CSM/SP: Direito registral – Apelação – Inventário e partilha – Doação – Apelação provida.Razões de Decidir: A identificação dos donatários na escritura pública foi feita de forma individual, sem incluir os cônjuges como beneficiários diretos, indicando que a doação não foi conjuntiva. A menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados” refere-se à relação entre os doadores (marido e mulher) e os donatários, caracterizando a doação como uma liberalidade singular. A lista de donatários na escritura de doação não incluiu os cônjuges, reforçando que a doação não foi feita ao casal e a nomeação dos cônjuges ocorreu apenas para atendimento à especialidade subjetiva.

Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000603-84.2025.8.26.0356
Comarca: MIRANDÓPOLIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1000603-84.2025.8.26.0356

Registro: 2025.0001294392

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000603-84.2025.8.26.0356, da Comarca de Mirandópolis, em que é apelante HIROKO SAKAMOTO MACIEL, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRANDÓPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000603-84.2025.8.26.0356

Apelante: Hiroko Sakamoto Maciel

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirandópolis

VOTO Nº 43.986

Direito registral – Apelação – Inventário e partilha – Doação – Apelação provida.

I. Caso em Exame

1. Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens do espólio de cônjuge, referente a bem imóvel, por entender o Oficial ter ocorrido prévia doação conjuntiva em favor do casal, de modo a ser aplicável o direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a doação realizada em favor de cônjuge falecido configura doação conjuntiva em favor do casal, aplicando-se o direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.

III. Razões de Decidir

3. A identificação dos donatários na escritura pública foi feita de forma individual, sem incluir os cônjuges como beneficiários diretos, indicando que a doação não foi conjuntiva.

4. A menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados” refere-se à relação entre os doadores (marido e mulher) e os donatários, caracterizando a doação como uma liberalidade singular.

5. A lista de donatários na escritura de doação não incluiu os cônjuges, reforçando que a doação não foi feita ao casal e a nomeação dos cônjuges ocorreu apenas para atendimento à especialidade subjetiva.

IV. Dispositivo e Tese

6. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. A doação não foi conjuntiva, não se aplicando o direito de acrescer. 2. A partilha de bens é necessária para o destino do patrimônio do falecido.

Legislação Citada:

Código Civil, art. 551.

Jurisprudência Citada:

Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438;

Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08/03/2024

Trata-se de apelação interposta por HIROKO SAKAMOTO MACIEL contra a r.sentença de fls. 118/120, proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mirandópolis que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa à escritura pública de inventário e partilha de bens em relação ao espólio de Cícero Durval Maciel, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia, por entender que o imóvel não integra os bens do espólio, em razão de prévia doação e do direito de acrescer previsto no art. 551 do Código Civil.

A apelante busca a reforma da sentença, sustentando que a doação efetivada pela escritura pública discutida nos autos foi realizada exclusivamente em favor de Cícero, vez que a denominação “cunhados” se referia ao grau e parentesco entre os doadores e os donatários, sem a inclusão de cônjuges como beneficiários diretos. Logo, não há direito de acrescer (art. 551, parágrafo único do Código Civil), haja vista não se tratar de doação ao casal. Assim, o imóvel deve compor o espólio do falecido, estando claro na escritura de doação de que esta foi realizada em favor de apenas um do casal, tanto assim que os nomes dos donatários foi repetido nominalmente um a um, qualificando-os como casados e identificando os respectivos cônjuges, tratando-se efetivamente de doação não conjuntiva. Destaca que o direito de acrescer deve ser interpretado restritivamente, o bem deve ficar integralmente no domínio do cônjuge donatário e integrar o acervo hereditário. No mais, quanto à escritura pública de extinção de condomínio por divisão amigável, pela qual os proprietários extinguiram o condomínio, a presença do cônjuge era indispensável pela regra prevista no art. 1.647, I do Código Civil, título que foi objeto de registro, dando origem à matrícula 16.553 do RI, quando o imóvel foi atribuído ao condômino Cícero Durval Maciel. Assim, por entender que a negativa de registro extrapolou os limites da qualificação registral, busca a reforma da sentença com o ingresso do título ao fólio (fls. 126/143).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 171/174).

É o Relatório.

O apelo merece provimento.

De acordo com os autos, a apelante apresentou ao Oficial escritura pública de inventário e partilha do bens do espólio de Cícero Durval Maciel, lavrada pelo Tabelião de Notas de Guaraçaí, livro 072, páginas 02/011, de quem a apelante é viúva, tendo por objeto o imóvel da matrícula 16.553 da Serventia.

Prenotado o título, foi emitida a seguinte nota devolutiva (protocolo nº 101.715, fls. 147/149):

“1. Deverá ser apresentado requerimento, assinado com firma reconhecida ou perante funcionário deste cartório, para subsistir a doação do R.05 da matrícula nº 9.551 (título aquisitivo da matrícula nº 16.553) em sua totalidade para o cônjuge sobrevivo Hiroko Sakamoto Maciel, por ter recebido em doação conjunta com seu falecido cônjuge, na forma do parágrafo único do art. 551 do Código Civil:

‘Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

1.1. Fica prejudicado o registro da partilha do imóvel da matrícula nº 16.553 deste registro, por não integrar o espólio de Cícero Durval Maciel.

Explico.

Pelo R.05 da matrícula nº 9551 houve a doação dos condôminos para seus irmãos e cunhados, dentre eles, Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel, nos seguintes termos: doaram parte ideal correspondente à 76,9230% do imóvel, pelo valor de R$ 3.021,00 para seus irmãos e cunhados: 1) SOCORRO DO VALE MACIEL ZORZI (…), casada com JOSÉ SERGIO ZORZI, (…); 2) GILBERTO DURVAL MACIEL (…), casado com SUELI FERREIRA MACIEL, (…); 3) JOSÉ CARLOS DURVAL MACIEL, (…), casado com CLAUDINÉIA CASTILHO MACIEL, (…); 4) MARIA MACIEL JANUÁRIO, (…), casada com JOSÉ JANUÁRIO FILHO, (…); 5) CICERO DURVAL MACIEL, (…), casado com HIROKO SAKAMOTO MACIEL, (…).’

Por conseguinte, por a doação ter se destinado aos irmãos e cunhados dos doadores, houve a transmissão da respectiva propriedade à Cícero e a Hiroko, conforme lançado no registro R.05 da matricula 9.551 desta unidade.

Por zelo, tal informação foi confirmada, com a apresentação da certidão da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, quando também foi possível constatar que a doação foi comum para os irmãos e cunhados dos doadores, no caso o irmão Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel, na condição de cunhada, nos seguintes termos:

‘como outorgados donatários, os seus irmãos e cunhados,…5) Cicero Durval Maciel, (…), casado sob o regime da comunhão parcial de bens, na vigência da Lei 6.515/77, com Hiroko Sakamoto Maciel (grifei).

Vale dizer, o registro refletiu exatamente a manifestação de vontade exarada na respectiva escritura pública. Vale lembrar que, na época de 1980 a 1990, quando a doação era conjunta aos irmãos e cunhados, o estilo de escrita era mencionar na escritura a indicação “irmãos e cunhados”, fazendo em seguida a indicação do nome do irmão(ã) e do respectivo cônjuge, na condição de cunhados e cunhadas que recebiam a doação no contexto da escritura pública, tal como ocorre na escritura que deu origem ao registro R.05 da matrícula 9.551.

Ao depois, houve extinção de condomínio do imóvel da matrícula n. 9.551, com natureza declaratória, em que foi aberta a matrícula nº 16.553, quando foi transportada a descrição da titulação dos prefalados donatários da mesma forma que estava na matrícula de origem, ou seja, Cicero Durval, casado com Hiroko Sakamoto Maciel. Isso porque, quando é examinado a titulação da respectiva matrícula no tocante aos cônjuges, deve-se retroagir ao registro de origem para examinar se o título aquisitivo implicou comunicação patrimonial entre os cônjuges ou se é patrimônio particular de um deles.

Assim, por a extinção de condomínio não alterar a natureza jurídica da titulação do bem recebido em doação pelos cônjuges, o imóvel da matrícula nº 16.553 continua como propriedade comum do casal, podendo figurar, no item proprietários da respectiva matrícula, tanto a forma ‘Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel’, como a forma ‘Cicero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto Maciel’. A diferença reside que, se utilizada a expressão ‘Cícero Durval Maciel, casado com Hiroko Sakamoto’ deverá se retroagir até o registro aquisitivo para se examinar se implicou ou não em comunicação com o patrimônio do respectivo cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.

Assim, resta indeferido o registro da escritura de inventário e partilha apresentada, lavrada em 09/08/2024, no Tabelionato de Guaraçaí-SP, no livro 72, fls, 002/011, no tocante ao bem imóvel da matrícula 16.553.”

Como se observa da nota devolutiva, o título foi qualificado de forma negativa por entender o Oficial que o bem não integra o espólio de Cícero Durval Maciel, haja vista a prévia doação ocorrida também em favor de sua esposa. Por consequência, a negativa está fundamentada na alegação de que na escritura pública que deu origem às matrícula no R.5/M. 9.551 e no R.01/16.553, se entende que a doação foi celebrada em favor do casal, com a menção ao grau de parentesco entre os doadores e donatários, como sendo “irmãos” e “cunhados”, de sorte que aplicável o direito de acrescer previsto pelo parágrafo único do artigo 551 do Código Civil em favor do cônjuge supérstite.

A qualificação negativa, no entanto, não se sustenta. Preceitua o artigo 551 do Código Civil:

Art. 551 . Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo.

O caput do artigo acima transcrito trata da doação conjuntiva, que, salvo estipulação em contrário, entende-se distribuída igualmente entre os donatários. Já o parágrafo único cuida de hipótese mais específica: doação conjuntiva em favor de marido e mulher. Nesse caso, ao contrário do disposto no caput, em caso de morte de um dos donatários, a lei civil estabelece o direito de acrescer em benefício do cônjuge sobrevivo.

No caso em exame, apesar do juízo prudencial do Registrador, os pormenores destacados pela apelante são favoráveis ao entendimento de que não está configurada a doação conjuntiva, de modo que inaplicável o instituto do direito de acrescer previsto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil.

Três circunstâncias extraídas do negócio jurídico de doação amparam a tese da apelante.

O primeiro, a partir do fato de que houve identificação, na escritura pública, da pessoa dos donatários, os quais foram qualificados como casados e apenas nomeados os respectivos cônjuges, em cumprimento ao princípio da especialidade subjetiva. A indicação dos cônjuges teve a finalidade de aperfeiçoar a qualificação dos donatários, sem configurar doação em favor daqueles.

O segundo, no sentido de que a menção ao grau de parentesco “irmãos e cunhados”, na escritura pública de doação, está ligada à relação existente entre os doadores (marido e mulher) e os donatários (apenas um do casal), caracterizando a doação como uma liberalidade singular e não uma doação ao casal.

O terceiro, deriva da constatação, na parte final da escritura pública de doação datada de 20 de setembro de 1994 (fls. 28/31), de que no instrumento de doação houve a identificação expressa dos donatários como sendo Socorro do Valle Maciel Zorzi, Gilberto Durval Maciel; José Carlos Durval Maciel, Maria Maciel Januário, Cícero Durval Maciel, Irene Durval Maciel de Souza, Pedro Durval Maciel, Emília Maciel Vidal, Zênite Maciel Bressane e Luis Durval Maciel, lista que não incluiu os cônjuges e tampouco a apelante Hiroko Sakamoto Maciel.

Portanto, ao contrário do que consta na nota devolutiva, da escritura de doação lavrada em 20/09/1994, no Tabelionato de Mirandópolis- SP, no livro 110, fls. 282/287, não se extrai de forma clara a conclusão de que a doação foi comum ao casal Cícero Durval Maciel e seu cônjuge Hiroko Sakamoto Maciel.

Assim, deve a doação conjuntiva ser interpretada em sua literalidade e restritivamente, por duas razões. Primeiro, porque é da lei que a liberalidade não se presume. Segundo, porque provoca redução dos quinhões dos herdeiros legítimos.

A doação conjuntiva deve ser expressa, extreme de dúvidas e em nome dos cônjuges para que ocorra a transmissão à viúva da parte recebida pelo donatário falecido.

Neste quadro, como da escritura pública não se vê a partícula “e” na qualificação do casal, somado ao fato de que a escritura de doação não indica, como destinatária, a apelante Hiroko, mas sim e exclusivamente seu marido, qualificado apenas como casado com a apelante, não se está diante de situação a autorizar a aplicação do direito de acrescer. A nominação de Hiroko deu-se tão somente para atendimento à correta identificação das partes do negócio jurídico, o que se confirmou com a especificação dos donatários, sem os respectivos cônjuges, na parte final do instrumento.

Consequentemente, diante do falecimento de Cicero Durval Maciel e não sendo a apelante contemplada na doação, era necessária a partilha de bens para que fosse dado destino ao seu patrimônio, razão para permitir o ingresso do título no registro imobiliário.

Este E. Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de apreciar dúvida semelhante, extraindo-se a seguinte ementa:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RECUSA FUNDADA NA NECESSIDADE DE PRÉVIO INVENTÁRIO DE BENS DEIXADOS PELO CÔNJUGE – DIREITO DE ACRESCER NÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE – DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DOS FILHOS, E NÃO DE SEUS CÔNJUGES – MANCOMUNHÃO SOBRE O IMÓVEL DOADO QUE DECORRE DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO E NÃO DE EFEITOS PRÓPRIOS DA DOAÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ART. 551, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438; Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08 de março de 2024).

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da escritura pública de inventário e partilha.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Pedido julgado improcedente. Tese de julgamento: 1. Escritura pública de divórcio com partilha de bens deve ser registrada, não averbada. 2. A partilha altera a situação jurídica da propriedade, exigindo registro para publicidade da extinção da mancomunhão e cumprimento ao princípio da continuidade registral.3. Ausente o correto recolhimento dos emolumentos para o ato de registro, a qualificação é negativa.

Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1004613-94.2024.8.26.0296
Comarca: JAGUARIÚNA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1004613-94.2024.8.26.0296

Registro: 2025.0001294384

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004613-94.2024.8.26.0296, da Comarca de Jaguariúna, em que é apelante FABIO ROBERTO BARROS MELLO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JAGUARIÚNA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1004613-94.2024.8.26.0296

Apelante: Fabio Roberto Barros Mello

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jaguariúna

VOTO Nº 43.995

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Pedido julgado improcedente.

I. Caso em Exame

1. Recurso interposto contra sentença que manteve a qualificação negativa ao requerimento de averbação da escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, referente a imóvel. O pedido visava a averbação, mas foi considerado que o ato correto seria o registro.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de averbação ou registro.

III. Razões de Decidir

3. O Oficial de Registro de Imóveis entendeu que houve partilha, exigindo o registro do título, pois cada divorciando ficou com parte ideal de 50% do imóvel, extinguindo a mancomunhão.

4. As Normas de Serviço determinam que, havendo partilha, a escritura deve ser registrada, não bastando a averbação, conforme artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso desprovido.

Tese de julgamento: 1. Escritura pública de divórcio com partilha de bens deve ser registrada, não averbada. 2. A partilha altera a situação jurídica da propriedade, exigindo registro para publicidade da extinção da mancomunhão e cumprimento ao princípio da continuidade registral.3. Ausente o correto recolhimento dos emolumentos para o ato de registro, a qualificação é negativa.

Legislação Citada:

5.Lei de Registros Públicos, art. 167, I, 25; art. 167, II, 14.

6.NSCGJ, Tomo II, Seção II, Capítulo XX, item 9, “a”, 23

Trata-se de recurso interposto por FABIO ROBERTO BARROS MELLO em face da r. sentença de fls. 60/61, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao requerimento para que fosse apenas averbada a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, relativamente ao imóvel objeto da matrícula 10.976 da Serventia, ao fundamento de que o ato almejado é de registro, e não de averbação.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando que deve prevalecer o ato de averbação para o ingresso do título ao fólio real, pois na escritura pública de divórcio consensual ficou estabelecido que os divorciandos não dividiram o patrimônio comum, pois o imóvel permaneceu sob a titularidade comum (cotitularidade) e, em termos jurídicos, a meação foi convertida em parte ideal equivalente à metade do bem. O patrimônio de cada um dos ex-cônjuges em relação ao imóvel permaneceu com a mesma expressão econômica, apenas se extinguindo a mancomunhão e constituindo-se o condomínio “pro indiviso” (fls. 64/70), tanto assim que posteriormente os divorciandos firmaram contrato de compra e venda de parte ideal equivalente a metade do imóvel, consolidando a propriedade plena e a titularidade do domínio em favor do Apelante. Destaca, por fim, a aplicação da nota explicativa do subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 88/90).

É o relatório.

A apelação não merece provimento.

O apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de Jaguariúna a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens, datada de 30 de maio de 2018, lavrada no livro nº 860, página 125, rerratificada por Escritura Pública de Retificação e Ratificação datada de 14 de junho de 2018, lavrada no livro 861, página 113, ambas do 3º Tabelião de Notas da Comarca de Campinas.

Apresentado e qualificado o título, o Oficial exigiu que se realizasse o registro da escritura pública de divórcio consensual, em vez de averbação, contrariamente ao que havia sido requerido pelo interessado, ao fundamento de que à cada um dos divorciandos coube parte ideal de 50% (cinquenta por cento) do imóvel matriculado sob nº 10.976, com extinção da mancomunhão pelo divórcio, controvérsia que teria como pano de fundo a diferença no valor dos emolumentos (para o ato de registro, a cobrança de R$ 2.985,56, e para o ato de averbação, a cobrança de R$ 638,44) e o posterior registro de escritura pública de venda e compra celebrada entre os ex-cônjuges em relação à metade ideal do bem.

É verdade que o apelante sempre insistiu no argumento de que seu requerimento esteve limitado à averbação do divórcio, que o título apresentado não importou em partilha do bem, como autoriza o subitem 14, letra “b”, do Item 9, da Seção II, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e que a efetiva transferência da titularidade da metade ideal do imóvel ocorreu com o negócio jurídico firmado entre os ex-cônjuges.

No entanto, embora com algum grau de confusão procedimental, o exame mais aprofundado dos pontos relevantes da controvérsia registral revela que a real discordância entre o Oficial e o apelante tem por premissa a necessidade da compreensão de que, com o divórcio, o ato de divisão e atribuição a cada cônjuge da metade ideal do imóvel que o casal detinha como uma universalidade, há de ser considerado, registrária e juridicamente, ato de partilha e, como tal, submetido a registro, e não averbação.

E exatamente por conta desta divergência de interpretação, se prevalece ou não a exigência de registro, é que o procedimento de dúvida se mostrou adequado.

Neste quadro, correto o desfecho dado pela sentença.

O R.3 da matrícula 10.976 do RI de Jaguariúna menciona que o apelante adquiriu o imóvel enquanto casado com Denise Castelhano de Oliveira Mello pelo regime da comunhão parcial de bens (fls. 18/20).

A escritura pública de divórcio consensual, a despeito da manutenção da titularidade do imóvel em nome de cada um dos cônjuges, contemplou o que, jurídica e registrariamente, é considerada partilha de bens, vez que caracterizou alteração da natureza jurídica da propriedade que cada cônjuge detinha enquanto casado e após o divórcio.

Como se sabe, os bens adquiridos durante a constância do casamento sob o regime de comunhão universal ou parcial de bens constituem uma universalidade de bens, que se extingue com a dissolução do vínculo conjugal, mediante partilha, atribuindo-se a cada cônjuge aquilo que passará a lhe pertencer com exclusividade. Na separação e no divórcio, a partilha é ato de divisão e atribuição a cada cônjuge dos bens correspondentes à sua meação no patrimônio comum, alterando-se a situação jurídica que embasa a propriedade.

Segundo leciona RAFAEL CALMON RANGEL (PARTILHA DE BENS. Saraiva; 2016; p. 105-106), “quando a comunhão de direitos se refere especificamente ao patrimônio amealhado pelo casal sob o abrigo dos regimes comunitários de bens, mostra-se tecnicamente adequado considerá-la como uma mancomunhão, que jamais pode ser confundida com o condomínio ou com a comunhão ordinária. Nesse sentido, inclusive, já se decidiu que ‘a comunhão resultante do matrimônio difere do condomínio propriamente dito, porque nela os bens formam a propriedade de mão comum, cujos titulares são ambos os cônjuges. Cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste enquanto não operada a partilha’. (STJ, REsp nº 3.170/RS, rel. Min. Antonio Torreão Braz, DJ de 28-8-95). Isso porque a influência das normas provenientes do Direito das Famílias dá forma a uma categoria jurídica específica, cujas características e campo de abrangência são muito mais extensas do que as daquelas figuras, na medida em que sua incidência se dá não só sobre o direito de propriedade em si, mas sobre o complexo de todas as situações jurídicas de índole patrimonial contraídas pelos comunheiros. Em outras palavras, sua projeção se dá sobre o patrimônio em sua acepção jurídica, e não em seu sentido econômico ou existencial mínimo, impedindo que sejam abrangidos os bens isoladamente considerados e os direitos não aferíveis em pecúnia, como a fidelidade recíproca ou a mútua assistência, por exemplo.”

E destaca: “Esta afirmação parece ganhar força na aguda percepção de Rodrigo da Cunha Pereira (Dicionário de Direito de Família e Sucessões. Saraiva; 2015; p. 447), para quem: ‘Mancomunhão é expressão que define o estado dos bens conjugais antes de sua efetiva partilha. Difere do estado condominial em que o casal detém o bem ou coisa simultaneamente, com direito a uma fração ideal, podendo alienar ou gravar seus direitos, observando a preferência do outro. Na mancomunhão, o bem não pode ser alienado nem gravado por apenas um dos ex-cônjuges, permanecendo indivisível até a partilha. Enquanto não for feita a partilha dos bens comuns, eles pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão.’”

Inclusive, é responsável por proporcionar duas enormes diferenças para com o condomínio: a indivisibilidade e a impossibilidade de a mancomunhão ser considerada um direito real ou um objeto de direito real, haja vista esta espécie de direito exigir bem jurídico definido como objeto, e não como um complexo de situações jurídicas.

Em verdade, ainda que, com o divórcio, o bem continue sob a titularidade de ambos os cônjuges, o regime jurídico da comunhão exercido sobre o bem adquirido na constância do casamento não se confunde com o regime jurídico do condomínio, pós divórcio, sendo necessário o registro da divisão do bem para que seja dada publicidade acerca da extinção da situação de mancomunhão e preservação da continuidade registrária.

Logo, ainda que o apelante pretendesse tão somente a averbação do divórcio, o que em tese é realmente possível, a hipótese dos autos revela que estamos diante de um ato de registro, pois i) a escritura pública de divórcio consensual contempla a partilha de bens; ii) a prévia partilha do imóvel é imprescindível para permitir o acesso do novo título envolvendo negócio jurídico realizado entre os ex-cônjuges, a fim de ser satisfeito o princípio da continuidade registral, de modo que a mera averbação não atende à necessidade da regularização dominial.

Havendo partilha, as Normas de Serviço determinam o registro da sentença, sendo insuficiente apresentação de simples certidão de casamento com anotação do divórcio, pois os atos atributivos ou declaratórios da propriedade são objeto de registro em sentido estrito.

Sendo assim, a escritura pública de divórcio consensual com partilha de bens deve ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos Públicos, e não de mera averbação (artigo 167, II, 14, da mesma lei).

Neste sentido, as notas explicativas do item 9, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

a) o registro de: (…)

23. atos de entrega de legados de imóveis, formais de partilha e sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento, quando não houver partilha (Livro 2)

NOTA: A escritura pública de separação ou divórcio e a sentença de separação judicial, divórcio ou que anular o casamento só serão objeto de registro quando versar sobre a partilha de bens imóveis ou direitos reais registrários.

(…)

b) a averbação de: (…)

14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;

NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando-se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio “pro indiviso”.

O objetivo da nota inserida nas NSCGJ é orientar quanto à providência a ser tomada diante da apresentação de título judicial que altere o estado civil dos proprietários tabulares.

Portanto, diante do teor da escritura pública de divórcio consensual, com alteração do caráter jurídico da propriedade, cada cônjuge proprietário de 50% do imóvel, na qualificação de divorciados, deve a carta de sentença do divórcio ser objeto de registro na forma prevista pelo artigo 167, I, 25, da Lei de Registros Públicos.

E, não tendo havido o correto recolhimento dos emolumentos para a prática do ato registral, fica mantida a qualificação negativa ao título.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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CSM/SP: Tese de julgamento: 1. Ausente a comprovação de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46 e diante da celebração do aforamento mediante pagamento de laudêmio e de foro anual, deve ser comprovado o recolhimento do ITBI.

Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005383-31.2 25.8.26.0562
Comarca: SANTOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 1005383-31.2 25.8.26.0562

Registro: 2025.0001294417

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1005383-31.2 25.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante JULIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1005383-31.2025.8.26.0562

Apelante: Julio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos

VOTO Nº 43.990

Apelação – Dúvida Registrária.

I. Caso em Exame

1. Sentença que manteve a negativa do registro do contrato de constituição de aforamento, sob assertiva de que se trata de contrato oneroso, a ensejar a cobrança de ITBI, decidindo diferentemente da exigência formulada, que impunha o recolhimento do ITCMD. A Apelante alega constituição de contrato de aforamento gratuito, pelo que refuta a exigência. Requer a reforma da sentença.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em aferir se há ou não onerosidade no contrato de aforamento celebrado entre a apelante e a União, de forma a se justificar a exigência de pagamento de tributo.

III. Razões de Decidir

3. A enfiteuse administrativa gera direito real suscetível de registro, e a exigência de cobrança do ITBI é de rigor, conforme previsão de pagamento de foro e laudêmio no contrato, notadamente quando não demonstrado o deferimento do pedido de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46.

IV. Dispositivo e Tese

4. Apelação não provida.

Tese de julgamento: 1. Ausente a comprovação de constituição gratuita do aforamento prevista no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46 e diante da celebração do aforamento mediante pagamento de laudêmio e de foro anual, deve ser comprovado o recolhimento do ITBI.

Legislação Citada:

Código Tributário Nacional, art. 35; Constituição Federal, art. 156, inciso II; Decreto-Lei nº 9.760/1946; Lei nº 9.636/1998; Código Civil de 2002, art. 2.038, §2º.

Trata-se de apelação (fls. 164/173) interposta por JÚLIO PAIXÃO FILHO COMÉRCIO E CONSTRUÇÕES LTDA. Contra a r. sentença (fls. 139/149), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que manteve a negativa de registro do contrato de constituição de aforamento do imóvel objeto da matrícula de nº 51.063 daquela serventia.

A apelante insiste no pedido, sustentando, em síntese, que o contrato de aforamento firmado é gratuito, não podendo ser considerado oneroso porque não houve pagamento de preço. Aduz que o contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, o que afasta o pagamento de ITBI. Defende, ainda, a não incidência de ITCMD, já que não se trata de doação, daí porque reputa a exigência registral do pagamento deste tributo como indevida. Pede, então, a reforma da sentença (fls. 164/173).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recuso (fls. 196/199).

É o relatório.

O registro do Contrato de Constituição de Aforamento firmado em 26 de novembro de 2024, em que a União Federal figurou como outorgante e Júlio Paixão Filho Comércio e Construções Ltda. figurou como outorgada (fls. 33/37), foi negado pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que expediu a nota de devolução de nº 414.226 (fls. 103) contendo exigências.

O título foi reapresentado, mas novamente o ingresso foi obstado, conforme nota devolutiva de nº 415.955 (fls. 71/72), com o seguinte teor:

“Trata-se de Contrato de Constituição de Aforamento apresentado por meio eletrônico objetivando a prática de ato na matrícula nº 51.063 deste ORI.

Exigências:

Reitera-se devolução anterior (prenotação nº 414.226), ou seja:

Considerando tratar-se de concessão gratuita, em atenção ao artigo 289 da Lei 6.015/73, será necessário apresentar a declaração de ITCMD (recolhida ou constando sua respectiva isenção).

Em tempo: Cabe esclarecer ainda que, o entendimento desta serventia é de que o aforamento é ato de registro e não de averbação, conforme disposto no artigo 167, I, 10 da Lei 6.015/73.

Salienta-se que não concordando com os termos da presente nota devolutiva, poderá o interessado suscitar dúvida nos termos do artigo 198, VI da Lei 6.015/73”.

Diante da exigência, a ora apelante requereu a suscitação de dúvida (fls. 18/24), que manteve a negativa do acesso do título ao fólio real, mas por fundamento diverso daquele constante da nota devolutiva, entendendo o Juiz Corregedor Permanente que a constituição de enfiteuse implica onerosidade, razão pela qual incide ITBI, e não ITCMD.

Apesar das razões expostas no recurso de apelação, a manutenção da sentença é de rigor.

Inicialmente, vê-se que o Registrador de Imóveis se baseou na premissa de que o contrato de aforamento em pauta seria gratuito e, em razão disso, exigiu o recolhimento do ITCMD.

A apelante também alega (fls. 165) que “O contrato de aforamento gratuito foi lavrado pela Secretaria do Patrimônio da União SPU, com força de escritura pública, nos termos do artigo 74 do Decreto- Lei 9.760/46, sem pagamento do preço correspondente ao domínio útil, conforme se infere do processo administrativo e parecer quanto ao aforamento gratuito (fls. 38/40)”.

Todavia, não é o que se vê dos documentos anexados aos autos.

Foi solicitada a concessão de gratuidade no aforamento em questão, conforme cópia do documento exarado pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40). Mas, diversamente do que informou a apelante, não há notícias da efetiva concessão.

Na Nota Técnica SEI nº 34092/2024/MGI, do Ministério da Economia, fls. 38/40, foi solicitada a constituição do aforamento gratuito, com encaminhamento ao GE-DESUP para apreciação, mas não consta que tenha havido decisão nesse sentido.

A Nota Técnica apresenta a seguinte conclusão e recomendação do Sr. Eric Nitsch Mazzo, Chefe de Serviço do Núcleo de Destinação Patrimonial:

CONCLUSÃO

Considerando-se que, nos termos do disposto no artigo 40 da IN 03/2016, a decisão da SPU-SP quanto ao pedido formulado com fundamento nos artigos 105 e 215 do Decreto-Lei n.º 9.760, de 1946 constitui ato vinculado e somente poderá ser desfavorável caso haja algum impedimento dentre aqueles previstos em lei e verificando-se a ausência de quaisquer impedimentos ao deferimento do pedido, opina-se pela concessão do aforamento gratuito ao imóvel objeto da Matrícula 51.063 2º Cartório de Registro de Imóveis de Santos.

RECOMENDAÇÃO

É recomendado o envio do processo à MGI-SPU-DEDES-ESPU a fim de encaminhamento do assunto à deliberação do GE-DESUP, conforme disposto na Portaria MGI nº 771, de 17 de março de 2023 e, após, à Consultoria-Jurídica da União em São Paulo, nos termos do artigo 60 da IN 03/2016”.

À vista disso, o Superintendente do Patrimônio da União em São Paulo Substituto exarou a seguinte manifestação: “Diante do exposto acima, solicitamos apreciação do GE-DESUP para constituição do aforamento gratuito com base no quanto contido no item 1°, do art. 105, do Decreto-Lei n° 9760/46. Encaminha-se à MGI-SPU- DEDES-ESPU para apreciação”.

Apesar disso, não houve comprovação de que a recomendação feita por tais autoridades tenha sido apreciada e chegado a bom termo com o deferimento de constituição do aforamento gratuito.

De outra parte, está equivocada a informação da apelante no sentido de que o mandado de segurança impetrado teria deferido a gratuidade requerida, haja vista que a liminar parcialmente concedida limitou-se a suprir a mora da administração e determinar à autoridade impetrada a análise conclusiva do processo administrativo nº 04977.005774/2016-16, que diz respeito ao pedido de constituição do aforamento gratuito (fls. 43/44).

A liminar em apreço foi proferida em 21/06/2024, e, depois disso, é que houve o encaminhamento do pleito, mais especificamente em 20/08/2024, com a manifestação do Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (fls. 38/40), como já abordado.

Mas, repita-se, não há notícia da solução dada ao pleito nos autos.

Observa-se, ademais, que não se trata de mera ocupação, pois o imóvel, que se encontra em faixa da marinha, foi objeto de aforamento, estando, assim, sob o regime de enfiteuse, gerando, desta forma, direito real, suscetível de registro.

Sobre a enfiteuse, também denominada aforamento ou emprazamento, trata-se de negócio jurídico no qual o proprietário transfere ao adquirente, em caráter perpétuo, o domínio útil, a posse direita, o uso, o gozo e o direito de disposição sobre bem imóvel, mediante o pagamento de renda anual (foro) (grifei).

No caso em análise, está-se diante da chamada enfiteuse administrativa (ou especial), já que constituída sobre imóvel dominial da União, com regramento disciplinado pela lei especial (Decreto-Lei nº 9.760/1946 e Lei nº 9.636/1998), como preceitua o § 2º, art. 2.038, do Código Civil de 2002.

Assim, diante da indiscutível aquisição do domínio útil, por força do contrato de enfiteuse, a exigência da cobrança do ITBI era mesmo de rigor.

Aliás, como bem observado pelo Juiz Corregedor Permanente, há previsão de pagamento do foro e laudêmio, conforme cláusula primeira do contrato (fls. 33/37), que contém a seguinte redação: “CLÁUSULA PRIMEIRA – FORO E LAUDÊMIO: Que o outorgado assume a condição de foreiro, ficando sujeito ao pagamento do foro anual em importância equivalente a 0,6 % (seis décimos por cento) do valor do domínio pleno do terreno objeto do presente contrato, estipulado pela Secretaria do Patrimônio da União, neste ato, em R$ 2.096,18 (0,6% x 4.721.139,00 x 0,074 x 1,0 = R$ 2.096,18); com base na planta de Valores Genéricos para a localidade do imóvel, e anualmente atualizado na forma do art. 101, do Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro 1946, a ser cobrado na forma e condições previstas em portaria do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e do laudêmio em valor equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias, na transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil do terreno ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas, bem assim sobre a cessão de direitos a eles relativos (Art. 67 do Decreto-Lei nº 9.760, 5 de setembro 1946, Art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398, de 21 de dezembro de 1987, com redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017, e do Decreto nº 95.760, de 1º de março de 1988)” (grifei).

Desta forma, não tendo sido demonstrada a constituição do aforamento gratuito e diante do que a cláusula supra destacada contém, incide Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no presente caso, haja vista a constituição onerosa da enfiteuse.

Com efeito, o art. 35 do Código Tributário Nacional e o art. 156, inciso II, da Constituição Federal estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição, competindo aos Municípios legislar a respeito de sua instituição.

Desta forma, ausente comprovação da concessão da gratuidade ao contrato de aforamento, de rigor o pagamento do ITBI.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)

Fonte:  Inr Publicações

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