Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224
Número: 1011295-58.2022.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224
Registro: 2025.0001294416
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RED PERFORMANCE FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1011295-58.2022.8.26.0224
Apelante: Red Performance Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Não Padronizados
Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos
VOTO Nº 43.982
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negado provimento.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária de parte do imóvel descrito em matrícula. A apelante alega que o contrato foi assinado digitalmente conforme padrão ICPBrasil e que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva.
II. Questão em Discussão
2. Discute-se (i) a validade das assinaturas digitais no instrumento particular de alienação fiduciária e (ii) a possibilidade de registro de alienação fiduciária de parte certa e determinada de imóvel, antes de levado a efeito o desmembramento.
III. Razões de Decidir
3. O instrumento nato-digital não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes, contrariando as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que exigem assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil.
4. O registro pretendido esbarra na proibição de registro de alienação de frações ideais com localização e metragem certas, conforme item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, além de desrespeitar o princípio da unitariedade da matrícula. A alienação fiduciária tem a natureza jurídica de direito real de garantia sobre coisa própria, e não sobre coisa alheia. O direito real de garantia é uma transferência de propriedade plena em potência, razão pela qual deve seguir os princípios registrários, em especial o da unitariedade.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A ausência de assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil inviabiliza o registro de instrumento nato-digital. 2. O registro de alienação fiduciária relativa a parte certa de um imóvel não desmembrado contraria o princípio da unitariedade da matrícula.
Legislação Citada:
– Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, itens 166, 366, 366.1, 368.4.
Jurisprudência Citada:
– CSM/SP, Apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009 ; Apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 13/05/2025
Trata-se de apelação interposta por Red Performance Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados contra a r. sentença de fls. 762/767, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária tendo por objeto parte do imóvel descrito na matrícula nº 37.230 daquela serventia.
Alega a apelante, em resumo, que o contrato apresentado a registro foi assinado digitalmente de acordo com o padrão ICP-Brasi; que não houve substituição no curso da dúvida do título apresentado a registro; que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva, pois o imóvel no contrato repetiu a descrição constante na matrícula. Pede, ao final, o provimento da apelação, com o registro do instrumento particular (fls. 797/814).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 839/843).
Manifestação do apelante a fls. 846/853.
É o relatório.
A ora apelante apresentou a registro, por meio de documento eletrônico, instrumento particular de alienação fiduciária, firmado em 30 de setembro de 2021, tendo por objeto parte certa e determinada do imóvel matriculado sob nº 37.230 no 1º Registro de Imóveis de Guarulhos.
O título foi desqualificado por duas razões: (i) o instrumento particular, documento nato-digital, não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes do contrato; (ii) a alienação fiduciária diz respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel cuja área total é de 87.196,90m² (cf. matrícula nº 37.230 – fls. 26).
Julgada procedente a dúvida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 762/767), a apelante insurge-se contra as exigências acima indicadas.
Sem razão, contudo, pois ambos os óbices se sustentam.
Em relação à falta de assinatura, o Oficial desde a suscitação da dúvida esclareceu bem a questão (fls. 3/4).
Isso porque as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e a legislação de regência dão duas opções ao usuário na apresentação de um instrumento particular:
a) apresentação de título eletrônico, que deve ser subscrito digitalmente por todas as partes do contrato, observados os padrões da ICP-Brasil, conforme itens 366 [1], 366.1 [2] e 368.4 [3] do Capítulo XX das NSCGJ;
b) apresentação de título físico, que deve ser assinado por todas as partes do contrato, com firmas reconhecidas.
Como a apelante não observou nenhuma das opções acima – já que o instrumento nato-digital apresentado não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes (fls. 3) -, a desqualificação era mesmo de rigor.
Acerca da necessidade de observância das normas técnicas estabelecidas para o padrão de assinaturas digitais, apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, julgada em 13 maio de 2025 por este Conselho Superior da Magistratura, em acórdão de minha relatoria.
Nem se argumente que o documento de fls. 613/614 comprova que as assinaturas digitais do título apresentado a registro observam o regramento técnico acima citado.
Ora, tendo havido questionamento, por meio de nota devolutiva, a respeito da validade das assinaturas digitais lançadas no título, cabia à interessada comprovar a observância dos requisitos legais e normativos antes mesmo de requerer a suscitação da dúvida.
A apelante, no entanto, em relação a uma prenotação de 21 de fevereiro de 2022 (fls. 12), buscou provar a higidez das assinaturas digitais do documento apenas no curso do procedimento de dúvida, em 11 de setembro de 2023 (cf. Propriedades do Documento).
Evidente, desse modo, que a apelante agiu de forma desidiosa. Com efeito, se a falha nas assinaturas apontada pelo Oficial não existia – o que se admite apenas por hipótese –, a regularidade delas deveria ter sido comprovada antes da suscitação, pois é sabido que não há espaço para dilação probatória em procedimento de dúvida.
Não fosse assim, a prenotação se estenderia por prazo além do previsto em lei, enquanto a parte cumpre exigências ou demonstra fatos no curso do procedimento da dúvida.
A segunda exigência se refere ao fato de a alienação fiduciária contratada dizer respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel devidamente matriculado (matrícula nº 37.230, com área total de 87.196,90m² – fls. 26).
Nesse ponto, o registro pretendido esbarra na proibição constante no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, que tem a seguinte redação:
“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.”
A análise da matrícula nº 37.230 (fls. 26/64) e da manifestação inicial do Oficial (fls. 4/7) traz sérias evidências de que houve parcelamento irregular do solo. De acordo com o registrador, o imóvel de 87.196,90m² foi dividido em dez quotas condominiais que indicam metragens certas, todas diferentes entre si, que variam de 0,29% a 25,66% da totalidade do bem, titularizadas por diversas pessoas sem relação aparente entre elas.
E se é certo que a alienação fiduciária cujo registro se pretende não dá ensejo a um novo parcelamento do solo, também é certo que a autorização da inscrição acabaria por desestimular a regularização da situação observada. Se a “fração ideal” do terreno – que de fração ideal não tem nada, pois se refere a parte certa e determinada do bem, inclusive com menção à edificação de um galpão (fls. 2) – pudesse ser dada em garantia por meio de alienação fiduciária, não haveria estímulo algum para que o titular da área regularizasse o parcelamento do solo e obtivesse a abertura da matrícula da porção que lhe pertence.
É preciso entender o seguinte: os direitos reais de garantia são uma alienação em potencial, na hipótese de inadimplemento da obrigação garantida. Essa a razão pela qual só quem pode alienar pode constituir direito real de garantia e só o que pode ser alienado pode ser objeto de garantia real.
Se isso já não bastasse, o registro da alienação fiduciária de apenas parte do imóvel desrespeitaria o princípio da unitariedade, segundo o qual uma matrícula não pode descrever mais de um imóvel, mesmo que eles sejam lindeiros.
Em se tratando de um único imóvel, descrito em uma única matrícula (37.230 – fls. 26/64), inviável a constituição de direito real apenas em relação a parte certa e determinada dele. Nesse sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Escritura de doação com reserva de usufruto em favor dos doadores. Menção, na matrícula, de que no imóvel estão construídos dois edifícios, um de uso comercial e outro de uso residencial. Constituição do usufruto do edifício de uso comercial para o doador e do edifício de uso residencial para a doadora. Princípios da especialidade e da unitariedade da matrícula. Registro inviável” (CSM/SP – apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009).
Indispensável que antes do registro da alienação fiduciária em garantia sobre parte certa e determinada de imóvel maior seja feito o desmembramento da gela. Só o que se pode alienar pode ser dado em garantia real.
Eventual excussão de parte certa de imóvel registrado em gleba maior certamente não teria acesso ao registro imobiliário. Essa a razão pela qual o direito real de garantia também não pode ser registrado.
De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença de primeiro grau.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] 366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
[2] 366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis.
[3] 368.4. O título eletrônico poderá também ser apresentado direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pendrive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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