Artigo: Certidões extrajudiciais gratuitas – Breve análise crítica – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo


*Marco Antonio de Oliveira Camargo

A expedição de certidões gratuitas para a Defensoria Pública Estadual, garantia para a defesa do interesse dos necessitados, representa ônus para notários e registradores. Na medida em que nada é verdadeiramente gratuito, é feita, a seguir, uma análise crítica desta situação.

Recentemente publicou-se no Diário da Justiça Eletrônico do Estado de São Paulo importante Decisão do Corregedor Geral da Justiça que determinou: “em caráter geral e normativo, a todas as serventias extrajudiciais do Estado de Paulo, que, diante das requisições feitas pela Defensoria do Estado, emitam as respectivas certidões gratuitamente, independentemente do pagamento de emolumentos(DJE 26.02.2015-SE / DICOGE 5.1 – Processo nº2014/107523 – Parecer 27-2015)

Na definição precisa do artigo 2º da Lei Complementar nº 988/06 do Estado de São Paulo Estadual a Defensoria Pública tem por finalidade a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados, assim considerados na forma da lei.

Mais ainda, ao fixar as atribuições da Defensoria Pública, no artigo 5º,  inciso VI, consta que à ela, Defensoria Pública Estadual, incumbe a promoção da conciliação e mediação extrajudicial e, conforme consta do artigo 162 (inc. IV e IX), dentre as prerrogativas outorgadas aos membros da Defensoria Pública do Estado  estão previstas a requisição de certidões e a atuação em juízo ou fora dele com isenção de emolumentos, taxas e custas quando no exercício de suas funções.O parecer do Juiz Auxiliar da Corregedoria, integralmente aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, tem como inteligência fundamental a compatibilização entre o dispositivo acima referido e o cumprimento da Lei de Custas vigente no Estado. Nesta construção intelectual privilegiou-se, em última análise, a busca da justiça social, em detrimento da lógica econômica.

Evidente que ninguém se agrada com a ideia de realizar trabalho sem remuneração. Verdadeiramente nada é gratuito, pois sempre existirá ônus que de alguma maneira deverá ser suportado por quem pratica o ato sem cobrar por ele.

No caso da expedição de certidões gratuitas o titular da delegação deverá extrair dos valores recebidos dos outros usuários, o custo para a expedição das certidões gratuitas. Ressalve-se que tais custos não são desprezíveis, pois envolvem dispêndio de tempo e dedicação de mão de obra qualificada,  uso de sistemas e equipamentos especializados, além de materiais de segurança e ainda, paralelamente a tudo isso, a realização de um rígido controle administrativo do pedido, tramitação, expedição e entrega do documento.

A certidão de um ato notarial ou registral é muito mais do que simples cópia de um instrumento produzido ou registrado no cartório. Por tal motivo, somado ao fato de que ao preço dos emolumentos devidos, somam-se custas, contribuições e outros anexos (ISS municipal, inclusive), as certidões não podem custam barato para o usuário.

Exatamente por ter um custo relativamente alto é que se mostra necessário, em algumas situações, temperar o rigor da lógica econômica que movimenta todas as peças da vida em sociedade. De fato, pode haver justiça e coerência em situações especiais que venham a exigir de notários e registradores a realização de trabalho gratuito, quando sua atuação for necessária à promoção de um valor fundamental.

Entretanto é necessário considerar como absolutamente verdadeiro o que os economistas, muito acertadamente e com fina ironia, afirmam categoricamente: não existe almoço grátis!

É fato que, para alguém poder matar sua fome sem ter produzido seu alimento, outro precisou, com sua força de trabalho, garantir aquela refeição.

O fato econômico acima referido pode ser considerado como uma Lei Natural de obediência necessária. O desprezo a tal preceito, fatal e inexoravelmente, acarreta um desequilíbrio na organização social. O alcance e consequência resultantes do abandono deste princípio dependerão da intensidade com que se pratica tal desobediência.

A gratuidade, que pelo aspecto econômico deve ser considerada como uma aberração, no universo jurídico, entretanto, em muitas situações, mostra-se uma necessidade.

A redução das desigualdades e a promoção da Justiça Social por todos os meios possíveis à organização estatal, inquestionavelmente são defensáveis objetivos e, portanto, na busca por tais realizações, algum sacrifício deve ser realizado.

Neste passo afirma-se como justa a ocorrência de trabalho sem proveito ou remuneração por alguns em benefício de outros, que sem esforço ou mérito qualquer, haverão de usufruir do resultado do trabalho realizado por terceiros.

Em contexto diferente tal afirmação seria considerada absurda e imoral, entretanto, quando se busca de a promoção de um valor superior (a redução das desigualdades sociais), ela torna-se compreensível.

Embora a ocorrência de trabalho sem remuneração para quem o realiza, em casos especiais, seja compreensível, inegavelmente isso representa um desequilíbrio e uma situação potencialmente perigosa.

As lições da história são muitas neste sentido. Em um passado recente, o Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais foi protagonista de tal situação.

Quando se editou Lei Federal que determinou a gratuidade universal para a prática dos registros de nascimento e óbito, o exercício da delegação tornou-se praticamente inviável, prepostos foram demitidos, titulares afastaram-se de seus cartórios (por aposentadoria precoce ou pura renúncia da delegação), a qualidade da prestação do serviço decaiu drasticamente. Uma situação de crise generalizou-se.

Somente após muito trabalho, esforço, dedicação e criatividade (dos registradores e seus colegas de outras especialidades, bem como das corregedorias estaduais e agentes políticos em geral) superou-se a crise instaurada, resultando na situação atual em que os Cartórios de Registro Civil representam, muito provavelmente, a especialidade mais admirada e respeitada pelo público em geral.

Feitas todas as ressalvas acima, segue, afinal, uma análise crítica da determinação.

A gratuidade de certidões a serem expedidas aos representantes da Defensoria Pública Estadual, na forma decidida pelo Corregedor Geral da Justiça deverá ser obedecida. Não existe escolha possível. Cumpra-se a determinação de quem tem legitimamente o poder para fazer tal de determinação, ou abandone-se a delegação recebida do Estado.

Cumprir e obedecer, entretanto, não significa concordar e defender o acerto da determinação.

O correto, no entender do autor, seria ter buscado junto ao chefe do Poder Executivo Estadual a edição de norma que tornasse viável a aplicação da gratuidade para quem precisa de tal benefício, sem onerar injustamente aqueles que deverão realizar o trabalho sem remuneração (os notários e registradores paulistas).

Esta solução não seria difícil ou complexa.

A Lei Estadual nº 11331/2002, que regula no Estado de São Paulo a cobrança  dos emolumentos e custas pelos notários e registradores, dispõe em seu artigo 19, inciso “I”, alínea “b”, que do preço total do valor pago pelos usuários, o percentual de 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) é receita do Estado em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização.

Para compensar o cartório que pratica atos gratuitos de interesse da Defensoria Pública Estadual, bastaria determinar em regulamento que o valor integral dos emolumentos devidos pela expedição de certidões gratuitas (ou pelo menos uma fração dele, suficiente para cobrir o custo material e intelectual da realização de tal trabalho) seja compensado com a dedução nos valores que o notário ou registrador arrecada nos demais atos praticados, pagos integralmente pelos interessados, e que obrigatoriamente são repassados ao Tesouro do Estado.

Ressalve-se, que no caso específico do Reg. Civil das Pessoas Naturais a disposição é inexistente. No entanto, o ressarcimento pela gratuidade de certidões expedidas está devidamente regulamentado e ele já acontece regularmente através do Ressarcimento através do Fundo de Ressarcimento instituído por Lei Estadual.

Conclui-se, portanto, conforme indicado acima, que soluções existem para garantir os direitos dos necessitados sem penalizar demasiadamente os notários e registradores paulistas e ainda, mais importante, sem ignorar um princípio fundamental da realidade econômica: nada é verdadeiramente gratuito.

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*Marco Antonio de Oliveira Camargo é títular da delegação do registro civil e notas no distrito de Sousas, em Campinas – SP. Foi tabelião de notas e protesto em Matão – SP e oficial interino em Jarinu. Iniciou sua carreira no Registro de Imóveis de Socorro-SP.

Fonte: Notariado | 24/03/2015.

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Artigo: O Registro Civil das Pessoas Naturais na Era Digital – Por Karine Boselli


* Karine Boselli

O presente artigo tem como objetivo analisar as inovações tecnológicas introduzidas no âmbito da prestação dos serviços públicos pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais a fim de assegurar maior eficiência e agilidade a estes serviços, sem deixar de lado a segurança jurídica exigida para tanto.

Aos Oficiais de Registro Civil foram atribuídos atos de registro que se revelam em importantes acontecimentos da vida da pessoa humana, tais como o nascimento, o casamento, o óbito, a emancipação, a interdição, a adoção, entre outros.

Os assentos relativos a esses atos conservam-se indefinidamente nos Livros de registro, de modo que podem ser requeridas pesquisas e certidões sobre seu conteúdo por quaisquer interessados.

A sistemática da emissão das certidões esteve sempre vinculada à solicitação perante a própria serventia em que o registro tivesse sido realizado. A pesquisa dos possíveis assentos também se fazia da mesma forma, o que dificultava a obtenção de um resultado satisfatório, já que não eram poucas as vezes em que, na serventia indicada como provável para o registro, não se localizava qualquer dado acerca do registrado.

Em virtude de tais circunstâncias e em atenção às vicissitudes da vida moderna e aos inúmeros avanços tecnológicos, as Corregedorias de Justiça (em âmbito nacional e estadual), com o auxílio das entidades de classe, preocuparam-se em estabelecer novos meios de acesso às informações e aos registros de competência dos Oficiais de Registro Civil.

Nesse contexto, foi editado o Provimento nº 19 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, com o qual foi criada a Central de Informações do Registro Civil – CRC, objetivando a facilitação da localização dos registros de nascimento, casamento, óbito e demais relativos às pessoas naturais.

A partir desta Central, os principais dados relativos aos assentos e registros passaram a ser compilados em um banco de dados unificado e administrado, em âmbito estadual, pela Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, incumbindo, aos Oficiais de Registro, a inclusão das informações acerca dos atos de registro realizados a partir de 01 de janeiro de 1976.

A CRC Paulista representou, portanto, um primeiro avanço no tocante à pesquisa dos assentos, a sua localização e a obtenção de respectiva certidão, podendo serem realizadas, inclusive, perante serventias nas quais os assentos não tenham sido registrados.

Paralelamente a esta inovação, foi igualmente criado, em âmbito estadual, o sítio eletrônico www.registrocivil.org.br, com o qual passou a ser possível o pedido eletrônico, pelo público em geral, de segunda via de certidões de nascimento, casamento e óbito.

O envio das certidões, desde que cumpridas as exigências estabelecidas, é feito a) por meio postal, através de carta registrada ou Sedex, ou b) eletronicamente, através de link eletrônico enviado para o e-mail do solicitante. Neste caso, a certidão é assinada digitalmente, sendo válida e produzindo efeitos em sua forma eletrônica (caso haja sua impressão, será considerada como mera cópia simples). A certidão eletrônica poderá, ainda, ser materializada em qualquer serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, por solicitação do interessado.

O pedido eletrônico de certidões tornou-se instrumento de grande valia, quer seja em favor do cidadão, que necessita de certidões relacionadas a sua vida pessoal ou de seus familiares, quer seja em relação aos operadores do direito, que pesquisam dados sobre terceiros. Neste contexto, foram estabelecidos termos de cooperação técnica com o Ministério Público e a Defensoria Pública Paulista, o TRE-SP, o Departamento da Polícia Federal, entre outros, para a requisição de certidões e pesquisa sobre assentos.

Parece-nos, no entanto, que esta ferramenta facilitará em muito a atuação no âmbito processual, notadamente nas ações de direito de família, uma vez que possibilita a rápida obtenção das certidões, bem como no tocante às ações de cobrança e de execução. Neste último caso, por exemplo, a obtenção de certidões é relevante para a verificação acerca do estado civil do réu ou executado (se é casado ou não, o que pode afetar diretamente o polo passivo da demanda), da sua capacidade civil (existência de anotação na certidão de nascimento acerca da sua interdição) ou até mesmo sobre sua existência física (ocorrência do falecimento comprovada por certidão de óbito ou anotação do óbito na respectiva certidão de nascimento).

 A experiência implantada no Estado de São Paulo foi recentemente ampliada para todo o território nacional, mediante a edição, pelo Conselho Nacional de Justiça, do Provimento nº 38.

Com este Provimento, foi instituída a Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), que congregará a base de dados de nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, ausências e interdições registradas nas serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais de todo o território nacional, assim como aqueles atos registrados nos Consulados Brasileiros no exterior. Por meio da CRC Nacional, ademais, será possível, em breve, a realização de pesquisas e a solicitação de certidões sobre os atos de registro.

É preciso esclarecer que as inovações acima descritas são e continuarão sendo fundamentais, não só em decorrência do constante incremento tecnológico, mas, sobretudo, em virtude da necessidade de se oferecer acessibilidade, eficiência e racionalidade aos serviços públicos.

 O emprego da tecnologia é um caminho do qual não há mais volta.

Fonte: Carta Forense | 03/03/2015.

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