Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405
Número: 1003035-26.2025.8.26.0405
Comarca: OSASCO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405
Registro: 2025.0001294385
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003035-26.2025.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1003035-26.2025.8.26.0405
Apelante: Rp1 Empreendimentos Spe Ltda
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco
VOTO Nº 43.998
Direito de empresa e tributário – Procedimento de dúvida – Escritura de Venda e Compra então outorgada em cumprimento de obrigação anterior à incorporação da proprietária tabular, vendedora, pela recorrente – Ausência de transmissão imobiliária por ocasião da incorporação – Não incidência do ITBI – Imunidade do art. 156, § 2.º, I, da CF – Desqualificação registral confirmada por motivo diverso do lançado na nota devolutiva – Apelo desprovido.
I. Caso em exame. 1. Apelação interposta contra a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 2.º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, que condicionou o registro de escritura de venda e compra à comprovação de recolhimento do ITBI incidente sobre a suposta transmissão da unidade condominial da proprietária tabular à incorporadora, ora recorrente, em razão de incorporação societária.
II. Questão em discussão. 2. Estabelecer se, no contexto da incorporação imobiliária reportada pelo Oficial, teria ocorrido transmissão de propriedade do imóvel posteriormente vendido em cumprimento de promessa de venda e compra, de modo a legitimar a incidência do ITBI e, portanto, a exigência registral formulada pelo Oficial.
III. Razões de decidir. 3. A incorporação societária não envolveu a transferência do bem imóvel ao patrimônio da incorporadora. 4. Por ocasião da operação de concentração societária, o preço da promessa de venda e compra já tinha sido quitado e a unidade condominial estava, há quase dois anos, na posse da promitente adquirente. 5. A recorrente, que foi quem incorporou a vendedora, proprietária tabular, apenas assumiu a obrigação de outorgar a escritura de venda e compra, ato devido. 6. Não houve transmissão de propriedade, nem qualquer deslocamento patrimonial que configurasse suporte fático do ITBI previsto no art. 156, II, da Constituição Federal. 7. A incorporação empresarial pactuada, ao abranger a totalidade do patrimônio da pessoa jurídica incorporada, caracterizando reestruturação empresarial, não implicou ato oneroso, conclusão também a excluir a incidência do ITBI; trata-se de fato imune à sua incidência. 8. A exigência de comprovação do recolhimento do ITBI é indevida, não pode ser oposta como condição para o registro da escritura, pois inexistente fato gerador tributário. 9. O registro, de todo modo, depende da retificação do título translativo, para constar, da escritura, como vendedora, a incorporadora. 10. O registro deve ser antecedido pela averbação da incorporação, aí em respeito ao princípio da continuidade registral.
IV. Dispositivo. 11. Apelo desprovido, confirmando, nada obstante por motivo diverso do lançado na nota devolutiva, o juízo de desqualificação registral.
Tese de julgamento: 1. A incorporação societária ocorrida entre a recorrente e a proprietária tabular, vendedora, não configurou transmissão da unidade condominial ao patrimônio da incorporadora, mas somente assunção da obrigação de outorgar a escritura de venda e compra. 2. Inexistindo deslocamento patrimonial ou ato oneroso relativo ao imóvel – pressupostos do art. 156, II, da CF – , não há fato gerador do ITBI. 3. Sob essa lógica, é indevida a exigência registral de comprovação do recolhimento do imposto como condição para o ingresso da escritura no fólio real. 4. O registro da escritura, entretanto, depende de sua retificação, para constar, como vendedora, a incorporadora, e da averbação da incorporação, daí a confirmação do juízo de desqualificação registral.
Legislação relevante: CF, art. 156, II e § 2.º, I; CTN, art. 37, § 4.º.
Jurisprudência relevante: STF, ARE 1.360.305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025, Apelação Cível 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025; CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 1094800-67.2018.8.26.0100, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 7.6.2019, e Apelação Cível n.º 1030500-13.2024.8.26.0577, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 18.11.2025.
A suscitada RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA. apelou da r. sentença de fls. 265-266, irresignada com o julgamento procedente da dúvida suscitada pelo 2.º RI de Osasco, que condicionou o registro da escritura pública de compra e venda de fls. 11-16 à comprovação do recolhimento do ITBI, incidente sobre a (suposta) anterior transmissão da unidade condominial (agora alienada a terceira pessoa) em decorrência da incorporação da proprietária tabular pela apelante.
Em suas razões recursais de fls. 274-288, a interessada, ora apelante, argumentou que o bem imóvel alienado foi prometido à venda à Pedrina Delmondes de Araújo Vieira no dia 29 de novembro de 2020, isto é, anteriormente à incorporação referida pelo Oficial, ocorrida no dia 31 de julho de 2023, logo, com a incorporação, pondera, não se transmitiram direitos sobre a unidade condominial agora vendida, o que afasta a incidência do ITBI. Aguarda, assim, o provimento da apelação, com determinação voltada ao registro do título recusado.
A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 320-322, opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
1. O dissenso versa sobre o registro da escritura de venda e compra de fls. 11-16, por meio do qual a RP5 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., representada pela ora apelante, que a incorporou, alienou a unidade condominial n.º 27 do empreendimento Estação 135, imóvel matriculado sob o n.º 49.117 do 2.º RI de Osasco, registrado em seu nome (fls. 20-24), à Pedrina Delmondes de Araújo Vieira.
O título translativo, lavrado no dia 23 de agosto de 2024, foi outorgado em cumprimento de compromisso de venda e compra de unidade condominial, contrato preliminar impróprio ajustado no dia 29 de novembro de 2020 (fls. 169-201), cujo preço foi satisfeito anteriormente à incorporação da promitente vendedora pela recorrente, ocorrida no dia 31 de julho de 2023 (fls. 40-78).
O registro da escritura, entretanto, foi condicionado, nos termos da nota devolutiva de fls. 9, à comprovação do pagamento do ITBI referente à (suposta) transmissão do bem imóvel, anterior à venda e compra de 23 de agosto de 2024, então decorrente da incorporação da proprietária tabular pela ora recorrente RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA..
2. Ocorre que, com a incorporação empresarial, o imóvel objeto da venda e compra não foi incorporado ao patrimônio bruto, aos ativos, ao conjunto de direitos com valor econômico da apelante, que, em atenção à reorganização societária, assumiu, no que aqui interessa, apenas a obrigação de, uma vez concluída a incorporação, e instituído o condomínio, outorgar, à promitente adquirente, a escritura definitiva de venda e compra da unidade condominial que lhe foi alienada.
Aliás, quando da operação de concentração empresarial, documentada na 3.ª alteração contratual da apelante, e na 1.ª alteração contratual da incorporada, aperfeiçoada, vale frisar, no dia 31 de julho de 2023 (fls. 40-78), a promitente compradora, credora da prestação devida, já estava, há quase dois anos, na posse da unidade condominial: de fato, as chaves lhes foram entregues no dia 12 de outubro de 2021, em contexto a reforçar a impertinência da exigência questionada.
In casu, com efeito, a incorporação ocorrida não importou transmissão da unidade condominial ao patrimônio da incorporadora, conclusão a desautorizar a incidência do ITBI, porque não configurada uma de suas hipóteses de incidência, seu suporte fático, previsto no art. 156, II, da CF.
Enfim, o caso não legitima a cobrança do ITBI, porque, convém insistir, não houve, com a absorção empresarial convencionada, transferências de direitos relacionados ao bem imóvel alienado à terceira Pedrina Delmondes de Araújo Vieira. Transferiu-se, isso sim, e aí por força da sucessão universal própria da incorporação, exclusivamente a obrigação de outorgar a escritura de venda e compra.
A situação jurídica das partes, na promessa de venda e compra irretratável, é, de fato, substancialmente alterada. Nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo, trata-se de contrato preliminar com obrigação forte, de eficácia forte[1], que legitima a execução específica.
Nesse contexto, observa José Osório de Azevedo Júnior, “os tradicionais poderes inerentes ao domínio (jus utendi, fruendi et abutendi) são transferidos ao compromissário comprador, enquanto o compromitente vendedor conserva para si a propriedade nua, vazia, ou menos ainda que propriedade nua …”[2]
Sob tal regime, os efeitos típicos do contrato definitivo são antecipados para o momento do contrato preliminar impróprio.
Sendo assim, na hipótese vertente, o domínio formal que se encontra em nome da pessoa jurídica incorporada, então sociedade empresarial extinta, não lhe conferia, já ao tempo da incorporação, mais nenhum direito sobre a unidade condominial alienada, mas somente o dever inexorável de outorgar a escritura definitiva, ato devido, vinculado, obrigação assumida pela incorporadora.
3. Seja como for, vale assinalar, a incorporação envolveu a transferência total do patrimônio da incorporada, situação a evidenciar a ocorrência de uma reestruturação societária, a justificar a incidência da imunidade tributária prevista no art. 156, § 2.º, I, da CF, a despeito da atividade preponderante da incorporadora, e aí com fundamento no art. 37, § 4.º, do CTN. A propósito, sob essa perspectiva, a incorporação não implica ato oneroso, o que também afasta a incidência do ITBI.
Há, nesse sentido, precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal de Justiça: cf. STF, ARE n.º 1.360305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp n.º 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível n.º 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025, Apelação Cível n.º 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível n.º 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025.
4. A exigência contestada, portanto, e pelas razões acima articuladas, deve ser afastada, mas, ainda assim, a escritura de venda e compra não comporta registro, e isso porque foi outorgada por pessoa jurídica extinta, a sociedade empresarial incorporada pela apelante. Daí a necessidade de retificação do título.
A sociedade absorvida, cuja personalidade jurídica então foi extinta ao ser sucedida pela recorrente, não tem legitimidade para vender o bem imóvel, alienar a unidade condominial que não mais lhe pertence. Integrada à incorporadora, deixou automaticamente de existir.
Na lição de Alfredo de Assis Gonçalves Neto, “a sucessão universal da incorporadora relativamente aos direitos e obrigações das incorporadas implica a transferência automática dos contratos que aquelas possuíam com terceiros, sem necessidade de anuência destes…”[3]
Sob essa perspectiva, a retificação da escritura de venda e compra se faz necessária, para lá constar a apelante como vendedora. Além disso, o registro da escritura pública de venda e compra deve ser antecedido pela averbação da incorporação, de maneira a respeitar o princípio da continuidade registral.
Sobre o tema, há precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura: cf. Apelação Cível n.º 1094800-67.2018.8.26.0100, rel. Des. Pinheiro Franco, j. 7.6.2019, e Apelação Cível n.º 1030500-13.2024.8.26.0577, de minha relatoria, j. 18.11.2025.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação, confirmando, embora por motivo diverso do lançado na nota devolutiva, o juízo de desqualificação registral.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 250-269.
[2] Compromisso de compra e venda. 6.º ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 18.
[3] Direito de empresa: comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código Civil. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 579. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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