2VRP/SP: Ementa não oficial – Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – Retificação de prenome de recém-nascido – Indeferimento administrativo – Art. 55, §4º, da Lei de Registros Públicos – Interpretação restritiva – Possibilidade apenas em caso de discordância entre os genitores quanto ao nome indicado pelo declarante – Imutabilidade do nome – Arrependimento dos pais – Inviabilidade de alteração na via extrajudicial – Regularidade da atuação da Oficial – Independência funcional e observância da legalidade estrita – Ausência de ilícito disciplinar – Alteração posteriormente obtida na via judicial – Perda do objeto do recurso administrativo – Arquivamento.


  
 

Processo 0045084-44.2025.8.26.0100
Pedido de Providências – Reclamação do extrajudicial (formulada por usuários do serviço) – C.G.J.  – T.A.N. –  – C.A.N. e outro – Juiz de Direito: Dr. Marcelo Benacchio VISTOS, 1. Fls. 90/148 e 160: dou por regular a representação processual. Anote-se, publicando-se em favor da parte interessada. 2. Trata-se de representação formulada pela Senhora C. A. N., encaminhada por meio da E. Corregedoria Geral da Justiça, que protesta contra recusa à retificação de prenome de recém-nascido pelo Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital. A Senhora Titular prestou esclarecimentos às fls. 30/57, fundamentando a recusa na redação expressa do art. 55, §4º, da Lei de Registros Públicos, no entendimento de que o prenome somente poderia ser retificado em caso de discordância inicial dos genitores, o que não se operou no presente caso. A parte interessada tornou aos autos para, em suma, reiterar os termos de seu protesto inicial, no sentido de que, em sua interpretação do dispositivo legal, a alteração do nome seria possível, em vista do cumprimento do prazo de 15 dias e da concordância de ambos os genitores. No mais, entende que pagou os emolumentos para que o pleito fosse deferido. Por fim, refere ter recebido tratamento (fls. 64/65). A Senhora Titular tornou ao feito para apontar que não houve atendimento descortês ou tratamento desrespeitoso de sua parte e de seus prepostos em direção à interessada. Ressaltou seu ponto de vista, no sentido de que a inadequação nas tratativas partiram da reclamante. Destacou, por fim, que as providências no âmbito cível e criminal estão em andamento (fls. 71/88). Posteriormente, a parte interessada veio aos autos para noticiar que conseguira a providências de alteração do nome de forma judicial, juntando aos autos a respectiva sentença (fls. 90/144). Intimada a regularizar sua representação processual, a Representante quedou-se inerte (fls. 154). O Ministério Público apresentou parecer nos autos, manifestando-se favoravelmente ao arquivamento do feito. Fundamentou sua posição no sentido de que os motivos invocados pela Senhora Titular para a recusa mostraram-se legítimos, adequados e em conformidade com a legislação aplicável à espécie. Ressaltou, ainda, que as demais questões relacionadas ao atendimento foram devidamente esclarecidas nos autos, reputando-se suficientes as explicações prestadas, de modo que eventual aprofundamento acerca de tais matérias deverá ser realizado perante as instâncias próprias e competentes para tanto (fls. 148 e 158). Certificada a regularidade da representação processual da parte interessada (fls. 160). É o breve relatório. Decido. Insurge-se a parte Representante contra o óbice imposto por Registro Civil das Pessoas Naturais de Subdistrito desta Capital, ao pedido de retificação de prenome de recém-nascido, nos termos do art. 55, §4º, da Lei de Registros Públicos. Consta dos autos, em síntese, que a parte interessada compareceu à serventia, após o registro da recém-nascida A., a fim de requerer a retificação do nome da menor para B., alegando arrependimento quanto ao prenome inicialmente atribuído, por se tratar de designação neutra, passível de identificação tanto masculina quanto feminina. Sustenta a parte que, em sua interpretação do dispositivo legal aplicável, a alteração seria juridicamente possível, uma vez observado o prazo de quinze dias e manifestada a concordância de ambos os genitores. Acrescenta, ainda, a interessada, que efetuou o pagamento dos emolumentos correspondentes, razão pela qual entende devido o deferimento do pleito. Por derradeiro, menciona ter recebido tratamento desurbano pelos prepostos e pela Oficial. A seu turno, a Senhora Titular veio aos autos para explicar que, no seu entendimento juridicamente embasado, não há previsão legal que abarque o pedido efetuado pelos genitores. Assim o é porque, conforme sua fundamentação, não há que se falar em impugnação ao nome escolhido por um dos pais no presente caso (“oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados pelo declarante”), uma vez que ambos, em conjunto, concordaram com o registro tal qual efetuado. Sustenta a i. Oficial Registradora, em síntese, que o pressuposto fático autorizador da retificação pelo §4º do art. 55, da LRP, se fundamenta na “ruptura da justa expectativa que, ao menos, um dos genitores tinha quanto à fixação do nome a ser constituído pelo registro civil, a partir do ato do declarante” (fls. 34), de modo a se abrir a possibilidade de oposição, pelo genitor logrado, à referida quebra de confiança. Contudo, no presente caso, não ocorreu tal pressuposto fático, haja vista a concordância inicial de ambos os genitores ao nome escolhido. Ainda, assevera a Senhora Registradora que a situação fática dos autos se reveste no arrependimento dos genitores em relação ao nome, por ambos, escolhido, de modo que não há normativa legal que abarque a matéria. No que tange às alegadas falhas do atendimento, a Senhora Oficial negou-as. Apontou que a Oficial Substituta explicou detalhadamente a situação legal aos pais da menor, bem como a possibilidade de que eles impugnassem a nota devolutiva para apresentação ao Juiz Corregedor. Também, ofereceu a devolução dos emolumentos. Entretanto, todas as providências foram recusadas pela parte interessada. A seu turno, o Ministério Público pugnou, em suma, pelo arquivamento dos autos, adotando as razões apresentadas pela Registradora, no entendimento de que não houve recusa arbitrária à prática do ato; não verificada qualquer irregularidade funcional pela Senhora Titular. Pois bem. O presente expediente trata de dois pontos: (i) recurso administrativo da decisão que indeferiu a mudança de nome após o registro e, (ii) suposto tratamento ilegal e descortês na serventia extrajudicial. (i) Trato do primeiro ponto, ou seja, o recurso acerca do indeferimento da mudança de nome no âmbito da delegação extrajudicial. O nome integra a esfera dos direitos fundamentais da pessoa humana, ante sua natureza de valor essencial e inerente à pessoa. No plano internacional regional está previsto no art. 18 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Artigo 18. Direito ao nome Toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes. A lei deve regular a forma de assegurar a todos esse direito, mediante nomes fictícios, se for necessário. O nome é um dos elementos da identidade da pessoa, cuidando-se de direito da personalidade, como é expresso o art. 16 do Código Civil: Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Além dos aspectos jusfundamentais, o nome também tem a função de identificação social da pessoa humana e, nesse ponto, corresponde a um interesse público, notadamente acerca da aquisição e publicidade do nome. Uma característica geral do direito ao nome é a imutabilidade em razão dos elementos de interesse privado e público decorrentes de sua função de particularização dos seres humanos. Manuel Vilhena de Carvalho comenta a imutabilidade do nome da seguinte forma: Compreende-se a razão de ser da imutabilidade do nome: se ele não fosse em regra, fixo, gerar-se-ia a maior das confusões na identificação das pessoas, a que se destina, com a maior repercussão na vida social e jurídica, quer nas relações estabelecidas entre particulares, quer nas relações deste com o Estado. (O nome das pessoas e o direito. Coimbra: Almedina, 1989, p. 29) A estrutura da legislação brasileira consagra o princípio da imutabilidade do nome, porquanto as alterações do nome são regras excepcionais cercadas de uma série de procedimentos para não comprometer sua função privada e pública. A Lei n. 14.382/2022 promoveu uma série de modificações na Lei de Registros Públicos e, na porção de interesse deste expediente, de forma geral, aumentou as atribuições do Oficial de Registro Civil para alteração do nome, bem como aumentou as possibilidades legais antes existentes. Todavia, é importante afirmar a não exclusão da imutabilidade do nome, que permanece, não obstante ao aumento da autonomia privada para a alteração do nome. O princípio da imutabilidade do nome sempre conviveu com várias exceções, como ocorre atualmente; assim, o aumento ou flexibilização daquelas não redunda na revogação da imutabilidade. O direito de pôr o nome não se confunde com o direto ao nome. O direito de pôr o nome é um processo antecedente da aquisição do direito ao nome. Leonardo Brandelli, acompanhando a compreensão de R. Limongi França, estabelece com ímpar precisão a distinção entre o direito de pôr o nome e o direto ao nome, como segue: O direito de por o nome e o direito que tem determinada pessoa de atribuir determinado nome a outra pessoa (…) O direito de por o nome nao e o direito ao nome e muito menos o direito a um nome. Verbi gratia, o pai tem o direito de por o nome em seu filho, que ao nascer tem o direito ao nome, mas nao tem o direito a um nome. So depois de posto o nome e que o direito ao nome da criança passa ao estagio de direito a um nome. Portanto, além de outras, nota-se desde logo a diferença que consiste em o sujeito do direito de por o nome ser um (o pai) e o direito ao nome, outro (a criança). O mesmo se da com relação ao direito a um nome, sendo que, ainda, o direito de por o nome lhe e anterior. (Nome civil da pessoa natural, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35/36). Nessa linha, a discussão neste recurso administrativo envolve a imutabilidade do nome após sua integração aos direitos da personalidade de quem o recebeu (direito ao nome), bem como a possibilidade de sua alteração no prazo de quinze dias após o registro de nascimento. A norma jurídica aplicada foi o art. 55, parágrafo 4º, da Lei de Registros Públicos que determina: § 4º Em até 15 (quinze) dias após o registro, qualquer dos genitores poderá apresentar, perante o registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento, oposição fundamentada ao prenome e sobrenomes indicados pelo declarante, observado que, se houver manifestação consensual dos genitores, será realizado o procedimento de retificação administrativa do registro, mas, se não houver consenso, a oposição será encaminhada ao juiz competente para decisão. (grifos meus) A interpretação deste dispositivo legal deve ser feita de modo sistemático com o art. 52, 1º, da Lei de Registros Públicos, que estabelece: Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento: 1o) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2o do art. 54; Portanto o direito de pôr o nome pode ser exercido pelos pais conjunta ou separadamente, sendo comum, em alguns casos, sua realização pelo pai em razão da recuperação da mãe por força do parto. Noutra quadra, é um elemento cultural e social o processo de escolha do nome pelos genitores nos momentos antecedentes ao parto, até a formação de um consenso acerca do nome desejado. Nessa linha, pode ocorrer que o pai ou a mãe, de forma isolada, efetuem o registro com um nome diverso do anteriormente escolhido por ambos. Considerada a igualdade de direitos entre os genitores, em boa medida, a Lei n. 14.382/2022 acrescentou ao art. 55 da Lei de Registros Públicos, o parágrafo 4º, acima transcrito, para permitir impugnação pelo genitor preterido em seu direito de pôr o nome no filho. Assim, a esta altura é possível concluir, ainda com todos os riscos de uma interpretação inicial da lei de 2022, pela aplicação do disposto no art. 55, parágrafo 4º, da Lei de Registros Públicos, somente nos casos da indicação do nome por um dos genitores. Não por outra razão, a norma jurídica afirma declarante no singular. Além disso, a norma legal em comento refere oposição fundamentada; ora, oposição ao que? A falta de consenso, responde-se. Portanto, outros fundamentos, apesar da eventual possibilidade de modificação, não estariam abarcados na previsão contida no art. 55, parágrafo 4º, da Lei de Registros Públicos. Assim não fosse, toda atribuição de nome em declaração de nascimento estaria sujeita ao termo final de quinze dias, durante o qual, haveria possibilidade de modificação do nome por qualquer fundamento, havendo consenso dos pais. Essa compreensão, respeitosamente, geraria insegurança na identificação pessoal. Desse modo, concluo pela incidência da modificação de nome constante do art. 55, parágrafo 4º, da Lei de Registros Públicos na ocorrência dos seguintes pressupostos: (i) atribuição do nome apenas por um dos genitores; (ii) oposição do genitor que não fez a atribuição do nome perante o registro civil por não ter participado da escolha do nome ou a atribuição de nome diverso do escolhido consensualmente em momento anterior. Nesse caso, o nome poderá ser modificado diante de consenso dos genitores após a oposição ou, ausente, haverá remessa ao Juízo com respectiva atribuição. Como se observa do documento de fls. 50, a indicação do prenome A. decorreu da expressa declaração dos pais. Assim, não havia possibilidade de alteração do nome. Por estas razões, não caberia acolher o o recurso administrativo. (ii) Passo ao exame da representação para fins disciplinares. O indeferimento do pedido administrativo, ora ratificado, ocorreu em conformidade ao plexo das atribuições funcionais da Sra. Oficial, na conformidade de sua independência funcional para interpretação legislativa, sujeita à fiscalização desta Corregedoria Permanente. Além disso, diversamente do exercício da jurisdição, o Registro Civil desempenha suas funções no âmbito do direito administrativo estando sujeito à legalidade estrita na aplicação das leis, como ocorreu. O expediente administrativo instaurado ocorreu na conformidade da legislação incidente, certo que os emolumentos são devidos pelo trâmite, independentemente do deferimento ou indeferimento do pedido. Apesar da divergência de opiniões entre os Srs. Representantes e a Sra. Oficial, consoante filmagens juntadas aos autos, e o diálogo intenso havido, para fins disciplinares, consideradas as circunstâncias do caso concreto, não ficou caracterizado qualquer indício de ilícito administrativo. Como consta dos autos (a fls. 90/144), a pretensão dos genitores foi acolhida em ação jurisdicional; destarte, houve perda do objeto do recurso administrativo. A atuação da Oficial do Registro Civil e, igualmente, desta Corregedoria Permanente, são de natureza administrativa, estando limitadas à legalidade estrita, típicas àquela. De outra parte, a atividade jurisdicional tem natureza jurídica distinta podendo conhecer das questões postas em maior amplitude e profundidade, de modo que a modificação do nome na via judicial é absolutamente independente do decidido nesta via administrativa, a qual, compete, no caso, tão só cumprir a ordem judicial. Desse modo, a diversidade da decisão administrativa e jurisdicional está em conformidade com as diferenças das duas atuações estatais. Ante ao exposto, dou por prejudicado o recurso administrativo e determino o arquivamento da representação disciplinar. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença, bem como de fls. 71/160, à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Ciência à Senhora Delegatária e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: HENRIQUE MAGALHÃES DE CARVALHO (OAB 428285/SP), HENRIQUE MAGALHÃES DE CARVALHO (OAB 428285/SP)

Fonte: DJE/SP 11.11.2025-SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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