Apelação n° 1043414-51.2025.8.26.0100
Número: 1043414-51.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1043414-51.2025.8.26.0100
Registro: 2025.0001294387
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1043414-51.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SERGIO LUIZ DA CRUZ BATISTA, é apelado 7º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1043414-51.2025.8.26.0100
Apelante: Sergio Luiz da Cruz Batista
Apelado: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 44.003
Registros públicos – Dúvida inversa – Promessa de cessão de direitos – Reconhecimento de firma – Ratificação – Impossibilidade material – Inexistência dos cartões de assinatura – Decurso de mais de trinta anos – Mitigação do controle da legalidade – Princípio da proporcionalidade – Título registrável – Dúvida improcedente – Apelação provida.
I. Caso em exame.
1. Dúvida inversa suscitada contra exigência de ratificação de reconhecimentos de firma em instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos datado de 1989.
2. O MM Juízo Corregedor Permanente considerou a dúvida prejudicada. 3. Irresignado, o interessado recorreu: alega que a exigência não possui amparo legal.
II. Questões em Discussão. 4. Possibilidade de manutenção da exigência referente à ratificação de reconhecimentos de firma quando, em razão do decurso do tempo e da inexistência dos cartões de assinatura, não é mais possível a confirmação da autenticidade. 5. Examina-se ainda se a dúvida estaria prejudicada pela ausência de impugnação de outras exigências.
III. Razões de Decidir. 6. A reapresentação do título gerou nova prenotação, na qual remanescera apenas a exigência de ratificação das firmas, sendo irrelevantes exigências relativas a títulos diversos e outras prenotações. 7. A insurgência circunscreveu- se ao único óbice subsistente. 8. A dúvida não está prejudicada. 9. A exigência deve ser afastada, pois o cumprimento se tornou materialmente impossível, em razão da inutilização dos arquivos notariais e da ausência de meios técnicos para confirmação do sinal público, especialmente diante do longo lapso temporal transcorrido sem impugnação do negócio jurídico. 10. A impossibilidade de cumprimento da exigência legitima a mitigação do rigor da legalidade formal, à luz do princípio da proporcionalidade, e, assim, o ingresso na serventia predial.
IV. Dispositivo. 11. Apelação provida. Dúvida julgada improcedente.
Tese de julgamento: É indevida a exigência de ratificação de reconhecimentos de firma em título particular antigo quando, em razão do decurso do tempo e da inexistência dos cartões de assinatura, regularmente inutilizados, se torna impossível a confirmação da autenticidade do sinal público, sendo admissível a mitigação do rigor da legalidade formal para permitir o registro.
Legislação relevante citada: NSCGJ, Cap. XVI, itens 18, c, e Cap. XX, subitem 39.1.2.
Ao suscitar a dúvida inversa de fls. 1-6, o apelante Sérgio Luiz da Cruz Batista, pretendendo o registro do instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, insurgiu-se contra a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma dos contratantes, assinaturas apostas no título datado de 30 de junho de 1989, prenotado sob o n.º 580.662.
Diante do cancelamento da prenotação, foi determinado ao interessado a reapresentação do título (fls. 48-49, item 3), providência atendida, que ensejou a prenotação n.º 592.172 (fls. 53). Na sequência, o Oficial, em manifestação de fls. 55-57, afirmou a persistência do óbice, tendo tratado ainda de prenotações de outros títulos apresentados pelo interessado, entendendo que deveriam ser reapresentados.
O MM Juízo Corregedor Permanente considerou a dúvida prejudicada, ao concluir que o interessado não se insurgiu contra todas as exigências formuladas pelo Oficial; a título de orientação, enfrentou a exigência contestada, reconhecendo-lhe a pertinência (fls. 63-68). Em seguida, os embargos opostos foram rejeitados (fls. 73-77 e 79).
Irresignado, o interessado interpôs apelação. Nas razões de fls. 82-87, sustentou, em síntese, que a exigência carece de respaldo legal, pois inexistiria necessidade de confirmação dos reconhecimentos de firma, válidos e eficazes, e pediu pelo julgamento improcedente da dúvida, afastando a sua alegada prejudicialidade.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de fls. 108-111, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
1. O dissenso versa a respeito do registro do instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, contrato ajustado, no dia 30 de junho de 1989, entre Manoel Ferreira Barbosa, falecido no dia 6 de junho de 2014 (fls. 39), e Coraly da Cruz Batista, mãe do recorrente (fls. 7-9), falecida no dia 29 de abril de 2005 (fls. 14).
Os direitos cedidos e transferidos decorrem de contrato de venda e compra celebrado, em 20 de maio de 1983, entre o promitente cedente Manoel Ferreira Barbosa e a então proprietária do bem imóvel, Titanus Comercial e Construtora Ltda., título objeto do r. 2 da matrícula n.º 34.059, vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, ajustado nos termos da Lei n.º 4.380/1964, com pacto adjeto de hipoteca, garantia registrada sob o r. 3), cuja inscrição foi sucedida pelas averbações da cédula hipotecária expedida e de suas transferências (av. 4, 8 e 9).
2. O título – instrumento particular de promessa de cessão e transferência – ao ser apresentado a registro, prenotado sob o n.º 580.562, foi devolvido com exigências, assim formuladas:
I. Trata-se de instrumento particular de compromisso de venda e compra datada de 30 de junho de 1989, com carimbo de reconhecimento de firmas pelo Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera, desta Capital, de 30/06/1989. Pela data longeva dos reconhecimentos de firmas e em observância ao princípio da legalidade dos títulos, esta serventia manteve contato com o aludido Tabelião de Notas, para verificar se autênticos os reconhecimentos de firmas das partes, tendo sido informado que, apesar da aparente semelhança da assinatura do escrevente subscritor das firmas, não haveria arquivamento no Cartório de Notas, de cartão para comprovar as firmas reconhecidas. Por isso, indispensável a ratificação do reconhecimento das mesmas firmas, para possibilitar seu ingresso no assentamento imobiliário (Arts. 221, II, da Lei 6.015/73).
II. O interessado deverá apresentar certidão de nascimento atualizada em sua via original ou mediante cópia autenticada do compromitente vendedor: MANOEL FERREIRA BARBOSA, para aferir se mantido seu respectivo estado civil de solteiro na data do presente instrumento, já que, caso tenha ocorrido alguma alteração no estado civil do mesmo, posteriormente à aquisição, tal fato poderá ocasionar repercussões jurídicas e patrimoniais (Provimento CG n.º 18/2020 de 15/07/2020, que altera o subitem 118.1 e acrescenta o subitem 118.2 no Capítulo XVI do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
III. Verifica-se que o compromissário comprador ALCIDES BATISTA, está precariamente qualificado, sendo necessário a apresentação em cópias autenticadas do RG e CPF, para possibilitar a inclusão de seus dados identificadores no registro pretendido, em observância ao princípio da especialidade subjetiva e requisitos exigidos pelo art. 176, § 1.º, III, n.º 2, letra “a” da Lei n.º 6.015/73.
Ao suscitar a dúvida inversa, o interessado, ora apelante, apresentou tanto a certidão de nascimento atualizada quanto a de óbito do promitente cedente Manoel Ferreira Barbosa, provando a inexistência de alteração de seu estado civil de solteiro (fls. 38-39), e, além disso, as cópias autenticadas do RG e CPF de seu genitor, Alcides Batista (fls.13), com quem a sua mãe, Coraly da Cruz Batista, promissária cessionária, era casada sob o regime da comunhão universal de bens à época da promessa de cessão e transferência sob exame.
Desse modo, embora tardiamente – quando já cessada a eficácia da prenotação n.º 580.562 –, foram atendidas as exigências constantes dos itens II e III da nota devolutiva de fls. 44 acima reportada.
Seja como for, por ocasião da prenotação n.º 592.172 (fls. 53), resultante da dúvida inversa, da decisão de fls. 48-49, item 3, e, sobretudo, da reapresentação do título aquisitivo, nos termos do subitem 39.1.2. do Capítulo XX das NSCGJ, t. II, remanescia pendente apenas a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma dos contratantes, a única, portanto, questionada, efetivamente controvertida nestes autos.
Sob essa ótica, a dúvida não se encontra prejudicada. Ora, a ausência de impugnação das exigências listadas nas prenotações 574.005 e 580.561 (fls. 40-41), referentes a outros títulos apresentados pelo recorrente – notadamente a escritura de inventário dos espólios de Coraly da Cruz Batista e Alcides Batista e o instrumento particular que tem por objeto autorização para cancelamento da hipoteca (fls. 20-29 e 43) – é irrelevante.
Não se pretende, não foi requerido in concreto, o registro da escritura de inventário, nem o cancelamento da hipoteca e da cédula hipotecária. Ademais, o registro intencionado independe desses atos, ao passo que dele, isto sim, depende o registro da escritura de inventário, em atenção ao princípio da continuidade registral, ressalva aliás feita na nota devolutiva de fls. 40, relativa à da prenotação n.º 574.005.
3. A dúvida, sob outro prisma, é improcedente, razão pela qual a apelação deve ser provida. Embora desatendida a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma, o título aquisitivo comporta registro, em razão da impossibilidade de cumprimento dessa exigência.
A confirmação da autenticidade dos reconhecimentos de firma restou comprometida pela não localização dos correspondentes cartões de assinaturas, os quais, ao que se infere, foram inutilizados – sem microfilmagem ou gravação de imagem por processo eletrônico – pelo Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera desta Capital, com amparo nas NSCGJ, diante do decurso do prazo de vinte anos (item 18, c, do Capítulo XVI).
Assim, o lapso temporal transcorrido desde a prática dos atos de autenticação notarial – então superior a trinta anos – impede o atendimento da ratificação exigida, circunstância que legitima o pontual afastamento da exigência, sobretudo se considerado que, durante todo esse período, não há notícia de impugnações ao contrato ou de litígios relativos ao exercício dos direitos cedidos sobre o imóvel matriculado sob o n.º 34.059.
Sob essa perspectiva, o juízo negativo de qualificação registral deve ser afastado, seja pela impossibilidade de confirmação do sinal público do preposto que subscreveu os reconhecimentos de firma – considerando que CENSEC e o módulo da Central Nacional de Sinal Público (CNSIP) somente foram instituídos em 2012, pelo Provimento CNJ n.º 18/2012 – seja pela inutilização dos cartões de assinatura dos contratantes, estes falecidos.
Cumpre ainda observar que o título apresentado, escrito particular assinado pelos contratantes, com firmas reconhecidas, embora não mais passível de confirmação da autenticação notarial, constitui documento formalmente idôneo e apto ao ingresso na serventia predial.
Nessa linha, a garantia de autenticidade remanescente – garantia mínima então preservada – corroborada pelo decurso de longo período sem qualquer contestação do contrato ou dos direitos cedidos, revela-se suficiente, à luz particularidades do caso concreto, para autorizar a mitigação do rigor da legalidade formal no controle registral.
Sob esse enfoque, é sempre atual a lição de Miguel Maria de Serpa Lopes, in verbis:
Um princípio devem todos ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis tôda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que tôda a propriedade imobiliária, e todos os direitos sôbre ela recaídos fiquem sob o amparo de regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios.[1]
Aliás, sob o ângulo da segurança jurídica – finalidade precípua do registro –, mais se perde com a manutenção da recusa do ingresso do título do que com os riscos, aqui meramente hipotéticos, da qualificação positiva. Definitivamente, o que se perde com a exigência é de maior relevo.
Como acentua Luís Roberto Barroso, em lição aplicável à solução do presente dissenso, o princípio da proporcionalidade “pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.”[2]
Trata-se aliás de orientação plenamente compatível com o temperamento da legalidade formal e com a ponderação característica do juízo prudencial, de natureza prática, própria da qualificação registral, sempre pautada pelas circunstâncias concretas do caso. [3]
Em conclusão, o instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, então contrato de fls. 35-37, deve ser registrado, afastando-se a exigência remanescente, impossível de ser cumprida.
Ante o todo exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO apelação, julgando improcedente a dúvida.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Tratado de Registros Públicos: Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Registro de Títulos e Documentos e Registro de Imóveis. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1962, p. 346, v. II.
[2] Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 292.
[3] A respeito do tema, cf. Ricardo Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário, n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992, p. 40-42. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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