Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296
Número: 1004613-94.2024.8.26.0296
Comarca: JAGUARIÚNA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296
Registro: 2025.0001294384
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004613-94.2024.8.26.0296, da Comarca de Jaguariúna, em que é apelante FABIO ROBERTO BARROS MELLO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAGUARIÚNA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1004613-94.2024.8.26.0296
Apelante: Fabio Roberto Barros Mello
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaguariúna
VOTO Nº 43.995
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Pedido julgado improcedente.
I. Caso em Exame
1. Recurso interposto contra sentença que manteve a qualificação negativa ao requerimento de averbação da escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, referente a imóvel. O pedido visava a averbação, mas foi considerado que o ato correto seria o registro.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de averbação ou registro.
III. Razões de Decidir
3. O Oficial de Registro de Imóveis entendeu que houve partilha, exigindo o registro do título, pois cada divorciando ficou com parte ideal de 50% do imóvel, extinguindo a mancomunhão.
4. As Normas de Serviço determinam que, havendo partilha, a escritura deve ser registrada, não bastando a averbação, conforme artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. Escritura pública de divórcio com partilha de bens deve ser registrada, não averbada. 2. A partilha altera a situação jurídica da propriedade, exigindo registro para publicidade da extinção da mancomunhão e cumprimento ao princípio da continuidade registral.3. Ausente o correto recolhimento dos emolumentos para o ato de registro, a qualificação é negativa.
Legislação Citada:
5.Lei de Registros Públicos, art. 167, I, 25; art. 167, II, 14.
6.NSCGJ, Tomo II, Seção II, Capítulo XX, item 9, “a”, 23
Trata-se de recurso interposto por FABIO ROBERTO BARROS MELLO em face da r. sentença de fls. 60/61, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para que fosse apenas averbada a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, relativamente ao imóvel objeto da matrícula 10.976 da Serventia, ao fundamento de que o ato almejado é de registro, e não de averbação.
A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que deve prevalecer o ato de averbação para o ingresso do título ao fólio real, pois na escritura pública de divórcio consensual ficou estabelecido que os divorciandos não dividiram o patrimônio comum, pois o imóvel permaneceu sob a titularidade comum (cotitularidade) e, em termos jurídicos, a meação foi convertida em parte ideal equivalente à metade do bem. O patrimônio de cada um dos ex-cônjuges em relação ao imóvel permaneceu com a mesma expressão econômica, apenas se extinguindo a mancomunhão e constituindo-se o condomínio “pro indiviso” (fls. 64/70), tanto assim que posteriormente os divorciandos firmaram contrato de compra e venda de parte ideal equivalente a metade do imóvel, consolidando a propriedade plena e a titularidade do domínio em favor do Apelante. Destaca, por fim, a aplicação da nota explicativa do subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 88/90).
É o relatório.
A apelação não merece provimento.
O apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, datada de 30 de maio de 2018, lavrada no livro nº 860, página 125, rerratificada por Escritura Pública de Retificação e Ratificação datada de 14 de junho de 2018, lavrada no livro 861, página 113, ambas do 3º Tabelião de Notas da Comarca de Campinas.
Apresentado e qualificado o título, o Oficial exigiu que se realizasse o registro da escritura pública de divórcio consensual, em vez de averbação, contrariamente ao que havia sido requerido pelo interessado, ao fundamento de que à cada um dos divorciandos coube parte ideal de 50% (cinquenta por cento) do imóvel matriculado sob nº 10.976, com extinção da mancomunhão pelo divórcio, controvérsia que teria como pano de fundo a diferença no valor dos emolumentos (para o ato de registro, a cobrança de R$ 2.985,56, e para o ato de averbação, a cobrança de R$ 638,44) e o posterior registro de escritura pública de venda e compra celebrada entre os ex-cônjuges em relação à metade ideal do bem.
É verdade que o apelante sempre insistiu no argumento de que seu requerimento esteve limitado à averbação do divórcio, que o título apresentado não importou em partilha do bem, como autoriza o subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e que a efetiva transferência da titularidade da metade ideal do imóvel ocorreu com o negócio jurídico firmado entre os ex-cônjuges.
No entanto, embora com algum grau de confusão procedimental, o exame mais aprofundado dos pontos relevantes da controvérsia registral revela que a real discordância entre o Oficial e o apelante tem por premissa a necessidade da compreensão de que, com o divórcio, o ato de divisão e atribuição a cada cônjuge da metade ideal do imóvel que o casal detinha como uma universalidade, há de ser considerado, registrária e juridicamente, ato de partilha e, como tal, submetido a registro, e não averbação.
E exatamente por conta desta divergência de interpretação, se prevalece ou não a exigência de registro, é que o procedimento de dúvida se mostrou adequado.
Neste quadro, correto o desfecho dado pela sentença.
O R.3 da matrícula 10.976 do RI de Jaguariúna menciona que o apelante adquiriu o imóvel enquanto casado com Denise Castelhano de Oliveira Mello pelo regime da comunhão parcial de bens (fls. 18/20).
A escritura pública de divórcio consensual, a despeito da manutenção da titularidade do imóvel em nome de cada um dos cônjuges, contemplou o que, jurídica e registrariamente, é considerada partilha de bens, vez que caracterizou alteração da natureza jurídica da propriedade que cada cônjuge detinha enquanto casado e após o divórcio.
Como se sabe, os bens adquiridos durante a constância do casamento sob o regime de comunhão universal ou parcial de bens constituem uma universalidade de bens, que se extingue com a dissolução do vínculo conjugal, mediante partilha, atribuindo-se a cada cônjuge aquilo que passará a lhe pertencer com exclusividade. Na separação e no divórcio, a partilha é ato de divisão e atribuição a cada cônjuge dos bens correspondentes à sua meação no patrimônio comum, alterando-se a situação jurídica que embasa a propriedade.
Segundo leciona RAFAEL CALMON RANGEL (PARTILHA DE BENS. Saraiva; 2016; p. 105-106), “quando a comunhão de direitos se refere especificamente ao patrimônio amealhado pelo casal sob o abrigo dos regimes comunitários de bens, mostra-se tecnicamente adequado considerá-la como uma mancomunhão, que jamais pode ser confundida com o condomínio ou com a comunhão ordinária. Nesse sentido, inclusive, já se decidiu que ‘a comunhão resultante do matrimônio difere do condomínio propriamente dito, porque nela os bens formam a propriedade de mão comum, cujos titulares são ambos os cônjuges. Cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste enquanto não operada a partilha’. (STJ, REsp nº 3.170/RS, rel. Min. Antonio Torreão Braz, DJ de 28-8-95). Isso porque a influência das normas provenientes do Direito das Famílias dá forma a uma categoria jurídica específica, cujas características e campo de abrangência são muito mais extensas do que as daquelas figuras, na medida em que sua incidência se dá não só sobre o direito de propriedade em si, mas sobre o complexo de todas as situações jurídicas de índole patrimonial contraídas pelos comunheiros. Em outras palavras, sua projeção se dá sobre o patrimônio em sua acepção jurídica, e não em seu sentido econômico ou existencial mínimo, impedindo que sejam abrangidos os bens isoladamente considerados e os direitos não aferíveis em pecúnia, como a fidelidade recíproca ou a mútua assistência, por exemplo.”
E destaca: “Esta afirmação parece ganhar força na aguda percepção de Rodrigo da Cunha Pereira (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. Saraiva; 2015; p. 447), para quem: ‘Mancomunhão é expressão que define o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Difere do estado condominial em que o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro. Na mancomunhão, o bem não pode ser alienado nem gravado por apenas um dos ex-cônjuges, permanecendo indivisível até a partilha. Enquanto não for feita a partilha dos bens comuns, eles pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão.’”
Inclusive, é responsável por proporcionar duas enormes diferenças para com o condomínio: a indivisibilidade e a impossibilidade de a mancomunhão ser considerada um direito real ou um objeto de direito real, haja vista esta espécie de direito exigir bem jurídico definido como objeto, e não como um complexo de situações jurídicas.
Em verdade, ainda que, com o divórcio, o bem continue sob a titularidade de ambos os cônjuges, o regime jurídico da comunhão exercido sobre o bem adquirido na constância do casamento não se confunde com o regime jurídico do condomínio, pós divórcio, sendo necessário o registro da divisão do bem para que seja dada publicidade acerca da extinção da situação de mancomunhão e preservação da continuidade registrária.
Logo, ainda que o apelante pretendesse tão somente a averbação do divórcio, o que em tese é realmente possível, a hipótese dos autos revela que estamos diante de um ato de registro, pois i) a escritura pública de divórcio consensual contempla a partilha de bens; ii) a prévia partilha do imóvel é imprescindível para permitir o acesso do novo título envolvendo negócio jurídico realizado entre os ex-cônjuges, a fim de ser satisfeito o princípio da continuidade registral, de modo que a mera averbação não atende à necessidade da regularização dominial.
Havendo partilha, as Normas de Serviço determinam o registro da sentença, sendo insuficiente apresentação de simples certidão de casamento com anotação do divórcio, pois os atos atributivos ou declaratórios da propriedade são objeto de registro em sentido estrito.
Sendo assim, a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos Públicos, e não de mera averbação (artigo 167, II, 14, da mesma lei).
Neste sentido, as notas explicativas do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
a) o registro de: (…)
23. atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha (Livro 2)
NOTA: A escritura pública de separação ou divórcio e a sentença de separação judicial, divórcio ou que anular o casamento só serão objeto de registro quando versar sobre a partilha de bens imóveis ou direitos reais registrários.
(…)
b) a averbação de: (…)
14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;
NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando-se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio “pro indiviso”.
O objetivo da nota inserida nas NSCGJ é orientar quanto à providência a ser tomada diante da apresentação de título judicial que altere o estado civil dos proprietários tabulares.
Portanto, diante do teor da escritura pública de divórcio consensual, com alteração do caráter jurídico da propriedade, cada cônjuge proprietário de 50% do imóvel, na qualificação de divorciados, deve a carta de sentença do divórcio ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.
E, não tendo havido o correto recolhimento dos emolumentos para a prática do ato registral, fica mantida a qualificação negativa ao título.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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