Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648
Número: 1001773-25.2024.8.26.0648
Comarca: URUPÊS
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1001773-25.2024.8.26.0648
Registro: 2025.0001294395
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001773-25.2024.8.26.0648, da Comarca de Urupês, em que é apelante ELTON RODRIGO GAVASSI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE URUPÊS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001773-25.2024.8.26.0648
Apelante: Elton Rodrigo Gavassi
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Urupês
VOTO N.º 43.975
Direito registral – Processo de dúvida – Formal de partilha decorrente de divórcio consensual – Partilha de direitos aquisitivos sobre bem imóvel objeto de alienação fiduciária – Exigências afastadas – Apelação provida.
I. Caso em exame. 1. O recorrente busca o registro de formal de partilha expedido nos autos do divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, negado pelo Oficial, ao entender que os divorciandos não eram proprietários do bem imóvel partilhado, mas apenas titulares de direitos aquisitivos, e que o título não indicava o valor desses direitos nem continha a anuência do credor fiduciário. 2. A dúvida foi julgada procedente pelo MM Juízo Corregedor Permanente, razão pela qual o suscitado, inconformado, apelou, sustentando que a partilha teve por objeto apenas os direitos e obrigações decorrentes do contrato de alienação fiduciária, não se justificando o ajuste de seu valor e prescindindo seu registro de anuência do credor fiduciário.
II. Questões em Discussão. 3. Definir o objeto da partilha levada a registro, a amplitude do controle de legalidade do Oficial de Registro e se o formal de partilha oriundo de divórcio consensual, que versa sobre direitos aquisitivos de bem imóvel objeto de alienação fiduciária, pode ser levado a registro sem a anuência do credor fiduciário.
III. Razões de Decidir. 4. A partilha homologada nos autos do processo de divórcio consensual não envolveu a propriedade do imóvel nem a cessão de direitos reais, mas apenas a repartição igualitária de direitos aquisitivos e obrigações assumidos pelos cônjuges fiduciantes no âmbito do negócio jurídico de alienação fiduciária. 5. A partilha limitou-se a dividir o patrimônio coletivo, então o acervo comum do casal, atribuindo a cada divorciando a metade ideal dos direitos e obrigações sobre o bem imóvel. 6. A partilha, in casu, e como é característico de sua natureza, foi meramente declarativa de direitos; não atribuiu direitos, prestando- se somente a definir os direitos de meação, logo, prescindível, in concreto, a anuência do credor fiduciário, exigível apenas nas hipóteses de cessão de direitos, situação diversa da mera conversão da comunhão em condomínio. 7. A exigência de ajuste do valor dos direitos partilhados também não subsiste: tratando-se de título judicial, o controle de legalidade do Oficial é limitado, sendo-lhe vedado reexaminar o conteúdo econômico da partilha homologada, protegido pela coisa julgada e, ademais, sem reflexo tributário, já que a partilha foi igualitária.
IV. Dispositivo. 8. Apelação provida; registro do formal de partilha determinado.
Teses de julgamento: O formal de partilha judicial decorrente de divórcio consensual que reparte, de maneira igualitária, direitos e obrigações relativos a bem imóvel objeto de alienação fiduciária pode ser registrado independentemente da concordância do credor fiduciário, então por constituir ato meramente declaratório, sendo aí inaplicável o art. 29 da Lei n.º 9.514/1997.
Legislação citada: Lei n.º 9.514/1997, art. 29.
O interessado ELTON RODRIGO GAVASSI pretende o registro do formal de partilha expedido nos autos do processo de divórcio consensual n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, recusado pelo Oficial, a ser realizado na matrícula n.º 12.648 do RI de Urupês/SP.
O Oficial, ao suscitar a dúvida de fls. 1-3, argumentou que os divorciandos não são proprietários do imóvel partilhado, mas somente titulares de direitos aquisitivos, e que, do título, não consta o valor dos direitos partilhados nem a necessária anuência do credor fiduciário.
Na impugnação de fls. 31-34, o suscitado sustentou que o formal de partilha teve por objeto os direitos sobre o bem imóvel alienado fiduciariamente, não a propriedade, e que houve acordo entre as partes quanto ao valor desses direitos, sendo dispensável a anuência do credor fiduciário, por não se tratar de cessão de direitos reais de aquisição.
O MM Juízo Corregedor Permanente, na r. sentença de fls. 47-52, complementada pela r. decisão de fls. 60-61, que apreciou os embargos de declaração, julgou a dúvida procedente. Inconformado, o suscitado interpôs apelação, reiterando, na peça de fls. 64-71, as suas manifestações anteriores.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 98-104, opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
1. A partilha convencionada nos autos do processo de divórcio n.º 1000954-59.2022.8.26.0648, que tramitou pela Vara Única de Urupês/SP, teve por objeto os direitos aquisitivos dos divorciandos sobre o bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, atribuindo-se a cada um deles a metade ideal.
É dizer, a partilha não envolveu a propriedade imobiliária, não tocou à propriedade fiduciária, direito real com escopo de garantia. Em suma, não abrangeu o direito de propriedade, mas versou, isso sim, sobre os direitos e as obrigações dos divorciandos fiduciantes, repartidos entre eles na mesma proporção, metade para cada um.
Lembre-se que os devedores fiduciantes têm a seu favor a titularidade de direito real de aquisição, a teor do Art. 1.368-B do Código Civil: “A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor”.
Disso decorre que referido direito real de aquisição tem conteúdo econômico e pode ser levado à partilha em divórcio do casal devedor fiduciante.
Nos exatos termos da transação de fls. 8-13, do divórcio consensual homologado por meio da sentença de fls. 17, transitada em julgado (cf. fls. 18), “todos os direitos e as obrigações decorrentes” do contrato de alienação fiduciária ficaram “pertencendo 50% (cinquenta por cento) para cada parte.” (cf. fls. 10).
Assim sendo, sob esse prisma, não se justifica a exigida retificação da partilha, que está em conformidade com os direitos reais de aquisição do suscitado, o divorciando ELTON RODRIGO GAVASSI, e da divorcianda JULIANA DE OLIVEIRA, com a posição jurídica de ambos expressa na matrícula n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês (fls. 23-26).
2. O valor atribuído aos direitos e às obrigações referentes à alienação fiduciária, relacionados ao bem imóvel matriculado sob o n.º 12.648 do RI e Anexos de Urupês, não constitui óbice ao registro; não está sujeito ao controle de legalidade confiado ao Oficial, que, tendo por objeto título judicial, é mais limitado.
Tal atribuição, ainda que hipoteticamente equivocada, por estar baseada no valor venal do bem imóvel, e, por isso, não espelhar à perfeição os direitos e as obrigações partilhados, não autoriza o juízo de desqualificação registral, que é subalterno à coisa julgada. Ora, não cabe ao Oficial sobrepor-se à autoridade judicial.
A falha apontada sequer tem reflexo no controle tributário, na atividade de fiscalização do pagamento de impostos devidos por força de atos registrais a serem praticados, função atribuída aos responsáveis pelas serventias prediais. In concreto, não houve cessão de direitos nem, consequentemente, incidência de tributo; a partilha foi igualitária.
3. O consentimento do credor fiduciário, também exigido pelo Oficial, não subordina o registro do formal de partilha. Como acima afirmado, não houve cessão de direitos, transmissão de direito real de aquisição, mas apenas divisão de acervo matrimonial comum, repartição do patrimônio coletivo do casal.
Os direitos sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária foram incorporados ao patrimônio dos divorciandos enquanto casados sob o regime da comunhão parcial de bens. Passaram, assim, a integrar patrimônio especial comum, patrimônio de afetação específica.
Do modo como adquiridos, então em proveito do casal, tais direitos entraram na comunhão de bens, sujeitando-se, por ocasião da dissolução do matrimônio (da sociedade ou do vínculo conjugal), à repartição do acervo comum.
A partilha aí, e como é característico de sua natureza, não é transferência, não é atributiva; é simplesmente declarativa de direitos, prestando-se a definir os direitos de meação.
Nessa linha, a regra do art. 29 da Lei n.º 9.514/1997, de acordo com a qual a transmissão do direito real de aquisição do devedor fiduciante depende de expressa anuência do credor fiduciário, não se aplica à situação discutida.
A mera conversão da comunhão em condomínio é estranha à hipótese de incidência do dispositivo legal em apreço, que condiciona a legitimidade e, particularmente, a eficácia da cessão de direitos à textual concordância do credor fiduciário, restrição à autonomia privada, limitação à disponibilidade de direitos dos devedores fiduciantes, regra incompatível com a interpretação ampliativa.
Seja como for, a partilha ocorrida não afeta a integridade da garantia nem altera a relação jurídica com o credor fiduciário, perante quem os divorciandos, devedores fiduciantes, seguem solidariamente responsáveis pela satisfação da dívida, pelo cumprimento das obrigações relacionadas ao financiamento, ao negócio jurídico de alienação fiduciária. Isso, a propósito, foi deixado claro na r. sentença de fls. 17.
4. Em síntese, as exigências de retificação do título e de apresentação de anuência do credor fiduciário são indevidas.
A partilha está em conformidade com a situação tabular e não implica transmissão de propriedade nem cessão de direito real de aquisição, mas apenas definição declarativa de meações.
Ante o todo exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro do formal de partilha de fls. 8-18 na matrícula nº 12.648 do RI de Urupês.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)
Fonte: Inr Publicações
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!
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