernentes a dados que ficarão oficialmente registrados no âmbito de uma entidade pública, como bem o é a autarquia de trânsito”.

Nesse contexto, peço licença para dissentir, uma vez que, em minha compreensão, é inviável validar a exação em testilha quanto a atividades impassíveis de caracterizar cuja serviços de registros públicos, notariais ou cartorários, prestação não se verifica nos vínculos jurídicos apontados pelo Sr. Relator.

Primeiramente, no tocante à relação entre o usuário e Administração Pública, embora as atribuições das entidades ou órgãos executivos de trânsito relativas ao registro veicular, quando exercidas diretamente pelo Estado, possam compreender aspectos que tangenciem a concepção de serviço, seja público ou privado, seu desempenho resulta em atuação afeta, com primazia, ao exercício do poder de polícia, porquanto impõe limitações ou condicionantes à liberdade de locomoção e ao uso de propriedade veicular tendo em conta o interesse público da coletividade concernente à segurança do trânsito, do tráfego e do uso regular dos meios de transporte.

Dessa forma, ainda que atos materiais inerentes a tais ações sejam delegados a titulares de serventias extrajudiciais mediante credenciamento – como, aliás, consta expressamente da apontada Portaria DETRAN/RS n. 432/2018 –, sua natureza não se afina à concepção própria de serviço passível de tributação, porquanto impregnada de forte carga jurídica atrelada à limitação de direitos, de modo que seu exercício pelos delegatários não perfectibiliza o aspecto material da hipótese de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com espeque nos itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

Ademais, mesmo que se analise a controvérsia tomando por parâmetro a relação havida entre a Administração Pública e o particular credenciado, examinando a temática sob o prisma da prestação de uma atuação administrativa cuja execução foi delegada pelo Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (DETRAN/RS), ainda assim revela-se inviável a imposição tributária.

Isso porque, o de particulares credenciamento para apoio de ações desempenhadas pelo Poder Público não detém aspecto negocial ou contratual próprio da concepção de serviços. Nessa ambiência, exsurge o cometimento de atribuições públicas, materiais ou instrumentais, a todos aqueles que preencham os requisitos fixados em atos normativos, aos quais incumbe o exercício de atividades sob ordem e fiscalização do aparato estatal, o que não se amolda ao aspecto material da hipótese de incidência do imposto em causa. O Estado não se reveste da qualidade de tomador de um serviço, tampouco se atribui ao credenciado a entrega de utilidades em favor da Administração Pública, mas, sim, em prol das pessoas físicas ou jurídicas que buscam o registro ou o licenciamento veicular.

Além disso, os itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 aludem a serviços de registros públicos, cartorários e notariais, os quais possuem conceituação própria na Lei n. 8.935/1994, que não contempla a realização de atividades afetas ao histórico registral ou outras nuances ligadas a veículos automotores, notadamente porque tais questões nem sequer foram tratadas no Provimento CNJ n. 149/2023, mediante o qual instituído o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça — Foro Extrajudicial.

Tal cenário, aliás, tampouco seria modificado mediante interpretação extensiva dos apontados itens, uma vez que as ações descritas no convênio não são congêneres, tampouco inerentes, ao serviço registral típico – como exige a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema n. 296 da repercussão geral e a orientação desta Corte cristalizada no Tema n. 132 dos recursos repetitivos –, cuidando-se, em verdade, de atividade de natureza distinta, atribuída a pessoa privada credenciada à Administração Pública que a exerce no interesse da segurança dos meios de transporte e não para atribuir eficácia, autenticidade ou publicidade a atos negociais entre pessoas privadas.

Os serviços fundados no art. 236 da Constituição da República e definidos pelo art. 1 º da Lei n. 8.935/1994 – únicos compreendidos nos itens 21 e 21.01 da sobredita lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 – em nada se assemelham ao registro ou ao licenciamento veicular desempenhados pelos Centros de Registro de Veículos Automotores (CRVA), pois tais atividades:

i) não são constitutivas de relação jurídica, mas condições legalmente fixadas para a identificação da propriedade, dos caracteres do veículo automotor e do regular cumprimento das regras estampadas no Código de Trânsito Brasileiro, de sorte a viabilizar o exercício das funções dos órgãos ou entidades de trânsito;

ii) não outorgam validade, eficácia ou autenticidade a negócios jurídicos entre particulares, uma vez que a transferência de propriedade móvel se perfectibiliza pela tradição, independentemente da intervenção de autoridades públicas (art. 1.267 do Código Civil); e

iii) possibilitam a compilação de dados perante os órgãos de trânsito, porém sem o escopo primordial de publicizá-los perante terceiros – caractere inerente aos registros públicos –, senão para conferir aos órgãos e entidades de trânsito instrumentos e informações indispensáveis ao desempenho de seu mister.

Não se trata, portanto, de atividades que preenchem os critérios arrolados pelo art. 1º da Lei n. 8.935/1994 para delimitar os serviços notariais ou registrais, art. 1 Lei n. 8.935/1994 mas, sim, de informações compulsoriamente prestadas por proprietários de veículos automotores como condicionante à sua utilização, de forma a garantir a segurança viária e a fiscalização do cumprimento das regras cristalizadas na legislação de trânsito.

Reitero que a inovação trazida pela Lei Complementar n. 116/2003 ao contemplar, em seus itens 21 e 21.01, os serviços de registros públicos, cartorários ou notariais, teve por escopo alcançar as atividades típicas das serventias extrajudiciais, as quais, sob o espectro do Decreto-Lei n. 406/1968, escapavam à tributação. Em outras palavras, o legislador, com a incorporação dessas ações na lista de serviços, não pretendeu abranger toda e qualquer ação praticada por particulares que implique a formulação de inventário de dados a respeito das mais diversas questões da vida privada, mas, tão somente, atividades ínsitas à concepção jurídica das ações precipuamente desempenhadas por tabeliães, cartorários, notários e registradores.

Sob esse mesmo ângulo, acrescente-se que, a despeito de o art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro permitir a celebração de convênios transferindo a terceiros a execução de parcela de atividades realizadas pelos órgãos e entidades de trânsito, o preceito não especifica nem qualifica a pessoa física ou jurídica delegatária. Assim, tais atividades, em tese, podem ser cometidas a sujeitos distintos dos tabeliães, registradores, notários ou oficiais de registro, a exemplo de empresas públicas ou sociedades de economia mista, cujas atividades nada dizem com registros públicos previstos na Lei n. 8.935/1994. Por isso, o seu mero desempenho por agentes incumbidos de ações registrais típicas não possui o condão, por si só, de conceder-lhes a alcunha de serviços de registros públicos indicados nos itens 21 e 21.01, nem mesmo por interpretação extensiva.

Ainda, embora os cartórios extrajudiciais percebam valores em virtude do exercício dessas atividades – como, aliás, consta do voto do Sr. Relator ao apontar o repasse de percentual do valor de taxa exigida para sua realização –, descabida a cobrança apenas em virtude da realização de evento que denote potencial aptidão econômica.

De fato, não obstante a manifestação de capacidade contributiva seja pressuposto jurídico da instituição de impostos, somente os fatos-signos presuntivos de riqueza eleitos pela ordem constitucional, nos seus exatos limites e observado o princípio da legalidade, podem dar azo à tributação, daí porque a execução de atividade remunerada mediante efetuado por órgãos de credenciamento trânsito, ainda que importe recebimento de contraprestação, não viabiliza, por si só, a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com fundamento nos itens 21 e 21.01 da lista contida na Lei Complementar n. 116/2003.

Por fim, anoto os efeitos perversos decorrentes da dupla oneração das atividades de registro, de vistoria, de inspeção e de licenciamento veicular, as quais, vale ressaltar, já são remuneradas pelos usuários mediante o recolhimento de taxa, como autoriza o art. 145 da Constituição da República, cujos recursos angariados destinam-se a financiar as respectivas ações estatais. Agregar, nessa conjuntura, nova imposição tributária sob o pálio da prestação de um serviço – elegendo como contribuinte, não o destinatário da atuação estatal, mas, sim, o titular de serventia extrajudicial credenciado pelo Poder Público –, implica incremento indireto do custo de atividades que, se exercidas pela autarquia estadual de trânsito, não redundariam em cobrança de imposto algum, mas, tão somente, da aludida taxa.

Essa orientação, com a devida vênia, viabiliza que a escolha administrativa pela delegação parcial de suas funções a pessoas privadas repercuta negativamente sobre os dispêndios dos usuários para sua realização, os quais, à vista do inarredável repasse do ônus financeiro pelos oficiais de registro, terão de suportar gravame pecuniário por mera conveniência da Administração Pública acerca do modo pelo qual desempenha suas atividades. Importa, ademais, contrariedade à ratio subjacente à delegação de atividades de trânsito aos particulares, porquanto, fundamentada no art. 25 do Código de Trânsito Brasileiro, destina-se a emprestar maior eficiência à atuação estatal – inclusive sob o prisma econômico –, não servindo à elevação de custos por mera conveniência do administrador, em prejuízo da coletividade.

Assim, à vista da preponderância de aspectos de poder de polícia no desempenho das atividades de registro veicular delegadas aos titulares de serventias extrajudiciais credenciados como Centro de Registo de Veículos Automotores (CRVA), bem como em razão da ausência de elementos caracterizadores da prestação de serviços de registros públicos, notariais e cartorários, não incide o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre tais condutas, impondo-se afastar a cobrança efetuada pelo Município.

No mais, caracterizada a hipótese de provimento de recurso, de rigor a inversão dos ônus sucumbenciais para o fim de condenar o Recorrido a arcar com as custas e despesas processuais, nos termos do art. 82 do Código de Processo Civil de 2015, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados, de maneira escalonada, nos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 3º, I a V, 4º, II, e 5º do apontado codex, montante a ser apurado em liquidação.

Posto isso, pedindo licença ao Sr. Relator, dele divirjo para DAR PROVIMENTO ao Recurso Especial a fim de, reformando o acórdão recorrido, julgar procedente o pedido e invalidar o Auto de Infração e Lançamento n. 015/2012, nos termos expostos.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 2125340 – RS (2018/0161870-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

RECORRENTE : CARLOS FERNANDO REIS

ADVOGADOS : MAURILURDES ALMEIDA E OUTRO(S) – RS026965

DIXMER VALLINI NETTO – DF017845

MARCIA DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS039148

REJANE MARIA VANZIN DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS030927

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

PROCURADOR : FERNANDO VICENZI E OUTRO(S) – RS049701

VOTO-VISTA

O EXMO. SENHOR MINISTRO GURGEL DE FARIA: Trata-se de processo sob relatoria do Ministro Sergio Kukina, que propõe a negativa de provimento ao recurso especial.

O relator entendeu não haver vício de integração no acórdão de origem que justificasse a violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.

No mérito, considerou cabível qualificar o serviço prestado pelas terceirizadas integrantes do CENTRO DE REGISTRO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES, conveniadas ao DETRAN/RS, como aquele previsto nos itens 21 e 21.01 da lista anexa à LC 116/2003, tributado pelo ISS.

Analisando as operações descritas nos autos, concluiu que a atividade prestada pelos cartórios conveniados (art. 7°, §5° da Lei 8.935/1994), por delegação de competência do DETRAN/RS (arts. 22, 24, XVII e XXI, e 25 do CTB), configura serviço de registro público tributável pelo ISSQN, conforme o art. 1° da LC 116/2003 e os itens da lista anexa (21 e 21.01).

A Ministra Regina Helena Costa inaugurou divergência quanto ao mérito.

Também partindo da decomposição das operações, identificou que as atividades exercidas ao administrado pelo DETRAN no âmbito do SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO — incluindo licenciamento, vistoria, inspeção e emplacamento (art. 22 do CTB) — estão relacionadas ao poder de polícia administrativa, não se confundindo com prestação de serviço tributável pelo ISSQN.

Por sua vez, a operação fiscalizada no auto de infração foi descrita como atividade exercida por particulares credenciados ao DETRAN via convênio, essenciais ao exercício do poder de polícia.

Nesse ponto, reconhece que, embora o poder de polícia seja indelegável, atos materiais ou instrumentais podem ser delegados à iniciativa privada, em instituto de direito administrativo que a Ministra identifica como credenciamento.

Com base na doutrina de Adilson Abreu Dallari, descreve o credenciamento como instituto de direito administrativo, tipicamente sem caráter negocial, voltado à execução de serviços auxiliares ao poder de polícia (no caso dos autos, a fiscalização e vistoria de trânsito, veículos e tráfego).

A Ministra destacou que, pelo critério teleológico, nem todas as atividades prestadas por agentes cartorários podem ser classificadas como serviços de registro público, especialmente aquelas delegadas por convênio (art. 7°, §5° da Lei 8.935/1994) .

Assim, a mera delegação de atos materiais ou instrumentais de polícia administrativa não altera a natureza dessas atividades. Concluiu que o serviço prestado por particulares credenciados ao DETRAN, ainda que envolva coleta de dados, visa ao controle governamental e não se qualifica como serviço de registro público.

Portanto, as atividades delegadas aos agentes terceirizados objeto da fiscalização não são tributáveis pelo ISSQN, seja por não se configurarem como prestação de serviço, seja em razão da taxatividade da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003.

Por fim, afirmou que essa conclusão se mantém mesmo diante de eventual interpretação extensiva dos itens 21 e 21.01 da lista anexa, pois as atividades delegadas não são congêneres nem inerentes ao serviço registral típico.

Diante disso, com todas as vênias ao voto do Ministro Sergio Kukina, acompanho a divergência.

Entendo que dada a natureza da atividade exercida pelo DETRAN em relação ao administrado, e daquela exercida pelo conveniado, próprias do direito administrativo referente ao exercício de poder de polícia, não são essas atividades alcançadas pela hipótese de incidência do imposto municipal que, além disso, exigiria hipótese autônoma de incidência do ISS até então não prevista na lista anexa da Lei complementar.

Ante o exposto, peço vênia ao eminente Relator, ACOMPANHO a divergência para DAR PROVIMENTO ao Recurso Especial, nos termos do voto da Ministra Regina Helena Costa, reformando o acórdão de origem e JULGANDO PROCEDENTE o pedido de invalidação do auto de infração.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL Nº 2125340 – RS (2018/0161870-7)

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA

RECORRENTE : CARLOS FERNANDO REIS

ADVOGADOS : MAURILURDES ALMEIDA E OUTRO(S) – RS026965

DIXMER VALLINI NETTO – DF017845

MARCIA DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS039148

REJANE MARIA VANZIN DE ALMEIDA E OUTRO(S) – RS030927

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE

PROCURADOR : FERNANDO VICENZI E OUTRO(S) – RS049701

VOTO-VISTA

Trata-se de recurso especial interposto por Carlos Fernando Reis, com fundamento no III, , da CF, contra acórdão art. 105, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl. 1.685):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CRÉDITO FISCAL. ISS. SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL. CRV. LEGALIDADE DA COBRANÇA DO TRIBUTO. ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DO STF. NULIDADE DA SENTENÇA.

Inexistência de nulidade da sentença. Absoluta congruência entre o pedido e o decidido.

O STF, na sua composição Plenária expressou entendimento no sentido de que as pessoas que exercem atividade notarial e registrai não são imunes à tributação do ISS porque desenvolvem os serviços com intuito lucrativo.

A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo.

Dúvida não há que o autor, exercendo por delegação do DETRAN, entre outras atividades remuneradas pelos tomadores, os serviços de registro inicial; transferência de propriedade; troca de placas; mudança de município, liberações, inclusões e correções de restrições em geral, correções gerais do registro de veículos e licenciamento de veículo automotor -CRV, efetivamente pratica o fato gerador descrito nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, bem como os serviços listados nos itens 21 e 21.01 da Lista Anexa à Lei Complementar do Município de Porto Alegre, submetendo-se à incidência do ISS.

Ausência de nulidade do Auto de Infração e Lançamento impugnado.

Apelação desprovida.

No razoes do recurso especial, a parte recorrente alega, preliminarmente, violação do § 1º, IV, e 1.022, art. 489, II, parágrafo único, do CPC/2015, ao argumento de que a Corte local não se manifestou sobre pontos importantes para o deslinde da controvérsia.

Quanto ao mérito, aduz ofensa aos arts. 1º da Lei n. 8.935 /1994; 1º, § 1º, da Lei n. 6.015/1973; 97, I e II, e 108, I, § 1º, do CTN.

Argumenta que: (i) “os serviços prestados junto ao Centros de Registros de Veículos Automotores (CRVA) pelo ora recorrente derivam de um convênio (não há delegação como equivocadamente afirmado no acórdão recorrido) firmado entre ele e o DETRAN/RS, com previsão legal no que dispõe o art.256, do Código de Trânsito Brasileiro, pelos quais a Autarquia Estadual remunera o autor/recorrente (não há pagamento pelos tomadores do serviço como equivocadamente afirmado no acórdão recorrido)” (fl. 1.227); (ii) “ao prestar junto ao CRVA os serviços conveniados com o DETRAN/RS, não o faz como registrador e, muito menos, como notário, mas sim como pessoa física conveniada, nos termos do art. 25 do CTB. E este convênio, face às disposições do citado art. 25, poderia ser feito com qualquer pessoa, não necessariamente com o Registrador. Esta realidade, aliás, de convênios firmados entre o DETRAN/RS e os Registradores, é própria do Estado do RS” (fl. 1.228); (iii) “os serviços prestados pelo ora recorrente junto ao CRVA, por força do convênio havido com o DETRAN/RS, são de natureza diversa daqueles listados pela lei tributária, ou seja, não se tratam de serviços congêneres aos serviços de registros públicos cartorários e notariais.

Assim, não podem ser considerados como serviços de registros públicos cartorários e, muito menos, serviços notariais” (fl. 1.230).

Na assentada do dia o relator, Ministro 13/5/2025, Sérgio Kukina, negou provimento ao recurso especial, ao entendimento de que não houve violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2025, pois o Tribunal de origem dirimiu as questões essenciais com fundamentação adequada. No mérito, concluiu que os atos do CRVA se enquadram no item 21 e subitem 21.01 da lista anexa Á LC 116/2003, especificamente na rubrica serviços de registros públicos genéricos concernentes a dados veiculares registrados em entidade pública e não se confundem com serviços notariais típicos, atraindo a incidência do ISS por remuneração específica e intuito de lucro.

Na ocasião, pediu vista Ministra Regina Helena Costa, que apresentou voto-vista, na sessão do dia 05/8/2025, acompanhando o relator quanto à ausência de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, pois o tribunal de origem apreciou integralmente a controvérsia com argumentos suficientes. Quanto ao mérito, divergiu do relator por entender que as atividades delegadas aos CRVAs não são congênere a serviços registrais. Assim deu provimento ao recurso especial a fim de, reformando o acórdão recorrido, julgar procedente o pedido e invalidar o Auto de Infração e Lançamento n. 015/2012. Na sequencia, o Ministro Gurgel pediu vista, tornando-se vista coletiva.

Incluído o feito na sessão de 07/10/2025, o Ministro Gurgel de Faria proferiu voto-vista acompanhando o entendimento firmado pela Ministra Regina Helena Costa, ressaltando que “dada a natureza da atividade exercida pelo DETRAN em relação ao administrado, e daquela exercida pelo conveniado, próprias do direito administrativo referente ao exercício de poder de policia, não são essas atividades alcançadas pela hipótese de incidência do imposto municipal que, além disso, exigiria hipótese autônoma de incidência do ISS até então não prevista na lista anexa da Lei complementar”.

Pedi vista dos autos para melhor análise, visto que não exaurido o prazo da vista coletiva.

É o relatório.

Quanto à violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, também entendo que não há que se falar em violação dos referidos normativos, na linha o entendimento dos eminentes Ministros que me antecederam.

Passo, então, ao mérito.

O Cerne da controvérsia reside em definir se as atividades delegadas pelo Detran/RS a um titular de Registro Civil, atuando como Centro de Registro de Veículos Automotores (CRVA), remuneradas por convênio, se enquadram no conceito de serviços públicos, cartorários e notariais, conforme previsto no item 21 e 21.01 da lista anexa à LC 116/2003, estando, assim, sujeita à incidência do ISS.

O relator, Ministro Kukina, firmou entendimento no sentido de que os atos do CRVA se enquadram no item 21 e subitem 21.01 da lista anexa à LC 116/2003, especificamente na rubrica serviços de registros públicos genéricos concernentes a dados veiculares registrados em entidade pública, os quais não se confundem com serviços notariais típicos, de forma que atraem a incidência do ISS por remuneração específica e intuito de lucro.

A Ministra Regina Helena Costa, por sua vez, firmou a compreensão de que não incide o ISS no caso, ao entendimento de que:

(i) o conceito de registros públicos não diz com o sujeito responsável por sua prestação, mas às funções e às finalidades inerentes a tais serviços, mais precisamente as de garantir, mediante legítima certificação emprestada por profissional dotado de fé pública, publicidade, eficácia e segurança jurídica a atos negociais praticados por pessoas privadas.

(ii) as competências dos órgãos ou entidades estaduais de trânsito, conquanto possam redundar, em certa medida, na concessão de vantagens e utilidades aos administrados, detêm caracteres prevalecentes do exercício de poder de polícia, natureza jurídica que, evidentemente, não se altera pela mera transferência parcial da respectiva execução a pessoas de direito privado mediante credenciamento de atividades materiais ou instrumentais de apoio às ações do Poder Público.

(iv) A delegação dessas atividades a particulares ocorre na verdade, por meio do instituto do Credenciamento, que é a transferência de atos materiais ou instrumentais de polícia administrativa, não detendo aspecto negocial ou contratual próprio da concepção de serviços, sendo que o ato de reconhecimento oficial permanece com o órgão estatal.

(iii) O credenciamento de particulares para apoio de ações desempenhadas pelo Poder Público não detém aspecto negocial ou contratual próprio da concepção de serviços.

(iv) O Estado não se reveste da qualidade de tomador de um serviço, tampouco se atribui ao credenciado a entrega de utilidades em favor da Administração Pública, mas, sim, em prol das pessoas físicas ou jurídicas que buscam o registro ou o licenciamento veicular.

(v) Os itens 21 e 21.01 da lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 aludem a serviços de registros públicos, cartorários e notariais, os quais possuem conceituação própria na Lei n. 8.935/1994, que não contempla a realização de atividades afetas ao histórico registral.

(vi) A execução de atividade remunerada mediante credenciamento efetuado por órgãos de trânsito, ainda que importe recebimento de contraprestação, não viabiliza, por si só, a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) com fundamento nos itens 21 e 21.01 da lista contida na Lei Complementar n. 116/2003.

Nesse contexto, também acompanho a divergência inaugurada pela Ministra Regina Helena Costa para reconhecer que não incide o ISS na espécie.

Com efeito, como ponderou sua Excelência, em razão da preponderância de aspectos de poder de polícia no desempenho das atividades de registro veicular delegadas aos titulares de serventias extrajudiciais credenciados como Centro de Registo de Veículos Automotores (CRVA), bem como em razão da ausência de elementos caracterizadores da prestação de serviços de registros públicos, notariais e cartorários, não há como incidir o ISS no caso.

Ante o exposto, rogando vênias ao eminente relator, Ministro Sérgio Kukina, acompanho o voto divergente da Ministra Regina Helena Costa, no que foi acompanhado pelo Ministro Gurgel de Faria, para dar provimento ao recurso especial a fim de, reformando o acórdão recorrido, julgar procedente o pedido e invalidar o Auto de Infração e Lançamento n. 015/2012.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 2.125.340 – Rio Grande do Sul – 1ª Turma – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJ 07.11.2025

Fonte:  Inr Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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