CSM/SP: Direito de Família e das Sucessões – Processo de dúvida – Escritura de inventário e partilha – Bem imóvel particular herdado com cláusula de incomunicabilidade – Impossibilidade de integrar a meação – Necessidade de retificação da partilha – Concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente – Limitação aos bens particulares – Excesso de meação ou de quinhão – Incidência tributária – Manutenção do juízo de desqualificação registral – Negado provimento ao recurso.

Apelação Cível nº 1015614-48.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1015614-48.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1015614-48.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001294407

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1015614-48.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante REGIANE FERRABRAS ALHO, é apelado QUINTO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1015614-48.2025.8.26.0100

Apelante: Regiane Ferrabras Alho

Apelado: Quinto Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 44.007

Direito de Família e das Sucessões – Processo de dúvida – Escritura de inventário e partilha – Bem imóvel particular herdado com cláusula de incomunicabilidade – Impossibilidade de integrar a meação – Necessidade de retificação da partilha – Concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente – Limitação aos bens particulares – Excesso de meação ou de quinhão – Incidência tributária – Manutenção do juízo de desqualificação registral – Negado provimento ao recurso.

I. Caso em Exame. 1. Pedido de registro, na matrícula n.º 65.040 do 5.º RI da Capital, da escritura de inventário e partilha do espólio de JOSÉ CARLOS DA SILVA ALHO, casado sob o regime da comunhão universal de bens com REGIANE FERRABRAS ALHO, ora recorrente. 2. O Oficial recusou o ingresso do título ao verificar que o bem imóvel inventariado fora herdado pelo autor da herança com cláusula de incomunicabilidade, não integrando a meação da viúva-meeira; exigiu, ainda, comprovação de recolhimento do imposto de transmissão em caso de excesso de meação ou de quinhão. 3. A dúvida foi julgada procedente, daí a interposição de apelação pela suscitada.

II. Questões em Discussão. 4. Definir se o bem imóvel então herdado com cláusula restritiva de incomunicabilidade pode integrar a meação; se deve haver retificação da partilha para separar bens comuns (comunicáveis) e bens particulares (herdados com restrição); se existe concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente, casado no regime da comunhão universal, em relação aos bens particulares do falecido; e se é legítima a exigência de comprovação do recolhimento do imposto de transmissão quando houver excesso de meação ou de quinhão.

III. Razões de Decidir. 5. O imóvel descrito na matrícula n.º 65.040, herdado pelo falecido com cláusula de incomunicabilidade, constitui bem particular, excluído da comunhão tanto pelo art. 263, XI, do CC/1916 quanto pelo art. 1.668, I, do CC/2002. 6. A partilha atribuiu indevidamente à viúva-meeira meação sobre esse bem, violando, assim, o regime de bens e a disciplina legal da cláusula restritiva de incomunicabilidade. 7. A concorrência sucessória do cônjuge supérstite, nos termos do art. 1.829, I, do CC, não se afasta automaticamente na comunhão universal; deve ser examinada à luz da ratio da norma, de modo a resguardar coerência lógica do sistema. 8. Quando existem bens particulares, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes na parte correspondente à herança, ainda que seja meeiro no acervo comum. 9. No caso concreto, a retificação da partilha é indispensável para delimitar, de um lado, a meação sobre o patrimônio comum e, de outro, a sucessão concorrente somente sobre os bens particulares do falecido. 10. Eventual excesso de meação ou quinhão exige demonstração de recolhimento do imposto de transmissão devido: ITBI, se houver torna, caracterizando onerosidade; ITCMD, se a atribuição for gratuita. 11. A recusa registral deve ser confirmada, porque o título afronta o princípio da legalidade.

IV. Dispositivo. 12. Recurso desprovido; dúvida julgada procedente.

Teses de julgamento: 1. Bem herdado com cláusula de incomunicabilidade não integra o patrimônio coletivo dos cônjuges casados sob o regime da comunhão universal de bens. 2. Havendo bens particulares, forma-se, no plano sucessório, um acervo hereditário apartado do patrimônio comum, cabendo assim ao cônjuge supérstite participar da sucessão nesse acervo específico, ao lado dos descendentes. 3. A partilha que inclui indevidamente bem particular na meação exige retificação antes do registro. 4. Configurado excesso de meação ou quinhão, é necessária a comprovação do recolhimento do ITBI (se houver torna) ou do ITCMD (se houver liberalidade).

Legislação citada: CC/1916, arts. 263, XI; CC/2002, arts. 1.668, I, e 1.829, I.

Jurisprudência citada: STJ, REsp 1.368.123/SP, rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, j. 22.4.2015.

A suscitada REGIANE FERRABRAS ALHO, viúva-meeira, pretende o registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por JOSÉ CARLOS DA SILVA ALHO – com que, ao tempo do falecimento, era casada sob o regime da comunhão universal de bens – na matrícula n.º 65.040 do 5.º RI desta Capital.

O título de fls. 7-12, prenotado sob o n.º 405.809 do 5.º RI desta Capital, foi recusado pelo Oficial, que então condicionou o registro à retificação da partilha, pois, diferentemente do que lá constou, o imóvel objeto da matrícula acima referida, herdado pelo de cujus com a cláusula de incomunicabilidade, não integra a meação (fls. 61-62).

Pontuou, ainda, que, havendo excesso de meação ou de quinhão, será necessário exibir, no original ou em cópia autenticada, a guia do imposto de transmissão, devidamente recolhido.

A dúvida, suscitada a requerimento da interessada (fls. 1-6 e 69-71), foi julgada procedente, quer dizer, o MM Juízo Corregedor Permanente, por meio da r. sentença de fls. 87-92, confirmou o juízo de desqualificação registral. Ademais, rejeitou os embargos de declaração opostos pela interessada (fls. 98-100 e 101).

Irresignada, a suscitada interpôs apelação. Nas razões de fls. 104-112, alegou a omissão da r. sentença em relação à concorrência sucessória do cônjuge supérstite com os descendentes do falecido, sustentou que a cláusula de incomunicabilidade não afasta o direito sucessório da viúva-meeira, afirmou que a partilha observou os preceitos legais e a jurisprudência dominante e, por fim, questionou a exigência de comprovação do recolhimento do ITCMD.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 137-138, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso em discussão versa sobre o registro da escritura de inventário e partilha do espólio de JOSÉ CARLOS DA SILVA ALHO, título de fls. 7-12, prenotado sob o n.º 405.809, requerido pela viúva-meeira REGIANE FERRABRAS ALHO, ora recorrente, para ser realizado na matrícula n.º 65.040 do 5.º RI desta Capital.

O imóvel, conforme a certidão de fls. 63-68, foi herdado pelo de cujus com as cláusulas restritivas de INCOMUNICABILIDADE e impenhorabilidade (cf. r. 4, av. 6, r. 9 e av. 10), portanto, não integrava o patrimônio coletivo do casal, nem logicamente compõe a meação da apelante, embora ela fosse casada com o autor da herança sob o regime da comunhão universal de bens.

Trata-se de bem particular do autor da herança.

Nos termos do art. 263, XI, do CC/1916, vigente quando da convolação das núpcias – regra preservada pela legislação em vigor (cf. art. 1.668, I, do CC/2002) – os bens herdados com a cláusula de incomunicabilidade são afastados da comunhão, não se comunicam ao consorte.

Ocorre que, conforme a escritura pública de inventário e partilha de fls. 7-12, a meação da recorrente incidiu sobre todo o patrimônio deixado pelo de cujus. O bem imóvel identificado na matrícula n.º 65.040 do 5.º RI desta Capital não foi, de fato, considerado bem particular. Daí a necessidade de retificação da partilha.

2. A respeito da concorrência dos cônjuges supérstites com os descendentes, o art. 1.829, I, do CC, lista, na primeira ordem da vocação hereditária, três exceções nas quais a herança é deferida por inteiro aos descendentes.

In casu, o cônjuge supérstite não concorre “… se casado … com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. (sublinhei)

A redação do dispositivo é complexa e abre diversas possibilidades. Pode ocorrer a delação da herança simplesmente aos descendentes, caso não haja cônjuge sobrevivente, ou, ainda, caso este tenha sido casado com o autor da herança por determinados regimes de bens. Logo, o direito sucessório do cônjuge – sua tutela patrimonial – não está assentado somente na conjugalidade, mas também no regime de bens.

O preceito confirma a já conhecida conexão entre direitos sucessórios e relações patrimoniais entre os cônjuges. O regime de bens assume uma função supletiva de garantia do viúvo e, assim, tem direta relação com a sua participação na herança.

Essa regra, contudo, não admite interpretação meramente literal. É necessário, para bem compreendê-la e aplicá-la, apurar a sua razão de ser, identificar a ratio legis, delineada com precisão por Mauro Antonini a partir das características dos regimes da comunhão universal e da comunhão parcial, cuja lição, em passagens, transcrevo a seguir:

… ao examinarmos duas das três exceções de não concorrência do cônjuge é possível deduzir qual a razão jurídica que leva a lei, em determinadas situações, a excluir o direito hereditário do cônjuge de concorrer com descendentes.

… vê-se que, na primeira e na terceira exceções, o cônjuge não concorre com descendentes em situações nas quais tem meação sobre todo o patrimônio, por direito próprio, oriundo do direito de família, do regime de bens do casamento.

Houve, portanto, opção legislativa por considerar a meação suficiente para a proteção patrimonial do cônjuge, reputando-se desnecessário, nesse caso, acréscimo de tutela sucessória. Em outras palavras, é como se a lei estivesse na verdade dizendo que, quando o cônjuge é meeiro, não necessita ser herdeiro concorrente com os descendentes.

O que significa, em contrapartida, que é herdeiro se não for meeiro; que, se não tiver a meação a lhe conferir proteção patrimonial, se o direito de família não o socorre, se o regime de bens pode lhe deixar desamparado ao se tornar viúvo, aí sim lhe é conferida tutela sucessória, para que não corra o risco de ficar ao desamparo na viuvez, e por isso passa a concorrer com os descendentes, recebendo quinhão na herança.

Resumindo, a regra geral que se infere das duas exceções analisadas é a de que, na concorrência com descendentes: a) o cônjuge é herdeiro quando não é meeiro; b) sendo meeiro, não é herdeiro.[1] (sublinhei)

Pode-se afirmar, em linha geral, que o que procurou o legislador foi conferir ao cônjuge sobrevivente a posição de herdeiro concorrente com a primeira classe, no que se refere aos bens próprios, ou particulares do falecido, é dizer, aqueles em que o viúvo não figura como meeiro, com o objetivo de garantia de seu bem-estar.

Nessa linha, o cônjuge supérstite, ainda que casado sob o regime da comunhão universal de bens, concorre com os descendentes, quando existem bens particulares. Na parte correspondente à herança – apartada do bloco dos bens comuns, integrantes do patrimônio coletivo do casal –, estabelece-se, portanto, a concorrência entre o cônjuge e os descendentes.

A concorrência – a sucessão do cônjuge – ficaria restrita, sob essa perspectiva, aos bens particulares, solução, aliás, em estrita consonância com o resolvido pelo C. STJ no REsp n.º 1.368.123/SP, rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, j. 22.4.2015.

Seja como for, e apesar de autorizadas vozes em sentido contrário, deve prevalecer a orientação perfilhada por Mauro Antonini, construída à luz da ressalva feita na parte final do inc. I do art. 1.829 do CC – aplicável ao regime da comunhão parcial de bens –, atenta, em particular, à ideia de sistema, à necessidade de preservar sua unidade e coerência, in verbis:

… é possível haver, na comunhão universal, bens particulares, como no exemplo daqueles recebidos por um cônjuge, durante o casamento, por doação ou sucessão causa mortis, gravados com cláusula de incomunicabilidade. … Nessa hipótese, e nas demais do art. 1.668 do CC, é possível haver bens particulares na comunhão universal.

Nesse caso, para manter a coerência do sistema …, havendo bens particulares na comunhão universal, faz-se a mesma operação da comunhão parcial, isto é, separa-se a herança em dois blocos, um dos bens comuns, nos quais o cônjuge só tem direito à meação, sem cota hereditária, e, no outro, dos bens particulares, resguarda-se a ele cota hereditária em concorrência com os descendentes.[2]

Nesse sentido, em artigo em coautoria com José Eduardo Loureiro, posicionei-me:

Problema delicado, não previsto em lei, é a possibilidade – ainda que excepcional – de o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal de bens, não ser meeiro. Basta pensar na hipótese, nada acadêmica, de o falecido ter recebido bens em doação, ou como herdeiro constituído, gravados com cláusula de incomunicabilidade. Ou, então, que os bens do falecido encontrem-se contemplados nas hipóteses dos demais incisos do artigo 1.668 do novo Código Civil, que tratam dos outros casos de bens excluídos da comunhão.

Uma interpretação literal e exegética do inciso I do artigo 1.829 levaria à conclusão de que o legislador excluiu, de modo expresso, a possibilidade de o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da comunhão universal de bens concorrer com herdeiros de primeira classe. Segundo essa vertente, encara-se o silêncio da lei, quanto à possibilidade de existência de bens próprios do falecido, como persistência da vedação. Essa conclusão, porém, não pode prevalecer, porque criaria situação de profunda injustiça.

Uma interpretação construtiva e teleológica do preceito leva à conclusão contrária. Se o que visou o legislador foi criar mecanismo de garantia patrimonial ao cônjuge viúvo, nada mais natural que concorra ele com os descendentes e ascendentes, em relação aos bens dos quais não for meeiro, ainda que o regime seja o da comunhão universal de bens. Isso porque o valor tutelado pela lei é a dignidade do viúvo, não amparado pela meação. Caso o falecido tenha bens próprios, a situação patrimonial efetiva do casal pode aproximar-se, na prática, de outros regimes de bens, como o da comunhão parcial, comunhão final de aquestos, ou mesmo separação convencional. Haveria manifesta contradição, que feriria a harmonia interna do ordenamento e a noção de sistema, amparar os viúvos casados pelos demais regimes de bens, mas abandonar aquele que casou pelo regime em hipótese mais protetiva. Isso porque, como é óbvio, o que procurou a lei não foi beneficiar ou prejudicar determinado regime matrimonial de bens, mas a efetiva situação jurídica patrimonial dele decorrente. Na lição Karl Engisch, na base de todas as regras hermenêuticas para harmonizar normas aparentemente conflitantes, figura como verdadeiro postulado o princípio da coerência da ordem jurídica. Há, no caso, uma contradição teleológica, entre os fins que o legislador visou com determinada norma e a redação conferida ao dispositivo, a ser resolvida com interpretação prestigiando a finalidade tutelada pelo preceito.[3] (sublinhei)

Essa intelecção é compartilhada, v.g., por José Fernando Simão.[4] Há, entretanto, quem tenha entendimento diverso, sustentando que a concorrência sucessória teria aí por pressuposto a inexistência – in concreto – de bens comuns, logo, se houver meação, não há sucessão concorrente.[5] Para outros, a simples opção pelo regime da comunhão universal de bens excluiria a legitimidade sucessória do cônjuge na concorrência com os descendentes.[6]

3. De qualquer maneira, na hipótese vertente, e aí sob qualquer prisma, a partilha realizada, ao inserir, na meação, bem imóvel integrante do patrimônio particular (da herança) do de cujus, está a exigir retificação, para restringir a meação à universalidade representada pelo patrimônio comum, patrimônio coletivo do casal.

Por sua vez, dependendo do que for definido pela viúvameeira e pelos filhos, ao delimitarem os bens que comporão a meação e os quinhões dos herdeiros, será necessário ainda provar o recolhimento do imposto de transmissão, caso se configure excesso de meação ou de quinhão.

O ITBI será exigível se, a despeito do excesso, houver compensação patrimonial, mediante pagamento de torna, elemento que revela a onerosidade da operação econômica. Por outro lado, se inexistir reposição, e a atribuição patrimonial for convencionada a título gratuito, vale dizer, sem prestação correspectiva, incidirá o ITCMD.

Diante disso, impõe-se a confirmação da r. sentença. A dúvida é procedente, devendo ser mantido o juízo de desqualificação registral.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Curso de Direito Civildireito de família e das sucessões. Alexandre de Mello Guerra (coord.). São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025, p. 651-652.

[2] Opcit., p. 654-655.

[3] Alguns aspectos da ordem da vocação hereditária no novo Código CivilInTemas relevantes do Direito Civil Contemporâneoreflexões sobre os cinco anos do Código Civilestudos em homenagem ao Professor Renan Lotufo. Giovanni Ettore Nanni (coord.). São Paulo: Atlas, 2008, p. 677-678.

[4] Código Civil comentadodoutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.458.

[5] José Luiz Gavião de Almeida. Código Civil comentado. Álvaro Villaça Azevedo (coord.). São Paulo: Atlas, 2003, p. 224.

[6] Essa é a posição de Paulo Lôbo (Direito Civilsucessões. 11.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2025, p. 138-139), de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim (Inventário e partilhateoria e prática. 28.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024, p. 61) e de Mairan Gonçalves Maia Júnior (Sucessão legítima. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 535-536). (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito de empresa e tributário – Procedimento de dúvida – Escritura de Venda e Compra então outorgada em cumprimento de obrigação anterior à incorporação da proprietária tabular, vendedora, pela recorrente – Ausência de transmissão imobiliária por ocasião da incorporação – Não incidência do ITBI – Imunidade do art. 156, § 2.º, I, da CF – Desqualificação registral confirmada por motivo diverso do lançado na nota devolutiva – Apelo desprovido.

Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003035-26.2025.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405

Registro: 2025.0001294385

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003035-26.2025.8.26.0405

Apelante: Rp1 Empreendimentos Spe Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.998

Direito de empresa e tributário – Procedimento de dúvida – Escritura de Venda e Compra então outorgada em cumprimento de obrigação anterior à incorporação da proprietária tabular, vendedora, pela recorrente – Ausência de transmissão imobiliária por ocasião da incorporação – Não incidência do ITBI – Imunidade do art. 156, § 2.º, I, da CF – Desqualificação registral confirmada por motivo diverso do lançado na nota devolutiva – Apelo desprovido.

ICaso em exame1. Apelação interposta contra a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 2.º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, que condicionou o registro de escritura de venda e compra à comprovação de recolhimento do ITBI incidente sobre a suposta transmissão da unidade condominial da proprietária tabular à incorporadora, ora recorrente, em razão de incorporação societária.

IIQuestão em discussão2. Estabelecer se, no contexto da incorporação imobiliária reportada pelo Oficial, teria ocorrido transmissão de propriedade do imóvel posteriormente vendido em cumprimento de promessa de venda e compra, de modo a legitimar a incidência do ITBI e, portanto, a exigência registral formulada pelo Oficial.

IIIRazões de decidir3. A incorporação societária não envolveu a transferência do bem imóvel ao patrimônio da incorporadora. 4. Por ocasião da operação de concentração societária, o preço da promessa de venda e compra já tinha sido quitado e a unidade condominial estava, há quase dois anos, na posse da promitente adquirente. 5. A recorrente, que foi quem incorporou a vendedora, proprietária tabular, apenas assumiu a obrigação de outorgar a escritura de venda e compra, ato devido. 6. Não houve transmissão de propriedade, nem qualquer deslocamento patrimonial que configurasse suporte fático do ITBI previsto no art. 156, II, da Constituição Federal. 7. A incorporação empresarial pactuada, ao abranger a totalidade do patrimônio da pessoa jurídica incorporada, caracterizando reestruturação empresarial, não implicou ato oneroso, conclusão também a excluir a incidência do ITBI; trata-se de fato imune à sua incidência. 8. A exigência de comprovação do recolhimento do ITBI é indevida, não pode ser oposta como condição para o registro da escritura, pois inexistente fato gerador tributário. 9. O registro, de todo modo, depende da retificação do título translativo, para constar, da escritura, como vendedora, a incorporadora. 10. O registro deve ser antecedido pela averbação da incorporação, aí em respeito ao princípio da continuidade registral.

IVDispositivo11. Apelo desprovido, confirmando, nada obstante por motivo diverso do lançado na nota devolutiva, o juízo de desqualificação registral.

Tese de julgamento1. A incorporação societária ocorrida entre a recorrente e a proprietária tabular, vendedora, não configurou transmissão da unidade condominial ao patrimônio da incorporadora, mas somente assunção da obrigação de outorgar a escritura de venda e compra. 2. Inexistindo deslocamento patrimonial ou ato oneroso relativo ao imóvel – pressupostos do art. 156, II, da CF – , não há fato gerador do ITBI. 3. Sob essa lógica, é indevida a exigência registral de comprovação do recolhimento do imposto como condição para o ingresso da escritura no fólio real. 4. O registro da escritura, entretanto, depende de sua retificação, para constar, como vendedora, a incorporadora, e da averbação da incorporação, daí a confirmação do juízo de desqualificação registral.

Legislação relevante: CF, art. 156, II e § 2.º, I; CTN, art. 37, § 4.º.

Jurisprudência relevante: STF, ARE 1.360.305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025, Apelação Cível 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 1094800-67.2018.8.26.0100, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 7.6.2019, e Apelação Cível n.º 1030500-13.2024.8.26.0577, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 18.11.2025.

A suscitada RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA. apelou da r. sentença de fls. 265-266, irresignada com o julgamento procedente da dúvida suscitada pelo 2.º RI de Osasco, que condicionou o registro da escritura pública de compra e venda de fls. 11-16 à comprovação do recolhimento do ITBI, incidente sobre a (suposta) anterior transmissão da unidade condominial (agora alienada a terceira pessoa) em decorrência da incorporação da proprietária tabular pela apelante.

Em suas razões recursais de fls. 274-288, a interessada, ora apelante, argumentou que o bem imóvel alienado foi prometido à venda à Pedrina Delmondes de Araújo Vieira no dia 29 de novembro de 2020, isto é, anteriormente à incorporação referida pelo Oficial, ocorrida no dia 31 de julho de 2023, logo, com a incorporação, pondera, não se transmitiram direitos sobre a unidade condominial agora vendida, o que afasta a incidência do ITBI. Aguarda, assim, o provimento da apelação, com determinação voltada ao registro do título recusado.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 320-322, opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa sobre o registro da escritura de venda e compra de fls. 11-16, por meio do qual a RP5 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., representada pela ora apelante, que a incorporou, alienou a unidade condominial n.º 27 do empreendimento Estação 135, imóvel matriculado sob o n.º 49.117 do 2.º RI de Osasco, registrado em seu nome (fls. 20-24), à Pedrina Delmondes de Araújo Vieira.

O título translativo, lavrado no dia 23 de agosto de 2024, foi outorgado em cumprimento de compromisso de venda e compra de unidade condominial, contrato preliminar impróprio ajustado no dia 29 de novembro de 2020 (fls. 169-201), cujo preço foi satisfeito anteriormente à incorporação da promitente vendedora pela recorrente, ocorrida no dia 31 de julho de 2023 (fls. 40-78).

O registro da escritura, entretanto, foi condicionado, nos termos da nota devolutiva de fls. 9, à comprovação do pagamento do ITBI referente à (suposta) transmissão do bem imóvel, anterior à venda e compra de 23 de agosto de 2024, então decorrente da incorporação da proprietária tabular pela ora recorrente RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA..

2. Ocorre que, com a incorporação empresarial, o imóvel objeto da venda e compra não foi incorporado ao patrimônio bruto, aos ativos, ao conjunto de direitos com valor econômico da apelante, que, em atenção à reorganização societária, assumiu, no que aqui interessa, apenas a obrigação de, uma vez concluída a incorporação, e instituído o condomínio, outorgar, à promitente adquirente, a escritura definitiva de venda e compra da unidade condominial que lhe foi alienada.

Aliás, quando da operação de concentração empresarial, documentada na 3.ª alteração contratual da apelante, e na 1.ª alteração contratual da incorporada, aperfeiçoada, vale frisar, no dia 31 de julho de 2023 (fls. 40-78), a promitente compradora, credora da prestação devida, já estava, há quase dois anos, na posse da unidade condominial: de fato, as chaves lhes foram entregues no dia 12 de outubro de 2021, em contexto a reforçar a impertinência da exigência questionada.

In casu, com efeito, a incorporação ocorrida não importou transmissão da unidade condominial ao patrimônio da incorporadora, conclusão a desautorizar a incidência do ITBI, porque não configurada uma de suas hipóteses de incidência, seu suporte fático, previsto no art. 156, II, da CF.

Enfim, o caso não legitima a cobrança do ITBI, porque, convém insistir, não houve, com a absorção empresarial convencionada, transferências de direitos relacionados ao bem imóvel alienado à terceira Pedrina Delmondes de Araújo Vieira. Transferiu-se, isso sim, e aí por força da sucessão universal própria da incorporação, exclusivamente a obrigação de outorgar a escritura de venda e compra.

A situação jurídica das partes, na promessa de venda e compra irretratável, é, de fato, substancialmente alterada. Nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo, trata-se de contrato preliminar com obrigação forte, de eficácia forte[1], que legitima a execução específica.

Nesse contexto, observa José Osório de Azevedo Júnior, “os tradicionais poderes inerentes ao domínio (jus utendifruendi et abutendi) são transferidos ao compromissário comprador, enquanto o compromitente vendedor conserva para si a propriedade nua, vazia, ou menos ainda que propriedade nua …”[2]

Sob tal regime, os efeitos típicos do contrato definitivo são antecipados para o momento do contrato preliminar impróprio.

Sendo assim, na hipótese vertente, o domínio formal que se encontra em nome da pessoa jurídica incorporada, então sociedade empresarial extinta, não lhe conferia, já ao tempo da incorporação, mais nenhum direito sobre a unidade condominial alienada, mas somente o dever inexorável de outorgar a escritura definitiva, ato devido, vinculado, obrigação assumida pela incorporadora.

3. Seja como for, vale assinalar, a incorporação envolveu a transferência total do patrimônio da incorporada, situação a evidenciar a ocorrência de uma reestruturação societária, a justificar a incidência da imunidade tributária prevista no art. 156, § 2.º, I, da CF, a despeito da atividade preponderante da incorporadora, e aí com fundamento no art. 37, § 4.º, do CTN. A propósito, sob essa perspectiva, a incorporação não implica ato oneroso, o que também afasta a incidência do ITBI.

Há, nesse sentido, precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal de Justiça: cf. STF, ARE n.º 1.360305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp n.º 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível n.º 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025, Apelação Cível n.º 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível n.º 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025.

4. A exigência contestada, portanto, e pelas razões acima articuladas, deve ser afastada, mas, ainda assim, a escritura de venda e compra não comporta registro, e isso porque foi outorgada por pessoa jurídica extinta, a sociedade empresarial incorporada pela apelante. Daí a necessidade de retificação do título.

A sociedade absorvida, cuja personalidade jurídica então foi extinta ao ser sucedida pela recorrente, não tem legitimidade para vender o bem imóvel, alienar a unidade condominial que não mais lhe pertence. Integrada à incorporadora, deixou automaticamente de existir.

Na lição de Alfredo de Assis Gonçalves Neto, “a sucessão universal da incorporadora relativamente aos direitos e obrigações das incorporadas implica a transferência automática dos contratos que aquelas possuíam com terceiros, sem necessidade de anuência destes…”[3]

Sob essa perspectiva, a retificação da escritura de venda e compra se faz necessária, para lá constar a apelante como vendedora. Além disso, o registro da escritura pública de venda e compra deve ser antecedido pela averbação da incorporação, de maneira a respeitar o princípio da continuidade registral.

Sobre o tema, há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura: cf. Apelação Cível n.º 1094800-67.2018.8.26.0100, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 7.6.2019, e Apelação Cível n.º 1030500-13.2024.8.26.0577, de minha relatoria, j. 18.11.2025.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação, confirmando, embora por motivo diverso do lançado na nota devolutiva, o juízo de desqualificação registral.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 250-269.

[2] Compromisso de compra e venda. 6.º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 18.

[3] Direito de empresacomentários aos arts. 966 a 1.195 do Código Civil. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 579. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Tese de julgamento: 1. A ausência de assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil inviabiliza o registro de instrumento nato-digital. 2. O registro de alienação fiduciária relativa a parte certa de um imóvel não desmembrado contraria o princípio da unitariedade da matrícula.

Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011295-58.2022.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Registro: 2025.0001294416

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RED PERFORMANCE FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Apelante: Red Performance Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Não Padronizados

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.982

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negado provimento.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária de parte do imóvel descrito em matrícula. A apelante alega que o contrato foi assinado digitalmente conforme padrão ICPBrasil e que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva.

II. Questão em Discussão

2. Discute-se (i) a validade das assinaturas digitais no instrumento particular de alienação fiduciária e (ii) a possibilidade de registro de alienação fiduciária de parte certa e determinada de imóvel, antes de levado a efeito o desmembramento.

III. Razões de Decidir

3. O instrumento nato-digital não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes, contrariando as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que exigem assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil.

4. O registro pretendido esbarra na proibição de registro de alienação de frações ideais com localização e metragem certas, conforme item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, além de desrespeitar o princípio da unitariedade da matrícula. A alienação fiduciária tem a natureza jurídica de direito real de garantia sobre coisa própria, e não sobre coisa alheia. O direito real de garantia é uma transferência de propriedade plena em potência, razão pela qual deve seguir os princípios registrários, em especial o da unitariedade.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. A ausência de assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil inviabiliza o registro de instrumento nato-digital. 2. O registro de alienação fiduciária relativa a parte certa de um imóvel não desmembrado contraria o princípio da unitariedade da matrícula.

Legislação Citada:

– Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, itens 166, 366, 366.1, 368.4.

Jurisprudência Citada:

– CSM/SP, Apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009 ; Apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 13/05/2025

Trata-se de apelação interposta por Red Performance Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados contra a r. sentença de fls. 762/767, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária tendo por objeto parte do imóvel descrito na matrícula nº 37.230 daquela serventia.

Alega a apelante, em resumo, que o contrato apresentado a registro foi assinado digitalmente de acordo com o padrão ICP-Brasi; que não houve substituição no curso da dúvida do título apresentado a registro; que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva, pois o imóvel no contrato repetiu a descrição constante na matrícula. Pede, ao final, o provimento da apelação, com o registro do instrumento particular (fls. 797/814).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 839/843).

Manifestação do apelante a fls. 846/853.

É o relatório.

A ora apelante apresentou a registro, por meio de documento eletrônico, instrumento particular de alienação fiduciária, firmado em 30 de setembro de 2021, tendo por objeto parte certa e determinada do imóvel matriculado sob nº 37.230 no 1º Registro de Imóveis de Guarulhos.

O título foi desqualificado por duas razões: (i) o instrumento particular, documento nato-digital, não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes do contrato; (ii) a alienação fiduciária diz respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel cuja área total é de 87.196,90m² (cf. matrícula nº 37.230 – fls. 26).

Julgada procedente a dúvida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 762/767), a apelante insurge-se contra as exigências acima indicadas.

Sem razão, contudo, pois ambos os óbices se sustentam.

Em relação à falta de assinatura, o Oficial desde a suscitação da dúvida esclareceu bem a questão (fls. 3/4).

Isso porque as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e a legislação de regência dão duas opções ao usuário na apresentação de um instrumento particular:

a) apresentação de título eletrônico, que deve ser subscrito digitalmente por todas as partes do contrato, observados os padrões da ICP-Brasil, conforme itens 366 [1], 366.1 [2] e 368.4 [3] do Capítulo XX das NSCGJ;

b) apresentação de título físico, que deve ser assinado por todas as partes do contrato, com firmas reconhecidas.

Como a apelante não observou nenhuma das opções acima – já que o instrumento nato-digital apresentado não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes (fls. 3) -, a desqualificação era mesmo de rigor.

Acerca da necessidade de observância das normas técnicas estabelecidas para o padrão de assinaturas digitais, apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, julgada em 13 maio de 2025 por este Conselho Superior da Magistratura, em acórdão de minha relatoria.

Nem se argumente que o documento de fls. 613/614 comprova que as assinaturas digitais do título apresentado a registro observam o regramento técnico acima citado.

Ora, tendo havido questionamento, por meio de nota devolutiva, a respeito da validade das assinaturas digitais lançadas no título, cabia à interessada comprovar a observância dos requisitos legais e normativos antes mesmo de requerer a suscitação da dúvida.

A apelante, no entanto, em relação a uma prenotação de 21 de fevereiro de 2022 (fls. 12), buscou provar a higidez das assinaturas digitais do documento apenas no curso do procedimento de dúvida, em 11 de setembro de 2023 (cf. Propriedades do Documento).

Evidente, desse modo, que a apelante agiu de forma desidiosa. Com efeito, se a falha nas assinaturas apontada pelo Oficial não existia – o que se admite apenas por hipótese –, a regularidade delas deveria ter sido comprovada antes da suscitação, pois é sabido que não há espaço para dilação probatória em procedimento de dúvida.

Não fosse assim, a prenotação se estenderia por prazo além do previsto em lei, enquanto a parte cumpre exigências ou demonstra fatos no curso do procedimento da dúvida.

A segunda exigência se refere ao fato de a alienação fiduciária contratada dizer respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel devidamente matriculado (matrícula nº 37.230, com área total de 87.196,90m² – fls. 26).

Nesse ponto, o registro pretendido esbarra na proibição constante no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, que tem a seguinte redação:

“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.”

A análise da matrícula nº 37.230 (fls. 26/64) e da manifestação inicial do Oficial (fls. 4/7) traz sérias evidências de que houve parcelamento irregular do solo. De acordo com o registrador, o imóvel de 87.196,90m² foi dividido em dez quotas condominiais que indicam metragens certas, todas diferentes entre si, que variam de 0,29% a 25,66% da totalidade do bem, titularizadas por diversas pessoas sem relação aparente entre elas.

E se é certo que a alienação fiduciária cujo registro se pretende não dá ensejo a um novo parcelamento do solo, também é certo que a autorização da inscrição acabaria por desestimular a regularização da situação observada. Se a “fração ideal” do terreno – que de fração ideal não tem nada, pois se refere a parte certa e determinada do bem, inclusive com menção à edificação de um galpão (fls. 2) – pudesse ser dada em garantia por meio de alienação fiduciária, não haveria estímulo algum para que o titular da área regularizasse o parcelamento do solo e obtivesse a abertura da matrícula da porção que lhe pertence.

É preciso entender o seguinte: os direitos reais de garantia são uma alienação em potencial, na hipótese de inadimplemento da obrigação garantida. Essa a razão pela qual só quem pode alienar pode constituir direito real de garantia e só o que pode ser alienado pode ser objeto de garantia real.

Se isso já não bastasse, o registro da alienação fiduciária de apenas parte do imóvel desrespeitaria o princípio da unitariedade, segundo o qual uma matrícula não pode descrever mais de um imóvel, mesmo que eles sejam lindeiros.

Em se tratando de um único imóvel, descrito em uma única matrícula (37.230 – fls. 26/64), inviável a constituição de direito real apenas em relação a parte certa e determinada dele. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Escritura de doação com reserva de usufruto em favor dos doadores. Menção, na matrícula, de que no imóvel estão construídos dois edifícios, um de uso comercial e outro de uso residencial. Constituição do usufruto do edifício de uso comercial para o doador e do edifício de uso residencial para a doadora. Princípios da especialidade e da unitariedade da matrícula. Registro inviável” (CSM/SP – apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009).

Indispensável que antes do registro da alienação fiduciária em garantia sobre parte certa e determinada de imóvel maior seja feito o desmembramento da gela. Só o que se pode alienar pode ser dado em garantia real.

Eventual excussão de parte certa de imóvel registrado em gleba maior certamente não teria acesso ao registro imobiliário. Essa a razão pela qual o direito real de garantia também não pode ser registrado.

De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença de primeiro grau.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] 366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

[2] 366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis.

[3] 368.4. O título eletrônico poderá também ser apresentado direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pendrive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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