CSM/SP: EMENTA: Apelação em processo de dúvida. Nulidade da sentença afastada, pois se encontra devidamente fundamentada. Possibilidade de cisão do título. A alteração de contrato para integralização de capital social, mediante conferência de bens imóveis, aperfeiçoase com o arquivamento do instrumento na junta comercial. O registro imobiliário é constitutivo da titularidade da propriedade imóvel em nome da pessoa jurídica. Admissível o registro, no fólio real, da certidão da JUCESP, de que trata o artigo 64 da lei nº 8.934/94, em relação a apenas alguns dos imóveis integralizados. Possibilidade de cisão do título, dispensando os registros simultâneos de todos os imóveis integralizados no capital social. Distinção entre a junção, a união e a coligação de contratos. Inocorrência de qualquer vínculo funcional entre os diversos contratos materializados em um só instrumento. Óbice atinente à apresentação de nova certidão de autorização de transferência (cat) para a transmissão onerosa do domínio útil do imóvel, cujo domínio direto é da união, que se mantém. Apelação não provida.

Apelação nº 1019178-68.2024.8.26.0068

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1019178-68.2024.8.26.0068
Comarca: BARUERI

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1019178-68.2024.8.26.0068

Registro: 2025.0001242670

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019178-68.2024.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante GSIT TECNOLOGIA E PROCESSOS HOLDING LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 14 de novembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator

VOTO Nº 43.919

EMENTA: Apelação em processo de dúvida. Nulidade da sentença afastada, pois se encontra devidamente fundamentada. Possibilidade de cisão do título. A alteração de contrato para integralização de capital social, mediante conferência de bens imóveis, aperfeiçoase com o arquivamento do instrumento na junta comercial. O registro imobiliário é constitutivo da titularidade da propriedade imóvel em nome da pessoa jurídica. Admissível o registro, no fólio real, da certidão da JUCESP, de que trata o artigo 64 da lei nº 8.934/94, em relação a apenas alguns dos imóveis integralizados. Possibilidade de cisão do título, dispensando os registros simultâneos de todos os imóveis integralizados no capital social. Distinção entre a junção, a união e a coligação de contratos. Inocorrência de qualquer vínculo funcional entre os diversos contratos materializados em um só instrumento. Óbice atinente à apresentação de nova certidão de autorização de transferência (cat) para a transmissão onerosa do domínio útil do imóvel, cujo domínio direto é da união, que se mantém. Apelação não provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa de registro de certidão da JUCESP, a qual materializa instrumento de alteração de contrato social que, mediante conferência de bens, realizou integralização de capital social, referente a vários imóveis da serventia predial.

II. Questão em Discussão

2. Além da alegação de nulidade da sentença, discutem-se a possibilidade ou não, de cisão do título, permitindo o registro somente de alguns imóveis conferidos à sociedade, e a necessidade de apresentação de nova CAT para o registro do imóvel.

III. Razões de Decidir

3. A fundamentação da sentença recorrida é suficiente, o que afasta a alegação de nulidade.

4. A cisão do título é admitida, pois a propriedade das cotas sociais ultima-se com o arquivamento do título de transferência/integralização de bens, ainda que imóveis, à sociedade empresarial, por força do disposto no artigo 32, II, “a”, da Lei nº 8.934/94.

A propriedade da pessoa jurídica sobre eventuais imóveis a ela transferidos só ocorre com o registro do ato translativo no Oficial de Registro de Imóveis competente, tal como estabelece o artigo 1.245 do Código Civil.

5. Distinção entre junção, conexão e coligação contratual. Cindibilidade do título diretamente ligada à inexistência de vínculo funcional entre contratos celebrados em um só instrumento.

6. A exigência de nova CAT para o imóvel é mantida, pois o domínio útil está sendo transmitido a título de conferência de bens, o que inviabiliza o ingresso do título no fólio real.

IV. Dispositivo e Tese

7. Apelação não provida.

Tese de julgamento: “1. A cisão do título é possível, na espécie. O registro no fólio real da certidão da JUCESP, a qual contém a alteração de contrato social que, mediante conferência de bens, realizou integralização de capital social, referente a vários imóveis da serventia em pauta, é admitido em relação a apenas um ou alguns dos bens imóveis. O que ultima a propriedade das cotas sociais é o arquivamento da alteração do contrato social na JUCESP. O registro do correspondente título na serventia imobiliária destina-se à aquisição da propriedade pela sociedade mercantil. 2. A apresentação de nova CAT é necessária para o registro do imóvel”.

Legislação Citada:

Lei nº 8.934/94, art. 32, II, “a” e art. 64; Código Civil, art. 1.245; Decreto-Lei nº 2.398/87, art. 3º; item 104.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ.

Jurisprudência Citada:

STJ, Recurso Especial nº 1.743.088-PR, Ministro Marco Aurélo Bellizze, j. 12.3.2019; Apelação Cível nº 0000048-59.2016.8.26.0531, Rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, Santa Adélia, j. 02.02.2017; CSMSP, Apel. Cív. 5.599-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 19.5.1986; CSMSP, Apel. Cív. 6.508-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 26.1.1987 e CSMSP, Apel. Cív. 17.486-0, Rel. José Alberto Weiss de Andrade, j. 6.8.1993.

Trata-se de apelação interposta por GSIT TECNOLOGIA E PROCESSOS HOLDING LTDA contra a r. sentença proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Barueri-SP que, na dúvida suscitada, manteve a recusa de registro, no fólio real, do instrumento de conferência de bens à requerente, em que incluído o imóvel de matrícula nº 141.887 daquela serventia.

A alteração referida ocorreu por meio da integralização do capital social, mediante conferência, pelos sócios da pessoa jurídica, Nelson Marchini Junior e Siomara Navarro, de alguns imóveis, sendo quatro deles matriculados no Oficial de Registro de Imóveis de Barueri.

A r. sentença (fls. 128/129) julgou procedente a dúvida suscitada para manter o óbice registrário, sob o entendimento da inaplicabilidade do princípio da cindibilidade registral.

Em apelação (fls. 142/156), a recorrente suscita a nulidade da sentença por falta de fundamentação. No mérito, em síntese, defende a registrabilidade do título e a aplicação do princípio da cindibilidade, daí porque alega ser impertinente considerar exigência atinente ao imóvel objeto da matrícula nº 63.258, que não guarda qualquer relação com o imóvel em discussão.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 170/175).

É o relatório.

1. Desde logo, afasta-se a alegada nulidade da decisão recorrida, pois, ainda que sucinta, a fundamentação apresentada justifica a conclusão a que chegou a MMª Juíza Corregedora Permanente.

No mais, a discordância em relação ao resultado do julgamento diz respeito, em verdade, ao próprio mérito do processo de dúvida e assim será apreciada.

2. A recorrente pretende o registro da certidão da JUCESP de fls. 50/62, contendo o instrumento de alteração de contrato social, elaborado com o objetivo de integralizar o capital social da pessoa jurídica ora apelante, mediante conferência de bens, alguns matriculados no Registro de Imóveis de Barueri, e outros em serventia diversa. Prenotado o título, sob o nº 593.583 (fls. 23/24), o Oficial apresentou nota devolutiva nos seguintes termos (fls. 42/43):

“Em atendimento a nota devolutiva anterior datada de 14/06/2024, na prenotação nº 590.833, foram apresentados em prenotações separadas, requerimentos para o registro da conferência de bens, dos seguintes imóveis: prenotação 593.583 – matrícula nº 141.887; na prenotação nº 593.584 – matrícula nº 97.971; e, na prenotação nº 593.585 – matrícula nº 97.972, todavia, o registro da conferência de bens dos imóveis pertencentes a esta serventia imobiliária, objetos das matrículas nºs 97.971, 97.972, 141.887 e 63.258, deverão ocorrer todos em um único protocolo, tendo em vista não ser possível a aplicação do princípio da cindibilidade.

Acerca do assunto, vide Apelação Cível nº 0000048-59.2016.8.26.0531, Data do Julgamento: 02/02/2017, Data DJ: 03/04/2017, Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças, Localidade: Santa Adélia.

Diante do exposto, será necessário apresentar novo requerimento no qual conte a solicitação do registro da conferência de bens nos imóveis objetos das matrículas nºs 97.971, 97.972, 141.887 e 63.258 deste Registro de Imóveis, em um ÚNICO PROTOCOLO.

Se não fosse o óbice preliminar acima apontado, ainda será necessário observar o seguinte:

01-) Dos documentos apresentados para registro, não consta se o transmitente NELSON MARCHINI JUNIOR, está ou não incurso às restrições previstas na legislação previdenciária, conforme preceitua o artigo 47, inciso I, alínea “b”, da Lei Federal nº 8.212/91. (AC. nº 24.849-0/0 – Barretos – D.O.J. de 28/09/1995). Portanto, retificar o título apresentado, para constar se está ou não vinculado, ou então, juntar declaração firmada pelo mesmo (com firma reconhecida de sua assinatura, junto a esta Comarca, pois é onde a mesma produzirá seus efeitos, conforme o disposto no item 09 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo), esclarecendo tal fato.

02-) Tendo em vista, que através do título apresentado, o domínio útil do imóvel da matrícula 141.887, está sendo transmitido a título de conferência de bens, para integralização de capital social, portanto não configurando a incorporação de sociedades, pede-se que seja apresentada nova CAT para o “ato oneroso” a ser expedida pelo SPU – Secretaria do Patrimônio da União, referente a transação que se opera o título sob exame, referente ao domínio útil do imóvel objeto da matrícula nº. 169.828 desta Serventia, a qual deverá estar em nome do titular do domínio útil e dentro do prazo de validade para registro, isto em observância ao disposto no artigo 33 da Lei Federal 9.636 de 15/05/1.998. (vide Apelação Cível nº 49720-0/0-Barueri; e, Procedimento de Dúvida-processo nº 30/2.005, junto ao Juízo Corregedor Permanente desta Comarca-Barueri).

03-) Apresentar no original ou em cópia autenticada a guia do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI, devidamente recolhida, ou se for o caso, a Certidão de Isenção, referente a transação que se opera o título sob exame, do imóvel objeto da matrícula nº 63.258 deste Registro de Imóveis, em observância ao disposto no artigo 289 da Lei Federal 6.015/73, no qual o Oficial do Registro de Imóveis deve fazer rigorosa fiscalização, sobre correto recolhimento do pagamento dos impostos, dos títulos submetidos à qualificação.

*Título Sujeito a Nova Devolução (item 38.2, do Capítulo XX das Normas de Serviço das Serventias Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo).”

A exigência de item 1 restou superada porque a fl. 10 da suscitação, o Oficial afirmou: “No entanto, foi realizada a consulta ao site da Receita Federal, através do CPF de NELSON MARCHINI JUNIOR, tendo sido obtida a Certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, ficando assim, superada tal exigência”.

Remanesceram, portanto, o óbice preliminar e as exigências dos itens 2 e 3.

3. O óbice preliminar refere-se à não cindibilidade do título para registro nas matrículas de apenas três dos quatro imóveis da serventia descritos na alteração contratual; a segunda exigência relaciona-se à apresentação de nova Certidão de Autorização para Transferência (CAT) para o ato oneroso, com relação ao imóvel da matrícula nº 141.887, que é o tratado neste recurso; e, por fim, a terceira exigência diz respeito à não apresentação da guia de quitação do ITBI ou certidão de isenção do referido tributo na transferência do imóvel de matrícula nº 63.258, o qual, aliás, não foi objeto do requerimento formulado à serventia.

Pois bem.

No tocante ao óbice preliminar, tem-se que:

De acordo com a alteração e consolidação do contrato social de fls. 50/62, Nelson Marchini Junior e Siomara Navarro, então únicos sócios da pessoa jurídica recorrente, a ela transferiram diversos imóveis matriculados na serventia extrajudicial suscitante e também em outras serventias, tudo a título de integralização do capital social mediante conferência de bens. No mesmo instrumento, admitiram dois novos sócios (fls. 53/54), para quem a sócia Siomara Navarro transmitiu quotas sociais, o que resultou em redistribuição do capital social da pessoa jurídica, além do seu aumento.

O Oficial afirma que não é possível a cindibilidade do título para o registro da integralização com relação somente aos imóveis das matrículas de nºs 97.971, 97.972 e 141.887, pois também foram integralizados outros imóveis, entre eles o correspondente à matrícula de nº 63.258 (fls. 51/52), que pende de apresentação da guia de recolhimento do ITBI quitada ou certidão de isenção.

4. Não se prestigia conclusão a que chegou o Oficial de Registro de Imóveis, no que toca à cindibilidade do título em exame.

O Registrador de Imóveis invoca o precedente firmado nos autos da apelação nº 0000048-59.2016.8.26.0531, julgado por este Conselho Superior da Magistratura, na data de 02 de fevereiro de 2017, em que se exarou o entendimento de que a integralização do capital social só se consuma com a transferência dos bens imóveis à sociedade, isto é, com o registro no cartório imobiliário, e, portanto, a cisão do título formal não é admitida, sob pena de se criar uma dissonância entre o que consta na JUCESP e a titularidade real.

Muito embora os judiciosos argumentos do precedente invocado, não há que se confundir a consumação da transferência da titularidade das cotas, assim como do aumento do capital social, que se dá com a integralização do capital, com a aquisição da propriedade dos imóveis pela sociedade.

Disso decorre que a aquisição da titularidade dos imóveis pela pessoa jurídica, pelo registro imobiliário do título, se dá em momento ulterior ao da alteração social na JUCESP.

Os documentos referentes à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas são registrados no órgão de registro de comércio por meio de arquivamento, como estabelece o artigo 32 da Lei nº 8.934/94:

“Art. 32. O registro compreende:

(…)

II – O arquivamento:

a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;”

Vale dizer, os atos em referência ultimam-se com o seu arquivamento na junta comercial.

Assim se passa com as alterações contratuais pelas quais são conferidos bens para a integralização de cotas sociais da pessoa jurídica. O registro do ato, por arquivamento, no órgão de registro de comércio, é suficiente para que se concretizem a titularidade das cotas e a alteração do contrato social.

Tal situação se aplica quando há conferência de bens imóveis para a integralização de capital de pessoa jurídica; basta o arquivamento do correspondente ato na junta comercial para que a propriedade das cotas e a alteração do contrato social (aumento de capital) sejam concretizadas.

Em outros termos, o ato de conferência de bens, ainda que atinente a imóveis, está perfeito e acabado com o registro da alteração contratual pelo qual se deu, nos exatos termos do que estabelece o artigo 32, II, “a”, da Lei nº 8.934/94 acima transcrito.

O registro do título – certidão da JUCESP – no fólio real tem por finalidade transmitir a propriedade dos imóveis à sociedade, mas não é pressuposto e nem ato necessário para ultimar a alteração contratual de conferência de bens para integralização de capital social.

Com efeito, o registro da certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, é o documento hábil para a transferência, no registro imobiliário, dos bens imóveis com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social, como dispõe o artigo 64 da Lei nº 8.934/94:

“Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital”.

Isto é, a propriedade da pessoa jurídica sobre os bens imóveis que lhe foram conferidos só se adquire com o registro na serventia imobiliária competente, haja vista a regra disposta no artigo 1.245, caput, do Código Civil: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.

Como a aquisição da propriedade imobiliária, em nosso ordenamento jurídico, só se adquire pelo registro do título translativo no Registro de Imóveis, essa regra aplica-se também no caso de instrumento pelo qual ocorre a transferência de bens imóveis para integralização ou aumento de capital social de sociedade mercantil.

Em suma, a propriedade das cotas sociais ultima-se com o arquivamento do título de transferência/integralização de bens, ainda que imóveis, à sociedade mercantil, por força do disposto no artigo 32, II, “a”, da Lei nº 8.934/94, mas a propriedade da sociedade sobre eventuais imóveis a ela transferidos só ocorre com o registro do ato translativo no Oficial de Registro de Imóveis competente, tal como estabelece o artigo 1.245 do Código Civil.

Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho extraído do Recurso Especial nº 1.743.088-PR, em que foi Relator o Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12 de março de 2019:

“A integralização do capital social da empresa pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens – móveis ou imóveis – , havendo de se observar, necessariamente, o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual.

Em se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

Já se pode antever que o registro do título translativo no Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial, como sugere a insurgente.

De fato, a inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, destina-se, primordialmente, à constituição formal da sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria, absolutamente distinta dos sócios dela integrantes.

Nos termos dos art. 985 c.c 1.150 do Código Civil, a sociedade empresarial somente adquire personalidade jurídica a partir da inscrição de seu ato constitutivo no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias do Estados e do DF, condição, portanto, que se revela indispensável para assumir obrigações e adquirir direitos em nome próprio. Enquanto não perfectibilizado o registro do contrato social, os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (art. 990 do Código Civil). Explicitado, nesses termos, as finalidades dos registros em comento, pode-se concluir que o contrato social, que estabelece a integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade; constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da propriedade, mediante registro, perante o Cartório de Registro de Imóveis em que se encontra registrada a matrícula do imóvel.

Essa conclusão, é certo, encontra respaldo na dicção do art. 64 da Lei 8.934/94, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis, em total harmonia com o art. 1.245 do Código Civil (já transcrito), in verbis:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

Portanto, enquanto não operado o registro do título translativo – no caso, o contrato social registrado perante a Junta Comercial – no Cartório de Registro de Imóveis, o bem, objeto de integralização, não compõe o patrimônio da sociedade empresarial”.

De outra parte, a cisão do título formal, que decorre da cindibilidade do negócio jurídico que lhe dá substrato, é de ser acolhida.

6. Se o negócio jurídico é cindível, o título que o instrumentaliza também é.

Não se confundem a junção, a união e a coligação de contratos. A cindibilidade do título dependerá do nexo que liga diversos contratos.

Na lição clássica de Antunes Varela, “uma vezes (junção de contratos), o vínculo que prende os contratos é puramente exterior e acidental, como quando provém de um simples facto de terem sido celebrados ao mesmo tempo (entre as mesmas pessoas) ou de constarem do mesmo título” (João de Matos Antunes Varela, das obrigações em geral, vol I, 8a. Edição Almedina, Coimbra, p. 284).

Nessa situação os contratos – embora celebrados em um mesmo instrumento não são apenas distintos, mas autônomos, aplicando-se a cada um deles o regime que lhes compete.

Diferente é a situação em que os contratos, celebrados em um ou mais instrumentos, estão ligados entre si por um nexo funcional, que cria uma relação de interdependência, um vínculo substancial. Essa relação de dependência pode decorrer de inúmeras razões, tais como condição, contraprestação e causa (confira-se a respeito Felipe Kirchner, Contratos Coligados: confirmação teórica e fundamentos da responsabilidade civil, Editora Processo, Rio de Janeiro, 2.022, p. 135 e seguintes; Carlos Nelson Konder, Contratos Conexos, Editora Renovar, 2006, p. 148; Jorge Mosset Iturraspe, Contratos Conexos, Rubinzal-Culzoni Editores).

A integralização do capital de uma sociedade com vários imóveis pode ser feita em um ou em vários instrumentos, o que em rigorosamente nada altera o seu regime e sua natureza jurídica.

Na verdade, cada imóvel integralizado salvo intenção em contrário das partes ou dedução em razão da causa do negócio se desdobra em vários contratos, sem nexo de interdependência ou de subordinação entre si.

Para aferir a correção da asserção acima, para lembrar que caso fosse a conferência de bens realizada em vários instrumentos, cada um deles teria acesso autônomo no registro imobiliário, de forma que a simples aglutinação de todos negócios num mesmo instrumento não tem o condão de tornar o negócio incindível. Não bastasse, a regra é a da cisão do título formal, para alguns referida como princípio da cindibilidade, de que cuida o item 104.1 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ:

“104.1. É possível a cisão do título que abranger mais de um imóvel, a requerimento do interessado que, na apresentação, deverá indicar o imóvel em que pretende a prática do ato de registro”.

A possibilidade de cindir o título é decorrente “da adoção da ‘unidade geodésica como base do sistema da Lei nº 6.015, de 31/12/1973’, ou seja, a escrituração do registro de imóveis segundo a técnica do fólio real ‘conduziu ao consequente reconhecimento de que o objeto da inscrição passou a ser o título em acepção própria (rectius: causa ou fundamento de um direito ou de uma obrigação)’ (CSMSP, Apel. Cív. 5.599-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 19.5.1986; no mesmo sentido: CSMSP, Apel. Cív. 6.508-0, Rel. Sylvio do Amaral, j. 26.1.1987, e CSMSP, Apel. Cív. 17.486-0, Rel. José Alberto Weiss de Andrade, j. 6.8.1993)” (Josué Modesto Passos, Aspectos da cisão do título formal nos julgados do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, Arisp Jus, edição setembro-dezembro de 2016, p. 53).

Não se vislumbra, pois, qualquer impedimento ao registro do título apenas com referência a três dos quatro imóveis descritos.

Nada impede que o quarto imóvel dependa de alguma realização para ter acesso oportunamente ao registro imobiliário, o que não impede a imediata transferência da propriedade dos outros três.

Pode se questionar se a ausência de transmissão da propriedade imobiliária de um dos imóveis não interferiria no montante aumento do capital social. Lembre-se, porém, que os direitos aquisitivos imobiliários e a própria posse tem valor patrimonial, de modo que não há porque criar um vínculo funcional inexistente entre contratos independentes ainda que celebrados em um só instrumento – sob pena de criar embaraço e dificuldade ao tráfego jurídico e segurança das relações negociais.

7. Admitida a cisão do negócio jurídico e, por via de consequência, do título formal, resta saber se subsiste alguma exigência quanto ao imóvel de matrícula nº 141.887, que é o tratado no presente recurso.

Da nota devolutiva, consta exigência de apresentação de nova CAT para o ato oneroso com relação a referido imóvel, que deve prevalecer.

A exigência de apresentação de nova Certidão de Autorização de Transferência (CAT) para o ato oneroso com relação ao imóvel da matrícula nº 141.887 deve ser mantida pois, de fato, o domínio útil está sendo transmitido a título de conferência de bens para integralização de capital social.

A União Federal detém o domínio direto do imóvel da matrícula nº 141.887 (fl. 79) e o domínio útil pertence a Nelson Marchini Junior, desde 13/12/2011, nos termos do R.04 de fl. 80.

O Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, dispõe sobre foros, laudêmios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, em caso de transferência onerosa do domínio útil e da inscrição de ocupação.

O artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87, alterado pela Lei nº 13.240/15, estabelece:

“Art. 3o A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.”

Considerando, então, o quanto disposto no inciso III do artigo 2º da Instrução Normativa de nº 01, de 09/03/2018, da Secretaria do Patrimônio da União, bem observada pelo Oficial a fl. 11, tem-se que:

“Art. 2º Para efeito desta IN, considera-se:

(…)

III Transações onerosas a compra e venda, permuta, dação em pagamento, fusão de empresas, promessa de compra e venda e integralização de capital social de empresas.” (g.n.)

Insuperável, portanto, o óbice, razão pela qual a negativa de registro do título na matrícula de nº 141.887, não restando dúvida, assim, de que a exigência formulada se justifica.

O óbice levantado com referência ao imóvel de matrícula nº 63.258 não pode ser analisado porque o pedido formulado a ele não fez referência e porque foi admitida a cisão do título formal.

Por fim, como restou um dos óbices, a dúvida continua sendo procedente e, consequentemente, a apelação não será provida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Relator. 

Fonte: DJE/SP 27.11.2025-SP

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1VRP/SP: EMENTA (NÃO OFICIAL) Registro de Imóveis – Pedido de Providências – Averbação de construção – Restrição urbanística convencional – Limitação de uso para residência unifamiliar – Projeto aprovado pela municipalidade para uso não residencial – Incompatibilidade com ônus real inscrito na matrícula – Pretensão de cancelamento administrativo da cláusula restritiva – Impossibilidade – Necessidade de via jurisdicional – Ausência de comprovação inequívoca da descaracterização do loteamento e inexistência de prejuízo a terceiros – Aplicação da Lei nº 6.766/79 e da Lei de Registros Públicos – Manutenção do óbice registrário – Pedido julgado improcedente.

Processo 1117523-36.2025.8.26.0100
Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Cinco Vilas Empreendimentos e Participações Ltda. – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado para manter o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: LUCAS DE ASSIS LOESCH (OAB 268438/SP)
Íntegra da decisão:
Processo Digital nº: 1117523-36.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis
Requerente: 5º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo
Requerido: Cinco Vilas Empreendimentos e Participações Ltda.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). MARCELA MACHADO MARTINIANO
Vistos.
Trata-se de Pedido de Providências formulado pelo I. 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Cinco Vilas Empreendimentos e Participações Ltda. Alega, em síntese, que a interessada pretende a averbação da construção aprovada pela Prefeitura Municipal no imóvel de matrícula nº 84.828, da serventia. No entanto, há incompatibilidade entre o projeto aprovado e a restrição imposta ao imóvel, eis que gravado com restrição convencional datada de 1959, inscrita na Av. 01 da matrícula, determinando que não seria construída mais de uma casa destinada à moradia de uma única família, vedando edificação coletiva e o projeto atual, aprovado pela Prefeitura, refere-se à edificação nova de uso não residencial. Afirma que é necessário o prévio cancelamento judicial da imposição de restrições urbanísticas convencionais, pois não cabe ao registrador afastar, de ofício, ônus de natureza propter rem, cuja eficácia é erga omnes.
Vieram documentos às fls. 05/62. Cinco Vilas Empreendimentos e Participações LTDA. Apresentou manifestação às fls. 63/67, alegando, em síntese, que a legislação urbanística municipal evoluiu significativamente, redefinindo o zoneamento e as condições de uso e ocupação do solo, estando o imóvel atualmente localizado em zona ZCOR-1, que admite expressamente usos não residenciais compatíveis. Afirma que a finalidade original da restrição não subsiste mais diante da legislação exposta, sendo incompatível com a política urbana vigente e com a função social da propriedade urbana.
O Ministério Público apresentou manifestação às fls. 99/101 pela manutenção do óbice.
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
No mérito, o pedido é improcedente. Vejamos os motivos.
A parte interessada pretende a averbação de construção e o cancelamento da Averbação n.1 da matrícula n. 84.828, na qual consta que “não será construída mais de uma casa, que, com suas respectivas dependências se destinará exclusivamente à moradia de uma única família e seus criados, não sendo permitida a construção de prédio para habitação coletiva” (fls. 44).
O pedido foi devolvido pelo Oficial sob alegação de que “o registro da restrição urbanística convencional permanece em vigor e continua produzindo todos os seus efeitos, conforme artigo 252 da Lei de Registros Públicos. Assim, para viabilizar a averbação pretendida é necessário promover previamente o cancelamento formal do referido registro, nos termos do artigo 250 da mesma lei.” (fls. 42).
É certo que o cancelamento de cláusulas restritivas pode ser admitido na via administrativa desde que a limitação tenha se originado da vontade do vendedor, com o estabelecimento de obrigação de natureza pessoal com o comprador, a qual não pode ser estendida a terceiros não contratantes.
Neste sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS Pedido de averbação de cancelamento de cláusula restritiva de construção convencional Inexistência de loteamento inscrito ou registrado Inaplicabilidade do art. 59 da Lei Municipal n.º 16.402/16 Limitação que se originou da vontade do vendedor Natureza obrigacional Não extensão a terceiros não contratantes Dever de observância ao planejamento urbanístico da região a partir da legislação de zoneamento municipal Parecer pelo provimento do recurso” (Processo 1029917-09.2021.8.26.0100, Parecer n. 79/2022-E, Cor. Des. Torres Garcia, ap. em 18 de fevereiro de 2022).
Também não é o caso de prevalência das restrições convencionais sobre as regras urbanísticas estipuladas pela municipalidade, uma vez que o artigo 59 da Lei n.16.402/16, que trata do zoneamento paulista, somente determina o atendimento das restrições convencionais “referentes a dimensionamento de lotes, recuos, taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento, altura e número de pavimentos das edificações”.
A hipótese envolve restrição imposta pelo loteador, pelo que deve ser observado o regramento da Lei 6.766/79, que assim prevê:
“Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:
(…)
VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.
(…)
Art. 45. O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são partes legítimas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com restrições legais ou contratuais”.
Como já observado no processo de autos n. 1091082-67.2015.8.26.0100, o parecer de lavra do eminente magistrado Luís Paulo Aliende Ribeiro no processo CGJ n. 791/04 firmou orientação adotada, desde então, no âmbito da E. Corregedoria Geral de Justiça, no sentido de que o cancelamento de cláusula restritiva convencional se faz, em regra, pela via jurisdicional.
Apenas em situações excepcionais admite-se que a providência seja adotada na via administrativa, conquanto comprovadas a descaracterização da proposta inicial do parcelamento e a inocorrência de ofensa ao direito de terceiros:
“Registro de Imóveis – Averbação – Pretensão de cancelamento de restrição convencional constante do contrato padrão inscrito em face da descaracterização da proposta inicial do loteamento – Situação de fato, referente a parcelamento antigo, comprovada, no caso, por elementos tabulares inequívocos – Desnecessidade de dilação probatória e demonstração da inocorrência de ofensa a interesse de terceiros que viabilizam, na hipótese, a excepcional utilização da via administrativa – Recurso não provido. (…) Eventual descaracterização da proposta inicial do empreendimento, acenada neste recurso, é matéria fática que ultrapassa os limites do procedimento de dúvida, no qual não se admite dilação probatória. Ademais, a solução administrativa somente seria possível com a concordância de todos os interessados no registro. Verifica-se, por fim, ser pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido de que a existência de erros pretéritos do registro não autorizam nova e repetida prática do ato registrário irregular, inexistindo direito adquirido ao engano (Apelações Cíveis n°s 28.280-0/1, 14.094-0/5, 15.372-0/1, 13.616-0/1, entre outras). Esta é a orientação geral, cuja manutenção se impõe, pois somente na via jurisdicional, mediante contraditório, é que, em regra, se viabiliza a constatação desses dois requisitos, quais seja, a comprovação da descaracterização da proposta inicial do parcelamento e a inocorrência de ofensa ao direto de terceiros. A situação fática e registraria expressa nos presentes autos revela, no entanto, seja por estar tabular e documentalmente comprovada, de modo a evidenciar a desnecessidade de produção de outras provas, a flagrante descaracterização, na referida quadra, da proposta inicial do loteamento, seja em função dos termos em que redigida a própria restrição convencional, expressa no sentido de que instituída em favor dos terrenos contíguos, limitando aos terrenos da mencionada quadra o interesse na manutenção da restrição, excepcional hipótese de viabilidade da utilização da via administrativa para o reconhecimento da descaracterização da proposta inicial do empreendimento, a autorizar o atendimento da pretensão da recorrida e o levantamento, na quadra, da restrição imposta, há quase meio século, pelo loteador” (Recurso Administrativo 791/2004,04/12/2005).
Como visto, são requisitos essenciais para o cancelamento administrativo a comprovação inequívoca da descaracterização da proposta original de parcelamento da área e a inexistência de prejuízo a terceiros.
No presente caso, em que pese a indicação de que o imóvel se encontra atualmente localizado em zona ZCOR-1, referente ao primeiro requisito, não há qualquer elemento nos autos capaz de demonstrar que as restrições referem-se apenas ao imóvel em questão e não ao de outros vizinhos, à vista do que não se pode afastar de plano e nesta esfera administrativa eventual ofensa a direito de terceiros, os quais podem ter interesse em não ver construídas em sua quadra ou no logradouro obras que não se enquadrem nas limitações impostas.
Nesse contexto, de rigor o indeferimento do pedido.
Observe-se que a pretensão pode ser buscada pela via judicial, com participação de todos os possíveis interessados e respeito ao contraditório.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências formulado para manter o óbice.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 25 de novembro de 2025.
Marcela Machado Martiniano
Juíza de Direito. (DJEN de 26.11.2025 – SP)

5- 1VRP/SP: EMENTA (NÃO OFICIAL)
Registro de Imóveis – Dúvida registrária – Escritura pública de compra e venda de fração ideal de área comum – Matrícula individualizada desprovida de inscrição própria no Cadastro Imobiliário Fiscal municipal – Exigência de regularidade tributária como pressuposto do registro – Impossibilidade de aferição do valor venal e apuração do ITBI – Princípios da legalidade estrita e da qualificação registral – Autonomia do oficial na recusa fundamentada – Irrelevância de registros pretéritos em desconformidade – Aplicação da legislação municipal e das Normas da Corregedoria – Procedência da dúvida – Manutenção do óbice registrário.

Processo 1115844-98.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Vht Empreendimentos Ltda. – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: EDISON DEBUSSULO (OAB 128091/SP)
Íntegra da decisão:
Processo Digital nº: 1115844-98.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 5º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Vht Empreendimentos Ltda.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). MARCELA MACHADO MARTINIANO
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 05º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, a requerimento de VHT EMPREENDIMENTOS LTDA, diante da negativa de registro de escritura pública de compra e venda, ante a ausência de inscrição própria no Cadastro Imobiliário Fiscal da Prefeitura de São Paulo do imóvel. Afirma que a interessada pretende o registro de 1/18 avos do imóvel de matrícula nº 87.644 (área comum que serve de acesso aos imóveis da vila). A matrícula 87.644 possui diversos números de contribuintes vinculados, porém são todos correspondentes às unidades autônomas e nenhum referente à área comum. Aduz que a falta da inscrição impede a verificação da regularidade tributária e base legal para o correto cálculo do ITBI.
Vieram documentos às fls. 07/107.
A VHT EMPREENDIMENTOS LTDA. apresentou impugnação às fls. 108/115, alegando, em síntese, que o registrador, em atos pretéritos, efetivou outros registros com a mesma situação, perante a mesma matrícula. Aduz que o fato de inexistir a inscrição cadastral não inviabiliza a aferição correta do valor venal para os efeitos de recolhimentos do ITBI. Requer a improcedência da dúvida.
O Ministério Público apresentou manifestação às fls. 136/138 pela procedência da dúvida.
É o relatório.
FUNDAMENTO E DECIDO.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que prevê o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
Ainda, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994).
No mérito, a dúvida é procedente.
Pretende o suscitado o registro de escritura pública de compra e venda de 1/18 do imóvel objeto da matrícula nº 87.644, que consiste em área comum que serve de acesso aos imóveis da vila.
Pois bem.
Embora a área comum possua matrícula individualizada perante o Cartório de Registro de Imóveis, não possui inscrição cadastral própria no Município, conforme dispõe o art. 2º da Lei Municipal nº 10.819/1989:
“Art. 2º Todos os imóveis, construídos ou não, situados na zona urbana do Município, inclusive os que gozem de imunidade ou isenção, devem ser inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal.”
Sem prejuízo, o decreto Municipal nº 55.196/2014 prevê a obrigatoriedade, bem como o fato gerador e incidência do ITBI:
“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “Inter Vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição ITBI-IV tem como fato gerador:
I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:
a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;” Ainda, o decreto Municipal nº 55.196/2014, em seu artigo 07º, estabelece a base de cálculo para a apuração do ITBI:
“Art. 7º A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.”
Sendo assim, sem a inscrição, não há como aferir o valor venal da fração ideal, inviabilizando o recolhimento do ITBI, condição essencial para o registro.
No mais, quanto à afirmação de que o Oficial teria efetuado registros anteriores sem exigir a inscrição cadastral, em contradição com a exigência sob exame, é de rigor recordar, e reafirmar, a jurisprudência administrativa, segundo a qual erros pretéritos não autorizam nem legitimam outros, bem como não se prestam a respaldar o ato registral pretendido.
Nesse sentido:
REGISTRO DE IMÓVEIS Escritura Pública de inventário e partilha Ofensa aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva CCIR com dados desatualizados, em desacordo com o resultado de retificação averbada na matrícula do bem imóvel há mais de quatro anos Exigência de atualização pertinente Erros pretéritos não justificam outros Reconhecimento do desacerto das exigências ligadas ao ITR Desnecessidade de exibição de certidões negativas de débitos relativas a tributos despegados do ato registral intencionado Dúvida procedente Recurso desprovido, com observação. (TJSP; Apelação Cível 0000063-04.2016.8.26.0539; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Santa Cruz do Rio Pardo – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2017; Data de Registro: 31/03/2017)
Por fim, a jurisprudência indicada pelo suscitado (nº 1003283- 91.2020.8.26.0655) trata de situação distinta, eis que o óbice se deu em razão de existir divergência entre a certidão de cadastro imobiliário expedida pelo Município de Várzea Paulista e a matrícula do imóvel. No presente caso, sequer há cadastro imobiliário perante o Município de São Paulo.
Como bem apontou o Ministério Público, não se trata apenas de precisão descritiva, mas de verificação de regularidade fiscal, aspecto que o título não supre, já que a área comum não possui inscrição municipal para fins de ITBI.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 25 de novembro de 2025.
Marcela Machado Martiniano
Juíza de Direito.

Fonte: DJE/SP 26.11.2025-SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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