CSM/SP: Direito Registral – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Indeferimento do pedido de usucapião – Encerramento precoce do procedimento – Recurso provido para anular a sentença apelada, declarar prejudicada a dúvida e determinar a restituição do procedimento de usucapião extrajudicial ao Registro de Imóveis a fim de que, realizadas diligências complementares, seja promovida nova qualificação do título.

Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1026588-47.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001294412

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1026588-47.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes VERA LUCIA DE FEO NATAL e RODRIGO NATAL, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1026588-47.2025.8.26.0100

Apelantes: Vera Lucia de Feo Natal e Rodrigo Natal

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.976

Direito Registral – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Indeferimento do pedido de usucapião – Encerramento precoce do procedimento – Recurso provido para anular a sentença apelada, declarar prejudicada a dúvida e determinar a restituição do procedimento de usucapião extrajudicial ao Registro de Imóveis a fim de que, realizadas diligências complementares, seja promovida nova qualificação do título.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra r. sentença que manteve a recusa do registro de usucapião extraordinária do imóvel, sob alegação de falta de comprovação do preenchimento dos requisitos legais. Os apelantes arguem a nulidade da sentença e, no mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a produção de prova pericial, afirmando estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de quinze anos.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em verificar: i) se há nulidade da sentença por cerceamento de defesa; ii) se há provas suficientes do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da usucapião extraordinária; iii) se é cabível a usucapião de vaga de garagem indeterminada.

III. Razões de Decidir

3. Preliminar de nulidade de sentença afastada, porque não se faz necessária a abertura de contraditório para que os apelantes se manifestem sobre as provas por eles mesmos produzidas. 4. Compete aos apelantes a demonstração do exercício da posse contínua, sem oposição e com animus domini, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal de quinze anos da usucapião extraordinária. 5. Óbice apresentado pelo Oficial que não se mostra intransponível. 6. Conveniência da retomada do procedimento administrativo, para que sejam adotadas providências complementares, objetivando eventual comprovação da pretendida “accessio possessionis”. 7. A vaga de garagem indeterminada pode ser adquirida por usucapião, independentemente de prova pericial, por ser unidade autônoma com fração ideal própria e matrícula individualizada.

IV. Dispositivo e Tese

8. Apelação provida para anular a sentença proferida, declarar prejudicada a dúvida e determinar a retomada do procedimento extrajudicial de usucapião. Tese de julgamento: 1. É prematuro o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial sem realização de diligências complementares pelo Oficial de Registro, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada. 2. A possibilidade de declaração de domínio por usucapião extraordinária deve ser objeto de nova qualificação, após a realização das diligências complementares.

Legislação Citada:

CC, art. 1.238; NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, item 421 a 421.6.

Jurisprudência Citada:

TJSP, Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 23/05/2024, reg. 24/05/2024;

TJSP, Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 03/06/2025, reg. 11/06/2025.

Trata-se de apelação interposta por Vera Lúcia de Feo Natal Rodrigo Natal contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de usucapião extraordinária do imóvel matriculado sob no 68.040 junto à referida serventia extrajudicial, sob o fundamento de que não há provas do preenchimento dos requisitos legais da modalidade de usucapião eleita, bem como porque necessária prova pericial para localização física da vaga de garagem indeterminada (fls. 318/322 e 333).

Preliminarmente, os apelantes arguem a nulidade da sentença recorrida, por violação ao devido processo legal, ao contraditório e à segurança jurídica, eis que o equívoco constante na parte dispositiva da r. decisão foi reconhecido pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, de ofício, sem lhes ser dada oportunidade de prévia manifestação. No mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a realização de prova pericial, pois o imóvel possui matrícula própria. Argumentam que embora o número da matrícula da vaga de garagem não conste do respectivo boleto, as parcelas condominiais encontram-se comprovadamente pagas. Asseveram, ainda, que foi declarada a usucapião em hipótese semelhante, relativamente a outras duas vagas de garagem do mesmo edifício. Afirmam, por fim, estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como confirmam a ata notarial e demais documentos apresentados ao Oficial de Registro (fls. 339/351).

Em atenção ao despacho a fls. 417, a parte apelante providenciou a regularização de sua representação processual (fls. 421/425).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pela declaração de nulidade da decisão e não provimento do recurso (fls. 431/434).

É o relatório.

Desde logo, há que se afastar a preliminar de nulidade da sentença, modificada em sede de embargos de declaração julgados sem prévia oitiva dos apelantes, eis que desnecessária a abertura de contraditório para que se manifestassem sobre as provas por eles mesmos produzidas.

Pretendem os apelantes a usucapião extraordinária de uma vaga de garagem indeterminada, localizada no andar térreo e subsolo do Edifício Monumento, com endereço na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2.003, objeto da matrícula no 68.040 do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fls. 03/04).

Fundam seu pedido na escritura de inventário e partilha dos bens deixados por Francisco Natal Filho (fls. 63/64), falecido em 19 de março de 2024, cessionário dos direitos adquiridos, em 18 de janeiro de 2016, de JADS Administração e Participações Ltda. (fls. 59/64), a qual, por sua vez, adquiriu os direitos sobre o bem de Martino Raucci Filho, em 26 de novembro de 2012 (fls. 51/58). Consta, ainda, que Martino Raucci Filho, por meio de escritura pública de promessa de cessão e transferência de direitos e obrigações lavrada em 19 de abril de 1974 (fls. 52) adquiriu os direitos sobre o imóvel de Francisco Ziglio e sua mulher, Helena Beatriz Ziglio, que, de seu turno, haviam se comprometido a adquirir de Gomes de Almeida Fernandes Empreendimentos Imobiliários os direitos sobre uma vaga de garagem indeterminada, juntamente com as unidades 107 e 108, por meio de escritura pública lavrada em 23 de agosto de 1973 (fls. 98). Afirmam que desde o término da construção do edifício, ocorrido em 1976, até 2012, quando cedeu sua posse, Martino Raucci Filho esteve na posse da referida vaga de garagem, designada como GO107. Acrescentam que a proprietária tabular, que encerrou suas atividades em 29 de janeiro de 2019, reconheceu que a vaga de garagem matriculada sob nº 68.040 não mais fazia parte do ativo da empresa, razão pela qual nada tinha a opor em relação ao pedido de usucapião.

O pedido de usucapião extraordinário extrajudicial foi rejeitado pelo Oficial de Registro de Imóveis ao argumento de que “não foi comprovada a posse contínua exigida pelo prazo prescricional de 15 anos ” (fls. 01/02, 188/192 e 251/253), o que foi corroborado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente ao julgar procedente a dúvida também “por não haver comprovação documental suficiente do alegado exercício de posse contínua” pelo prazo legal e, ainda, por entender necessária a produção de prova pericial para apurar a localização da vaga de garagem indeterminada (fls. 333).

É sabido que, em qualquer modalidade de usucapião, dois elementos estão sempre presentes: a posse e o tempo. A posse deve assumir natureza ad usucapionem, ou seja, qualificada pela continuidade, pacificidade e animus domini.

A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à posse violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião.

Em relação ao animus domini, a despeito das divergências doutrinárias acerca de seu exato sentido, predomina a corrente que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Assim, possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito de alheio. Ainda que saiba pertencer a coisa a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

A par do caráter ad usucapionem, a posse deve se prolongar por determinado período, findo o qual o domínio do imóvel reputa-se imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.

Em se tratando de usucapião extraordinária, o art. 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por quinze anos.

Cumpriria aos postulantes da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que possuem, por si e por seus antecessores, com supremacia e pelo prazo de quinze anos, contínuo e sem oposição, o imóvel objeto do pedido.

A certidão de matrícula a fls. 03/04 demonstra que o imóvel usucapiendo está registrado em nome de Debrasa – Comércio e Indústria S/A.

Da ata notarial apresentada ao registrador pelos apelantes (fls. 24/39), bem como dos instrumentos particulares (fls. 51/58 e 59/62) e da escritura pública de inventário e partilha (fls. 63/64) resta evidenciada a cadeia de transmissão dos direitos havidos sobre o bem.

Como se vê, a controvérsia está na suficiência da comprovação do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da prescrição aquisitiva.

Todavia, não há que se falar, desde logo, em indeferimento da usucapião extraordinária requerida.

Assim se afirma, pois, o óbice não se mostra intransponível, certo que competia ao Oficial diligenciar a fim de garantir a eficácia do procedimento extrajudicial. Como dispõem os itens 421 e 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em “caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”, lembrando que, “para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado”.

Em razão disso, embora por fundamento diverso daquele arguido em sede de preliminar pelos apelantes, a r. sentença recorrida deve ser anulada e o procedimento de usucapião extrajudicial, encerrado precocemente, retomado para que o Oficial de Registro promova as eventuais diligências complementares, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Somente depois é que o Oficial de Registro deverá proceder nova qualificação do título, que abrangerá a análise da possibilidade, ou não, da pretendida “accessio possessionis” e consequente declaração de domínio por usucapião extraordinária, como requerido pelos apelantes.

No mais, consigne-se que a determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis, para prosseguimento e nova qualificação, torna prejudicada a presente dúvida. A propósito, já ficou decidido que:

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (TJSP; Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 23/05/2024; Data de Registro: 24/05/2024).

No mesmo sentido: TJSP; Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2025; Data de Registro: 11/06/2025.

Por fim, oportuno anotar que, a despeito de se tratar de vaga de garagem indeterminada, não há óbice à pretendida aquisição de domínio por usucapião, independentemente da produção de prova pericial, porquanto se cuida de unidade autônoma, com fração ideal própria e matrícula individualizada (fls. 03/04).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para anular a r. sentença proferida e julgar prejudicada a dúvidacom determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis para regular prosseguimento, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, visando a oportuna requalificação do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ato de registro em sentido estrito, a ser questionado por procedimento de dúvida – Competência do Conselho Superior da Magistratura – Custas e despesas processuais são incabíveis em processo administrativo – Impugnação da companheira do nu proprietário tabular – Requerente, que além de nua proprietária, é titular de usufruto sobre o bem – Questionamento dos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição – Impugnação fundada – Recurso provido, com observação.

Apelação n° 1001822-49.2024.8.26.0104

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001822-49.2024.8.26.0104
Comarca: CAFELÂNDIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001822-49.2024.8.26.0104

Registro: 2025.0001294399

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001822-49.2024.8.26.0104, da Comarca de Cafelândia, em que é apelante ANTONIA DAS GRAÇAS PINHEIRO, é apelado MARLEY PREREIRA TELES.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001822-49.2024.8.26.0104

Apelante: Antonia das Graças Pinheiro

Apelado: Marley Prereira Teles

VOTO Nº 44.011

Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ato de registro em sentido estrito, a ser questionado por procedimento de dúvida – Competência do Conselho Superior da Magistratura – Custas e despesas processuais são incabíveis em processo administrativo – Impugnação da companheira do nu proprietário tabular – Requerente, que além de nua proprietária, é titular de usufruto sobre o bem – Questionamento dos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição – Impugnação fundada – Recurso provido, com observação.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que rejeitou impugnação apresentada em requerimento de usucapião extrajudicial de imóvel.

2. A parte apelante sustenta que mantinha união estável com o coproprietário falecido, motivo pelo qual possui interesse jurídico sobre o bem; que a requerente é usufrutuária do imóvel; que houve violação ao devido processo legal por falta de oportunidade de produção de prova.

II. Questão em discussão

3. A questão em discussão consiste em determinar se a impugnação apresentada é fundamentada, o que impediria o prosseguimento do procedimento administrativo. Debate-se, ainda, a competência para sua análise, além do cabimento da gratuidade processual no processo administrativo.

III. Razões de decidir

4. O Conselho Superior da Magistratura é o órgão competente para julgar questões relacionadas a atos de registro em sentido estrito, como no caso da usucapião extrajudicial.

5. Custas e despesas são incabíveis no processo administrativo.

6. A requerente é titular de metade ideal da nua propriedade, além de usufrutuária. Questionamento da companheira do titular da outra metade ideal da nua propriedade quanto aos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição. Impugnação fundada.

IV. Dispositivo e Tese

7. Recurso provido, com observação.

Tese de julgamento: “1. A competência para análise de questões relacionadas com atos de registro em sentido estrito é do Conselho Superior da Magistratura. 2. Custas e despesas são incabíveis no processo administrativo. 3. A requerente é titular de metade ideal da nua propriedade, além de usufrutuária. Impugnação da companheira do titular da outra metade ideal da nua propriedade que é, portanto, fundada”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Lei n. 6.015/73, art. 216-A; itens 420.2 e seguintes, Capítulo XX, das NSCGJ.

– Apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048 e Apelação nº 1002283-96.2023.8.26.0543.

Trata-se de apelação interposta por Antônia das Graças Pinheiro contra a r. sentença de fls.503/505, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Cafelândia, que rejeitou impugnação apresentada em face de requerimento de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula n. 6.146 daquela serventia (prenotação n.81.420 – fl.4).

A parte apelante alega que conviveu em união estável com Gunter Georg Nieslony, já falecido e proprietário da fração ideal correspondente a 50% do imóvel usucapiendo, o que a torna legítima interessada; que não houve partilha dos bens deixados pelo de cujus; que houve violação ao devido processo legal e ao contraditório, em razão de não ter sido oportunizada a produção de prova durante o procedimento; que devida gratuidade processual (fls.551/555).

A apelada apresentou contrarrazões, defendendo que a apelante não comprovou a alegada união estável, o que a torna parte ilegítima para impugnar o pedido de usucapião extrajudicial; que a declaração contida na certidão de óbito por si só não é suficiente para comprovar a união estável; que não foram apresentados documentos capazes de comprovar oposição à posse alegada (fls.562/565).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pela competência da Corregedoria Geral da Justiça e pelo acolhimento da impugnação (fls.584/592).

É o relatório.

Inicialmente, cumpre esclarecer que como se pretende o reconhecimento de usucapião, o que se concretiza por ato de registro em sentido estrito, a competência para análise da apelação interposta no caso é deste Colendo Conselho Superior da Magistratura.

Vale ressaltar, ainda, que incabíveis custas e honorários nesta via administrativa, pelo que não há por que se falar em gratuidade processual.

A despeito do artigo 207 da LRP, não há previsão específica nas Leis Estaduais n. 11.331/2002 e 11.608/2003, as quais disciplinam a incidência dos emolumentos sobre os serviços notariais e de registro e da taxa judiciária sobre os serviços públicos de natureza forense.

No mérito, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

No caso concreto, tal como relatado pelo Oficial (fls.01/03), após cumprimento das notificações exigidas pelo ordenamento jurídico, houve impugnação ao pedido de usucapião extrajudicial por Antônia das Graças Pinheiro sob o fundamento de que foi companheira de Gunter Georg Nieslony, proprietário da fração ideal de 50% do bem usucapiendo (certidão de óbito – fl.09 e matrícula de fl. 44).

Sabe-se que o procedimento da usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo à parte suscitada emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do § 10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.

As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória (destaques nossos):

“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.

420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeita-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Como visto, na forma do subitem 420.3, Cap. XX, se o Oficial considerar infundada a impugnação, a rejeitará por meio de ato motivado e prosseguirá com o procedimento, cabendo à parte impugnante a apresentação de recurso. Nesse caso, o requerente será intimado para apresentar suas razões, com encaminhamento do feito à Corregedoria Permanente para apreciação.

Porém, se o Oficial considerar a impugnação fundada, encaminhará os autos ao juízo competente “depois de ouvir o requerente” (subitem 420.4). Conclui-se, portanto, que, para ouvir o requerente, o Oficial também deverá esclarecer, por ato motivado, porque considerou a impugnação fundada.

A análise das questões pelo Oficial é, assim, relevante para além da mera narrativa dos atos realizados ao longo do procedimento.

Note-se que a parte requerente pode concordar com as razões do Oficial e imediatamente desistir do procedimento extrajudicial, partindo, eventualmente, para as vias ordinárias.

De qualquer forma, estando o feito previamente instruído com as manifestações necessárias, o julgamento pelo Corregedor Permanente se dará de plano ou após instrução sumária como bem esclarece a norma, não cabendo produção de prova para que se demonstre a existência (ou inexistência) de óbice ao reconhecimento da usucapião.

Caberá ao juízo corregedor analisar apenas se a impugnação tem caráter meramente protelatório ou completamente infundado.

Caso haja qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (subitem 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

No caso concreto, o Oficial não justifica se entende a impugnação fundada ou infundada (fls. 01/03), o que deveria ter feito como explicado acima.

Mas, tal omissão não impede revisão nesta oportunidade notadamente porque o juízo de primeiro grau analisou a questão, reputando a impugnação infundada.

Tal conclusão merece reparo.

De fato, a escritura de fls. 50/51 e parte da matrícula do imóvel, fl. 44, atestam que sua nua-propriedade foi adquirida por Adriana Teles Nieslony, filha da requerente Marley Pereira Teles e de Gunter Georg Nieslony em 10 de agosto de 1993. Marley, por sua vez, adquiriu o usufruto.

A proprietária tabular, Adriana, faleceu em 1997 (fl. 22).

A ata notarial atesta que Marley e Gunter se separaram judicialmente em 22 de maio de 1985; que a nua propriedade do imóvel foi partilhada em inventário entre o casal em juízo, com registro em 19 de fevereiro de 2004 (R.6/M.6146), sendo que, a partir deste ano, Marley assumiu a posse exclusiva sobre o imóvel; que o imóvel está cadastrado na Prefeitura em nome de Marley (inscrição n. 435885.20.4.0377.01 – fl. 23); que a requerente apresentou todos os carnês de IPTU do período de 1990 a 2024, além de contas de consumo de água e esgoto e contratos de locação e de gastos com reforma no imóvel (fls. 16/21, 24/75 e 96/448).

A impugnante e recorrente alega ter vivido em união estável com o coproprietário Gunter (sem esclarecer desde quando), de modo que teria direito sucessório sobre a metade do imóvel usucapiendo.

Há início de prova sobre a alegada união estável: menção da convivência na certidão de óbito de Gunter – fl. 09.

Neste contexto e ainda que seja inequívoco que a requerente Marley está na posse do imóvel desde o falecimento da nua- proprietária tabular e da partilha da nua propriedade sem oposição do coproprietário (certidões de fls. 76/80), o fato é que ela adquiriu o usufruto do bem.

Assim, configuram-se dúvidas sobre a alegada posse exclusiva, sem oposição e com animus domini pelo prazo legal para usucapir o bem, notadamente porque também titular do usufruto.

A própria existência da união estável é debatida.

Há necessidade, portanto, de maior esclarecimento dos fatos, com garantia de contraditório e ampla defesa (necessidade de dilação probatória), como sustentado pela impugnante.

Neste contexto, em que evidenciado conflito, prosseguimento pela via administrativa não é mais possível.

O debate deverá continuar na via judicial, com garantia de contraditório e ampla defesa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO NA VIA EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA – APELAÇÃO – IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA DO CONFRONTANTE – IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA OS FINS DAS NSCGJ, II, XX, 420.4. “Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente: nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Juiz Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência do litígio (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da contradição do interessado, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso, uma vez que o Oficial de Registro de Imóveis não é Juiz)” (CSM, Apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048, Relator Des. Fernando Torres Garcia, j. 06/11/2023).

Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada oposta pela titular do domínio – Conflito em relação ao imóvel – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Incidência dos itens 420.4, 420.5 e 420.8, do Capítulo XX, das NSCGJ – Apelação a que se nega provimento.” (CSM; Apelação nº 1002283-96.2023.8.26.0543; de minha relatoria; j. 10/10/2024).

Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano as razões opostas ao direito alegado, notadamente no que diz respeito ao direito de sucessão sobre a metade ideal pertencente a Gunter (nua propriedade), o procedimento administrativo deve ser extinto e a prenotação cancelada, com entrega dos autos à parte requerente, que poderá emendar a petição inicial para ingresso na via judicial, na qual poderá se valer de todos os elementos possíveis, inclusive aqueles produzidos neste procedimento extrajudicial (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação, observando que cabe ao Oficial analisar o mérito da impugnação, além de instruir corretamente o processo de dúvida, notadamente com certidão atualizada da matrícula.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Dúvida registral – Contrato de locação não residencial com cláusula de vigência – Ausência de assinatura eletrônica qualificada – Exigência mantida – Recurso desprovido.

Apelação n° 1108905-05.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1108905-05.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1108905-05.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001294406

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1108905-05.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante GUIMARÃES & VIEIRA DE MELLO ADVOGADOS, é apelado 15° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1108905-05.2025.8.26.0100

Apelante: Guimarães & Vieira de Mello Advogados

Apelado: 15° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 44.006

Direito registral – Dúvida registral – Contrato de locação não residencial com cláusula de vigência – Ausência de assinatura eletrônica qualificada – Exigência mantida – Recurso desprovido.

I. Caso em exame. 1. Apelação interposta contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 15.º RI da Capital, mantendo a recusa do registro de contrato de locação não residencial destinado à atribuição de eficácia real à cláusula de vigência, sob o fundamento de que o título, assinado por meio da plataforma DocuSign, não contém assinatura eletrônica qualificada.

II. Questão em discussão. 2. Definir se o pacto locatício, apresentado como título nato-digital, pode ser admitido com assinaturas eletrônicas avançadas, ou se é obrigatória a assinatura eletrônica qualificada.

III. Razões de decidir. 3. O título apresentado foi assinado por meio da plataforma DocuSign, mediante assinaturas eletrônicas avançadas, sem certificação digital emitida no âmbito da ICP- Brasil. 4. O Conselho Superior da Magistratura, apreciando caso símile, assentou: a assinatura qualificada é exigida na hipótese discutida, que versa sobre contrato de locação com cláusula de vigência; a assinatura avançada não supre o rigor exigido para o ingresso do título no fólio real; a Medida Provisória n.º 2.200-2/2001 não afasta a regra especial da Lei 14.063/2020, que prevalece no âmbito registral. 5. Ausente, assim, assinatura eletrônica qualificada, o título não se apresenta hábil ao registro, impondo-se, logo, a manutenção da recusa.

IV. Dispositivo. 6. Recurso desprovido; dúvida procedente.

Tese de julgamento: 1. O contrato de locação com cláusula de vigência, apresentado a registro como título nato-digital, deve conter assinatura eletrônica qualificada, nos termos do art. 5.º, § 2.º, IV, da Lei 14.063/2020. 2. As assinaturas eletrônicas avançadas – inclusive as emitidas por plataformas como DocuSign – não suprem o requisito legal, por não conferirem o nível de confiabilidade exigido para atos de registro e, particularmente, para atribuir eficácia real à cláusula de vigência da locação.

Legislação relevante: Lei 6.015/1973 (LRP), art. 167, I, 3; Lei n.º 8.245/1991, art. 8.º; CC, art. 576; Lei 14.063/2020, art. 4.º, I–III, e art. 5.º, § 2.º, IV, §§ 4.º e 5.º; MP n.º 2.200-2/2001, art. 10, §§ 1.º e 2.º; Provimento CNJ n.º 180/2024, art. 208; NSCGJ/SP, t. II, Cap. XX, itens 365 e 366.

Jurisprudência relevante: TJSP/CSM, Apelação Cível n.º 1094448-02.2024.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 13.11.2024.

O registro do contrato de locação não residencial ajustado entre o IRB Renda Empreendimentos SPE S/a, na posição de locador, e a suscitada Guimarães & Vieira de Mello Advogados (GVM), locatária, título apresentado fisicamente, então prenotado sob o n.º 1.095.226, foi recusado, porque as assinaturas nele apostas estão em desacordo com o padrão de assinatura eletrônica qualificada e avançada exigida.

O juízo de desqualificação registral foi confirmado pelo MM Juízo Corregedor Permanente, então ao proferir a r. sentença de fls. 140-147.

Irresignada, a suscitada interpôs apelação, sustentando, nas razões de fls. 153-160, que o contrato foi assinado eletronicamente por meio da plataforma DocuSign, ferramenta que garante a integridade, a autenticidade e a identificação inequívoca dos signatários. Ponderou, ainda, que a recusa baseada na ausência de assinatura qualificada, de certificação pelo ICP-Brasil, extrapola os limites da qualificação registral, é descabida, ademais, se considerado que o título apresentado não é translativo de propriedade.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 184-188, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. O dissenso versa a respeito do registro do instrumento particular de fls. 15-54, do contrato de locação não residencial do bem imóvel matriculado sob o n.º 235.015 do 15.º RI desta Capital, pactuado entre o IRB Renda Empreendimentos SPE S/a, locador, e a suscitada, ora apelante, Guimarães & Vieira de Mello Advogados (GVM), locatária.

A recorrente, com o registro, previsto no art. 167, I, 3, da Lei n.º 6.015/1973, pretende atribuir efeitos reais à cláusula de vigência, exceção ao axioma emptio tollit locatum, à máxima a venda rompe a locação, enfim, ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais, uma vez que possibilita a subsistência da locação ao negócio dispositivo.

Na precisa lição de Orlando Gomes, é “uma limitação convencional à propriedade”.[1] Também chamada cláusula de respeitotrata-se de direito pessoal com eficácia real; uma obrigação com eficácia real, caso, convencionada em locação por tempo determinado, inscrito o contrato na matrícula do bem locado.

2. O título, in casu, foi assinado eletronicamente pelas partes e por duas testemunhas, então por meio da plataforma DocuSign, daí a exigência formulada pelo Oficial, condicionando o registro requerido à reapresentação do contrato, com observância do padrão de assinatura qualificada, juízo de desqualificação registral prestigiado pelo MM Juízo Corregedor Permanente, ao proferir a r. sentença de fls. 140-147.

A recorrente não se conforma. Afirma a dispensabilidade da assinatura eletrônica qualificada, exigida sem respaldo na lei. Alega, ressaltando que o registro intencionado não é translativo da propriedade, que a assinatura questionada é suficiente, pois garante a integridade e a autoria do documento. Requer, assim, o provimento do recurso.

3. A r. sentença de fls. 140-147, entretanto, não merece reforma. A questão, a propósito, foi enfrentada recentemente por este C. Conselho Superior Magistratura, em procedimento de dúvida também envolvendo contrato de locação, por ocasião da apreciação da Apelação Cível n.º 1094448-02.2024.8.26.0100, de minha relatoria, j. 13.11.2024, cujos fundamentos são suficientes para o desprovimento deste recurso, e por isso ora os reproduzo:

É incontroverso e a r. sentença bem pontuou que as assinaturas das partes e das testemunhas apostas no contrato de locação e seu aditamento apresentados ao Oficial de Registro não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exige o artigo 5.º, § 2.º, IV, da Lei nº 14.063/2020.

A Lei nº 14.063/2020, que, entre outras coisas, “dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos”, classifica, no artigo 4.°, a assinatura eletrônica em 03 (três) modalidades: (i) assinatura eletrônica simples; (ii) assinatura eletrônica avançada; e (iii) assinatura eletrônica qualificada. Confira-se:

Art. 4.º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:

I – assinatura eletrônica simples:

a) a que permite identificar o seu signatário;

b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;

II – assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características:

a) está associada ao signatário de maneira unívoca;

b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;

c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;

III – assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.

§ 1.º Os 3 (três) tipos de assinatura referidos nos incisos I, II e III do caput deste artigo caracterizam o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.

§ 2.º Devem ser asseguradas formas de revogação ou de cancelamento definitivo do meio utilizado para as assinaturas previstas nesta Lei, sobretudo em casos de comprometimento de sua segurança ou de vazamento de dados.

Nos termos do decidido no RESP 2159442-PR, julgado em 24/09/2024, “A intenção do legislador foi de criar níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas (em suas modalidades simples, avançada ou qualificada), conforme o método tecnológico de autenticação utilizado pelas partes, e – ao mesmo tempo – conferir validade jurídica a qualquer das modalidades, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontades entre os particulares”.

E a diferença principal entre as três modalidades de assinatura eletrônica está no nível de segurança e na forma de verificação da identidade do signatário.

A assinatura eletrônica simples é a que anexa ou associa os dados de quem subscreve no formato eletrônico e, dessa forma, possibilita a identificação do signatário. Exemplos de assinatura eletrônica nesse formato é a assinatura de um e-mail e a escolha da opção “concordo” ou “assine aqui” numa caixa de seleção. Ela, todavia, não garante que o subscritor do documento seja legítimo.

A assinatura eletrônica avançada é aquela hábil a se associar ao signatário de maneira única, como, por exemplo, por meio de token, biometria ou senhas únicas e temporárias recebidas por e- mail ou mensagem de texto. No RESP supra referido, reconheceu- se que “a assinatura eletrônica avançada seria o equivalente à firma reconhecida por semelhança”.

Por fim, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital e ostenta o nível mais elevado de confiabilidade, tendo sido equiparada “à firma reconhecida por autenticidade” no julgamento do RESP mencionado. Segundo o artigo 4.º, III, da Lei 14.063/2020, a assinatura eletrônica qualificada é a que utiliza o certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, ou seja, aquele disponibilizado pela ICP-Brasil.

No caso em análise, as assinaturas lançadas no título apresentado não possuem padrão ICP-Brasil, tratando-se de assinaturas eletrônicas avançadas e, à luz do artigo 5.º, § 2.º, IV, da Lei 14.063/2020, não são aceitas nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, exigindo-se a assinatura eletrônica qualificada, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais:

“Art. 5.º. No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público.

(…)

§ 2.º. É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada:

(…)

IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo;

(…)

§ 4.º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada.

§ 5.º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.

Relativamente à Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil, muito embora ela não impeça o uso de outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica (artigo 10, § 2.º), é certo que, em se tratando de atos de transferência e de registro de bens imóveis, diante do disposto no artigo 5.º, § 2.º, IV, da Lei 14.063/2020, é necessário que a assinatura eletrônica seja qualificada.

Trata-se de lei especial que permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n.º 14.620/23, a qual modificou o artigo 784 do CPC para tratar de assinatura eletrônica nos títulos executivos.

No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, a matéria é tratada nos itens 365 e 366, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:

“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 – Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.

366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

No mesmo sentido, dispunha o artigo 324 do Provimento CNJ nº 149/2023, que disciplinava a matéria ao tempo da apresentação do título no fólio real:

“Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas…”.

Muito embora a revogação do artigo 324 do Provimento nº 149/2023 do CNJ pelo recente Provimento 180, de 16 de agosto de 2024, não se alterou a exigência de que os documentos nato- digitais apresentados à prática de ato de transferência e de registro no fólio real contenham assinaturas eletrônicas qualificadas.

Confira-se:

Art. 208. Os oficiais de registro e os tabeliães deverão recepcionar diretamente títulos e documentos nato-digitais ou digitalizados, observado o seguinte:

I- a recepção pelos tabeliães de notas e de protestos ocorrerá por meio que comprove a autoria e integridade do arquivo;

II- a recepção pelos oficiais de registro ocorrerá por meio:

a) preferencialmente, do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – Serp e dos sistemas que o integra (especialmente os indicados nos incisos I a III do § 1º do art. 211 deste Código); ou

b) de sistema ou plataforma facultativamente mantidos em suas próprias serventias, desde que tenham sido produzidos por meios que permitam certeza quanto à autoria e integridade.

§ 1.º Consideram-se títulos nato-digitais, para todas as atividades, sem prejuízo daqueles previstos em lei específica:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado, por todos os signatários (inclusive testemunhas), com assinatura eletrônica qualificada ou com assinatura eletrônica avançada admitida perante os serviços notariais e registrais (art. 17, §§ 1.º e 2.º, da Lei n. 6.015/1973; art. 38, § 2.º, da Lei n. 11.977/2009; art. 285, I, deste Código);

(…)”

No caso concreto, porém, não se está diante do acesso ou envio de informações aos registros públicos (art. 17, § 1.º, da Lei 6.015/1973), assim como não se trata de atos expedidos pelos registros públicos (art. 38, da Lei 11.977/2009) nem de assinatura eletrônica notarizada (art. 285 do Provimento nº 149/2023), e, por fim, a Corregedoria Nacional já expediu regras de admissão da assinatura avançada em atos que envolvam imóveis, como facultam o artigo 17, § 2.º, da Lei 6.015/1973 e o artigo 38, § 2.º, da Lei 11.977/2009, mas não para os atos de transferência e registro, que continuam submetidos à exigência do artigo 5.º, § 2.º, IV, da Lei 14.063/2020.

Por oportuno, como o registro da cláusula de vigência da locação impedirá que o contrato seja denunciado pelo adquirente, ex vi do disposto no artigo 8.º da Lei nº 8.245/91 e no artigo 576 do Código Civil, inviável a flexibilização pretendida pelo recorrente quanto à modalidade de assinatura eletrônica exigida para a prática do ato, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Em suma, tratando-se de títulos nato-digitais que ensejam ato de registro em matrícula imobiliária, mas que não contam com a assinatura eletrônica qualificada, exigida pelo artigo 5.º, § 2.º, IV, da Lei 14.063/2020, a recusa do Oficial de Registro deve prevalecer. A interessada pode, alternativamente, apresentar o original em meio físico, como observado pelo Oficial. Assim, o óbice deve ser mantido.

Nessa linha, em atenção ao precedente paradigma acima reportado, que resolveu dissenso símile à controvérsia agora sob exame, a exigência impugnada pela apelante deve ser mantida. A dúvida, com efeito, é procedente.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:
[1] 
Orlando Gomes. Contratos. 26.ª ed. Atualizada por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 335. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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