Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356
Número: 1000603-84.2025.8.26.0356
Comarca: MIRANDÓPOLIS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356
Registro: 2025.0001294392
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000603-84.2025.8.26.0356, da Comarca de Mirandópolis, em que é apelante HIROKO SAKAMOTO MACIEL, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRANDÓPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000603-84.2025.8.26.0356
Apelante: Hiroko Sakamoto Maciel
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirandópolis
VOTO Nº 43.986
Direito registral – Apelação – Inventário e partilha – Doação – Apelação provida.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de cônjuge, referente a bem imóvel, por entender o Oficial ter ocorrido prévia doação conjuntiva em favor do casal, de modo a ser aplicável o direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a doação realizada em favor de cônjuge falecido configura doação conjuntiva em favor do casal, aplicando-se o direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.
III. Razões de Decidir
3. A identificação dos donatários na escritura pública foi feita de forma individual, sem incluir os cônjuges como beneficiários diretos, indicando que a doação não foi conjuntiva.
4. A menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados” refere-se à relação entre os doadores (marido e mulher) e os donatários, caracterizando a doação como uma liberalidade singular.
5. A lista de donatários na escritura de doação não incluiu os cônjuges, reforçando que a doação não foi feita ao casal e a nomeação dos cônjuges ocorreu apenas para atendimento à especialidade subjetiva.
IV. Dispositivo e Tese
6. Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. A doação não foi conjuntiva, não se aplicando o direito de acrescer. 2. A partilha de bens é necessária para o destino do patrimônio do falecido.
Legislação Citada:
Código Civil, art. 551.
Jurisprudência Citada:
Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438;
Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08/03/2024
Trata-se de apelação interposta por HIROKO SAKAMOTO MACIEL contra a r.sentença de fls. 118/120, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mirandópolis que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens em relação ao espólio de Cícero Durval Maciel, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia, por entender que o imóvel não integra os bens do espólio, em razão de prévia doação e do direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.
A apelante busca a reforma da sentença, sustentando que a doação efetivada pela escritura pública discutida nos autos foi realizada exclusivamente em favor de Cícero, vez que a denominação “cunhados” se referia ao grau e parentesco entre os doadores e os donatários, sem a inclusão de cônjuges como beneficiários diretos. Logo, não há direito de acrescer (art. 551, parágrafo único do Código Civil), haja vista não se tratar de doação ao casal. Assim, o imóvel deve compor o espólio do falecido, estando claro na escritura de doação de que esta foi realizada em favor de apenas um do casal, tanto assim que os nomes dos donatários foi repetido nominalmente um a um, qualificando-os como casados e identificando os respectivos cônjuges, tratando-se efetivamente de doação não conjuntiva. Destaca que o direito de acrescer deve ser interpretado restritivamente, o bem deve ficar integralmente no domínio do cônjuge donatário e integrar o acervo hereditário. No mais, quanto à escritura pública de extinção de condomínio por divisão amigável, pela qual os proprietários extinguiram o condomínio, a presença do cônjuge era indispensável pela regra prevista no art. 1.647, I do Código Civil, título que foi objeto de registro, dando origem à matrícula 16.553 do RI, quando o imóvel foi atribuído ao condômino Cícero Durval Maciel. Assim, por entender que a negativa de registro extrapolou os limites da qualificação registral, busca a reforma da sentença com o ingresso do título ao fólio (fls. 126/143).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 171/174).
É o Relatório.
O apelo merece provimento.
De acordo com os autos, a apelante apresentou ao Oficial escritura pública de inventário e partilha do bens do espólio de Cícero Durval Maciel, lavrada pelo Tabelião de Notas de Guaraçaí, livro 072, páginas 02/011, de quem a apelante é viúva, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia.
Prenotado o título, foi emitida a seguinte nota devolutiva (protocolo nº 101.715, fls. 147/149):
“1. Deverá ser apresentado requerimento, assinado com firma reconhecida ou perante funcionário deste cartório, para subsistir a doação do R.05 da matrícula nº 9.551 (título aquisitivo da matrícula nº 16.553) em sua totalidade para o cônjuge sobrevivo Hiroko Sakamoto Maciel, por ter recebido em doação conjunta com seu falecido cônjuge, na forma do parágrafo único do art. 551 do Código Civil:
‘Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.
Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.
1.1. Fica prejudicado o registro da partilha do imóvel da matrícula nº 16.553 deste registro, por não integrar o espólio de Cícero Durval Maciel.
Explico.
Pelo R.05 da matrícula nº 9551 houve a doação dos condôminos para seus irmãos e cunhados, dentre eles, Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel, nos seguintes termos: doaram parte ideal correspondente à 76,9230% do imóvel, pelo valor de R$ 3.021,00 para seus irmãos e cunhados: 1) SOCORRO DO VALE MACIEL ZORZI (…), casada com JOSÉ SERGIO ZORZI, (…); 2) GILBERTO DURVAL MACIEL (…), casado com SUELI FERREIRA MACIEL, (…); 3) JOSÉ CARLOS DURVAL MACIEL, (…), casado com CLAUDINÉIA CASTILHO MACIEL, (…); 4) MARIA MACIEL JANUÁRIO, (…), casada com JOSÉ JANUÁRIO FILHO, (…); 5) CICERO DURVAL MACIEL, (…), casado com HIROKO SAKAMOTO MACIEL, (…).’
Por conseguinte, por a doação ter se destinado aos irmãos e cunhados dos doadores, houve a transmissão da respectiva propriedade à Cícero e a Hiroko, conforme lançado no registro R.05 da matricula 9.551 desta unidade.
Por zelo, tal informação foi confirmada, com a apresentação da certidão da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, quando também foi possível constatar que a doação foi comum para os irmãos e cunhados dos doadores, no caso o irmão Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel, na condição de cunhada, nos seguintes termos:
‘como outorgados donatários, os seus irmãos e cunhados,…5) Cicero Durval Maciel, (…), casado sob o regime da comunhão parcial de bens, na vigência da Lei 6.515/77, com Hiroko Sakamoto Maciel (grifei).
Vale dizer, o registro refletiu exatamente a manifestação de vontade exarada na respectiva escritura pública. Vale lembrar que, na época de 1980 a 1990, quando a doação era conjunta aos irmãos e cunhados, o estilo de escrita era mencionar na escritura a indicação “irmãos e cunhados”, fazendo em seguida a indicação do nome do irmão(ã) e do respectivo cônjuge, na condição de cunhados e cunhadas que recebiam a doação no contexto da escritura pública, tal como ocorre na escritura que deu origem ao registro R.05 da matrícula 9.551.
Ao depois, houve extinção de condomínio do imóvel da matrícula n. 9.551, com natureza declaratória, em que foi aberta a matrícula nº 16.553, quando foi transportada a descrição da titulação dos prefalados donatários da mesma forma que estava na matrícula de origem, ou seja, Cicero Durval, casado com Hiroko Sakamoto Maciel. Isso porque, quando é examinado a titulação da respectiva matrícula no tocante aos cônjuges, deve-se retroagir ao registro de origem para examinar se o título aquisitivo implicou comunicação patrimonial entre os cônjuges ou se é patrimônio particular de um deles.
Assim, por a extinção de condomínio não alterar a natureza jurídica da titulação do bem recebido em doação pelos cônjuges, o imóvel da matrícula nº 16.553 continua como propriedade comum do casal, podendo figurar, no item proprietários da respectiva matrícula, tanto a forma ‘Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel’, como a forma ‘Cicero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel’. A diferença reside que, se utilizada a expressão ‘Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto’ deverá se retroagir até o registro aquisitivo para se examinar se implicou ou não em comunicação com o patrimônio do respectivo cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.
Assim, resta indeferido o registro da escritura de inventário e partilha apresentada, lavrada em 09/08/2024, no Tabelionato de Guaraçaí-SP, no livro 72, fls, 002/011, no tocante ao bem imóvel da matrícula 16.553.”
Como se observa da nota devolutiva, o título foi qualificado de forma negativa por entender o Oficial que o bem não integra o espólio de Cícero Durval Maciel, haja vista a prévia doação ocorrida também em favor de sua esposa. Por consequência, a negativa está fundamentada na alegação de que na escritura pública que deu origem às matrícula no R.5/M. 9.551 e no R.01/16.553, se entende que a doação foi celebrada em favor do casal, com a menção ao grau de parentesco entre os doadores e donatários, como sendo “irmãos” e “cunhados”, de sorte que aplicável o direito de acrescer previsto pelo parágrafo único do artigo 551 do Código Civil em favor do cônjuge supérstite.
A qualificação negativa, no entanto, não se sustenta. Preceitua o artigo 551 do Código Civil:
Art. 551 . Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.
Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.
O caput do artigo acima transcrito trata da doação conjuntiva, que, salvo estipulação em contrário, entende-se distribuída igualmente entre os donatários. Já o parágrafo único cuida de hipótese mais específica: doação conjuntiva em favor de marido e mulher. Nesse caso, ao contrário do disposto no caput, em caso de morte de um dos donatários, a lei civil estabelece o direito de acrescer em benefício do cônjuge sobrevivo.
No caso em exame, apesar do juízo prudencial do Registrador, os pormenores destacados pela apelante são favoráveis ao entendimento de que não está configurada a doação conjuntiva, de modo que inaplicável o instituto do direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.
Três circunstâncias extraídas do negócio jurídico de doação amparam a tese da apelante.
O primeiro, a partir do fato de que houve identificação, na escritura pública, da pessoa dos donatários, os quais foram qualificados como casados e apenas nomeados os respectivos cônjuges, em cumprimento ao princípio da especialidade subjetiva. A indicação dos cônjuges teve a finalidade de aperfeiçoar a qualificação dos donatários, sem configurar doação em favor daqueles.
O segundo, no sentido de que a menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados”, na escritura pública de doação, está ligada à relação existente entre os doadores (marido e mulher) e os donatários (apenas um do casal), caracterizando a doação como uma liberalidade singular e não uma doação ao casal.
O terceiro, deriva da constatação, na parte final da escritura pública de doação datada de 20 de setembro de 1994 (fls. 28/31), de que no instrumento de doação houve a identificação expressa dos donatários como sendo Socorro do Valle Maciel Zorzi, Gilberto Durval Maciel; José Carlos Durval Maciel, Maria Maciel Januário, Cícero Durval Maciel, Irene Durval Maciel de Souza, Pedro Durval Maciel, Emília Maciel Vidal, Zênite Maciel Bressane e Luis Durval Maciel, lista que não incluiu os cônjuges e tampouco a apelante Hiroko Sakamoto Maciel.
Portanto, ao contrário do que consta na nota devolutiva, da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, não se extrai de forma clara a conclusão de que a doação foi comum ao casal Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.
Assim, deve a doação conjuntiva ser interpretada em sua literalidade e restritivamente, por duas razões. Primeiro, porque é da lei que a liberalidade não se presume. Segundo, porque provoca redução dos quinhões dos herdeiros legítimos.
A doação conjuntiva deve ser expressa, extreme de dúvidas e em nome dos cônjuges para que ocorra a transmissão à viúva da parte recebida pelo donatário falecido.
Neste quadro, como da escritura pública não se vê a partícula “e” na qualificação do casal, somado ao fato de que a escritura de doação não indica, como destinatária, a apelante Hiroko, mas sim e exclusivamente seu marido, qualificado apenas como casado com a apelante, não se está diante de situação a autorizar a aplicação do direito de acrescer. A nominação de Hiroko deu-se tão somente para atendimento à correta identificação das partes do negócio jurídico, o que se confirmou com a especificação dos donatários, sem os respectivos cônjuges, na parte final do instrumento.
Consequentemente, diante do falecimento de Cicero Durval Maciel e não sendo a apelante contemplada na doação, era necessária a partilha de bens para que fosse dado destino ao seu patrimônio, razão para permitir o ingresso do título no registro imobiliário.
Este E. Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de apreciar dúvida semelhante, extraindo-se a seguinte ementa:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RECUSA FUNDADA NA NECESSIDADE DE PRÉVIO INVENTÁRIO DE BENS DEIXADOS PELO CÔNJUGE – DIREITO DE ACRESCER NÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE – DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DOS FILHOS, E NÃO DE SEUS CÔNJUGES – MANCOMUNHÃO SOBRE O IMÓVEL DOADO QUE DECORRE DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO E NÃO DE EFEITOS PRÓPRIOS DA DOAÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ART. 551, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438; Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08 de março de 2024).
Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




