CSM/SP: Tese de julgamento: 1. A ausência de assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil inviabiliza o registro de instrumento nato-digital. 2. O registro de alienação fiduciária relativa a parte certa de um imóvel não desmembrado contraria o princípio da unitariedade da matrícula.

Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1011295-58.2022.8.26.0224
Comarca: GUARULHOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Registro: 2025.0001294416

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1011295-58.2022.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RED PERFORMANCE FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1011295-58.2022.8.26.0224

Apelante: Red Performance Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Não Padronizados

Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.982

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Negado provimento.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária de parte do imóvel descrito em matrícula. A apelante alega que o contrato foi assinado digitalmente conforme padrão ICPBrasil e que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva.

II. Questão em Discussão

2. Discute-se (i) a validade das assinaturas digitais no instrumento particular de alienação fiduciária e (ii) a possibilidade de registro de alienação fiduciária de parte certa e determinada de imóvel, antes de levado a efeito o desmembramento.

III. Razões de Decidir

3. O instrumento nato-digital não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes, contrariando as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que exigem assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil.

4. O registro pretendido esbarra na proibição de registro de alienação de frações ideais com localização e metragem certas, conforme item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, além de desrespeitar o princípio da unitariedade da matrícula. A alienação fiduciária tem a natureza jurídica de direito real de garantia sobre coisa própria, e não sobre coisa alheia. O direito real de garantia é uma transferência de propriedade plena em potência, razão pela qual deve seguir os princípios registrários, em especial o da unitariedade.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. A ausência de assinatura digital conforme padrões ICP-Brasil inviabiliza o registro de instrumento nato-digital. 2. O registro de alienação fiduciária relativa a parte certa de um imóvel não desmembrado contraria o princípio da unitariedade da matrícula.

Legislação Citada:

– Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, itens 166, 366, 366.1, 368.4.

Jurisprudência Citada:

– CSM/SP, Apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009 ; Apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 13/05/2025

Trata-se de apelação interposta por Red Performance Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não-Padronizados contra a r. sentença de fls. 762/767, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos, que, mantendo as exigências do Oficial, negou o registro de instrumento particular de alienação fiduciária tendo por objeto parte do imóvel descrito na matrícula nº 37.230 daquela serventia.

Alega a apelante, em resumo, que o contrato apresentado a registro foi assinado digitalmente de acordo com o padrão ICP-Brasi; que não houve substituição no curso da dúvida do título apresentado a registro; que houve atendimento ao princípio da especialidade objetiva, pois o imóvel no contrato repetiu a descrição constante na matrícula. Pede, ao final, o provimento da apelação, com o registro do instrumento particular (fls. 797/814).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 839/843).

Manifestação do apelante a fls. 846/853.

É o relatório.

A ora apelante apresentou a registro, por meio de documento eletrônico, instrumento particular de alienação fiduciária, firmado em 30 de setembro de 2021, tendo por objeto parte certa e determinada do imóvel matriculado sob nº 37.230 no 1º Registro de Imóveis de Guarulhos.

O título foi desqualificado por duas razões: (i) o instrumento particular, documento nato-digital, não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes do contrato; (ii) a alienação fiduciária diz respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel cuja área total é de 87.196,90m² (cf. matrícula nº 37.230 – fls. 26).

Julgada procedente a dúvida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 762/767), a apelante insurge-se contra as exigências acima indicadas.

Sem razão, contudo, pois ambos os óbices se sustentam.

Em relação à falta de assinatura, o Oficial desde a suscitação da dúvida esclareceu bem a questão (fls. 3/4).

Isso porque as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e a legislação de regência dão duas opções ao usuário na apresentação de um instrumento particular:

a) apresentação de título eletrônico, que deve ser subscrito digitalmente por todas as partes do contrato, observados os padrões da ICP-Brasil, conforme itens 366 [1], 366.1 [2] e 368.4 [3] do Capítulo XX das NSCGJ;

b) apresentação de título físico, que deve ser assinado por todas as partes do contrato, com firmas reconhecidas.

Como a apelante não observou nenhuma das opções acima – já que o instrumento nato-digital apresentado não foi assinado digitalmente por nenhuma das partes (fls. 3) -, a desqualificação era mesmo de rigor.

Acerca da necessidade de observância das normas técnicas estabelecidas para o padrão de assinaturas digitais, apelação nº 1126644-25.2024.8.26.0100, julgada em 13 maio de 2025 por este Conselho Superior da Magistratura, em acórdão de minha relatoria.

Nem se argumente que o documento de fls. 613/614 comprova que as assinaturas digitais do título apresentado a registro observam o regramento técnico acima citado.

Ora, tendo havido questionamento, por meio de nota devolutiva, a respeito da validade das assinaturas digitais lançadas no título, cabia à interessada comprovar a observância dos requisitos legais e normativos antes mesmo de requerer a suscitação da dúvida.

A apelante, no entanto, em relação a uma prenotação de 21 de fevereiro de 2022 (fls. 12), buscou provar a higidez das assinaturas digitais do documento apenas no curso do procedimento de dúvida, em 11 de setembro de 2023 (cf. Propriedades do Documento).

Evidente, desse modo, que a apelante agiu de forma desidiosa. Com efeito, se a falha nas assinaturas apontada pelo Oficial não existia – o que se admite apenas por hipótese –, a regularidade delas deveria ter sido comprovada antes da suscitação, pois é sabido que não há espaço para dilação probatória em procedimento de dúvida.

Não fosse assim, a prenotação se estenderia por prazo além do previsto em lei, enquanto a parte cumpre exigências ou demonstra fatos no curso do procedimento da dúvida.

A segunda exigência se refere ao fato de a alienação fiduciária contratada dizer respeito a uma pequena parte (5.903,92m²) de um imóvel devidamente matriculado (matrícula nº 37.230, com área total de 87.196,90m² – fls. 26).

Nesse ponto, o registro pretendido esbarra na proibição constante no item 166 do Capítulo XX das NSCGJ, que tem a seguinte redação:

“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.”

A análise da matrícula nº 37.230 (fls. 26/64) e da manifestação inicial do Oficial (fls. 4/7) traz sérias evidências de que houve parcelamento irregular do solo. De acordo com o registrador, o imóvel de 87.196,90m² foi dividido em dez quotas condominiais que indicam metragens certas, todas diferentes entre si, que variam de 0,29% a 25,66% da totalidade do bem, titularizadas por diversas pessoas sem relação aparente entre elas.

E se é certo que a alienação fiduciária cujo registro se pretende não dá ensejo a um novo parcelamento do solo, também é certo que a autorização da inscrição acabaria por desestimular a regularização da situação observada. Se a “fração ideal” do terreno – que de fração ideal não tem nada, pois se refere a parte certa e determinada do bem, inclusive com menção à edificação de um galpão (fls. 2) – pudesse ser dada em garantia por meio de alienação fiduciária, não haveria estímulo algum para que o titular da área regularizasse o parcelamento do solo e obtivesse a abertura da matrícula da porção que lhe pertence.

É preciso entender o seguinte: os direitos reais de garantia são uma alienação em potencial, na hipótese de inadimplemento da obrigação garantida. Essa a razão pela qual só quem pode alienar pode constituir direito real de garantia e só o que pode ser alienado pode ser objeto de garantia real.

Se isso já não bastasse, o registro da alienação fiduciária de apenas parte do imóvel desrespeitaria o princípio da unitariedade, segundo o qual uma matrícula não pode descrever mais de um imóvel, mesmo que eles sejam lindeiros.

Em se tratando de um único imóvel, descrito em uma única matrícula (37.230 – fls. 26/64), inviável a constituição de direito real apenas em relação a parte certa e determinada dele. Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Escritura de doação com reserva de usufruto em favor dos doadores. Menção, na matrícula, de que no imóvel estão construídos dois edifícios, um de uso comercial e outro de uso residencial. Constituição do usufruto do edifício de uso comercial para o doador e do edifício de uso residencial para a doadora. Princípios da especialidade e da unitariedade da matrícula. Registro inviável” (CSM/SP – apelação nº 1.048-6/8, Rel. Des. Ruy Pereira Camilo, j. em 17/3/2009).

Indispensável que antes do registro da alienação fiduciária em garantia sobre parte certa e determinada de imóvel maior seja feito o desmembramento da gela. Só o que se pode alienar pode ser dado em garantia real.

Eventual excussão de parte certa de imóvel registrado em gleba maior certamente não teria acesso ao registro imobiliário. Essa a razão pela qual o direito real de garantia também não pode ser registrado.

De rigor, portanto, a manutenção da r. sentença de primeiro grau.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] 366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

[2] 366.1. É permitida a recepção para registro de imagens de documentos, preferencialmente no formato PDF, ou padrão mais atual a ser definido pela Central Registradores e autorizado pela Corregedoria Geral da Justiça, desde que o acesso ao original nato digital possa ser realizado para conferência através de sites confiáveis.

[3] 368.4. O título eletrônico poderá também ser apresentado direta e pessoalmente na serventia registral em dispositivo de armazenamento portátil (CD, DVD, cartão de memória, pendrive etc.), vedada a recepção por correio eletrônico (e-mail), serviços postais especiais (SEDEX e assemelhados) ou download em qualquer outro site. (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito Registral – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Indeferimento do pedido de usucapião – Encerramento precoce do procedimento – Recurso provido para anular a sentença apelada, declarar prejudicada a dúvida e determinar a restituição do procedimento de usucapião extrajudicial ao Registro de Imóveis a fim de que, realizadas diligências complementares, seja promovida nova qualificação do título.

Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1026588-47.2025.8.26.0100
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1026588-47.2025.8.26.0100

Registro: 2025.0001294412

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1026588-47.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes VERA LUCIA DE FEO NATAL e RODRIGO NATAL, é apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação, com determinação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1026588-47.2025.8.26.0100

Apelantes: Vera Lucia de Feo Natal e Rodrigo Natal

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.976

Direito Registral – Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Indeferimento do pedido de usucapião – Encerramento precoce do procedimento – Recurso provido para anular a sentença apelada, declarar prejudicada a dúvida e determinar a restituição do procedimento de usucapião extrajudicial ao Registro de Imóveis a fim de que, realizadas diligências complementares, seja promovida nova qualificação do título.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra r. sentença que manteve a recusa do registro de usucapião extraordinária do imóvel, sob alegação de falta de comprovação do preenchimento dos requisitos legais. Os apelantes arguem a nulidade da sentença e, no mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a produção de prova pericial, afirmando estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta por mais de quinze anos.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em verificar: i) se há nulidade da sentença por cerceamento de defesa; ii) se há provas suficientes do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da usucapião extraordinária; iii) se é cabível a usucapião de vaga de garagem indeterminada.

III. Razões de Decidir

3. Preliminar de nulidade de sentença afastada, porque não se faz necessária a abertura de contraditório para que os apelantes se manifestem sobre as provas por eles mesmos produzidas. 4. Compete aos apelantes a demonstração do exercício da posse contínua, sem oposição e com animus domini, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal de quinze anos da usucapião extraordinária. 5. Óbice apresentado pelo Oficial que não se mostra intransponível. 6. Conveniência da retomada do procedimento administrativo, para que sejam adotadas providências complementares, objetivando eventual comprovação da pretendida “accessio possessionis”. 7. A vaga de garagem indeterminada pode ser adquirida por usucapião, independentemente de prova pericial, por ser unidade autônoma com fração ideal própria e matrícula individualizada.

IV. Dispositivo e Tese

8. Apelação provida para anular a sentença proferida, declarar prejudicada a dúvida e determinar a retomada do procedimento extrajudicial de usucapião. Tese de julgamento: 1. É prematuro o encerramento do procedimento de usucapião extrajudicial sem realização de diligências complementares pelo Oficial de Registro, notadamente quando apresentados ata notarial e início de prova documental sobre a posse alegada. 2. A possibilidade de declaração de domínio por usucapião extraordinária deve ser objeto de nova qualificação, após a realização das diligências complementares.

Legislação Citada:

CC, art. 1.238; NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, item 421 a 421.6.

Jurisprudência Citada:

TJSP, Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 23/05/2024, reg. 24/05/2024;

TJSP, Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 03/06/2025, reg. 11/06/2025.

Trata-se de apelação interposta por Vera Lúcia de Feo Natal Rodrigo Natal contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de usucapião extraordinária do imóvel matriculado sob no 68.040 junto à referida serventia extrajudicial, sob o fundamento de que não há provas do preenchimento dos requisitos legais da modalidade de usucapião eleita, bem como porque necessária prova pericial para localização física da vaga de garagem indeterminada (fls. 318/322 e 333).

Preliminarmente, os apelantes arguem a nulidade da sentença recorrida, por violação ao devido processo legal, ao contraditório e à segurança jurídica, eis que o equívoco constante na parte dispositiva da r. decisão foi reconhecido pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, de ofício, sem lhes ser dada oportunidade de prévia manifestação. No mérito, sustentam, em síntese, ser desnecessária a realização de prova pericial, pois o imóvel possui matrícula própria. Argumentam que embora o número da matrícula da vaga de garagem não conste do respectivo boleto, as parcelas condominiais encontram-se comprovadamente pagas. Asseveram, ainda, que foi declarada a usucapião em hipótese semelhante, relativamente a outras duas vagas de garagem do mesmo edifício. Afirmam, por fim, estar demonstrado o exercício da posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo tempo necessário à configuração da usucapião extraordinária, como confirmam a ata notarial e demais documentos apresentados ao Oficial de Registro (fls. 339/351).

Em atenção ao despacho a fls. 417, a parte apelante providenciou a regularização de sua representação processual (fls. 421/425).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pela declaração de nulidade da decisão e não provimento do recurso (fls. 431/434).

É o relatório.

Desde logo, há que se afastar a preliminar de nulidade da sentença, modificada em sede de embargos de declaração julgados sem prévia oitiva dos apelantes, eis que desnecessária a abertura de contraditório para que se manifestassem sobre as provas por eles mesmos produzidas.

Pretendem os apelantes a usucapião extraordinária de uma vaga de garagem indeterminada, localizada no andar térreo e subsolo do Edifício Monumento, com endereço na Avenida Brigadeiro Faria Lima, 2.003, objeto da matrícula no 68.040 do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (fls. 03/04).

Fundam seu pedido na escritura de inventário e partilha dos bens deixados por Francisco Natal Filho (fls. 63/64), falecido em 19 de março de 2024, cessionário dos direitos adquiridos, em 18 de janeiro de 2016, de JADS Administração e Participações Ltda. (fls. 59/64), a qual, por sua vez, adquiriu os direitos sobre o bem de Martino Raucci Filho, em 26 de novembro de 2012 (fls. 51/58). Consta, ainda, que Martino Raucci Filho, por meio de escritura pública de promessa de cessão e transferência de direitos e obrigações lavrada em 19 de abril de 1974 (fls. 52) adquiriu os direitos sobre o imóvel de Francisco Ziglio e sua mulher, Helena Beatriz Ziglio, que, de seu turno, haviam se comprometido a adquirir de Gomes de Almeida Fernandes Empreendimentos Imobiliários os direitos sobre uma vaga de garagem indeterminada, juntamente com as unidades 107 e 108, por meio de escritura pública lavrada em 23 de agosto de 1973 (fls. 98). Afirmam que desde o término da construção do edifício, ocorrido em 1976, até 2012, quando cedeu sua posse, Martino Raucci Filho esteve na posse da referida vaga de garagem, designada como GO107. Acrescentam que a proprietária tabular, que encerrou suas atividades em 29 de janeiro de 2019, reconheceu que a vaga de garagem matriculada sob nº 68.040 não mais fazia parte do ativo da empresa, razão pela qual nada tinha a opor em relação ao pedido de usucapião.

O pedido de usucapião extraordinário extrajudicial foi rejeitado pelo Oficial de Registro de Imóveis ao argumento de que “não foi comprovada a posse contínua exigida pelo prazo prescricional de 15 anos ” (fls. 01/02, 188/192 e 251/253), o que foi corroborado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente ao julgar procedente a dúvida também “por não haver comprovação documental suficiente do alegado exercício de posse contínua” pelo prazo legal e, ainda, por entender necessária a produção de prova pericial para apurar a localização da vaga de garagem indeterminada (fls. 333).

É sabido que, em qualquer modalidade de usucapião, dois elementos estão sempre presentes: a posse e o tempo. A posse deve assumir natureza ad usucapionem, ou seja, qualificada pela continuidade, pacificidade e animus domini.

A posse deve ser, na dicção da lei, sem oposição, ou pacífica. Pacífica não se opõe à posse violenta, mas à posse incontestada. A oposição eficaz parte de interessados, em especial do titular da propriedade ou de outros direitos reais, contra quem corre a usucapião.

Em relação ao animus domini, a despeito das divergências doutrinárias acerca de seu exato sentido, predomina a corrente que entende o animus estar essencialmente ligado à causa possessionis, à razão pela qual se possui, não constituindo elemento meramente subjetivo. Assim, possui a coisa como sua quem não reconhece a supremacia do direito de alheio. Ainda que saiba pertencer a coisa a terceiro, o usucapiente se arroga soberano e repele a concorrência ou superioridade do direito de outrem sobre a coisa.

A par do caráter ad usucapionem, a posse deve se prolongar por determinado período, findo o qual o domínio do imóvel reputa-se imediatamente adquirido pelo possuidor, de forma originária.

Em se tratando de usucapião extraordinária, o art. 1.238 do Código Civil exige posse prolongada por quinze anos.

Cumpriria aos postulantes da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que possuem, por si e por seus antecessores, com supremacia e pelo prazo de quinze anos, contínuo e sem oposição, o imóvel objeto do pedido.

A certidão de matrícula a fls. 03/04 demonstra que o imóvel usucapiendo está registrado em nome de Debrasa – Comércio e Indústria S/A.

Da ata notarial apresentada ao registrador pelos apelantes (fls. 24/39), bem como dos instrumentos particulares (fls. 51/58 e 59/62) e da escritura pública de inventário e partilha (fls. 63/64) resta evidenciada a cadeia de transmissão dos direitos havidos sobre o bem.

Como se vê, a controvérsia está na suficiência da comprovação do exercício da posse pelos apelantes, por si e por seus antecessores, pelo prazo legal da prescrição aquisitiva.

Todavia, não há que se falar, desde logo, em indeferimento da usucapião extraordinária requerida.

Assim se afirma, pois, o óbice não se mostra intransponível, certo que competia ao Oficial diligenciar a fim de garantir a eficácia do procedimento extrajudicial. Como dispõem os itens 421 e 421.1 do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em “caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso III do item 416.2, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante o oficial de registro de imóveis, que obedecerá, no que couber, ao disposto no § 5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383, todos do Código de Processo Civil”, lembrando que, “para a elucidação de dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado”.

Em razão disso, embora por fundamento diverso daquele arguido em sede de preliminar pelos apelantes, a r. sentença recorrida deve ser anulada e o procedimento de usucapião extrajudicial, encerrado precocemente, retomado para que o Oficial de Registro promova as eventuais diligências complementares, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Somente depois é que o Oficial de Registro deverá proceder nova qualificação do título, que abrangerá a análise da possibilidade, ou não, da pretendida “accessio possessionis” e consequente declaração de domínio por usucapião extraordinária, como requerido pelos apelantes.

No mais, consigne-se que a determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis, para prosseguimento e nova qualificação, torna prejudicada a presente dúvida. A propósito, já ficou decidido que:

REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE USUCAPIÃO – ENCERRAMENTO PRECOCE DO PROCEDIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A R. SENTENÇA APELADA, DECLARAR PREJUDICADA A DÚVIDA E DETERMINAR A RESTITUIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL AO REGISTRO DE IMÓVEIS A FIM DE QUE, REALIZADAS AS DEVIDAS NOTIFICAÇÕES E EVENTUAIS DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES, SEJA PROMOVIDA NOVA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. (TJSP; Apelação Cível 1021364-65.2024.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 23/05/2024; Data de Registro: 24/05/2024).

No mesmo sentido: TJSP; Apelação Cível 1017079-06.2024.8.26.0625; Relator (a): Francisco Loureiro(Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Taubaté – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2025; Data de Registro: 11/06/2025.

Por fim, oportuno anotar que, a despeito de se tratar de vaga de garagem indeterminada, não há óbice à pretendida aquisição de domínio por usucapião, independentemente da produção de prova pericial, porquanto se cuida de unidade autônoma, com fração ideal própria e matrícula individualizada (fls. 03/04).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para anular a r. sentença proferida e julgar prejudicada a dúvidacom determinação de retorno do procedimento extrajudicial de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis para regular prosseguimento, na forma dos itens 421 e seguintes do Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, visando a oportuna requalificação do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ato de registro em sentido estrito, a ser questionado por procedimento de dúvida – Competência do Conselho Superior da Magistratura – Custas e despesas processuais são incabíveis em processo administrativo – Impugnação da companheira do nu proprietário tabular – Requerente, que além de nua proprietária, é titular de usufruto sobre o bem – Questionamento dos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição – Impugnação fundada – Recurso provido, com observação.

Apelação n° 1001822-49.2024.8.26.0104

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001822-49.2024.8.26.0104
Comarca: CAFELÂNDIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1001822-49.2024.8.26.0104

Registro: 2025.0001294399

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001822-49.2024.8.26.0104, da Comarca de Cafelândia, em que é apelante ANTONIA DAS GRAÇAS PINHEIRO, é apelado MARLEY PREREIRA TELES.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001822-49.2024.8.26.0104

Apelante: Antonia das Graças Pinheiro

Apelado: Marley Prereira Teles

VOTO Nº 44.011

Direito registral – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ato de registro em sentido estrito, a ser questionado por procedimento de dúvida – Competência do Conselho Superior da Magistratura – Custas e despesas processuais são incabíveis em processo administrativo – Impugnação da companheira do nu proprietário tabular – Requerente, que além de nua proprietária, é titular de usufruto sobre o bem – Questionamento dos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição – Impugnação fundada – Recurso provido, com observação.

I. Caso em exame

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que rejeitou impugnação apresentada em requerimento de usucapião extrajudicial de imóvel.

2. A parte apelante sustenta que mantinha união estável com o coproprietário falecido, motivo pelo qual possui interesse jurídico sobre o bem; que a requerente é usufrutuária do imóvel; que houve violação ao devido processo legal por falta de oportunidade de produção de prova.

II. Questão em discussão

3. A questão em discussão consiste em determinar se a impugnação apresentada é fundamentada, o que impediria o prosseguimento do procedimento administrativo. Debate-se, ainda, a competência para sua análise, além do cabimento da gratuidade processual no processo administrativo.

III. Razões de decidir

4. O Conselho Superior da Magistratura é o órgão competente para julgar questões relacionadas a atos de registro em sentido estrito, como no caso da usucapião extrajudicial.

5. Custas e despesas são incabíveis no processo administrativo.

6. A requerente é titular de metade ideal da nua propriedade, além de usufrutuária. Questionamento da companheira do titular da outra metade ideal da nua propriedade quanto aos requisitos da usucapião, notadamente o animus domini e a ausência de oposição. Impugnação fundada.

IV. Dispositivo e Tese

7. Recurso provido, com observação.

Tese de julgamento: “1. A competência para análise de questões relacionadas com atos de registro em sentido estrito é do Conselho Superior da Magistratura. 2. Custas e despesas são incabíveis no processo administrativo. 3. A requerente é titular de metade ideal da nua propriedade, além de usufrutuária. Impugnação da companheira do titular da outra metade ideal da nua propriedade que é, portanto, fundada”.

Legislação e jurisprudência relevantes:

– Lei n. 6.015/73, art. 216-A; itens 420.2 e seguintes, Capítulo XX, das NSCGJ.

– Apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048 e Apelação nº 1002283-96.2023.8.26.0543.

Trata-se de apelação interposta por Antônia das Graças Pinheiro contra a r. sentença de fls.503/505, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Cafelândia, que rejeitou impugnação apresentada em face de requerimento de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula n. 6.146 daquela serventia (prenotação n.81.420 – fl.4).

A parte apelante alega que conviveu em união estável com Gunter Georg Nieslony, já falecido e proprietário da fração ideal correspondente a 50% do imóvel usucapiendo, o que a torna legítima interessada; que não houve partilha dos bens deixados pelo de cujus; que houve violação ao devido processo legal e ao contraditório, em razão de não ter sido oportunizada a produção de prova durante o procedimento; que devida gratuidade processual (fls.551/555).

A apelada apresentou contrarrazões, defendendo que a apelante não comprovou a alegada união estável, o que a torna parte ilegítima para impugnar o pedido de usucapião extrajudicial; que a declaração contida na certidão de óbito por si só não é suficiente para comprovar a união estável; que não foram apresentados documentos capazes de comprovar oposição à posse alegada (fls.562/565).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pela competência da Corregedoria Geral da Justiça e pelo acolhimento da impugnação (fls.584/592).

É o relatório.

Inicialmente, cumpre esclarecer que como se pretende o reconhecimento de usucapião, o que se concretiza por ato de registro em sentido estrito, a competência para análise da apelação interposta no caso é deste Colendo Conselho Superior da Magistratura.

Vale ressaltar, ainda, que incabíveis custas e honorários nesta via administrativa, pelo que não há por que se falar em gratuidade processual.

A despeito do artigo 207 da LRP, não há previsão específica nas Leis Estaduais n. 11.331/2002 e 11.608/2003, as quais disciplinam a incidência dos emolumentos sobre os serviços notariais e de registro e da taxa judiciária sobre os serviços públicos de natureza forense.

No mérito, o recurso comporta provimento. Vejamos os motivos.

No caso concreto, tal como relatado pelo Oficial (fls.01/03), após cumprimento das notificações exigidas pelo ordenamento jurídico, houve impugnação ao pedido de usucapião extrajudicial por Antônia das Graças Pinheiro sob o fundamento de que foi companheira de Gunter Georg Nieslony, proprietário da fração ideal de 50% do bem usucapiendo (certidão de óbito – fl.09 e matrícula de fl. 44).

Sabe-se que o procedimento da usucapião extrajudicial tem como principal requisito a inexistência de lide, de modo que, apresentada qualquer impugnação, a via judicial se torna necessária, cabendo à parte suscitada emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum nos termos do § 10, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73.

As Normas de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, prestigiando a qualificação do Oficial de Registro e a importância do procedimento extrajudicial, trouxeram pequena flexibilização a tal regra no seu Capítulo XX, permitindo que seja julgada a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória (destaques nossos):

“420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.

420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeita-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.

420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.

420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação”.

Como visto, na forma do subitem 420.3, Cap. XX, se o Oficial considerar infundada a impugnação, a rejeitará por meio de ato motivado e prosseguirá com o procedimento, cabendo à parte impugnante a apresentação de recurso. Nesse caso, o requerente será intimado para apresentar suas razões, com encaminhamento do feito à Corregedoria Permanente para apreciação.

Porém, se o Oficial considerar a impugnação fundada, encaminhará os autos ao juízo competente “depois de ouvir o requerente” (subitem 420.4). Conclui-se, portanto, que, para ouvir o requerente, o Oficial também deverá esclarecer, por ato motivado, porque considerou a impugnação fundada.

A análise das questões pelo Oficial é, assim, relevante para além da mera narrativa dos atos realizados ao longo do procedimento.

Note-se que a parte requerente pode concordar com as razões do Oficial e imediatamente desistir do procedimento extrajudicial, partindo, eventualmente, para as vias ordinárias.

De qualquer forma, estando o feito previamente instruído com as manifestações necessárias, o julgamento pelo Corregedor Permanente se dará de plano ou após instrução sumária como bem esclarece a norma, não cabendo produção de prova para que se demonstre a existência (ou inexistência) de óbice ao reconhecimento da usucapião.

Caberá ao juízo corregedor analisar apenas se a impugnação tem caráter meramente protelatório ou completamente infundado.

Caso haja qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum (subitem 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

No caso concreto, o Oficial não justifica se entende a impugnação fundada ou infundada (fls. 01/03), o que deveria ter feito como explicado acima.

Mas, tal omissão não impede revisão nesta oportunidade notadamente porque o juízo de primeiro grau analisou a questão, reputando a impugnação infundada.

Tal conclusão merece reparo.

De fato, a escritura de fls. 50/51 e parte da matrícula do imóvel, fl. 44, atestam que sua nua-propriedade foi adquirida por Adriana Teles Nieslony, filha da requerente Marley Pereira Teles e de Gunter Georg Nieslony em 10 de agosto de 1993. Marley, por sua vez, adquiriu o usufruto.

A proprietária tabular, Adriana, faleceu em 1997 (fl. 22).

A ata notarial atesta que Marley e Gunter se separaram judicialmente em 22 de maio de 1985; que a nua propriedade do imóvel foi partilhada em inventário entre o casal em juízo, com registro em 19 de fevereiro de 2004 (R.6/M.6146), sendo que, a partir deste ano, Marley assumiu a posse exclusiva sobre o imóvel; que o imóvel está cadastrado na Prefeitura em nome de Marley (inscrição n. 435885.20.4.0377.01 – fl. 23); que a requerente apresentou todos os carnês de IPTU do período de 1990 a 2024, além de contas de consumo de água e esgoto e contratos de locação e de gastos com reforma no imóvel (fls. 16/21, 24/75 e 96/448).

A impugnante e recorrente alega ter vivido em união estável com o coproprietário Gunter (sem esclarecer desde quando), de modo que teria direito sucessório sobre a metade do imóvel usucapiendo.

Há início de prova sobre a alegada união estável: menção da convivência na certidão de óbito de Gunter – fl. 09.

Neste contexto e ainda que seja inequívoco que a requerente Marley está na posse do imóvel desde o falecimento da nua- proprietária tabular e da partilha da nua propriedade sem oposição do coproprietário (certidões de fls. 76/80), o fato é que ela adquiriu o usufruto do bem.

Assim, configuram-se dúvidas sobre a alegada posse exclusiva, sem oposição e com animus domini pelo prazo legal para usucapir o bem, notadamente porque também titular do usufruto.

A própria existência da união estável é debatida.

Há necessidade, portanto, de maior esclarecimento dos fatos, com garantia de contraditório e ampla defesa (necessidade de dilação probatória), como sustentado pela impugnante.

Neste contexto, em que evidenciado conflito, prosseguimento pela via administrativa não é mais possível.

O debate deverá continuar na via judicial, com garantia de contraditório e ampla defesa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – USUCAPIÃO NA VIA EXTRAJUDICIAL – DÚVIDA – APELAÇÃO – IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA DO CONFRONTANTE – IMPOSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA OS FINS DAS NSCGJ, II, XX, 420.4. “Quando se trata de impugnação manifestada em processo extrajudicial de usucapião, um ponto tem de ficar assente: nem o Oficial de Registro de Imóveis nem o Juiz Corregedor Permanente podem dirimir ou solucionar litígios. O julgamento da impugnação não se destina a compor lides. Pelo contrário: quando se julga uma impugnação dessa espécie, tudo o que se pode fazer é verificar a existência do litígio (caso em que cessa a instância administrativa, pois a contenda só pode ser resolvida por meio de ação contenciosa) ou constatar que, a despeito da contradição do interessado, verdadeira lide não há, mas tão-somente aparência dela (o que autoriza o prosseguimento na instância administrativa, na qual, como se sabe, tem de imperar o consenso, uma vez que o Oficial de Registro de Imóveis não é Juiz)” (CSM, Apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048, Relator Des. Fernando Torres Garcia, j. 06/11/2023).

Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada oposta pela titular do domínio – Conflito em relação ao imóvel – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Incidência dos itens 420.4, 420.5 e 420.8, do Capítulo XX, das NSCGJ – Apelação a que se nega provimento.” (CSM; Apelação nº 1002283-96.2023.8.26.0543; de minha relatoria; j. 10/10/2024).

Em outros termos, por estar a impugnação devidamente fundamentada e por não ser possível afastar de plano as razões opostas ao direito alegado, notadamente no que diz respeito ao direito de sucessão sobre a metade ideal pertencente a Gunter (nua propriedade), o procedimento administrativo deve ser extinto e a prenotação cancelada, com entrega dos autos à parte requerente, que poderá emendar a petição inicial para ingresso na via judicial, na qual poderá se valer de todos os elementos possíveis, inclusive aqueles produzidos neste procedimento extrajudicial (item 420.8, Cap. XX, das NSCGJ).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso de apelação, observando que cabe ao Oficial analisar o mérito da impugnação, além de instruir corretamente o processo de dúvida, notadamente com certidão atualizada da matrícula.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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