Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100
Número: 1026588-47.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100
Registro: 2025.0001294412
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1026588-47.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes VERA LUCIA DE FEO NATAL e RODRIGO NATAL, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1026588-47.2025.8.26.0100
Apelantes: Vera Lucia de Feo Natal e Rodrigo Natal
Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO Nº 43.976
Direito Registral – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Indeferimento do pedido de usucapião – Encerramento precoce do procedimento – Recurso provido para anular a sentença apelada, declarar prejudicada a dúvida e determinar a restituição do procedimento de usucapião extrajudicial ao Registro de Imóveis a fim de que, realizadas diligências complementares, seja promovida nova qualificação do título.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra r. sentença que manteve a recusa do registro de usucapião extraordinária do imóvel, sob alegação de falta de comprovação do preenchimento dos requisitos legais. Os apelantes arguem a nulidade da sentença e, no mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a produção de prova pericial, afirmando estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de quinze anos.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em verificar: i) se há nulidade da sentença por cerceamento de defesa; ii) se há provas suficientes do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da usucapião extraordinária; iii) se é cabível a usucapião de vaga de garagem indeterminada.
III. Razões de Decidir
3. Preliminar de nulidade de sentença afastada, porque não se faz necessária a abertura de contraditório para que os apelantes se manifestem sobre as provas por eles mesmos produzidas. 4. Compete aos apelantes a demonstração do exercício da posse contínua, sem oposição e com animus domini, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal de quinze anos da usucapião extraordinária. 5. Óbice apresentado pelo Oficial que não se mostra intransponível. 6. Conveniência da retomada do procedimento administrativo, para que sejam adotadas providências complementares, objetivando eventual comprovação da pretendida “accessio possessionis”. 7. A vaga de garagem indeterminada pode ser adquirida por usucapião, independentemente de prova pericial, por ser unidade autônoma com fração ideal própria e matrícula individualizada.
IV. Dispositivo e Tese
8. Apelação provida para anular a sentença proferida, declarar prejudicada a dúvida e determinar a retomada do procedimento extrajudicial de usucapião. Tese de julgamento: 1. É prematuro o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial sem realização de diligências complementares pelo Oficial de Registro, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada. 2. A possibilidade de declaração de domínio por usucapião extraordinária deve ser objeto de nova qualificação, após a realização das diligências complementares.
Legislação Citada:
CC, art. 1.238; NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, item 421 a 421.6.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 23/05/2024, reg. 24/05/2024;
TJSP, Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 03/06/2025, reg. 11/06/2025.
Trata-se de apelação interposta por Vera Lúcia de Feo Natal e Rodrigo Natal contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de usucapião extraordinária do imóvel matriculado sob no 68.040 junto à referida serventia extrajudicial, sob o fundamento de que não há provas do preenchimento dos requisitos legais da modalidade de usucapião eleita, bem como porque necessária prova pericial para localização física da vaga de garagem indeterminada (fls. 318/322 e 333).
Preliminarmente, os apelantes arguem a nulidade da sentença recorrida, por violação ao devido processo legal, ao contraditório e à segurança jurídica, eis que o equívoco constante na parte dispositiva da r. decisão foi reconhecido pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, de ofício, sem lhes ser dada oportunidade de prévia manifestação. No mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a realização de prova pericial, pois o imóvel possui matrícula própria. Argumentam que embora o número da matrícula da vaga de garagem não conste do respectivo boleto, as parcelas condominiais encontram-se comprovadamente pagas. Asseveram, ainda, que foi declarada a usucapião em hipótese semelhante, relativamente a outras duas vagas de garagem do mesmo edifício. Afirmam, por fim, estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como confirmam a ata notarial e demais documentos apresentados ao Oficial de Registro (fls. 339/351).
Em atenção ao despacho a fls. 417, a parte apelante providenciou a regularização de sua representação processual (fls. 421/425).
A douta Procuradoria de Justiça opinou pela declaração de nulidade da decisão e não provimento do recurso (fls. 431/434).
É o relatório.
Desde logo, há que se afastar a preliminar de nulidade da sentença, modificada em sede de embargos de declaração julgados sem prévia oitiva dos apelantes, eis que desnecessária a abertura de contraditório para que se manifestassem sobre as provas por eles mesmos produzidas.
Pretendem os apelantes a usucapião extraordinária de uma vaga de garagem indeterminada, localizada no andar térreo e subsolo do Edifício Monumento, com endereço na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2.003, objeto da matrícula no 68.040 do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fls. 03/04).
Fundam seu pedido na escritura de inventário e partilha dos bens deixados por Francisco Natal Filho (fls. 63/64), falecido em 19 de março de 2024, cessionário dos direitos adquiridos, em 18 de janeiro de 2016, de JADS Administração e Participações Ltda. (fls. 59/64), a qual, por sua vez, adquiriu os direitos sobre o bem de Martino Raucci Filho, em 26 de novembro de 2012 (fls. 51/58). Consta, ainda, que Martino Raucci Filho, por meio de escritura pública de promessa de cessão e transferência de direitos e obrigações lavrada em 19 de abril de 1974 (fls. 52) adquiriu os direitos sobre o imóvel de Francisco Ziglio e sua mulher, Helena Beatriz Ziglio, que, de seu turno, haviam se comprometido a adquirir de Gomes de Almeida Fernandes Empreendimentos Imobiliários os direitos sobre uma vaga de garagem indeterminada, juntamente com as unidades 107 e 108, por meio de escritura pública lavrada em 23 de agosto de 1973 (fls. 98). Afirmam que desde o término da construção do edifício, ocorrido em 1976, até 2012, quando cedeu sua posse, Martino Raucci Filho esteve na posse da referida vaga de garagem, designada como GO107. Acrescentam que a proprietária tabular, que encerrou suas atividades em 29 de janeiro de 2019, reconheceu que a vaga de garagem matriculada sob nº 68.040 não mais fazia parte do ativo da empresa, razão pela qual nada tinha a opor em relação ao pedido de usucapião.
O pedido de usucapião extraordinário extrajudicial foi rejeitado pelo Oficial de Registro de Imóveis ao argumento de que “não foi comprovada a posse contínua exigida pelo prazo prescricional de 15 anos ” (fls. 01/02, 188/192 e 251/253), o que foi corroborado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente ao julgar procedente a dúvida também “por não haver comprovação documental suficiente do alegado exercício de posse contínua” pelo prazo legal e, ainda, por entender necessária a produção de prova pericial para apurar a localização da vaga de garagem indeterminada (fls. 333).
É sabido que, em qualquer modalidade de usucapião, dois elementos estão sempre presentes: a posse e o tempo. A posse deve assumir natureza ad usucapionem, ou seja, qualificada pela continuidade, pacificidade e animus domini.
A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à posse violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião.
Em relação ao animus domini, a despeito das divergências doutrinárias acerca de seu exato sentido, predomina a corrente que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Assim, possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito de alheio. Ainda que saiba pertencer a coisa a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou superioridade do direito de outrem sobre a coisa.
A par do caráter ad usucapionem, a posse deve se prolongar por determinado período, findo o qual o domínio do imóvel reputa-se imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.
Em se tratando de usucapião extraordinária, o art. 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por quinze anos.
Cumpriria aos postulantes da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que possuem, por si e por seus antecessores, com supremacia e pelo prazo de quinze anos, contínuo e sem oposição, o imóvel objeto do pedido.
A certidão de matrícula a fls. 03/04 demonstra que o imóvel usucapiendo está registrado em nome de Debrasa – Comércio e Indústria S/A.
Da ata notarial apresentada ao registrador pelos apelantes (fls. 24/39), bem como dos instrumentos particulares (fls. 51/58 e 59/62) e da escritura pública de inventário e partilha (fls. 63/64) resta evidenciada a cadeia de transmissão dos direitos havidos sobre o bem.
Como se vê, a controvérsia está na suficiência da comprovação do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da prescrição aquisitiva.
Todavia, não há que se falar, desde logo, em indeferimento da usucapião extraordinária requerida.
Assim se afirma, pois, o óbice não se mostra intransponível, certo que competia ao Oficial diligenciar a fim de garantir a eficácia do procedimento extrajudicial. Como dispõem os itens 421 e 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em “caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”, lembrando que, “para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado”.
Em razão disso, embora por fundamento diverso daquele arguido em sede de preliminar pelos apelantes, a r. sentença recorrida deve ser anulada e o procedimento de usucapião extrajudicial, encerrado precocemente, retomado para que o Oficial de Registro promova as eventuais diligências complementares, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Somente depois é que o Oficial de Registro deverá proceder nova qualificação do título, que abrangerá a análise da possibilidade, ou não, da pretendida “accessio possessionis” e consequente declaração de domínio por usucapião extraordinária, como requerido pelos apelantes.
No mais, consigne-se que a determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis, para prosseguimento e nova qualificação, torna prejudicada a presente dúvida. A propósito, já ficou decidido que:
REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (TJSP; Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 23/05/2024; Data de Registro: 24/05/2024).
No mesmo sentido: TJSP; Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2025; Data de Registro: 11/06/2025.
Por fim, oportuno anotar que, a despeito de se tratar de vaga de garagem indeterminada, não há óbice à pretendida aquisição de domínio por usucapião, independentemente da produção de prova pericial, porquanto se cuida de unidade autônoma, com fração ideal própria e matrícula individualizada (fls. 03/04).
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para anular a r. sentença proferida e julgar prejudicada a dúvida, com determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis para regular prosseguimento, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, visando a oportuna requalificação do título.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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