Processo 1116620-98.2025.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Eliana da Silva – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário tão somente em relação à questão da alienação fiduciária. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CARLOS HENRIQUE MENDES DIAS (OAB 171260/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1116620-98.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Suscitado: Eliana da Silva
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodrigo Jae Hwa An
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Eliana da Silva. Alega, em síntese, que lhe foi apresentada carta de sentença arbitral, prenotada sob nº 560.804, a qual foi desqualificada tendo em vista que a sentença arbitral consiste em adjudicação compulsória do imóvel objeto da matrícula 134.574, de modo que deve ser formalizada através de procedimento judicial em uma das varas cíveis da capital ou extrajudicial, perante o tabelião de notas.
Vieram documentos às fls. 04/27.
A suscitada foi notificada para apresentar sua impugnação (fl. 25), mas quedou-se inerte (fl. 28).
O Ministério Público manifestou-se às fls. 31/32 pela parcial procedência da dúvida.
A suscitada apresentou impugnação (fls. 34/45).
É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.
No mérito, a dúvida é procedente.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
É o que se extrai do item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ): “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.
A carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, nos termos do artigo 31 da Lei n. 9.307/96 e artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/73. Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no pedido de providências n. 0004727-02.2018.2.00.0000 e na consulta n. 0008630-40.2021.2.00.0000, orientada por parecer da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro no âmbito do CNJ.
Mesmo que a carta arbitral equipare-se aos títulos judiciais, não está isenta de qualificação para ingresso no fólio real. Em verdade, o título derivado de sentença proferida por juiz togado também deve atender a requisitos formais próprios de toda carta de sentença para que seja admitido como título hábil ao registro, sujeitando-se à qualificação.
Nesse sentido, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).
A mesma orientação foi seguida na Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
E, ainda:
“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Conclui-se, portanto, que a origem dos títulos, seja arbitral ou judicial, não basta para garantir ingresso automático no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.
Nesse contexto, considerando que a interpretação conferida pelo CNJ ao artigo 221, inciso IV, da Lei n. 6.015/73 é no sentido de que a carta arbitral é título hábil para inscrição independentemente de manifestação do Poder Judiciário, incumbirá ao Registrador a verificação dos requisitos formais e, havendo dúvida acerca de sua autenticidade, poderá devolvê-la, esclarecendo sua motivação e exigindo providências suficientes para contornar a insegurança detectada.
Releva destacar, ainda, que o registro somente será possível se houver observância do princípio da continuidade, consoante explicado por Afrânio de Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª edição, página 254).
O título, portanto, deve estar em conformidade com o inscrito no registro.
No caso, pretende a suscitada o registro de carta de sentença arbitral, com consequente cancelamento das averbações de alienação fiduciária constantes da matrícula nº 134.574, conforme determinado na sentença arbitral.
Da referida matrícula consta registro de alienação fiduciária (fls. 20/24).
Por força do princípio da continuidade registral, o registro não pode ser realizado sem a correspondência entre o título atual e os anteriores para garantir a existência de uma vinculação lógica, sequencial e ininterrupta entre o título, o fólio real, os sujeitos de direitos inscritos e o imóvel. Ou seja, o título deve estar em conformidade com o quanto inscrito no registro.
Neste contexto, para cancelamento da alienação fiduciária, faz-se necessária a apresentação do termo de quitação expedido pela credora fiduciária, nos termos do artigo 25, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.514/1997, e do item 231, do Capítulo XX, das NSCGJ:
“Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.
§ 1º No prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de liquidação da dívida, o fiduciário fornecerá o termo de quitação ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante.
§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da propriedade fiduciária”.
“231. O termo de quitação emitido pelo credor fiduciário é o título hábil para averbar a reversão da propriedade plena para o nome do devedor fiduciante, mediante cancelamento do registro da propriedade fiduciária, só substituível por quitação constante de escritura pública, ou de instrumento particular com força de escritura pública, ou por sentença judicial, transitada em julgado”.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame. Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente pedido de adjudicação compulsória de imóvel. O autor adquiriu o imóvel em questão e obteve a posse por decisão judicial, mas não conseguiu a outorga da escritura pública devido à alienação fiduciária ainda vigente. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível a adjudicação compulsória de imóvel ainda vinculado a contrato de alienação fiduciária, sem a quitação integral do financiamento e a anuência do credor fiduciário. III. Razões de Decidir 3. A adjudicação compulsória requer a comprovação do pagamento integral do preço e a disponibilidade da propriedade para transferência, o que não ocorre devido à alienação fiduciária vigente. 4. A anuência do credor fiduciário é indispensável para a cessão do contrato de financiamento, conforme a Lei nº 9.514/97 e o Código Civil, artigos 29 e 299. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A adjudicação compulsória é inviável sem a quitação do financiamento e a anuência do credor fiduciário. 2. A transferência de propriedade depende da extinção do direito da credora fiduciária. Legislação Citada: Lei nº 9.514/97, art. 29; Código Civil, art. 299. Jurisprudência Citada: STJ, REsp nº 1.489.565/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 05.12.2017. TJSP, Apelação Cível nº 1024303-74.2022.8.26.0007, Rel. Emerson Sumariva Júnior, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 20.03.2025. TJSP, Apelação Cível nº 1009527-76.2022.8.26.0037, Rel. Angela Moreno Pacheco de Rezende Lopes, 10ª Câmara de Direito Privado, j. 28.02.2024. TJSP, Apelação Cível nº 0008087-70.2009.8.26.0408, Rel. Rui Cascaldi, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 24.11.2023 (TJSP; Apelação Cível 1031261-60.2022.8.26.0562; Relator (a): Mônica de Carvalho; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/04/2025; Data de Registro: 04/04/2025)
Se impossível a apresentação do termo de quitação, o levantamento deverá ser pleiteado na via jurisdicional, com garantia de contraditório e ampla defesa, o que é incompatível com os limites estreitos desta via administrativa, conforme determina o artigo 250, inciso I, da Lei n. 6.015/1973:
“Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:
I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado”.
Em outros termos, na impossibilidade de apresentação do termo de quitação expedido pela credora fiduciária, caberá à parte interessada a obtenção de título com ordem judicial expressa para o cancelamento da alienação fiduciária.
No que tange às alegações da suscitada (fls. 34/46) de que o juízo arbitral determinou o cancelamento da garantia, estas não prosperam frente aos princípios registrais. O árbitro não detém jurisdição sobre terceiros que não integraram o compromisso arbitral. O credor fiduciário (Banco) detém a propriedade resolúvel do imóvel. A ordem emanada de juízo arbitral em litígio entre particulares (comprador e vendedor) é ineficaz para extinguir direito real de garantia de instituição financeira que não participou da arbitragem. A quitação deve ser formal (art. 25 da Lei 9.514/97) ou suprida por Juiz de Direito com competência para atingir a esfera jurídica do credor.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário tão somente em relação à questão da alienação fiduciária.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 01 de dezembro de 2025.
Rodrigo Jae Hwa An
Juiz de Direito
Fonte: DJE/SP 02.12.2025-SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.



