CSM/SP: Registros públicos – Dúvida inversa – Promessa de cessão de direitos – Reconhecimento de firma – Ratificação – Impossibilidade material – Inexistência dos cartões de assinatura – Decurso de mais de trinta anos – Mitigação do controle da legalidade – Princípio da proporcionalidade – Título registrável – Dúvida improcedente – Apelação provida

Apelação n° 1043414-51.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1043414-51.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1043414-51.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001294387

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1043414-51.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SERGIO LUIZ DA CRUZ BATISTA, é apelado 7º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1043414-51.2025.8.26.0100

Apelante: Sergio Luiz da Cruz Batista

Apelado: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 44.003

Registros públicos – Dúvida inversa – Promessa de cessão de direitos – Reconhecimento de firma – Ratificação – Impossibilidade material – Inexistência dos cartões de assinatura – Decurso de mais de trinta anos – Mitigação do controle da legalidade – Princípio da proporcionalidade – Título registrável – Dúvida improcedente – Apelação provida.

ICaso em exame.

1. Dúvida inversa suscitada contra exigência de ratificação de reconhecimentos de firma em instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos datado de 1989.

2. O MM Juízo Corregedor Permanente considerou a dúvida prejudicada. 3. Irresignado, o interessado recorreu: alega que a exigência não possui amparo legal.

II. Questões em Discussão4. Possibilidade de manutenção da exigência referente à ratificação de reconhecimentos de firma quando, em razão do decurso do tempo e da inexistência dos cartões de assinatura, não é mais possível a confirmação da autenticidade. 5. Examina-se ainda se a dúvida estaria prejudicada pela ausência de impugnação de outras exigências.

III. Razões de Decidir. 6. A reapresentação do título gerou nova prenotação, na qual remanescera apenas a exigência de ratificação das firmas, sendo irrelevantes exigências relativas a títulos diversos e outras prenotações. 7. A insurgência circunscreveu- se ao único óbice subsistente. 8. A dúvida não está prejudicada. 9. A exigência deve ser afastada, pois o cumprimento se tornou materialmente impossível, em razão da inutilização dos arquivos notariais e da ausência de meios técnicos para confirmação do sinal público, especialmente diante do longo lapso temporal transcorrido sem impugnação do negócio jurídico. 10. A impossibilidade de cumprimento da exigência legitima a mitigação do rigor da legalidade formal, à luz do princípio da proporcionalidade, e, assim, o ingresso na serventia predial.

IVDispositivo11. Apelação provida. Dúvida julgada improcedente.

Tese de julgamento: É indevida a exigência de ratificação de reconhecimentos de firma em título particular antigo quando, em razão do decurso do tempo e da inexistência dos cartões de assinatura, regularmente inutilizados, se torna impossível a confirmação da autenticidade do sinal público, sendo admissível a mitigação do rigor da legalidade formal para permitir o registro.

Legislação relevante citada: NSCGJ, Cap. XVI, itens 18, c, e Cap. XX, subitem 39.1.2.

Ao suscitar a dúvida inversa de fls. 1-6, o apelante Sérgio Luiz da Cruz Batista, pretendendo o registro do instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, insurgiu-se contra a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma dos contratantes, assinaturas apostas no título datado de 30 de junho de 1989, prenotado sob o n.º 580.662.

Diante do cancelamento da prenotação, foi determinado ao interessado a reapresentação do título (fls. 48-49, item 3), providência atendida, que ensejou a prenotação n.º 592.172 (fls. 53). Na sequência, o Oficial, em manifestação de fls. 55-57, afirmou a persistência do óbice, tendo tratado ainda de prenotações de outros títulos apresentados pelo interessado, entendendo que deveriam ser reapresentados.

O MM Juízo Corregedor Permanente considerou a dúvida prejudicada, ao concluir que o interessado não se insurgiu contra todas as exigências formuladas pelo Oficial; a título de orientação, enfrentou a exigência contestada, reconhecendo-lhe a pertinência (fls. 63-68). Em seguida, os embargos opostos foram rejeitados (fls. 73-77 e 79).

Irresignado, o interessado interpôs apelação. Nas razões de fls. 82-87, sustentou, em síntese, que a exigência carece de respaldo legal, pois inexistiria necessidade de confirmação dos reconhecimentos de firma, válidos e eficazes, e pediu pelo julgamento improcedente da dúvida, afastando a sua alegada prejudicialidade.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de fls. 108-111, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa a respeito do registro do instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, contrato ajustado, no dia 30 de junho de 1989, entre Manoel Ferreira Barbosa, falecido no dia 6 de junho de 2014 (fls. 39), e Coraly da Cruz Batista, mãe do recorrente (fls. 7-9), falecida no dia 29 de abril de 2005 (fls. 14).

Os direitos cedidos e transferidos decorrem de contrato de venda e compra celebrado, em 20 de maio de 1983, entre o promitente cedente Manoel Ferreira Barbosa e a então proprietária do bem imóvel, Titanus Comercial e Construtora Ltda., título objeto do r. 2 da matrícula n.º 34.059, vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, ajustado nos termos da Lei n.º 4.380/1964, com pacto adjeto de hipoteca, garantia registrada sob o r. 3), cuja inscrição foi sucedida pelas averbações da cédula hipotecária expedida e de suas transferências (av. 4, 8 e 9).

2. O título – instrumento particular de promessa de cessão e transferência – ao ser apresentado a registro, prenotado sob o n.º 580.562, foi devolvido com exigências, assim formuladas:

I. Trata-se de instrumento particular de compromisso de venda e compra datada de 30 de junho de 1989, com carimbo de reconhecimento de firmas pelo Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera, desta Capital, de 30/06/1989. Pela data longeva dos reconhecimentos de firmas e em observância ao princípio da legalidade dos títulos, esta serventia manteve contato com o aludido Tabelião de Notas, para verificar se autênticos os reconhecimentos de firmas das partes, tendo sido informado que, apesar da aparente semelhança da assinatura do escrevente subscritor das firmas, não haveria arquivamento no Cartório de Notas, de cartão para comprovar as firmas reconhecidas. Por isso, indispensável a ratificação do reconhecimento das mesmas firmas, para possibilitar seu ingresso no assentamento imobiliário (Arts. 221, II, da Lei 6.015/73).

II. O interessado deverá apresentar certidão de nascimento atualizada em sua via original ou mediante cópia autenticada do compromitente vendedor: MANOEL FERREIRA BARBOSApara aferir se mantido seu respectivo estado civil de solteiro na data do presente instrumento, já que, caso tenha ocorrido alguma alteração no estado civil do mesmo, posteriormente à aquisição, tal fato poderá ocasionar repercussões jurídicas e patrimoniais (Provimento CG n.º 18/2020 de 15/07/2020, que altera o subitem 118.1 e acrescenta o subitem 118.2 no Capítulo XVI do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).

III. Verifica-se que o compromissário comprador ALCIDES BATISTA, está precariamente qualificado, sendo necessário a apresentação em cópias autenticadas do RG e CPF, para possibilitar a inclusão de seus dados identificadores no registro pretendido, em observância ao princípio da especialidade subjetiva e requisitos exigidos pelo art. 176, § 1.º, III, n.º 2, letra “a” da Lei n.º 6.015/73.

Ao suscitar a dúvida inversa, o interessado, ora apelante, apresentou tanto a certidão de nascimento atualizada quanto a de óbito do promitente cedente Manoel Ferreira Barbosa, provando a inexistência de alteração de seu estado civil de solteiro (fls. 38-39), e, além disso, as cópias autenticadas do RG e CPF de seu genitor, Alcides Batista (fls.13), com quem a sua mãe, Coraly da Cruz Batista, promissária cessionária, era casada sob o regime da comunhão universal de bens à época da promessa de cessão e transferência sob exame.

Desse modo, embora tardiamente – quando já cessada a eficácia da prenotação n.º 580.562 –, foram atendidas as exigências constantes dos itens II e III da nota devolutiva de fls. 44 acima reportada.

Seja como for, por ocasião da prenotação n.º 592.172 (fls. 53), resultante da dúvida inversa, da decisão de fls. 48-49, item 3, e, sobretudo, da reapresentação do título aquisitivo, nos termos do subitem 39.1.2. do Capítulo XX das NSCGJ, t. II, remanescia pendente apenas a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma dos contratantes, a única, portanto, questionada, efetivamente controvertida nestes autos.

Sob essa ótica, a dúvida não se encontra prejudicada. Ora, a ausência de impugnação das exigências listadas nas prenotações 574.005 e 580.561 (fls. 40-41), referentes a outros títulos apresentados pelo recorrente – notadamente a escritura de inventário dos espólios de Coraly da Cruz Batista e Alcides Batista e o instrumento particular que tem por objeto autorização para cancelamento da hipoteca (fls. 20-29 e 43) – é irrelevante.

Não se pretende, não foi requerido in concreto, o registro da escritura de inventário, nem o cancelamento da hipoteca e da cédula hipotecária. Ademais, o registro intencionado independe desses atos, ao passo que dele, isto sim, depende o registro da escritura de inventário, em atenção ao princípio da continuidade registral, ressalva aliás feita na nota devolutiva de fls. 40, relativa à da prenotação n.º 574.005.

3. A dúvida, sob outro prisma, é improcedente, razão pela qual a apelação deve ser provida. Embora desatendida a exigência de ratificação dos reconhecimentos de firma, o título aquisitivo comporta registro, em razão da impossibilidade de cumprimento dessa exigência.

A confirmação da autenticidade dos reconhecimentos de firma restou comprometida pela não localização dos correspondentes cartões de assinaturas, os quais, ao que se infere, foram inutilizados – sem microfilmagem ou gravação de imagem por processo eletrônico – pelo Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Itaquera desta Capital, com amparo nas NSCGJ, diante do decurso do prazo de vinte anos (item 18, c, do Capítulo XVI).

Assim, o lapso temporal transcorrido desde a prática dos atos de autenticação notarial – então superior a trinta anos – impede o atendimento da ratificação exigida, circunstância que legitima o pontual afastamento da exigência, sobretudo se considerado que, durante todo esse período, não há notícia de impugnações ao contrato ou de litígios relativos ao exercício dos direitos cedidos sobre o imóvel matriculado sob o n.º 34.059.

Sob essa perspectiva, o juízo negativo de qualificação registral deve ser afastado, seja pela impossibilidade de confirmação do sinal público do preposto que subscreveu os reconhecimentos de firma – considerando que CENSEC e o módulo da Central Nacional de Sinal Público (CNSIP) somente foram instituídos em 2012, pelo Provimento CNJ n.º 18/2012 – seja pela inutilização dos cartões de assinatura dos contratantes, estes falecidos.

Cumpre ainda observar que o título apresentado, escrito particular assinado pelos contratantes, com firmas reconhecidas, embora não mais passível de confirmação da autenticação notarial, constitui documento formalmente idôneo e apto ao ingresso na serventia predial.

Nessa linha, a garantia de autenticidade remanescente – garantia mínima então preservada – corroborada pelo decurso de longo período sem qualquer contestação do contrato ou dos direitos cedidos, revela-se suficiente, à luz particularidades do caso concreto, para autorizar a mitigação do rigor da legalidade formal no controle registral.

Sob esse enfoque, é sempre atual a lição de Miguel Maria de Serpa Lopes, in verbis:

Um princípio devem todos ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis tôda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que tôda a propriedade imobiliária, e todos os direitos sôbre ela recaídos fiquem sob o amparo de regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios.[1]

Aliás, sob o ângulo da segurança jurídica – finalidade precípua do registro –, mais se perde com a manutenção da recusa do ingresso do título do que com os riscos, aqui meramente hipotéticos, da qualificação positiva. Definitivamente, o que se perde com a exigência é de maior relevo.

Como acentua Luís Roberto Barroso, em lição aplicável à solução do presente dissenso, o princípio da proporcionalidade “pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.”[2]

Trata-se aliás de orientação plenamente compatível com o temperamento da legalidade formal e com a ponderação característica do juízo prudencial, de natureza prática, própria da qualificação registral, sempre pautada pelas circunstâncias concretas do caso. [3]

Em conclusão, o instrumento particular de promessa de cessão e transferência de direitos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 34.059 do 7.º RI desta Capital, então contrato de fls. 35-37, deve ser registrado, afastando-se a exigência remanescente, impossível de ser cumprida.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO apelação, julgando improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Tratado de Registros PúblicosRegistro Civil das Pessoas JurídicasRegistro de Títulos e Documentos e Registro de Imóveis. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1962, p. 346, v. II.

[2] Curso de Direito Constitucional contemporâneoos conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 292.

[3] A respeito do tema, cf. Ricardo Dip. Sobre a qualificação no registro de imóveis. In: Revista de Direito Imobiliário, n. 29, p. 33-72, janeiro-junho 1992, p. 40-42. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Inventário e partilha – Doação – Apelação provida.Razões de Decidir: A identificação dos donatários na escritura pública foi feita de forma individual, sem incluir os cônjuges como beneficiários diretos, indicando que a doação não foi conjuntiva. A menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados” refere-se à relação entre os doadores (marido e mulher) e os donatários, caracterizando a doação como uma liberalidade singular. A lista de donatários na escritura de doação não incluiu os cônjuges, reforçando que a doação não foi feita ao casal e a nomeação dos cônjuges ocorreu apenas para atendimento à especialidade subjetiva.

Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000603-84.2025.8.26.0356
Comarca: MIRANDÓPOLIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356

Registro: 2025.0001294392

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000603-84.2025.8.26.0356, da Comarca de Mirandópolis, em que é apelante HIROKO SAKAMOTO MACIEL, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRANDÓPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000603-84.2025.8.26.0356

Apelante: Hiroko Sakamoto Maciel

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirandópolis

VOTO Nº 43.986

Direito registral – Apelação – Inventário e partilha – Doação – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de cônjuge, referente a bem imóvel, por entender o Oficial ter ocorrido prévia doação conjuntiva em favor do casal, de modo a ser aplicável o direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a doação realizada em favor de cônjuge falecido configura doação conjuntiva em favor do casal, aplicando-se o direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.

III. Razões de Decidir

3. A identificação dos donatários na escritura pública foi feita de forma individual, sem incluir os cônjuges como beneficiários diretos, indicando que a doação não foi conjuntiva.

4. A menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados” refere-se à relação entre os doadores (marido e mulher) e os donatários, caracterizando a doação como uma liberalidade singular.

5. A lista de donatários na escritura de doação não incluiu os cônjuges, reforçando que a doação não foi feita ao casal e a nomeação dos cônjuges ocorreu apenas para atendimento à especialidade subjetiva.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A doação não foi conjuntiva, não se aplicando o direito de acrescer. 2. A partilha de bens é necessária para o destino do patrimônio do falecido.

Legislação Citada:

Código Civil, art. 551.

Jurisprudência Citada:

Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438;

Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08/03/2024

Trata-se de apelação interposta por HIROKO SAKAMOTO MACIEL contra a r.sentença de fls. 118/120, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mirandópolis que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens em relação ao espólio de Cícero Durval Maciel, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia, por entender que o imóvel não integra os bens do espólio, em razão de prévia doação e do direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.

A apelante busca a reforma da sentença, sustentando que a doação efetivada pela escritura pública discutida nos autos foi realizada exclusivamente em favor de Cícero, vez que a denominação “cunhados” se referia ao grau e parentesco entre os doadores e os donatários, sem a inclusão de cônjuges como beneficiários diretos. Logo, não há direito de acrescer (art. 551, parágrafo único do Código Civil), haja vista não se tratar de doação ao casal. Assim, o imóvel deve compor o espólio do falecido, estando claro na escritura de doação de que esta foi realizada em favor de apenas um do casal, tanto assim que os nomes dos donatários foi repetido nominalmente um a um, qualificando-os como casados e identificando os respectivos cônjuges, tratando-se efetivamente de doação não conjuntiva. Destaca que o direito de acrescer deve ser interpretado restritivamente, o bem deve ficar integralmente no domínio do cônjuge donatário e integrar o acervo hereditário. No mais, quanto à escritura pública de extinção de condomínio por divisão amigável, pela qual os proprietários extinguiram o condomínio, a presença do cônjuge era indispensável pela regra prevista no art. 1.647, I do Código Civil, título que foi objeto de registro, dando origem à matrícula 16.553 do RI, quando o imóvel foi atribuído ao condômino Cícero Durval Maciel. Assim, por entender que a negativa de registro extrapolou os limites da qualificação registral, busca a reforma da sentença com o ingresso do título ao fólio (fls. 126/143).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 171/174).

É o Relatório.

O apelo merece provimento.

De acordo com os autos, a apelante apresentou ao Oficial escritura pública de inventário e partilha do bens do espólio de Cícero Durval Maciel, lavrada pelo Tabelião de Notas de Guaraçaí, livro 072, páginas 02/011, de quem a apelante é viúva, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia.

Prenotado o título, foi emitida a seguinte nota devolutiva (protocolo nº 101.715, fls. 147/149):

“1. Deverá ser apresentado requerimento, assinado com firma reconhecida ou perante funcionário deste cartório, para subsistir a doação do R.05 da matrícula nº 9.551 (título aquisitivo da matrícula nº 16.553) em sua totalidade para o cônjuge sobrevivo Hiroko Sakamoto Maciel, por ter recebido em doação conjunta com seu falecido cônjuge, na forma do parágrafo único do art. 551 do Código Civil:

‘Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

1.1. Fica prejudicado o registro da partilha do imóvel da matrícula nº 16.553 deste registro, por não integrar o espólio de Cícero Durval Maciel.

Explico.

Pelo R.05 da matrícula nº 9551 houve a doação dos condôminos para seus irmãos e cunhados, dentre eles, Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel, nos seguintes termos: doaram parte ideal correspondente à 76,9230% do imóvel, pelo valor de R$ 3.021,00 para seus irmãos e cunhados: 1) SOCORRO DO VALE MACIEL ZORZI (…), casada com JOSÉ SERGIO ZORZI, (…); 2) GILBERTO DURVAL MACIEL (…), casado com SUELI FERREIRA MACIEL, (…); 3) JOSÉ CARLOS DURVAL MACIEL, (…), casado com CLAUDINÉIA CASTILHO MACIEL, (…); 4) MARIA MACIEL JANUÁRIO, (…), casada com JOSÉ JANUÁRIO FILHO, (…); 5) CICERO DURVAL MACIEL, (…), casado com HIROKO SAKAMOTO MACIEL, (…).’

Por conseguinte, por a doação ter se destinado aos irmãos e cunhados dos doadores, houve a transmissão da respectiva propriedade à Cícero e a Hiroko, conforme lançado no registro R.05 da matricula 9.551 desta unidade.

Por zelo, tal informação foi confirmada, com a apresentação da certidão da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, quando também foi possível constatar que a doação foi comum para os irmãos e cunhados dos doadores, no caso o irmão Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel, na condição de cunhada, nos seguintes termos:

‘como outorgados donatários, os seus irmãos e cunhados,…5) Cicero Durval Maciel, (…), casado sob o regime da comunhão parcial de bens, na vigência da Lei 6.515/77, com Hiroko Sakamoto Maciel (grifei).

Vale dizer, o registro refletiu exatamente a manifestação de vontade exarada na respectiva escritura pública. Vale lembrar que, na época de 1980 a 1990, quando a doação era conjunta aos irmãos e cunhados, o estilo de escrita era mencionar na escritura a indicação “irmãos e cunhados”, fazendo em seguida a indicação do nome do irmão(ã) e do respectivo cônjuge, na condição de cunhados e cunhadas que recebiam a doação no contexto da escritura pública, tal como ocorre na escritura que deu origem ao registro R.05 da matrícula 9.551.

Ao depois, houve extinção de condomínio do imóvel da matrícula n. 9.551, com natureza declaratória, em que foi aberta a matrícula nº 16.553, quando foi transportada a descrição da titulação dos prefalados donatários da mesma forma que estava na matrícula de origem, ou seja, Cicero Durval, casado com Hiroko Sakamoto Maciel. Isso porque, quando é examinado a titulação da respectiva matrícula no tocante aos cônjuges, deve-se retroagir ao registro de origem para examinar se o título aquisitivo implicou comunicação patrimonial entre os cônjuges ou se é patrimônio particular de um deles.

Assim, por a extinção de condomínio não alterar a natureza jurídica da titulação do bem recebido em doação pelos cônjuges, o imóvel da matrícula nº 16.553 continua como propriedade comum do casal, podendo figurar, no item proprietários da respectiva matrícula, tanto a forma ‘Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel’, como a forma ‘Cicero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel’. A diferença reside que, se utilizada a expressão ‘Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto’ deverá se retroagir até o registro aquisitivo para se examinar se implicou ou não em comunicação com o patrimônio do respectivo cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.

Assim, resta indeferido o registro da escritura de inventário e partilha apresentada, lavrada em 09/08/2024, no Tabelionato de Guaraçaí-SP, no livro 72, fls, 002/011, no tocante ao bem imóvel da matrícula 16.553.”

Como se observa da nota devolutiva, o título foi qualificado de forma negativa por entender o Oficial que o bem não integra o espólio de Cícero Durval Maciel, haja vista a prévia doação ocorrida também em favor de sua esposa. Por consequência, a negativa está fundamentada na alegação de que na escritura pública que deu origem às matrícula no R.5/M. 9.551 e no R.01/16.553, se entende que a doação foi celebrada em favor do casal, com a menção ao grau de parentesco entre os doadores e donatários, como sendo “irmãos” e “cunhados”, de sorte que aplicável o direito de acrescer previsto pelo parágrafo único do artigo 551 do Código Civil em favor do cônjuge supérstite.

A qualificação negativa, no entanto, não se sustenta. Preceitua o artigo 551 do Código Civil:

Art. 551 . Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

O caput do artigo acima transcrito trata da doação conjuntiva, que, salvo estipulação em contrário, entende-se distribuída igualmente entre os donatários. Já o parágrafo único cuida de hipótese mais específica: doação conjuntiva em favor de marido e mulher. Nesse caso, ao contrário do disposto no caput, em caso de morte de um dos donatários, a lei civil estabelece o direito de acrescer em benefício do cônjuge sobrevivo.

No caso em exame, apesar do juízo prudencial do Registrador, os pormenores destacados pela apelante são favoráveis ao entendimento de que não está configurada a doação conjuntiva, de modo que inaplicável o instituto do direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.

Três circunstâncias extraídas do negócio jurídico de doação amparam a tese da apelante.

O primeiro, a partir do fato de que houve identificação, na escritura pública, da pessoa dos donatários, os quais foram qualificados como casados e apenas nomeados os respectivos cônjuges, em cumprimento ao princípio da especialidade subjetiva. A indicação dos cônjuges teve a finalidade de aperfeiçoar a qualificação dos donatários, sem configurar doação em favor daqueles.

O segundo, no sentido de que a menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados”, na escritura pública de doação, está ligada à relação existente entre os doadores (marido e mulher) e os donatários (apenas um do casal), caracterizando a doação como uma liberalidade singular e não uma doação ao casal.

O terceiro, deriva da constatação, na parte final da escritura pública de doação datada de 20 de setembro de 1994 (fls. 28/31), de que no instrumento de doação houve a identificação expressa dos donatários como sendo Socorro do Valle Maciel Zorzi, Gilberto Durval Maciel; José Carlos Durval Maciel, Maria Maciel Januário, Cícero Durval Maciel, Irene Durval Maciel de Souza, Pedro Durval Maciel, Emília Maciel Vidal, Zênite Maciel Bressane e Luis Durval Maciel, lista que não incluiu os cônjuges e tampouco a apelante Hiroko Sakamoto Maciel.

Portanto, ao contrário do que consta na nota devolutiva, da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, não se extrai de forma clara a conclusão de que a doação foi comum ao casal Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.

Assim, deve a doação conjuntiva ser interpretada em sua literalidade e restritivamente, por duas razões. Primeiro, porque é da lei que a liberalidade não se presume. Segundo, porque provoca redução dos quinhões dos herdeiros legítimos.

A doação conjuntiva deve ser expressa, extreme de dúvidas e em nome dos cônjuges para que ocorra a transmissão à viúva da parte recebida pelo donatário falecido.

Neste quadro, como da escritura pública não se vê a partícula “e” na qualificação do casal, somado ao fato de que a escritura de doação não indica, como destinatária, a apelante Hiroko, mas sim e exclusivamente seu marido, qualificado apenas como casado com a apelante, não se está diante de situação a autorizar a aplicação do direito de acrescer. A nominação de Hiroko deu-se tão somente para atendimento à correta identificação das partes do negócio jurídico, o que se confirmou com a especificação dos donatários, sem os respectivos cônjuges, na parte final do instrumento.

Consequentemente, diante do falecimento de Cicero Durval Maciel e não sendo a apelante contemplada na doação, era necessária a partilha de bens para que fosse dado destino ao seu patrimônio, razão para permitir o ingresso do título no registro imobiliário.

Este E. Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de apreciar dúvida semelhante, extraindo-se a seguinte ementa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RECUSA FUNDADA NA NECESSIDADE DE PRÉVIO INVENTÁRIO DE BENS DEIXADOS PELO CÔNJUGE – DIREITO DE ACRESCER NÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE – DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DOS FILHOS, E NÃO DE SEUS CÔNJUGES – MANCOMUNHÃO SOBRE O IMÓVEL DOADO QUE DECORRE DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO E NÃO DE EFEITOS PRÓPRIOS DA DOAÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ART. 551, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438; Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08 de março de 2024).

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Pedido julgado improcedente. Tese de julgamento: 1. Escritura pública de divórcio com partilha de bens deve ser registrada, não averbada. 2. A partilha altera a situação jurídica da propriedade, exigindo registro para publicidade da extinção da mancomunhão e cumprimento ao princípio da continuidade registral.3. Ausente o correto recolhimento dos emolumentos para o ato de registro, a qualificação é negativa.

Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004613-94.2024.8.26.0296
Comarca: JAGUARIÚNA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296

Registro: 2025.0001294384

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004613-94.2024.8.26.0296, da Comarca de Jaguariúna, em que é apelante FABIO ROBERTO BARROS MELLO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAGUARIÚNA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004613-94.2024.8.26.0296

Apelante: Fabio Roberto Barros Mello

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaguariúna

VOTO Nº 43.995

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Pedido julgado improcedente.

I. Caso em Exame

1. Recurso interposto contra sentença que manteve a qualificação negativa ao requerimento de averbação da escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, referente a imóvel. O pedido visava a averbação, mas foi considerado que o ato correto seria o registro.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de averbação ou registro.

III. Razões de Decidir

3. O Oficial de Registro de Imóveis entendeu que houve partilha, exigindo o registro do título, pois cada divorciando ficou com parte ideal de 50% do imóvel, extinguindo a mancomunhão.

4. As Normas de Serviço determinam que, havendo partilha, a escritura deve ser registrada, não bastando a averbação, conforme artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. Escritura pública de divórcio com partilha de bens deve ser registrada, não averbada. 2. A partilha altera a situação jurídica da propriedade, exigindo registro para publicidade da extinção da mancomunhão e cumprimento ao princípio da continuidade registral.3. Ausente o correto recolhimento dos emolumentos para o ato de registro, a qualificação é negativa.

Legislação Citada:

5.Lei de Registros Públicos, art. 167, I, 25; art. 167, II, 14.

6.NSCGJ, Tomo II, Seção II, Capítulo XX, item 9, “a”, 23

Trata-se de recurso interposto por FABIO ROBERTO BARROS MELLO em face da r. sentença de fls. 60/61, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para que fosse apenas averbada a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, relativamente ao imóvel objeto da matrícula 10.976 da Serventia, ao fundamento de que o ato almejado é de registro, e não de averbação.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que deve prevalecer o ato de averbação para o ingresso do título ao fólio real, pois na escritura pública de divórcio consensual ficou estabelecido que os divorciandos não dividiram o patrimônio comum, pois o imóvel permaneceu sob a titularidade comum (cotitularidade) e, em termos jurídicos, a meação foi convertida em parte ideal equivalente à metade do bem. O patrimônio de cada um dos ex-cônjuges em relação ao imóvel permaneceu com a mesma expressão econômica, apenas se extinguindo a mancomunhão e constituindo-se o condomínio “pro indiviso” (fls. 64/70), tanto assim que posteriormente os divorciandos firmaram contrato de compra e venda de parte ideal equivalente a metade do imóvel, consolidando a propriedade plena e a titularidade do domínio em favor do Apelante. Destaca, por fim, a aplicação da nota explicativa do subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 88/90).

É o relatório.

A apelação não merece provimento.

O apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, datada de 30 de maio de 2018, lavrada no livro nº 860, página 125, rerratificada por Escritura Pública de Retificação e Ratificação datada de 14 de junho de 2018, lavrada no livro 861, página 113, ambas do 3º Tabelião de Notas da Comarca de Campinas.

Apresentado e qualificado o título, o Oficial exigiu que se realizasse o registro da escritura pública de divórcio consensual, em vez de averbação, contrariamente ao que havia sido requerido pelo interessado, ao fundamento de que à cada um dos divorciandos coube parte ideal de 50% (cinquenta por cento) do imóvel matriculado sob nº 10.976, com extinção da mancomunhão pelo divórcio, controvérsia que teria como pano de fundo a diferença no valor dos emolumentos (para o ato de registro, a cobrança de R$ 2.985,56, e para o ato de averbação, a cobrança de R$ 638,44) e o posterior registro de escritura pública de venda e compra celebrada entre os ex-cônjuges em relação à metade ideal do bem.

É verdade que o apelante sempre insistiu no argumento de que seu requerimento esteve limitado à averbação do divórcio, que o título apresentado não importou em partilha do bem, como autoriza o subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e que a efetiva transferência da titularidade da metade ideal do imóvel ocorreu com o negócio jurídico firmado entre os ex-cônjuges.

No entanto, embora com algum grau de confusão procedimental, o exame mais aprofundado dos pontos relevantes da controvérsia registral revela que a real discordância entre o Oficial e o apelante tem por premissa a necessidade da compreensão de que, com o divórcio, o ato de divisão e atribuição a cada cônjuge da metade ideal do imóvel que o casal detinha como uma universalidade, há de ser considerado, registrária e juridicamente, ato de partilha e, como tal, submetido a registro, e não averbação.

E exatamente por conta desta divergência de interpretação, se prevalece ou não a exigência de registro, é que o procedimento de dúvida se mostrou adequado.

Neste quadro, correto o desfecho dado pela sentença.

O R.3 da matrícula 10.976 do RI de Jaguariúna menciona que o apelante adquiriu o imóvel enquanto casado com Denise Castelhano de Oliveira Mello pelo regime da comunhão parcial de bens (fls. 18/20).

A escritura pública de divórcio consensual, a despeito da manutenção da titularidade do imóvel em nome de cada um dos cônjuges, contemplou o que, jurídica e registrariamente, é considerada partilha de bens, vez que caracterizou alteração da natureza jurídica da propriedade que cada cônjuge detinha enquanto casado e após o divórcio.

Como se sabe, os bens adquiridos durante a constância do casamento sob o regime de comunhão universal ou parcial de bens constituem uma universalidade de bens, que se extingue com a dissolução do vínculo conjugal, mediante partilha, atribuindo-se a cada cônjuge aquilo que passará a lhe pertencer com exclusividade. Na separação e no divórcio, a partilha é ato de divisão e atribuição a cada cônjuge dos bens correspondentes à sua meação no patrimônio comum, alterando-se a situação jurídica que embasa a propriedade.

Segundo leciona RAFAEL CALMON RANGEL (PARTILHA DE BENS. Saraiva; 2016; p. 105-106), “quando a comunhão de direitos se refere especificamente ao patrimônio amealhado pelo casal sob o abrigo dos regimes comunitários de bens, mostra-se tecnicamente adequado considerá-la como uma mancomunhão, que jamais pode ser confundida com o condomínio ou com a comunhão ordinária. Nesse sentido, inclusive, já se decidiu que ‘a comunhão resultante do matrimônio difere do condomínio propriamente dito, porque nela os bens formam a propriedade de mão comum, cujos titulares são ambos os cônjuges. Cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste enquanto não operada a partilha’. (STJ, REsp nº 3.170/RS, rel. Min. Antonio Torreão Braz, DJ de 28-8-95). Isso porque a influência das normas provenientes do Direito das Famílias dá forma a uma categoria jurídica específica, cujas características e campo de abrangência são muito mais extensas do que as daquelas figuras, na medida em que sua incidência se dá não só sobre o direito de propriedade em si, mas sobre o complexo de todas as situações jurídicas de índole patrimonial contraídas pelos comunheiros. Em outras palavras, sua projeção se dá sobre o patrimônio em sua acepção jurídica, e não em seu sentido econômico ou existencial mínimo, impedindo que sejam abrangidos os bens isoladamente considerados e os direitos não aferíveis em pecúnia, como a fidelidade recíproca ou a mútua assistência, por exemplo.”

E destaca: “Esta afirmação parece ganhar força na aguda percepção de Rodrigo da Cunha Pereira (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. Saraiva; 2015; p. 447), para quem: ‘Mancomunhão é expressão que define o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Difere do estado condominial em que o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro. Na mancomunhão, o bem não pode ser alienado nem gravado por apenas um dos ex-cônjuges, permanecendo indivisível até a partilha. Enquanto não for feita a partilha dos bens comuns, eles pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão.’”

Inclusive, é responsável por proporcionar duas enormes diferenças para com o condomínio: a indivisibilidade e a impossibilidade de a mancomunhão ser considerada um direito real ou um objeto de direito real, haja vista esta espécie de direito exigir bem jurídico definido como objeto, e não como um complexo de situações jurídicas.

Em verdade, ainda que, com o divórcio, o bem continue sob a titularidade de ambos os cônjuges, o regime jurídico da comunhão exercido sobre o bem adquirido na constância do casamento não se confunde com o regime jurídico do condomínio, pós divórcio, sendo necessário o registro da divisão do bem para que seja dada publicidade acerca da extinção da situação de mancomunhão e preservação da continuidade registrária.

Logo, ainda que o apelante pretendesse tão somente a averbação do divórcio, o que em tese é realmente possível, a hipótese dos autos revela que estamos diante de um ato de registro, pois i) a escritura pública de divórcio consensual contempla a partilha de bens; ii) a prévia partilha do imóvel é imprescindível para permitir o acesso do novo título envolvendo negócio jurídico realizado entre os ex-cônjuges, a fim de ser satisfeito o princípio da continuidade registral, de modo que a mera averbação não atende à necessidade da regularização dominial.

Havendo partilha, as Normas de Serviço determinam o registro da sentença, sendo insuficiente apresentação de simples certidão de casamento com anotação do divórcio, pois os atos atributivos ou declaratórios da propriedade são objeto de registro em sentido estrito.

Sendo assim, a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos Públicos, e não de mera averbação (artigo 167, II, 14, da mesma lei).

Neste sentido, as notas explicativas do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

a) o registro de: (…)

23. atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha (Livro 2)

NOTA: A escritura pública de separação ou divórcio e a sentença de separação judicial, divórcio ou que anular o casamento só serão objeto de registro quando versar sobre a partilha de bens imóveis ou direitos reais registrários.

(…)

b) a averbação de: (…)

14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;

NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando-se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio “pro indiviso”.

O objetivo da nota inserida nas NSCGJ é orientar quanto à providência a ser tomada diante da apresentação de título judicial que altere o estado civil dos proprietários tabulares.

Portanto, diante do teor da escritura pública de divórcio consensual, com alteração do caráter jurídico da propriedade, cada cônjuge proprietário de 50% do imóvel, na qualificação de divorciados, deve a carta de sentença do divórcio ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.

E, não tendo havido o correto recolhimento dos emolumentos para a prática do ato registral, fica mantida a qualificação negativa ao título.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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