CSM/SP: Teses de julgamento: O formal de partilha judicial decorrente de divórcio consensual que reparte, de maneira igualitária, direitos e obrigações relativos a bem imóvel objeto de alienação fiduciária pode ser registrado independentemente da concordância do credor fiduciário, então por constituir ato meramente declaratório, sendo aí inaplicável o art. 29 da Lei n.º 9.514/1997.

Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001773-25.2024.8.26.0648
Comarca: URUPÊS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648

Registro: 2025.0001294395

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001773-25.2024.8.26.0648, da Comarca de Urupês, em que é apelante ELTON RODRIGO GAVASSI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE URUPÊS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001773-25.2024.8.26.0648

Apelante: Elton Rodrigo Gavassi

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Urupês

VOTO N.º 43.975

Direito registral – Processo de dúvida – Formal de partilha decorrente de divórcio consensual – Partilha de direitos aquisitivos sobre bem imóvel objeto de alienação fiduciária – Exigências afastadas – Apelação provida.

I. Caso em exame. 1. O recorrente busca o registro de formal de partilha expedido nos autos do divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, negado pelo Oficial, ao entender que os divorciandos não eram proprietários do bem imóvel partilhado, mas apenas titulares de direitos aquisitivos, e que o título não indicava o valor desses direitos nem continha a anuência do credor fiduciário. 2. A dúvida foi julgada procedente pelo MM Juízo Corregedor Permanente, razão pela qual o suscitado, inconformado, apelou, sustentando que a partilha teve por objeto apenas os direitos e obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária, não se justificando o ajuste de seu valor e prescindindo seu registro de anuência do credor fiduciário.

II. Questões em Discussão. 3. Definir o objeto da partilha levada a registro, a amplitude do controle de legalidade do Oficial de Registro e se o formal de partilha oriundo de divórcio consensual, que versa sobre direitos aquisitivos de bem imóvel objeto de alienação fiduciária, pode ser levado a registro sem a anuência do credor fiduciário.

IIIRazões de Decidir4. A partilha homologada nos autos do processo de divórcio consensual não envolveu a propriedade do imóvel nem a cessão de direitos reais, mas apenas a repartição igualitária de direitos aquisitivos e obrigações assumidos pelos cônjuges fiduciantes no âmbito do negócio jurídico de alienação fiduciária. 5. A partilha limitou-se a dividir o patrimônio coletivo, então o acervo comum do casal, atribuindo a cada divorciando a metade ideal dos direitos e obrigações sobre o bem imóvel. 6. A partilha, in casu, e como é característico de sua natureza, foi meramente declarativa de direitos; não atribuiu direitos, prestando- se somente a definir os direitos de meação, logo, prescindível, in concreto, a anuência do credor fiduciário, exigível apenas nas hipóteses de cessão de direitos, situação diversa da mera conversão da comunhão em condomínio. 7. A exigência de ajuste do valor dos direitos partilhados também não subsiste: tratando-se de título judicial, o controle de legalidade do Oficial é limitado, sendo-lhe vedado reexaminar o conteúdo econômico da partilha homologada, protegido pela coisa julgada e, ademais, sem reflexo tributário, já que a partilha foi igualitária.

IV. Dispositivo8. Apelação provida; registro do formal de partilha determinado.

Teses de julgamento: O formal de partilha judicial decorrente de divórcio consensual que reparte, de maneira igualitária, direitos e obrigações relativos a bem imóvel objeto de alienação fiduciária pode ser registrado independentemente da concordância do credor fiduciário, então por constituir ato meramente declaratório, sendo aí inaplicável o art. 29 da Lei n.º 9.514/1997.

Legislação citada: Lei n.º 9.514/1997, art. 29.

O interessado ELTON RODRIGO GAVASSI pretende o registro do formal de partilha expedido nos autos do processo de divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, recusado pelo Oficial, a ser realizado na matrícula n.º 12.648 do RI de Urupês/SP.

O Oficial, ao suscitar a dúvida de fls. 1-3, argumentou que os divorciandos não são proprietários do imóvel partilhado, mas somente titulares de direitos aquisitivos, e que, do título, não consta o valor dos direitos partilhados nem a necessária anuência do credor fiduciário.

Na impugnação de fls. 31-34, o suscitado sustentou que o formal de partilha teve por objeto os direitos sobre o bem imóvel alienado fiduciariamente, não a propriedade, e que houve acordo entre as partes quanto ao valor desses direitos, sendo dispensável a anuência do credor fiduciário, por não se tratar de cessão de direitos reais de aquisição.

O MM Juízo Corregedor Permanente, na r. sentença de fls. 47-52, complementada pela r. decisão de fls. 60-61, que apreciou os embargos de declaração, julgou a dúvida procedente. Inconformado, o suscitado interpôs apelação, reiterando, na peça de fls. 64-71, as suas manifestações anteriores.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 98-104, opinou pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

1. A partilha convencionada nos autos do processo de divórcio n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, que tramitou pela Vara Única de Urupês/SP, teve por objeto os direitos aquisitivos dos divorciandos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, atribuindo-se a cada um deles a metade ideal.

É dizer, a partilha não envolveu a propriedade imobiliária, não tocou à propriedade fiduciária, direito real com escopo de garantia. Em suma, não abrangeu o direito de propriedade, mas versou, isso sim, sobre os direitos e as obrigações dos divorciandos fiduciantes, repartidos entre eles na mesma proporção, metade para cada um.

Lembre-se que os devedores fiduciantes têm a seu favor a titularidade de direito real de aquisição, a teor do Art. 1.368-B do Código Civil: “A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.

Disso decorre que referido direito real de aquisição tem conteúdo econômico e pode ser levado à partilha em divórcio do casal devedor fiduciante.

Nos exatos termos da transação de fls. 8-13, do divórcio consensual homologado por meio da sentença de fls. 17, transitada em julgado (cf. fls. 18), “todos os direitos e as obrigações decorrentes” do contrato de alienação fiduciária ficaram “pertencendo 50% (cinquenta por cento) para cada parte.” (cf. fls. 10).

Assim sendo, sob esse prisma, não se justifica a exigida retificação da partilha, que está em conformidade com os direitos reais de aquisição do suscitado, o divorciando ELTON RODRIGO GAVASSI, e da divorcianda JULIANA DE OLIVEIRA, com a posição jurídica de ambos expressa na matrícula n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês (fls. 23-26).

2. O valor atribuído aos direitos e às obrigações referentes à alienação fiduciária, relacionados ao bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, não constitui óbice ao registro; não está sujeito ao controle de legalidade confiado ao Oficial, que, tendo por objeto título judicial, é mais limitado.

Tal atribuição, ainda que hipoteticamente equivocada, por estar baseada no valor venal do bem imóvel, e, por isso, não espelhar à perfeição os direitos e as obrigações partilhados, não autoriza o juízo de desqualificação registral, que é subalterno à coisa julgada. Ora, não cabe ao Oficial sobrepor-se à autoridade judicial.

A falha apontada sequer tem reflexo no controle tributário, na atividade de fiscalização do pagamento de impostos devidos por força de atos registrais a serem praticados, função atribuída aos responsáveis pelas serventias prediais. In concreto, não houve cessão de direitos nem, consequentemente, incidência de tributo; a partilha foi igualitária.

3. O consentimento do credor fiduciário, também exigido pelo Oficial, não subordina o registro do formal de partilha. Como acima afirmado, não houve cessão de direitos, transmissão de direito real de aquisição, mas apenas divisão de acervo matrimonial comum, repartição do patrimônio coletivo do casal.

Os direitos sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária foram incorporados ao patrimônio dos divorciandos enquanto casados sob o regime da comunhão parcial de bens. Passaram, assim, a integrar patrimônio especial comum, patrimônio de afetação específica.

Do modo como adquiridos, então em proveito do casal, tais direitos entraram na comunhão de bens, sujeitando-se, por ocasião da dissolução do matrimônio (da sociedade ou do vínculo conjugal), à repartição do acervo comum.

A partilha aí, e como é característico de sua natureza, não é transferência, não é atributiva; é simplesmente declarativa de direitos, prestando-se a definir os direitos de meação.

Nessa linha, a regra do art. 29 da Lei n.º 9.514/1997, de acordo com a qual a transmissão do direito real de aquisição do devedor fiduciante depende de expressa anuência do credor fiduciário, não se aplica à situação discutida.

A mera conversão da comunhão em condomínio é estranha à hipótese de incidência do dispositivo legal em apreço, que condiciona a legitimidade e, particularmente, a eficácia da cessão de direitos à textual concordância do credor fiduciário, restrição à autonomia privada, limitação à disponibilidade de direitos dos devedores fiduciantes, regra incompatível com a interpretação ampliativa.

Seja como for, a partilha ocorrida não afeta a integridade da garantia nem altera a relação jurídica com o credor fiduciário, perante quem os divorciandos, devedores fiduciantes, seguem solidariamente responsáveis pela satisfação da dívida, pelo cumprimento das obrigações relacionadas ao financiamento, ao negócio jurídico de alienação fiduciária. Isso, a propósito, foi deixado claro na r. sentença de fls. 17.

4. Em síntese, as exigências de retificação do título e de apresentação de anuência do credor fiduciário são indevidas.

A partilha está em conformidade com a situação tabular e não implica transmissão de propriedade nem cessão de direito real de aquisição, mas apenas definição declarativa de meações.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Indeferimento do pedido que merece revisão: encerramento precoce do procedimento administrativo – Apelação provida

Apelação n° 1000912-93.2025.8.26.0554

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000912-93.2025.8.26.0554
Comarca: SANTO ANDRÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000912-93.2025.8.26.0554

Registro: 2025.0001294398

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000912-93.2025.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que é apelante DARC EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANDRÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000912-93.2025.8.26.0554

Apelante: Darc Empreendimentos Imobiliários Ltda

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo André

VOTO Nº 43.988

Registro de imóveis – Usucapião extrajudicial – Indeferimento do pedido que merece revisão: encerramento precoce do procedimento administrativo – Apelação provida.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve recusa do pedido de usucapião extrajudicial sob o fundamento de ausência de documentos aptos a comprovar o tempo de posse.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em averiguar se houve encerramento precoce do procedimento de usucapião extrajudicial, ou seja, anteriormente às etapas de diligências e notificação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes.

III. Razões de decidir

3. O procedimento extrajudicial de usucapião foi encerrado prematuramente, já que, apresentados início documental da posse alegada e ata notarial, sequer foram promovidas as devidas notificações e eventuais diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. 5. O procedimento encerrado precocemente deve ser retomado para que se promova nova qualificação registral definitiva a partir das diligências, dos documentos pertinentes e do resultado das notificações, momento em que será analisado o mérito do pedido.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso provido para se determinar a retomada do andamento do procedimento extrajudicial de usucapião.

Tese de julgamento: “1. A qualificação registral definitiva deve ocorrer após o esgotamento do procedimento extrajudicial de usucapião, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada. 2. O envio das notificações e a realização das diligências complementares são essenciais para a análise do pedido de usucapião extrajudicial”.

Legislação e jurisprudência citadas:

– Código Civil, art. 1.238 e 1.243; LRP, art. 216- A; Provimento n. 149/2023 do CNJ; itens 421 e 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

– CSM, Apelação n. 1004044-52.2020.8.26.0161; Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100; Apelação n. 1006567-12.2019.8.26.0019.

Trata-se de apelação interposta por Darc Empreendimentos Imobiliários Ltda. – EPP contra a r. sentença de fls.342/349, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santo André, que julgou procedente a dúvida suscitada para manter a recusa ao procedimento de usucapião extrajudicial (prenotação n.534.424 – fl.12).

A parte apelante alega, em síntese, que é proprietária do empreendimento denominado “Shoppinho”, edificado sobre a área de seus próprios terrenos e de um outro de terceiro, este último objeto da demanda de usucapião extrajudicial; que o terreno usucapiendo destina- se à área de manutenção do empreendimento, abrigando sistemas de segurança (hidrantes), de conforto (tubulação de ar-condicionado) e de esgotamento sanitário, além de funcionar como recuo do edifício principal, essencial para aeração e iluminação; que parte da área usucapienda foi adquirida de antigos comerciantes por instrumento de cessão de posse; que o Registrador exigiu provas documentais específicas, exemplificadas no Provimento CNJ n. 149/2023, para a comprovação do lapso temporal da posse, desconsiderando a possibilidade de outros meios probatórios; que apresentou outros documentos para atestar a posse mansa e pacífica, os quais foram julgados insuficientes; que, mesmo após a realização de audiência de justificação, a documentação foi novamente considerada inadequada, o que resultou no indeferimento do pleito; que a decisão do Registrador carece de fundamentação adequada, tendo caráter genérico; que, a despeito das informações obtidas na audiência de justificação, o Oficial manifestou incerteza quanto à identidade entre a requerente e o empreendimento “Shoppinho”, dúvida que poderia ter sido dirimida mediante a emissão de uma nova nota devolutiva com indicação específica desta questão; que há imagens do empreendimento registradas por Tabelião de Notas que lavrou a ata notarial apresentada ao Registrador; que a área usucapienda foi, em determinado período, desmembrada e instituída como servidão de passagem para viabilizar o desdobro dos lotes situados aos fundos, os quais são de sua propriedade; que a licença expedida pelo Corpo de Bombeiros há quase 30 anos atesta que a área é utilizada por instalação de equipamentos de segurança; que o animus domini é evidenciado pela instalação de equipamentos e pela restrição de acesso à área apenas a seus funcionários; que o proprietário tabular, que não foi notificado durante o procedimento, nunca se opôs ao uso da área por quase trinta anos; que indicou como diligência essencial a sanar quaisquer dúvidas a vistoria no local; que o conceito de animus domini não se restringe ao pagamento de contas de consumo e tributos, sendo suficiente, para sua caracterização, cercamento e limpeza do lote vago conforme entendimento jurisprudencial deste Tribunal de Justiça; que o procedimento foi encerrado prematuramente; que há necessidade de que o expediente retorne ao Oficial para que sejam promovidas as devidas notificações e diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX das NSCGJ (fls.355/374).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls.392/394).

É o relatório.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Provimento n. 149/2023 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJ.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Neste sentido, decidiu este Conselho Superior da Magistratura (destaque nosso):

Usucapião Extrajudicial – direito que deve ser declarado por ação judicial ou expediente administrativo nas hipóteses em que os pressupostos legais estejam rigorosamente cumpridos – possibilidade de regularização do imóvel de maneira diversa à usucapião que não impede esta última, inclusive por procedimento administrativo – recusa indevida quanto ao processamento do pedido – dúvida improcedente – Recurso provido com determinação para prosseguimento do procedimento de usucapião extrajudicial” (CSM; Apelação n. 1004044-52.2020.8.26.0161; Rel. Ricardo Anafe; j. em 06.04.2021).

No mérito, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

Trata-se de requerimento visando ao reconhecimento extrajudicial de usucapião extraordinária de terreno localizado na Rua Coronel de Oliveira Lima, Centro, Santo André/SP, com área correspondente a 158,866m² e descrição na matrícula n.34.279 do 1º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Santo André.

De acordo com a nota devolutiva de fls.299, a rejeição do pedido se deu pelo seguinte motivo:

Apesar das declarações testemunhais colhidas por este Oficial e dos demais documentos apresentados quando da realização da audiência de justificação administrativa da posse prevista no Art. 414, §1º do Provimento nº. 149/2023 do CNJ, a documentação apresentada e as circunstâncias narradas são insuficientes para comprovação da posse da requerente e de seus antecessores pelo prazo prescricional de 15 anos necessário a modalidade extraordinária, nos termos do Art. 1.238 do Código Cível, razão pela qual fica INDEFERIDO o pedido de usucapião extrajudicial”.

Em outras palavras, o Oficial entendeu que não restou comprovada, de forma satisfatória, a posse ad usucapionem pelo período mínimo exigido de 15 (quinze) anos para usucapião extraordinária, conforme previsto no artigo 1.238 do Código Civil.

Esse entendimento foi corroborado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que julgou procedente a dúvida (fls. 342/349):

Assim, diante do conjunto probatório colacionado, os elementos apresentados pela interessada são insuficientes para usucapião, ainda que houvesse anuência de confrontantes ou titulares, conforme alegado.

E a usucapião extraordinária do artigo 1.238 do Código Civil, exige a comprovação da posse, com animus domini, pelo prazo de 15 anos ininterruptos, independente de título e boa-fé”.

Ao suscitar a dúvida, o Oficial também acrescentou que “Shoppinho e Darc não são ou não demonstraram ser a mesma pessoa jurídica, mas o inverso” (fl.09).

Quanto ao pedido, há que se ter em vista que, em toda forma de usucapião, dois elementos são fundamentais: a posse e o tempo.

A posse deve ser ad usucapionem, isto é, dotada de continuidade, pacificidade e animus domini.

Além do caráter ad usucapionem, a posse deve se estender por determinado período, após o qual o domínio do imóvel é considerado imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.

No caso da usucapião extraordinária, o artigo 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por 15 (quinze) anos.

O possuidor pode acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, desde que contínuas e pacíficas (art. 1.243 do Código Civil).

Nesse sentido, lição de Benedito Silvério Ribeiro:

A soma, adição (adictio), ou a denominada junção de posses significa que ao possuidor é permitido, para perfazer-se o tempo necessário à usucapião, juntar à sua posse o tempo de posse do seu antecessor. Se a coisa, para completar o tempo necessário à prescrição aquisitiva, tiver sido possuída por duas ou mais pessoas, bem como se o atual possuidor quiser valer- se do tempo de permanência na posse do que lhe antecedeu, ocorrerá aquilo que chama acessão da posse (accessio possessionis)[1].

Cabe à parte usucapiente, portanto, comprovar a posse, por si e/ou por seus antecessores, pelo prazo de 15 (quinze) anos, de forma contínua e sem oposição.

Foi com esse intuito que a apelante trouxe os instrumentos particulares de cessão de posse firmados com Aldagiza Maria dos Santos Tiago (fls.75/76) e Irene Balint Salles (fls.79/80), as quais exerceram atividade comercial por cerca de 30 (trinta) anos na área objeto do requerimento de usucapião sem qualquer oposição.

Verifica-se, ainda, que, em declaração feita perante o 3º Tabelião de Notas (escritura de declaração – fls. 77-78), Aldagiza afirmou que “erigiu paredes e telhados, além de uma porta frontal”, bem como locou parte da construção a terceiro, o que sinaliza atos característicos de animus domini pela antiga possuidora.

A despeito da pertinência da averiguação preliminar dos elementos necessários para configuração da usucapião extraordinária, não há que se falar, desde logo, em indeferimento ou deferimento do pedido.

O Oficial deve atuar com cautela e razoabilidade.

Há diversos benefícios em se optar pela qualificação registral definitiva ao final do procedimento de usucapião extrajudicial.

Isso porque essa opção evita a acumulação de suscitações de dúvidas reiteradas e repetidas interrupções do processo extrajudicial para cada nova exigência formulada. A via extrajudicial da justiça profilática, de natureza célere, tornar-se-ia morosa em razão dessas diversas interrupções.

A ultrapassagem de todas as etapas intercorrentes do processo extrajudicial, além do julgamento uno e conjunto de todos os documentos apresentados e eventuais impugnações, possibilita, ainda, eventual aproveitamento judicial das notificações emitidas, caso seja necessária a conversão do procedimento para a via judicial (artigo 216-A, § 9º, da LRP).

Pode-se concluir, assim, que, no caso concreto, houve encerramento prematuro do procedimento extrajudicial já que sequer foram enviadas as notificações aos titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e imóveis confrontantes, notadamente porque apresentada ata notarial, ao lado de início razoável de prova documental sobre a posse alegada.

A jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é uníssona no sentido de que o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial deve ocorrer após percorrido todo o rito procedimental, principalmente quando houver a possibilidade de solução das exigências ao final do procedimento:

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…) Com efeito, apenas depois de notificados os titulares de domínio e, se falecidos, seus espólios ou respectivos herdeiros é que, ofertadas eventuais impugnações ou, então, manifestada por todos a expressa anuência ao pedido ou, ainda, se decorrido o prazo legal sem que haja impugnação, é que, então, o pedido deverá ser apreciado à luz da alegada alteração da natureza da posse exercida pelos antecessores dos apelantes, decorrente de ato negocial, e consequente possibilidade da pretendida ‘accessio possessionis’ caso corroborada a alegada homogeneidade das posses” (Apelação n. 1021364-65.2024.8.26.0100; de minha relatoria; j. em 23.5.2024).

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PREJUDICADA COM FUNDAMENTO NA EXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL – PECULIARIDADE DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL QUE, NESTE CASO CONCRETO, AFASTA O RECONHECIMENTO DA ANUÊNCIA PARCIAL COM AS EXIGÊNCIAS FORMULADAS – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE TENHA PROSSEGUIMENTO EM SUAS FASES SUBSEQUENTES, VISANDO A POSTERIOR E OPORTUNA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (…) Em que pese a aceitação quanto a uma das exigências formuladas, houve encerramento precoce do procedimento extrajudicial porque essa exigência pode ser atendida na fase de notificação dos titulares do domínio e dos confrontantes tabulares, prevista no art. 216-A, § 2º, do Código de Processo Civil, no art. 10 do Provimento nº 65/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça e no item 427 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça” (Apelação n.1006567-12.2019.8.26.0019; Relator Pinheiro Franco; j.em 10.12.2019).

Note-se que o fato de o procedimento extrajudicial ter se encerrado precocemente coibiu a parte requerente de apresentar explicação ou contraprova ao final, inclusive em relação a ser a mesma pessoa jurídica que “Shoppinho Santo André”, concomitantemente ao resultado das notificações expedidas e eventuais diligências. Ainda não se tem como saber se haverá impugnação ao tempo de posse alegado.

A qualificação registral definitiva, portanto, somente deve ocorrer após o esgotamento do procedimento administrativo, momento em que será analisado o mérito do pedido com todos os documentos aptos a produzirem prova.

Em complementação à necessidade de retomada do procedimento na via extrajudicial, o item 421 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, determina que em:

Caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”.

Adicionalmente, o subitem 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, prevê que incumbe ao Oficial de Registro, de ofício ou a requerimento, durante o procedimento administrativo de usucapião, providenciar diligências para o suprimento de lacunas em torno do requerimento:

Para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado“.

Em que pese tenha sido realizada audiência de justificação administrativa (fls.276/278 e 289/298), nota-se que a parte apelante apresentou justificativa para a impossibilidade de apresentação de quitação de contas de consumo e recolhimento de impostos já em suas primeiras manifestações e sugeriu a vistoria do local para sanar quaisquer dúvidas a respeito da posse do imóvel usucapiendo (fls.155/157 e 168/173).

Além disso, solicitou que fosse informada a respeito de possível visita para que pudesse providenciar acesso ao local (fl.256):

3.- Quanto a justificação administrativa da posse, marcada data para visita ao local e constatação do exercício dessa, solicita seja comunicado o requerente, pelo e-mail (…), para que seja possível abrir o acesso, posto que esse se dá, na atualidade, apenas por um dos portões de manutenção do empreendimento denominado Shopinho, que com a área divisa”.

Nessa linha de argumentos, a r. sentença recorrida deve ser reformada para que o procedimento de usucapião extrajudicial seja retomado para que o Oficial de Registro promova as devidas notificações e eventuais diligências complementares na forma dos itens 418 a 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, com futura requalificação do pedido ao final.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Tratado de usucapião, v.1, São Paulo: editora Saraiva, 1988, 2ª edição, p. 706. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito Registral – Dúvida julgada procedente – Ordem judicial de indisponibilidade de bens em nome do cedente decretada posteriormente à celebração do negócio jurídico – Cessão contratual intermediária não inscrita na matrícula – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Contrato mencionado apenas para contextualizar a cadeia de transmissão extratabular – Cancelamento prévio prescindível, tratando-se de cessão não inscrita na matrícula – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

Apelação n° 1057660-32.2024.8.26.0506

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1057660-32.2024.8.26.0506
Comarca: RIBEIRÃO PRETO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1057660-32.2024.8.26.0506

Registro: 2025.0001294413

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1057660-32.2024.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante CLEUSA RODRIGUES CINTRA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1057660-32.2024.8.26.0506

Apelante: Cleusa Rodrigues Cintra

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto

VOTO Nº 43.971

Direito Registral – Dúvida julgada procedente – Ordem judicial de indisponibilidade de bens em nome do cedente decretada posteriormente à celebração do negócio jurídico – Cessão contratual intermediária não inscrita na matrícula – Registro em conformidade com o princípio tempus regit actum – Contrato mencionado apenas para contextualizar a cadeia de transmissão extratabular – Cancelamento prévio prescindível, tratando-se de cessão não inscrita na matrícula – Inexistência de obstáculo ao registro do título – Óbice afastado – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra r. sentença que manteve a recusa do registro da escritura pública de venda e compra e cessão, em virtude de ordem de indisponibilidade em nome do promitente cedente. A apelante alega não haver óbice ao registro pretendido, argumentando que a propriedade foi transmitida antes da decretação da indisponibilidade.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a ordem de indisponibilidade em nome do promitente cedente impede o registro de escritura pública de venda e compra e cessão de imóvel, considerando que a alienante permanece como proprietária tabular na matrícula.

III. Razões de Decidir

3. A indisponibilidade relativa à cessão intermediária não registrada somente impede o registro se decretada anteriormente ao negócio jurídico dispositivo que a afrontaria.

4. Indisponibilidade que, no caso concreto, é superveniente à cessão de direitos realizada.

5. Não há indisponibilidade averbada na matrícula, tampouco em nome da proprietária tabular.

IV. Dispositivo e Tese

6. Apelação provida.

Tese de julgamento: “1. A indisponibilidade de bens de cedente, cuja intermediação, extratabular, é citada apenas para revelar a cadeia de transmissão do bem, não impede o registro quando decretada posteriormente ao negócio jurídico dispositivo”.

Jurisprudência Citada:

– TJSP; Apelação Cível nº 1001677-54.2024.8.26.0019; j. 10/10/2024;

– TJSP; Apelação Cível nº 1006438-53.2024.8.26.0529; j. 17/09/2025;

– TJSP; Apelação Cível nº 1001678-39.2024.8.26.0019; j. 23/05/2025.

Trata-se de apelação interposta por Cleusa Rodrigues Cintra contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP, que manteve a recusa de registro da escritura pública de venda e compra e cessão, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 187.980 junto à referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordem de indisponibilidade em nome do promitente cedente, Paulo Roberto Braga (fls. 68/71).

Sustenta a apelante, em síntese, que a despeito da nomenclatura dada ao contrato celebrado em 01 de julho de 2011, efetivamente adquiriu o imóvel naquela data, pagando integralmente o preço ajustado e ingressando na posse do bem. Alega que a escritura pública lavrada em 2024 apenas formalizou e deu publicidade ao negócio jurídico já concluído, razão pela qual a ordem de indisponibilidade, posteriormente decretada, não impede o registro pretendido. Argumenta ter agido de boa-fé, ressaltando que os precedentes em que se funda a sentença não guardam semelhança com o presente caso e, ademais, estão superados pelo atual entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura (fls. 82/88).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 107/111).

É o relatório.

A apelante pretende o registro de escritura pública de venda e compra e cessão de imóvel (fls. 12/23) junto à matrícula nº 187.980 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP (fls. 24/25).

O Oficial entendeu pela qualificação negativa do título em virtude da existência de ordem de indisponibilidade, oriunda da 4ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto/SP (autos do processo nº 0011950-35.2015.5.15.0067), em nome de Paulo Roberto Braga, indicado, na escritura, como interveniente ou anuente cedente (fls. 26/27).

Compulsando os autos, verifica-se que a indisponibilidade indicada pelo Oficial não atinge a vendedora e proprietária tabular do imóvel, Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto – COHAB/RP, não afetando, portanto, sua legitimidade para dele dispor.

Ademais, inexistia indisponibilidade ao tempo em que celebrado o compromisso particular de cessão de direitos e obrigações entre a apelante e os promitentes cedentes, Ana Lúcia Pedro Braga Paulo Roberto Braga (fls. 28/30). Em outras palavras, a celebração da avença ocorreu no ano de 2011 (fls. 28/30) e o feito em que decretada a ordem de indisponibilidade, incluída junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), foi distribuído em 2015 (fls. 26/27).

Da análise das tábuas registrais (fls. 24/25), é possível concluir, ainda, que, por ocasião da prenotação, a ordem judicial de indisponibilidade não estava averbada na matrícula nº 187.980 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto/SP.

Logo, deve ser afastada a exigência formulada pelo Oficial, tendo em vista que a restrição não recai sobre a proprietária tabular e o compromisso particular de cessão de direitos e obrigações diz respeito a negócio jurídico não inscrito no sistema registral.

Vale ressaltar, por oportuno, que a participação dos intervenientes ou anuentes cedentes no título serviu tão somente para contextualizar a cadeia de transmissão e justificar a outorga do título (fls. 12/23).

O registro pretendido funda-se em direito real devidamente inscrito na matrícula, preservando-se, assim, a continuidade da cadeia dominial. Por essa razão, a indisponibilidade apontada pelo Oficial não constitui óbice ao ingresso da escritura pública de compra e venda e cessão do imóvel (fls. 12/23) no Registro Imobiliário.

Com efeito, no que concerne a títulos não registrados, abordados apenas para revelar a cadeia de transmissões, deve prevalecer a diretriz tempus regit actum. Assim, o controle registral da disponibilidade em relação às cessões contratuais intermediárias não levadas a registro deve considerar a data de sua celebração e não, a da prenotação.

In casu, conforme já exposto, a ordem de indisponibilidade constante na nota de devolução (fls. 26/27) é superveniente ao negócio de cessão de direitos e obrigações celebrado entre a apelante e os promitentes cedentes, Ana Lúcia Pedro Braga Paulo Roberto Braga (fls. 28/30), de modo que, à época, o cedente não estava privado do poder de dispor do bem imóvel.

A respeito do tema, este C. Conselho Superior da Magistratura assim decidiu, recentemente, em votos de minha relatoria:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA DE VENDA E COMPRA – CONTINUIDADE REGISTRAL E DISPONIBILIDADE TABULAR OBSERVADAS – REGISTRO EM CONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM – CESSÕES CONTRATUAIS INTERMEDIÁRIAS NÃO INSCRITAS NA MATRÍCULA – REALIDADE EXTRATABULAR – CONTRATOS APENAS CIRCUNSTANCIALMENTE MENCIONADOS NO TÍTULO, REFERIDOS PARA CONTEXTUALIZAR A CADEIA DE TRANSMISSÕES EXTRATABULARES – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE EM RELAÇÃO A DOIS DOS CEDENTES DECRETADAS POSTERIORMENTE ÀS OPERAÇÕES ECONÔMICAS – CANCELAMENTO PRÉVIO PRESCINDÍVEL – TEMPUS REGIT FACTUM – EXIGÊNCIA AFASTADA – DÚVIDA IMPROCEDENTE – RECURSO PROVIDO.” (TJSP; Apelação Cível 1001677-54.2024.8.26.0019; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Americana – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/10/2024; Data de Registro: 17/10/2024).

DIREITOS REAIS – PROCESSO DE DÚVIDA – ESCRITURA DE VENDA E COMPRA – ORDENS DE INDISPONIBILIDADE – REGISTRO RECUSADO – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – APELO PROVIDO. I. Caso em Exame. 1. A interessada, adquirente do domínio útil de bem imóvel e cessionária de direitos anteriormente prometidos à venda pela enfiteuta aos cedentes, anuentes ao negócio jurídico, pretende o registro da escritura de venda e compra, recusado pelo Oficial, diante das indisponibilidades em nome dos cedentes. 2. Irresignada, a cessionária requereu suscitação de dúvida, julgada procedente; agora, interpôs apelação. II. Questões em Discussão. 3. A controvérsia versa sobre as indisponibilidades em nome dos cedentes, anuentes, não averbadas na matrícula do bem imóvel objeto da cessão; tal negócio jurídico foi antecedido pela promessa de venda e compra também não levada a registro, e sucedido pelo negócio de transmissão do domínio útil à cessionária pelo enfiteuta, cuja correspondente escritura teve seu registro negado; discute-se se a indisponibilidade relacionada às pessoas dos cedentes em cadeia de transmissão não levada ao registro imobiliário obsta o acesso do título do negócio de cessão. III. Razões de Decidir. 4. As indisponibilidades que recaem sobre os anuentes, ainda que vigentes ao tempo da dação em pagamento por meio da qual cederam seus direitos (não registrados) à suscitada, em favor de quem, por causa da cessão, outorgada a escritura de venda e compra, não impedem o registro intencionado, pois não constantes da matrícula. 5. A não oponibilidade das indisponibilidades decorre do princípio da concentração dos riscos, à luz do qual não são oponíveis ao adquirente, terceiro de boa-fé, as situações não registradas/averbadas na matrícula. 6. Prepondera, in concreto, a ponderação legislativa, expressa no art. 54 da Lei n.º 13.097/2015, que, em detrimento pontual da segurança jurídica, optou pela proteção dos negócios imobiliários, pela segurança do tráfico imobiliário, em prestígio assim da fé pública registral, da confiança espelhada no registro predial, da confiança na legitimação registral. 7. A inscrição visada está em conformidade com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular). 8. Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, alheios à matrícula, extratabulares, em particular, a promessa de venda e a dação em pagamento referidas no título aquisitivo, negócios intermediários, lá descritos para contextualizar a cadeia de transmissões, e justificar a outorga do título, não obstam a inscrição constitutiva requerida. 9. O juízo de desqualificação registral é de ser revisto; a dúvida é improcedente. IV. Dispositivo. 10. Apelo provido; registro do título determinado. Teses de julgamento: As situações não averbadas na matrícula, em especial, indisponibilidades relativas a cedentes de direitos objeto de negócio jurídico não levado a registro, não são oponíveis a adquirentes, terceiros de boa-fé, com quem, depois, o proprietário tabular ajusta negócio de transmissão, e aí por força do princípio da concentração dos riscos; prepondera, in casu, a tutela dos negócios imobiliários, então em prestígio da legitimação registral. Legislação citada: CC, art. 356; Lei n.º 13.097/2015, art. 54, III e §§ 1.º e 2.º”. (TJSP; Apelação Cível 1006438-53.2024.8.26.0529; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Santana de Parnaíba – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/09/2025; Data de Registro: 18/09/2025). No mesmo sentido: TJSP; Apelação Cível 1001678-39.2024.8.26.0019; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Americana – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/05/2025; Data de Registro: 31/05/2025.

Em suma, o óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado, com autorização de ingresso do título no Registro Imobiliário.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator  (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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