Artigo: USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL – AGORA VAI – Por Douglas Gavazzi


*Douglas Gavazzi

A usucapião extrajudicial foi introduzida em nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal nº 13.105/2015, qual seja, o nosso atual Código de Processo Civil.

O novo CPC criou o art. 216-A na Lei de Registros Públicos (6.015/73), admitindo o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, por meio de procedimento próprio perante o registro imobiliário da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo.

Dita legislação gerou grande expectativa perante o mercado imobiliário, como uma forma ágil de regularização fundiária através da legitimação da posse pela prescrição aquisitiva.

Ocorre que o legislador entendeu que deveria dar à usucapião administrativa, forma especial de congraçamento – o assentimento expresso de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes. Perfeito. Entretanto, cabe ao registrador imobiliário a notificação desses detentores e caso qualquer deles não aponte sua terminante concordância no prazo de quinze dias, cai por terra a extrajudicialidade da usucapião: a ausência de manifestação dos titulares é entendida como DISCORDÂNCIA.

Vejamos que é custoso e ímprobo que alguém que esteja perdendo seu direito de propriedade pelo abandono, pela própria inércia ou simplesmente pela consequência do jargão jurídico – “o direito não socorre aqueles que dormem” – que este, então, levante a bandeira da justiça e da função social da propriedade em prol dos necessitados e assim se manifeste: “eu concordo que me adquiram o imóvel pelo decurso do tempo que fui faltoso”. Esse mesmo quedou-se ao silêncio, e assim, contribuiu para a judicialização culminada da usucapião.

Em outro ato legislativo, o atual presidente da República editou a Medida Provisória 759 de 22 de dezembro de 2016, que versa sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, instituindo mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União.

Como sabemos, a Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, que só pode ser adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência. Há de se ponderar, que ultimamente trata-se de um apetrecho legislativo que vem sendo utilizado sem o principal requisito que o concede como imperativo legal, qual seja, a urgência. Entretanto, a MP produz efeitos imediatos e depende da aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei.

O prazo de vigência da MP 759 – que é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período – sofreu durante sua vigência 732 (setecentos e trinta e duas) emendas e assim, a Comissão Mista (criada no âmbito do Congresso Nacional e integrada por deputados e senadores) emitiu o Parecer nº 1, de 2017-CN, que conclui pelo Projeto de Lei por Conversão nº 12, de 2017. Assevera-se que qualquer alteração feita no texto de uma Medida Provisória (MP) transforma essa matéria em Projeto de Lei por Conversão – o PLV. Depois de aprovado definitivamente pelo Senado ou pela Câmara, esse PLV é remetido à sanção do presidente da República.

Assim, no dia 31/05 dita Comissão Mista aprovou o Projeto de Lei por Conversão que introduz significativas mudanças no instituto da usucapião extrajudicial. Assim ficou o texto:

A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 216-A.

………………………………………..

I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil;

II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes; .

……………………………………………………….

§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias,interpretado o seu silêncio como concordância. (grifei)

………………………………………………………..

§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. (grifei)

………………………………………………………..

§ 11. No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos imóveis confinantes e bastará a notificação do síndico para se manifestar na forma do § 2º deste artigo. (grifei)

§ 12. Se o imóvel confinante contiver um condomínio edilício, bastará a notificação do síndico para o efeito do § 2º deste artigo, de modo que é dispensada a notificação de todos os condôminos. (grifei).

§ 13. Para efeito do § 2º deste artigo, caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação pelo prazo de 15 (quinze) dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância. (grifei)

§ 14. Regulamento do órgão jurisdicional competente para a correição das serventias poderá autorizar a publicação do edital em meio eletrônico, caso em que ficará dispensada a publicação em jornais de grande circulação.”

§ 15. No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de que trata o inciso IV do caput deste artigo, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação administrativa perante a serventia extrajudicial que obedecerá, no que couber, ao rito previsto nos arts. 381, §5º, 382 e 383 da Lei nº 13.105, de 16 março de 2015 – Código de Processo Civil. (NR)”

Com isso, alguns pontos muito importantes foram esclarecidos pelo PLV 12/2017:

  1. O silêncio dos titulares de direitos reais (maior óbice do texto anterior) agora é tido como CONCORDÂNCIA;

  1. Imóvel não matriculado poderá ser usucapido pela via administrativa;

  1. Usucapião em unidade autônoma em condomínio edilício dispensa o consentimento dos titulares de direitos reais bastando a notificação do síndico, que silente, também incorre pela concordância.

  1. Imóvel cujo dono desconhece-se, ou é sumido – o registrador promoverá a notificação por edital, mediante dupla publicação, pelo prazo de 15 (quinze) dias cada um, também interpretado o silêncio do notificando como concordância.

Assim, o mecanismo legislativo se torna aplicável. Assim, a ferramenta pode funcionar e se tornar acessível aos legitimados pelo prazo de posse ininterrupta e pacífica.

O PLV 12/2017 seguiu para a sanção presidencial e segundo o sítio da Secretaria de Governo – Subchefia de Assuntos Parlamentares aguarda a chegada do autógrafo.

Ainda é dado ao presidente da República o direito de vetar o texto ou parte dele, mas em tempos de coisas a jato, que essa sanção, assim também o seja com o texto normativo.

Até o final deste mês, espero, teremos boas novidades.

Parece que agora vai.

* Douglas Gavazzi é tabelião de notas e protesto substituto em Itapevi-SP. Professor-tutor do curso de pós-graduação em Direito Notarial e Registral do Damásio. Colunista do CNB – Conselho Federal.

Fonte: Professor Gavazzi | 07/06/2017.

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“PARA QUE SERVE UM CONTRATO DE NAMORO? PODE SER FEITO EM UM CARTÓRIO DE NOTAS?” – POR ISAQUE SOARES RIBEIRO


*Isaque Soares Ribeiro

Imagine um casal de namorados que resolvam ir morar juntos, mas não desejam que aquela relação se torne uma união estável. O que poderiam fazer?

Cada vez mais casais de namorados têm se preocupado com os efeitos que o reconhecimento de uma união estável poderia trazer para aquele relacionamento. Essa crescente preocupação veio, em grande parte, após a edição da Lei nº 9.278/96 que afastou o antigo prazo mínimo de cinco anos de convivência que constava na Lei nº 8.971/94.

Além disso, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º, nada dispôs em relação ao prazo mínimo para a configuração da união estável. O Código Civil de 2002, da mesma forma, não trouxe qualquer inovação relevante, mas manteve a mesma sistemática da Lei nº 9.278/96 ao dispor no artigo 1.723 que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família”.

Dessa forma, percebe-se que um simples namoro poderá rapidamente se tornar uma união estável, independentemente do casal estar junto há anos, meses ou até mesmo semanas. Ficou, portanto, a critério do Judiciário a análise da situação de fato e documental para declarar que aquela relação é pública, contínua e duradoura, e tem o objetivo de constituir uma família, ou seja, uma união estável.

O reconhecimento de uma união estável pode trazer vários efeitos indesejados para o casal, principalmente patrimoniais, como o direto de repartir todos os bens adquiridos durante a convivência, direito a alimentos (no caso de dissolução da união), e o direito à herança no caso de falecimento do companheiro, recentemente equiparado ao casamento pelo Supremo Tribunal Federal (RE 878694 – MG).

Com receio dos efeitos mencionados, alguns casais de namorados têm buscado os Cartórios de Notas para lavrar uma espécie de documento (chamado de Escritura Pública de Contrato de Namoro), onde declaram de livre e espontânea vontade que aquela relação é um mero namoro, e que não desejam que seja reconhecida como uma união estável.

Mas muito se discute na doutrina e na jurisprudência sobre a validade deste instrumento, pois as regras que tratam da união estável são consideradas normas de ordem pública, ou seja, inafastáveis pela simples vontade das partes. Então qual seria a utilidade deste Contrato de Namoro?
O eminente professor e notário, Zeno Veloso, entende que o Contrato de Namoro poderá prevenir graves discussões patrimoniais:

Diante disso, pela insegurança que envolve o assunto, para evitar riscos e prejuízos que podem advir de uma ação com pedidos de ordem patrimonial, alegando-se a existência de uma união estável, com o rol imenso de efeitos patrimoniais que enseja, quando, de fato e realmente, só havia namoro, sem maior comprometimento, algumas pessoas combinam e celebram o que se tem denominado contrato de namoro. Já se vê que não é acordo de vontades que tem por objeto determinar, singelamente, a existência de um namoro, que, se assim fosse, nem contrato, tecnicamente, seria. Mas, deixando de lado a questão terminológica e indo direto ao ponto, tal avença, substancialmente, é uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico. [1] (grifos nossos)

Nesse sentido, a renomada advogada Regina Beatriz Tavares da Silva também defende o que ela chama de “declaração de namoro”, mas alerta que tal declaração deve retratar a realidade, não podendo ser um instrumento para encobrir uma união estável:

Há quem diga que a celebração do equivocadamente chamado “contrato de namoro” configura ato ilícito. Porém, quem faz esse tipo de afirmação esquece de que a declaração de namoro serve para provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável. [2]

Apesar de poucas decisões judiciais ainda sobre o assunto, finalizamos este breve artigo mencionando um relevante precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao afastar a pretensão de reconhecimento de uma união estável, considerou como uma das provas a existência de um contrato de namoro firmado entre o casal:

“Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”(gn). (TJSP – Apelação n. 9103963-90.2008.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Relator: Grava Brazil. Data de julgamento: 12/08/2008).

Conclui-se, portanto, que o contrato de namoro não tem o condão, por si só, de afastar os efeitos da união estável, mas é perfeitamente lícito e tem sido considerada uma importante prova para atestar que o relacionamento se trata apenas de um namoro, sendo que a sua formalização perante um Cartório de Notas dará mais credibilidade e segurança, pois o tabelião de notas tem a fé pública para confirmar a livre e certa manifestação da vontade das partes que o procuram.

*Isaque Soares Ribeiro é assistente jurídico do CNB/SP. Advogado, é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Fonte: CNB/SP | 07/06/2017.

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