– CMS/SP: Registro de imóveis. Apelação. Dúvida. Formal de partilha. Indisponibilidade de bens contra herdeiro que cedeu direitos hereditários. Renúncia translativa ou imprópria. Alienação voluntária que não pode ser levada a registro enquanto perdurarem as restrições. Recurso não provido.

Apelação n° 1013715-31.2025.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1013715-31.2025.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1013715-31.2025.8.26.0224

Registro: 2025.0001294415

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1013715-31.2025.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante FRANCISCA IREUDA RODRIGUES, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1013715-31.2025.8.26.0224

Apelante: Francisca Ireuda Rodrigues

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.970

Registro de imóveis. Apelação. Dúvida. Formal de partilha. Indisponibilidade de bens contra herdeiro que cedeu direitos hereditários. Renúncia translativa ou imprópria. Alienação voluntária que não pode ser levada a registro enquanto perdurarem as restrições. Recurso não provido.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve óbice ao registro de formal de partilha devido à averbação de indisponibilidade de bens de herdeiro que cedeu seus direitos hereditários a co-herdeiro.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a cessão de direitos hereditários entre herdeiros, com a natureza de renúncia translativa, impede o registro do formal de partilha devido à averbação de indisponibilidade de bens em nome do cedente.

III. Razões de decidir

3. O sistema registral adota o princípio da legalidade estrita, permitindo o registro apenas de títulos que atendam os requisitos legais. 4. A cessão de direitos hereditários é considerada renúncia translativa, de modo que configura alienação voluntária, o que impede o registro do formal de partilha enquanto perdurarem as ordens de indisponibilidade em face do cedente.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso não provido.

Tese de julgamento: “1. A renúncia translativa de direitos hereditários configura alienação voluntária. 2. A indisponibilidade de bens averbada em nome do cedente impede o registro de formal de partilha que envolva a cessão de direitos hereditários”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Código Civil, arts. 1.793, 1.806 e 1.812; Lei n. 8.935/1994, art. 28.

– CSM, Apelação n. 115-6/7, Apelação n. 777-6/7, Apelação n. 530-6/0, Apelação n. 0004535-52.2011.8.26.0562, Apelação n. 29.886-0/4, Apelação n. 1045543-61.2022.8.26.0576 e Apelação n. 1024407-10.2024.8.26.0100.

Trata-se de apelação interposta por Francisca Ireuda Rodrigues contra a r. sentença de fls. 369/371, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que julgou procedente dúvida, mantendo o óbice ao registro de formal de partilha nas matrículas n. 8.749 e 8.750 daquela serventia (prenotação n. 425.719 – fls. 07/10).

O Oficial esclareceu que formal de partilha expedido pela 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos (processo de autos n. 0014921-45.1998.8.26.0224), tratando do arrolamento dos bens deixados por João de Cápua, Hilda Caires de Cápua e Dagoberto José de Cápua, foi apresentado a registro; que o título envolve quatro transmissões:

(i) dos bens deixados por João de Cápua à meeira Hilda e aos herdeiros Denize, Diléia, Djalma e Dagoberto; (ii) dos bens deixados por Hilda aos herdeiros Denize, Diléia, Djalma e Dagoberto; (iii) da cessão de direitos hereditários de Djalma a Dagoberto; e (iv) dos bens deixados por Dagoberto a Francisca Ireuda Rodrigues; que não há qualquer óbice ao registro das duas primeiras transmissões; que o herdeiro Djalma de Cápua, por meio de contrato de cessão gratuita (fls. 47/48), transmitiu seus direitos ao herdeiro Dagoberto José de Cápua; que, em consulta à Central de Indisponibilidade, foram constatadas duas ordens de indisponibilidade em desfavor de Djalma, o que impede o registro dos outros dois negócios jurídicos (fls. 01/06).

Na mesma oportunidade, informou que o óbice relativo à necessidade de pagamento de emolumentos foi removido com aditamento do título por decisão da MM. Juíza da 4ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos: “os benefícios da justiça gratuita se estendem aos emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido, conforme expressamente previsto no art. 98, IX, CPC” (fl. 25).

A Corregedoria Permanente manteve o óbice por considerar que a cessão de direitos hereditários por Djalma a Dagoberto reflete renúncia translativa e “não pode surtir efeitos em virtude da indisponibilidade de bens do cedente” (fls. 369/371).

A parte apelante aduz que a cessão dos direitos hereditários de Djalma de Cápua a Dagoberto José de Cápua foi realizada na fase de inventário e anteriormente à homologação da partilha dos bens; que se trata de cessão de expectativa de direito sobre a totalidade do espólio, o que não configura alienação de bem certo e determinado; que, por tais razões, não há configuração de descumprimento de ordem de indisponibilidade; que a cessão foi prévia à existência de qualquer dívida ou indisponibilidade judicial sobre o patrimônio de Djalma (fls. 373/380).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 405/409).

É o relatório.

Inicialmente é importante ressaltar que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

Vale ressaltar, ainda, que a questão relativa à gratuidade de justiça já foi apreciada pelo juízo de origem do título (fls. 25), bem como que, neste processo administrativo (dúvida suscitada em matéria registrária), não incidem custas processuais ou honorários ante a falta de previsão específica nas Leis Estaduais n. 11.331/02 e 11.608/03.

No mérito, o recurso não merece provimento.

Francisca Ireuda Rodrigues apresentou para registro formal de partilha expedido no processo de autos n. 0014921-45.1998.8.26.0224, cujo objeto era o arrolamento dos bens deixados por João de Cápua, Hilda Caires de Cápua e Dagoberto José de Cápua.

João de Cápua, casado com Hilda Caires de Cápua pelo regime de comunhão universal de bens, faleceu em 29 de setembro de 1997, deixando quatro filhos: Denize de Cápua, Diléia Cápua dos Santos, Djalma de Cápua e Dagoberto José de Cápua.

Hilda, por sua vez, faleceu em 25 de junho de 2009, deixando os mesmos herdeiros.

Em 25 de fevereiro de 2010, o herdeiro Djalma cedeu ao herdeiro Dagoberto, por meio de instrumento particular denominado “Contrato de Cessão de Direitos de Bens Imóveis” (fls. 47/48), “25% (VINTE E CINCO) do imóvel cujos direitos detém por força do falecimento de seus pais, João Cappua e Ilda Caires de Capua, porcentagem essa que lhe cabe como herança Imóvel este situado a Rua Freire de Andrade, 500 em Vila Galvão, município de Guarulhos – São Paulo, com inscrição cadastral número 111.45.04.0242.01.000 totalmente averbado e registrado no registro de imóveis daquela comarca”.

Logo após, em 14 de abril de 2010, Dagoberto veio a falecer sem deixar descendentes. Contudo, teve sua união estável com Francisca Ireuda Rodrigues reconhecida judicialmente, a quem deixou a totalidade de seus bens.

O referido instrumento particular de cessão acompanhou o requerimento de arrolamento dos bens deixados por Dagoberto e foi confirmado em juízo por Djalma e pelas irmãs Denize e Diléia (fls. 29/34, 47/48 e 58/62).

Ainda, em razão da inobservância dos requisitos do artigo 1.793 do Código Civil[1], a cessão de direitos hereditários foi objeto de arguição de nulidade perante o juízo competente (fls. 252/256), que decidiu por sua validade (fls. 258/260), com confirmação em segundo grau (fls. 327/334).

Estabelecidas tais premissas, é importante delimitar o tipo de renúncia documentada no título (formal de partilha judicial).

A renúncia à herança é o ato unilateral pelo qual o renunciante dispensa o direito de forma irrevogável (artigo 1.812 do Código Civil).

Para que a renúncia seja válida, deve ser realizada por termo judicial ou instrumento público, de forma expressa. Não pode ocorrer, portanto, tacitamente ou de forma presumida (artigo 1.806 do Código Civil).

A doutrina costuma classificar a renúncia em duas espécies: a renúncia abdicativa e a renúncia translativa.

A renúncia será abdicativa ou pura e simples quando o titular do direito declarar que não aceita a herança ou o legado, que será devolvido ao monte hereditário, para partilha entre os demais sucessores.

Por outro lado, a renúncia translativa ou in favorem, também denominada renúncia imprópria, é aquela por meio da qual o titular aceita a herança, ainda que tacitamente, e indica pessoa específica, estranha ou não à sucessão, que irá receber o quinhão hereditário no lugar dele (a título oneroso ou gratuito).

Na lição de Luiz Paulo Vieira de Carvalho:

“(…) a renúncia denominada translativa ou ‘in favorem’, na verdade, não é uma verdadeira renúncia, já que se compõe de dois atos: uma aceitação tácita e uma cessão gratuita, equivalente a uma doação, do direito sucessório do herdeiro declarante” (Direito das Sucessões, 4ª edição, Editora Atlas, 2019, página 250).

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim esclarecem, ainda, que:

“Embora não seja tecnicamente uma renúncia, é tida por válida a renúncia translativa, também chamada de imprópria, e admitem-se os efeitos obrigacionais dela decorrentes, como forma de doação, se a título gratuito, ou de compra e venda, se a título oneroso. A renúncia à herança em tais condições, por favorecer determinada pessoa, é denominada de translativa, ou in favorem, configurando verdadeira cessão de direitos, seja de forma onerosa, ou gratuita” (Inventários e Partilhas, 17ª edição, Leud, página 435).

No caso concreto, como já dito, vê-se que Djalma cedeu seus direitos hereditários a seu irmão Dagoberto (totalidade do quinhão a que tinha direito), o que foi confirmado como válido na ação de arrolamento de bens.

Em outros termos, resta evidente que o herdeiro Djalma aceitou o seu quinhão sobre imóveis específicos e o cedeu gratuitamente em favor de outro herdeiro (Dagoberto), o que caracteriza renúncia translativa (in favorem ou imprópria) ou cessão de direito hereditário.

Não houve, portanto, renúncia abdicativa ou pura e simples, com retorno do direito ao monte-mor para redistribuição igualitária aos demais sucessores: houve verdadeira aceitação da herança, com posterior cessão para pessoa específica, ainda que de forma gratuita.

Justamente à vista da finalidade que se pretendeu alcançar pela declaração de vontade é que se deve interpretar a renúncia como translativa (verdadeira cessão de direitos hereditários em favor do irmão Dagoberto).

Configurada a renúncia translativa e expostas suas características de alienação voluntária, verifica-se não ser possível o registro do formal de partilha no que diz respeito ao quinhão cedido a Dagoberto por Djalma enquanto perdurarem as ordens de indisponibilidade em nome deste.

Note-se que a análise do título apresentado a registro está sujeita ao princípio tempus regit actum (Apelação n. 115-6/7, rel. José Mário Antonio Cardinale; Apelação n. 777-6/7, rel. Des. Ruy Camilo; Apelação n. 530-6/0, rel. Des. Gilberto Passos Freitas, e Apelação n. 0004535-52.2011.8.26.0562, rel. Des. José Renato Nalini).

Dizendo de outro modo, é a data da prenotação que marca o início do procedimento registral, cabendo ao Registrador, quando da qualificação, observar as normas e a situação vigentes na referida data (prenotação) e não as que vigoravam no momento da celebração do negócio ou da formação do título.

Nesse sentido, já decidiu este C. Conselho Superior da Magistratura quando do julgamento da Apelação nº 29.886-0/4: “A indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade“.

E ainda:

REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE. FORMAL DE PARTILHA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RENÚNCIA TRANSLATIVA FEITA POR HERDEIRO CONTRA O QUAL PESAVAM. INDISPONIBILIDADES DECORRENTES DE ORDENS JURISDICIONAIS. DOAÇÃO DE SUA COTA PARTE NO IMÓVEL. OBJETO DA PARTILHA EM FAVOR DE OUTRA HERDEIRA. ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA QUE NÃO PODE SER LEVADA A REGISTRO ATÉ QUE SEJAM CANCELADAS AS ORDENS DE INDISPONIBILIDADE. ÓBICE MANTIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (CSM; Apelação n. 1045543-61.2022.8.26.0576; Relator Fernando Torres Garcia; j. 31/08/2023).

REGISTRO DE IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E ADJUDICAÇÃO. ORDEM DE INDISPONIBILIDADE QUE OBSTA O REGISTRO DA ALIENAÇÃO VOLUNTÁRIA. PRINCÍPIO DA INSCRIÇÃO. ÓBICE MANTIDO. DÚVIDA PROCEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA” (CSM; Apelação n. 1024407-10.2024.8.26.0100; de minha relatoria; j. 06/08/2024).

Destarte, existindo ordem de indisponibilidade de bens e direitos ao tempo da apresentação a registro, a partilha decorrente da cessão de direitos hereditários não pode ter ingresso.

Não faz sentido a alegação do recorrente de que a cessão tem por objeto uma universalidade de bens – herança – e mero direito expectativo. Isso porque não há propriamente direito expectativo, uma vez que, pelo instituto da saisine (art. 1784 CC), a posse e a propriedade dos bens se transmitem no exato momento da morte. Também parece obvio que, se a transmissão da universalidade abrange bem singular atingido por indisponibilidade, o óbice a este se estende.

Por fim, como bem apontado pelo Oficial, é possível o registro do formal de partilha no que diz respeito à transmissão dos bens de João de Cápua e Hilda Caires de Cápua aos herdeiros Denize, Diléia, Djalma e Dagoberto.

Pelo princípio registral da parcelaridade ou cindibilidade dos títulos, é possível o registro parcial dos direitos neles constantes, aproveitando-se determinados elementos cujo ingresso seja imediato no fólio real desde que não guardem relação de dependência ou unicidade entre si.

Assim, a cisão é admitida quando, num mesmo título formal, há pluralidade de fatos jurídicos sobre um ou mais imóveis, como ocorre no caso concreto.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] “Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1°. Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2°. É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3°. Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade”. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Processo de dúvida – Escritura de Venda e Compra de fração ideal de imóvel rural – Desmembramento irregular – Georreferenciamento – Princípio da especialidade objetiva – Reserva legal não especializada no CAR – Recurso desprovido.

Apelação n° 1000762-36.2025.8.26.0450

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000762-36.2025.8.26.0450
Comarca: PIRACAIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000762-36.2025.8.26.0450

Registro: 2025.0001294408

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000762-36.2025.8.26.0450, da Comarca de Piracaia, em que é apelante S13 EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIRACAIA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000762-36.2025.8.26.0450

Apelante: S13 Empreendimentos e Participações LTDA

Apelado: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piracaia

VOTO Nº 44.009

Direito registral – Processo de dúvida – Escritura de Venda e Compra de fração ideal de imóvel rural – Desmembramento irregular – Georreferenciamento – Princípio da especialidade objetiva – Reserva legal não especializada no CAR – Recurso desprovido.

I. Caso em exame. 1. Pedido de registro de escritura de venda e compra, por meio da qual a recorrente adquiriu fração ideal de imóvel rural. 2. Título devolvido com exigências relativas ao georreferenciamento e à regularização do CAR. 3. Irresignado com julgamento procedente da dúvida, a interessada interpôs apelação.

II. Questões em Discussão. 4. Resolver se é possível o registro da alienação de fração ideal de bem imóvel rural, sem georreferenciamento, quando a cadeia dominial revela a ocorrência de desmembramento irregular e não cumpridas as exigências relativas ao CAR e à reserva legal.

III. Razões de Decidir. 5. O histórico registral evidencia fracionamentos sucessivos da gleba, com inúmeras alienações de frações ideais que, na substância, e nas circunstâncias em que realizadas, revelam desmembramento irregular do solo rural, em afronta ao Estatuto da Terra e às normas técnicas da Corregedoria. 6. À época da prenotação, o georreferenciamento, uma vez considerado o princípio tempus regit actum, era requisito obrigatório, impondo-se, portanto, sua prévia averbação. 7. A descrição constante da matrícula é precária e, portanto, em razão da alienação de fração ideal realizada, demanda aperfeiçoamento. 8. Também não demonstrado o atendimento ao subitem 123.6 do Cap. XX das NSCGJ, t. II, relacionado à especialização da reserva legal no CAR, exigida ao tempo da prenotação, nem exibida declaração substitutiva, assumindo o compromisso de regularização do CAR. 9. Prevalece, assim, o juízo negativo de qualificação registral.

IV. Dispositivo. 10. Recurso desprovido; dúvida julgada procedente.

Teses de julgamento: É inviável o registro de transmissão voluntária de fração ideal de imóvel rural quando demonstrado o desmembramento irregular, não atendido o georreferenciamento, obrigatório à época da prenotação, e, ainda, não comprovado o cumprimento de exigências então vigentes relativas ao CAR e à especialização da reserva legal.

Legislação citada: Lei n.º 4.504/1964, arts. 61, § 2.º, e 65; Lei n.º 6.015/1973, art. 176, § 4.º; Decreto n.º 4.449/2002, art. 10; NSCGJ, t. II, Cap. XX, subitem 10.1.1., 123.3., 123.6. e 166.

Jurisprudência relevante: CSM/TJSP, Apelação Cível n.º 990.10.512.895-5, rel. Des. Maurício Vidigal, j. 5.5.2011, Apelação Cível n.º 0009405-61.2012.8.26.0189, rel. Des. Renato Nalini, j. 6.11.2013, e Apelação Cível n.º 1004264-05.2015.8.26.0362, rel. Des. Pereira Calças, j. 20.5.2016; CGJ/TJSP, processo CG 21/2003.

A interessada, ora recorrente, S13 EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., pretende registrar, na matrícula n.º 933 do RI de Piracaia, a escritura pública de venda e compra de fls. 11-13, título por meio do qual adquiriu a fração ideal de 8% de duas áreas de terras que formam atualmente um só todo com 606.877,83 m², equivalentes a 60,6877 ha, localizada no Bairro dos Pires, Município de Joanópolis. In casu, a fração ideal adquirida corresponde a 48.550,22 m², ou a 4,85 ha.

O registro do título, então prenotado sob o n.º 85.196, foi condicionado ao georreferenciamento da área na qual localizada a fração ideal adquirida. O Oficial ainda ponderou que a área onde situada a fração ideal não é indivisível. Acrescentou, por fim, que a interessada não deu atendimento aos itens 123.3 e 123.6 do Cap. XX das NSCGJ, t. II, pois deixou de apresentar recibo e demonstrativo do CAR com o status de analisado/aprovado.

A r. sentença de fls. 52-55 confirmou o juízo negativo de qualificação registral, de modo a prestigiar, em especial, a exigência do geo. O MM Juízo Corregedor Permanente ainda rejeitou os embargos de declaração opostos pela interessada (fls. 62-65 e 78-79).

Irresignada, a interessada interpôs recurso de apelação. Em suas razões de fls. 82-86, argumenta que é possível o registro de transmissão de fração ideal de imóvel rural independentemente do geo da totalidade da área, desde que preservada a descrição constante da matrícula, razão pela qual requer a reforma do decisum.

A certidão da matrícula n.º 933 do RI de Piracaia, cuja exibição foi requerida pela Procuradoria-Geral da Justiça, foi juntada aos autos (fls. 125-134).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 139-141, opinou, ao final, pelo desprovimento da apelação.

É o relatório.

1. O dissenso versa sobre o registro da escritura pública de venda e compra de fls. 11-14, que documenta negócio jurídico por meio do qual a interessada, ora recorrente, S13 EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., adquiriu, de JOSÉ NILSON CARDOSO DOS SANTOS e MARIA INÊS MOREIRA, a fração ideal correspondente a 8% do bem imóvel matriculado sob o n.º 933 do RI de Piracaia.

A recorrente, ao requerer a suscitação de dúvida registral, opondo-se aos termos da nota devolutiva relacionada à prenotação n.º 85.196 (fls. 7-10), questionou a necessidade do georreferenciamento, afirmando a prescindibilidade do aperfeiçoamento da descrição do bem imóvel, e impugnou as exigências relativas ao Cadastro Ambiental Rural e à reserva legal, que não estariam a condicionar o registro requerido (fls. 32-35 e 39).

Entretanto, a recusa do registro foi confirmada pelo MM Juízo Corregedor Permanente, ao proferir a r. sentença de fls. 52-55, daí a interposição da apelação em exame, que, a despeito do articulado pela recorrente, não comporta provimento.

2. A certidão da matrícula n.º 933 do RI de Piracaia, então registrando sucessivas alienações de frações ideais, realizadas para diversos condôminos sem vínculos de parentesco, é indicativa de desmembramento irregular de bem imóvel rural (fls. 125-134), fato que está a impedir a inscrição requerida.

Há, com efeito, elementos conclusivos, suficientes, sobre o ilegal parcelamento do solo, a partir do r. 9 da matrícula n.º 933, com a inscrição de escritura de venda e compra lavrada no dia 21 de março de 2018, quando o proprietário Oswaldo da Costa Gomes alienou 40% do bem imóvel a João Carlos do Nascimento, a Valter Roger Alamino, a José Nilson Cardoso dos Santos, a Kalim Henrique Zappa Nassif e a Fabio Bruneli Pinheiro (fls. 125-134).

Desses 40%, 30% (12% do todo) couberam a João Carlos do Nascimento, 10% a Fabio Bruneli Pinheiro (4% do todo) e 20% a cada um dos demais adquirentes (8% para cada um deles).

Depois, Oswaldo da Costa Gomes vendeu 13,34% sobre 60% do todo (8,004% do imóvel) a José Gomes Pinheiro Neto e a Dilson de Oliveira, na proporção de 50% para cada um deles (r. 11); 10,55% do todo a Pamela Gachido Weigand Bastos e Laura Vicente Santos (r. 12); 3,98% de 41,446% (1,6495508% do todo) a André Unti (r. 13) e, por fim, 39,7964% do todo a Carlos Alexandre Pacheco de Lacerda e Tomas Bertoni Jardim, a Heloisa da Costa Lima, a Michele Almeida Abu-Chacra Câmera, Kalassa Lemos de Brito e a Livia Maria Sales Soares, a Márcio de Oliveira e a sua esposa Juliana Aparecida Morais de Oliveira e a Darcy Lopes de Miranda (r. 16).

Desses 39,7964%, 25,6423% couberam então aos dois primeiros, 11,7955% a Heloisa, 24,8218% a Michele, a Kalassa e a Livia, 12,4109% a Márcio e Juliana e 25,3293% a Darcy.

Mais recentemente, Tomas Bertoni Jardim vendeu a sua fração ideal de 5,1023% a Ludmila Rascaglia Kaminskas (r. 22).

A situação apresentada revela, sem espaço para dúvidas, que a instituição de condomínio mascara, in concreto, desmembramento irregular, alteração substancial do bem imóvel, em suma, segregações e destaques irregulares de gleba maior, da área descrita na matrícula n.º 933 do RI de Piracaia.

E conforme resolvido por este C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n.º 990.10.512.895-5, rel. Des. Maurício Vidigal, j. 5.5.2011, “a ausência de atrelamento da fração ideal ao solo, por si só, não legitima o registro, porquanto a simples expansão de condomínio supostamente pro indiviso no tempo, sem nenhuma relação de parentesco entre os sujeitos de direito, é indicativa, segundo o que normalmente acontece, de divisão informal, sem controle registrário.”

Nesse sentido, em outro precedente, assim deliberou este C. Órgão, na Apelação Cível n.º 1004264-05.2015.8.26.0362, rel. Des. Pereira Calças, j. 20.5.2016:

… o mero fato de não se haver alienado fração ideal com localização, numeração e metragem certas não permite, automaticamente, afirmar a inexistência de burla à lei de parcelamento do solo urbano.

A formação de condomínio voluntário também pode implicar burla. É a verificação do histórico do imóvel que dará norte para eventual conclusão nesse sentido.

Em prestígio desse entendimento, afirmando, em caso símile, o parcelamento ilegal do solo, seguiu este C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n.º 0009405-61.2012.8.26.0189, rel. Des. Renato Nalini, j. 6.11.2013.

O objeto social da recorrente, adquirente da fração ideal, expresso no art. 2.º de seu contrato social – “a sociedade tem por objeto social a compra e venda de bens imóveis, o desenvolvimento de loteamentos residenciais, comerciais, industriais e empreendimentos imobiliários …” (fls. 40-46) – corrobora, in casu, o reconhecimento do desmembramento irregular.

Trata-se de realidade suficiente à desqualificação registral da escritura de venda e compra. A propósito, conforme o item 166 do Cap. XX das NSCGJ, t. II, “é vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento … do Estatuto da Terra. …” (sublinhei)

A esse respeito, o art. 65 do Estatuto da Terra, da Lei n.º 4.504/64, veda expressamente a sua divisão em áreas de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural, enquanto o artigo 61, § 2.º, exige aprovação e fiscalização do INCRA nos casos de loteamento para fins de urbanização ou formação de sítios de recreio.

Sobre o tema, a E. Corregedoria Geral da Justiça, no processo CG n.º 21/2003, em parecer da lavra do à época Juiz Assessor, atualmente Desembargador desta Corte, Cláudio Luiz Bueno de Godoy, destacou, ao enfrentar a questão da aquisição e do registro de frações ideais com indícios de parcelamento ilegal do solo – e vedar o registro do título aquisitivo –, ser “irrelevante o fato de se tratar de imóvel rural”, e isso porque:

… se não aplicável a Lei 6.766/1979, o Dec. Lei 58/37 (art. 1.º), e também o Estatuto da Terra (art. 61), complementado pelo art. 10 da Lei 4.947, ao regrar o parcelamento do imóvel rural, igualmente exigem uma série de providências acautelatórias dos adquirentes e do meio-ambiente, no caso contornados pelo expediente de aparente instauração de condomínio civil, com vendas de partes ideais, todavia em burla à lei.

Sob esse prisma, portanto, o título aquisitivo apresentado não comporta registro.

No que se refere ao registro anterior de escritura de venda e compra tendo por objeto a parte ideal agora alienada à recorrente, é oportuno lembrar, em conformidade com precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura, que erros passados não justificam, tampouco legitimam outros, ou seja, não se prestam a respaldar o ato registral pretendido.[1]

3. Seja como for, as exigências do Oficial, em especial, a referente à especialidade objetiva, são pertinentes.

Convém, aliás, assentar a indispensabilidade – ao tempo da prenotação n.º 85.196, ocorrida no dia 1.º de abril de 2025 – do georreferenciamento da descrição do bem imóvel rural, cuja área total soma 60,6877 hectares, e a fração ideal alienada, 4,85 hectares.

A averbação do georreferenciamento, ajuste da descrição do bem imóvel rural, com certificação pelo INCRA, condicionava, de fato, na situação em apreço, e de acordo com o § 4.º do art. 176 da Lei n.º 6.015/1973, o registro da escritura pública de venda e compra, negócio dispositivo, translativo da propriedade.

Condicionava, porque, à época da prenotação, ainda não tinha entrado em vigor o Decreto n.º 12.689, de 21 de outubro de 2025, que deu nova redação ao art. 10 do Decreto n.º 4.449/2002, adiando a observância da exigência em exame, relacionada ao geo, nos seguintes termos:

Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, a que se refere o art. 176, § 3.º e 4.º, da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas hipóteses de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma estabelecida no art. 9.º, a partir de 21 de outubro de 2029.

É dizer, quando da apresentação do título, ainda vigorava os incisos VI e VII do art. 10 do Decreto n.º 4.449/2002, os prazos neles estabelecidos, com a redação que lhes foi atribuída pelo Decreto n.º 9.311/2018, vencidos, respectivamente, no dia 30 de outubro de 2022 e no dia 30 de outubro de 2024. Por conseguinte, a averbação do geo erain casuobrigatória, para efetivação do registro.

Por sua vez, os precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura reportados no recurso – Apelação Cível n.º 1002000- 92.2021.8.26.0602, rel. Des. Ricardo Anafe, j. 2.12.2021, e Apelação Cível n.º 1001285-94.2019.8.26.0438, rel. Des. Fernando Antonio Torres Garcia, j. 25.8.2022 – não servem de paradigma, porque a dispensa do geo em ambas as situações se fundou no caráter coativo da transmissão da propriedade.

Ainda hoje, de todo modo, embora adiada a exigência do geo, a descrição do bem imóvel, apresentando-se precária, desprovida de amarração geográfica adequada – a descrição perimetral “tem início num canto de cerca denominado ponto 1 … Deste ponto, segue em direção ao norte acompanhando a cerca de arame existente … onde encontra o ponto 3. Deste ponto deflete à direita …” (cf. fls. 125-134) – está a exigir ajustes, aperfeiçoamento.

Nessa linha, dispõe o subitem 10.1.1. do Cap. XX das NSCGJ, t. II:

10.1.1. A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo e localizável, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de parcelamento ou unificaçãohipóteses em que será exigida sua prévia retificação.

Enfim, o princípio da especialidade objetiva persiste como óbice ao registro intencionado.

4. Com relação ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), a recorrente não demonstrou o cumprimento do subitem 123.6. do Cap. XX das NSCGJ, t. II, que, embora posteriormente suprimido pelo Provimento CG n.º 33, de 5 de agosto de 2025, ainda – à época da prenotação – condicionava o registro intencionado à especialização – no CAR – da reserva legal florestal aprovada em conformidade com o Demonstrativo da Situação das Informações Declaradas.

Além disso, a despeito de instado, e da oportunidade que lhe foi aberta pela Oficial, também não exibiu declaração assumindo a responsabilidade pela regularização do CAR.

Também por isso, consequentemente, a dúvida deve ser julgada procedente.

Ante o todo exposto, pelo meu voto, NEGO provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

[1] Apelação Cível n.º 20.603-0/9, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 9.12.1994; Apelação Cível n.º 19.492-0/8, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 17.02.95; e Apelação Cível n.º 024606-0/1, rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, j. 30.10.1995. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito de empresa e tributário – Procedimento de dúvida registral – Dação em pagamento em cumprimento de obrigação anterior à incorporação da proprietária tabular pela dadora – ITBI – Ausência de transmissão imobiliária por ocasião da incorporação – Não incidência do imposto de transmissão – Imunidade do art. 156, § 2.º, I, da CF – Apelo provido.

Apelação n° 1003038-78.2025.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003038-78.2025.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1003038-78.2025.8.26.0405

Registro: 2025.0001294383

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003038-78.2025.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é apelante RP1 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003038-78.2025.8.26.0405

Apelante: Rp1 Empreendimentos Spe Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco

VOTO N.º 43.997

Direito de empresa e tributário – Procedimento de dúvida registral – Dação em pagamento em cumprimento de obrigação anterior à incorporação da proprietária tabular pela dadora – ITBI – Ausência de transmissão imobiliária por ocasião da incorporação – Não incidência do imposto de transmissão – Imunidade do art. 156, § 2.º, I, da CF – Apelo provido.

I. Caso em exame1. Apelação interposta contra a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 2.º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco, que condicionou o registro de escritura de dação em pagamento à comprovação de recolhimento do ITBI incidente sobre a suposta transmissão da unidade condominial da proprietária tabular à incorporadora, ora dadora, em razão de incorporação societária.

II. Questão em discussão2. Estabelecer se, no contexto da incorporação imobiliária reportada pelo Oficial, teria ocorrido transmissão de propriedade do bem imóvel posteriormente dado em pagamento, de modo a legitimar a incidência do ITBI e, logo, a exigência registral formulada pelo Oficial.

III. Razões de decidir3. A incorporação societária não envolveu a transferência do bem imóvel ao patrimônio da incorporadora. 4. Por ocasião da operação de concentração societária, a unidade condominial já estava, há mais de dois anos, na posse dos recebedores. 5. A recorrente, que foi quem incorporou a proprietária tabular, apenas assumiu a obrigação de outorgar a escritura de dação em pagamento, ato devido, vinculado. 6. Não houve transmissão de propriedade, nem qualquer deslocamento patrimonial que configurasse suporte fático do ITBI previsto no art. 156, II, da Constituição Federal. 7. A incorporação empresarial pactuada, ao abranger a totalidade do patrimônio da pessoa jurídica incorporada, caracterizando reestruturação empresarial, não implicou ato oneroso, conclusão também a excluir a incidência do ITBI; trata-se de fato imune à sua incidência. 8. A exigência de comprovação do recolhimento do ITBI é indevida, logo, não pode ser oposta como condição para o registro da escritura de dação em pagamento, pois inexistente fato gerador tributário.

IV. Dispositivo9. Apelo provido; dúvida julgada improcedente.

Tese de julgamento1. A incorporação societária ocorrida entre a dadora e a proprietária tabular não configurou transmissão da unidade condominial ao patrimônio da incorporadora, mas apenas assunção da obrigação de outorgar a escritura definitiva de dação em pagamento aos credores. 2. Inexistindo deslocamento patrimonial ou ato oneroso relativo ao imóvel – pressupostos do art. 156, II, da CF – , não há fato gerador do ITBI. 3. Sob essa lógica, é indevida a exigência registral de comprovação do recolhimento do imposto como condição para o ingresso da escritura de dação em pagamento no fólio real.

Legislação relevante: CF, art. 156, II e § 2.º, I; CTN, arts. 37, § 4.º.

Jurisprudência relevante: STF, ARE 1.360.305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025; Apelação Cível 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025.

A suscitada RPI EMPREENDIMENTOS SPE LTDA apelou da r. sentença de fls. 309-310, irresignada com o julgamento procedente da dúvida suscitada pelo 2.º Oficial de RI de Osasco, que condicionou o registro da escritura pública de dação em pagamento de fls.13-20 à comprovação do recolhimento do ITBI, incidente sobre a transmissão da unidade condominial (agora dada em pagamento a terceiros) à dadora, pessoa jurídica que incorporou a proprietária tabular.

Em suas razões recursais de fls. 318-332, a interessada, ora apelante, argumentou que a alienação do bem imóvel é anterior à incorporação referida pelo Oficial, ocorrida no dia 31 de julho de 2023, ou seja, com a incorporação, aduz, não se transmitiram os direitos sobre a unidade condominial dada em pagamento, o que afasta a incidência do ITBI. Aguarda, nessa linha, o provimento da apelação, com determinação voltada ao registro do título recusado.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 370-373, opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

1. A recorrente RPI EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., em cumprimento de promessa de entrega feita, no dia 1.º de julho de 2019, pela RP4 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., por ela incorporada no dia 31 de julho de 2023, deu em pagamento aos recebedores Luis Gustavo Bortoli Llamazalez e Bianca Fabreti Mendes Llamazalez, o apartamento n.º 36 do empreendimento Estação 348, bem imóvel matriculado sob o n.º 47.402 do 2.º RI de Osasco, registrado em nome da incorporada (fls. 35-38).

O registro do título, entretanto, da escritura pública de fls. 13-20, lavrada no dia 15 de dezembro de 2023, por meio da qual então formalizada a dação em pagamento, prenotada sob o n.º 142.296, foi condicionado, pelo Oficial, nos termos da nota devolutiva de fls. 10-11, à comprovação do pagamento do ITBI correspondente à transmissão do bem imóvel, anterior à dação em pagamento, decorrente da incorporação da proprietária tabular pela dadora.

Em suas razões recursais de fls. 318-332, a interessada, ora apelante, argumentou que a alienação do bem imóvel é anterior à incorporação referida pelo Oficial, ocorrida no dia 31 de julho de 2023, ou seja, com a incorporação, aduz, não se transmitiram os direitos sobre a unidade condominial dada em pagamento, o que afasta a incidência do ITBI. Aguarda, nessa linha, o provimento da apelação, com determinação voltada ao registro do título recusado.

A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 370-373, opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

1. A recorrente RPI EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., em cumprimento de promessa de entrega feita, no dia 1.º de julho de 2019, pela RP4 EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., por ela incorporada no dia 31 de julho de 2023, deu em pagamento aos recebedores Luis Gustavo Bortoli Llamazalez e Bianca Fabreti Mendes Llamazalez, o apartamento n.º 36 do empreendimento Estação 348, bem imóvel matriculado sob o n.º 47.402 do 2.º RI de Osasco, registrado em nome da incorporada (fls. 35-38).

O registro do título, entretanto, da escritura pública de fls. 13-20, lavrada no dia 15 de dezembro de 2023, por meio da qual então formalizada a dação em pagamento, prenotada sob o n.º 142.296, foi condicionado, pelo Oficial, nos termos da nota devolutiva de fls. 10-11, à comprovação do pagamento do ITBI correspondente à transmissão do bem imóvel, anterior à dação em pagamento, decorrente da incorporação da proprietária tabular pela dadora.

2. Ocorre que, com a incorporação empresarial, o imóvel dado em pagamento não foi incorporado ao patrimônio bruto, aos ativos, ao conjunto de direitos com valor econômico da dadora, a recorrente RPI EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., que, em atenção à reorganização societária ocorrida, assumiu, no que aqui interessa, apenas a obrigação de, concluída a incorporação, e instituído o condomínio, entregar, aos recebedores, as unidades condominiais que lhes foram prometidas nos termos do instrumento contratual de fls. 191-214, de março de 2019, e da promessa de venda e compra de fls. 215-260.

Aliás, quando da operação de concentração empresarial, documentada na 3.ª alteração contratual da apelante, e na 1.ª alteração contratual da incorporada, aperfeiçoada, vale frisar, no dia 31 de julho de 2023 (fls. 53-83 e 84-91), os recebedores, credores da prestação devida, já estavam, há mais de dois anos, na posse da unidade condominial: de fato, as chaves lhes foram entregues no dia 12 de fevereiro de 2021, em contexto a reforçar a impertinência da exigência questionada.

In casu, com efeito, a incorporação ocorrida não importou transmissão da unidade condominial (depois dada em pagamento) ao patrimônio da incorporadora, conclusão a desautorizar a incidência do ITBI, porque não configurada uma de suas hipóteses de incidência, seu suporte fático, previsto no art. 156, II, da CF.

Enfim, o caso não legitima a cobrança do ITBI, porque, convém insistir, não houve, com a absorção empresarial convencionada, transferências de bens e direitos relacionados ao bem imóvel dado em pagamento. Transferiu-se, isso sim, e aí por força da sucessão universal própria da incorporação, somente a obrigação de outorgar a escritura de dação em pagamento.

Na hipótese vertente, o domínio formal que se encontra em nome da pessoa jurídica incorporada, sociedade empresarial extinta, não lhe conferia, e isso já ao tempo da incorporação, mais nenhum direito sobre a unidade condominial dada em pagamento, mas somente o dever inexorável de outorgar a escritura definitiva, ato devido, vinculado, obrigação assumida, e cumprida, pela incorporadora.

3. Seja como for, vale assinalar, a incorporação envolveu a transferência total do patrimônio da incorporada, situação a evidenciar a ocorrência de uma reestruturação societária, a justificar a incidência da imunidade tributária prevista no art. 156, § 2.º, I, da CF, a despeito da atividade preponderante da incorporadora, e aí com fundamento no art. 37, § 4.º, do CTN. A propósito, sob essa perspectiva, a incorporação não implica ato oneroso, o que também afasta a incidência do ITBI.

Há, nesse sentido, precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal de Justiça: cf. STF, ARE n.º 1.360.305, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.12.2021; STJ, AgInt no REsp n.º 1.647.790/RJ, rel. Min. Gurgel de Faria, j. 8.6.2017; TJSP, Apelação Cível n.º 1014612-35.2024.8.26.0405, rel. Des. Raul de Felice, j. 10.3.2025, Apelação Cível n.º 1045576-34.2023.8.26.0053, rel. Des. Rezende Silveira, j. 16.7.2025, e Apelação Cível n.º 1016838-36.2023.8.26.0053, rel. Des. Adriana Carvalho, j. 12.8.2025.

Portanto, a exigência feita deve ser afastada, e a dúvida julgada improcedente.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e, julgando a dúvida improcedente, determino o registro da escritura pública de dação em pagamento na matrícula n.º 47.402 do 2.º RI de Osasco.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator  (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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