Artigo: UMA BREVE HISTÓRIA DO REGISTRO CIVIL CONTEMPORÂNEO – Por Marcelo Gonçalves Tiziani


*Marcelo Gonçalves Tiziani

Sumário: 1. Introdução – O Sistema Francês; 2. O registro civil no Império Brasileiro – de 1822 a 1889; 2.1. Introdução – O vazio legislativo; 2.2. A Lei n.º 586/1850 – A Lei Orçamentária para os anos de 1851 e 1852; 2.3. O Decreto n.º 798/1851 – O Ronco das Abelhas; 2.4. O Decreto n.º 1.144/1861 – A primeira norma de registro civil para não católicos; 2.5. O Decreto n.º 3.069/1863 – Sistema duplo de registração; 2.6. A Lei n.º 1.829/1870 – O registro civil como estatística; 2.7. O Decreto n.º 5.604/1874 – Universalização do registro civil; 2.8. O Decreto n.º 9.886/1888 – Primeira norma de registro civil universal a entrar em vigor; 3. O registro civil na República – de 1889 ao momento atual; 3.1. As primeiras leis de registro civil antes do Código Civil de 1916; 3.2. As leis de registro civil após o Código Civil de 1916; 4. Conclusão; 5. Referências bibliográficas.

1.Introdução – O Sistema Francês

Desde a cristianização completa do Império Romano[1], cabia à Igreja Católica o registro do nascimento – na verdade batismo -, do casamento e da morte das pessoas, fosse porque ela fazia, efetivamente, parte do Estado, fosse por causa de sua impressionante capacidade de difusão, já que em cada vila havia uma paróquia, sendo o pároco representante da Igreja e do Estado no local. Tratava-se do denominado registro eclesiástico ou registro do vigário.

Porém, com o surgimento do movimento Iluminista[2], tendente à laicização da sociedade, passou a ser questionada a confusão entre os interesses de Estado e aqueles da Igreja. Pela lógica do Iluminismo, somente por meio da razão os homens atingiriam o progresso, sendo a universalidade, a individualidade e a autonomia os grandes lemas dessa ideologia.

Nesse contexto, como ensina Donato Sarno, emerge a ideia de que os direitos decorrentes do nascimento, do casamento e do falecimento surgem, se modificam, se transmitem e se extinguem independentemente da religião professada pelos indivíduos e que, consequentemente, é o Estado que deve providenciar, para fins jurídicos, a constatação de tais eventos, mediante órgãos próprios, constituindo a matéria, pela sua própria natureza, uma atribuição do poder civil e não do poder religioso, ao qual, portanto, não podia ser mais confiada[3].

O grande paradigma do registro civil estatal é a Constituição Francesa de 1791, assim dispondo em seu artigo 7, Título II: A lei considera o matrimônio como um contrato civil. O Poder Legislativo estabelecerá para todos os habitantes, sem distinção, o modo em que se constatarão os nascimentos, matrimônios e falecimentos e designará os oficiais públicos que receberão e conservarão os atos[4].

A partir desse momento histórico, o casamento e demais atos do estado perderam a natureza de sacramento religioso e passaram a ser vistos como instituição social de competência estatal, cuja disciplina deveria ser vinculante a todos os cidadãos, independentemente da fé.

Com efeito, é possível afirmar que o registro civil contemporâneo teve sua semente plantada no século XVIII, com a Revolução Francesa e a desvinculação da religião do Estado. A contar deste ponto, os órgãos estatais assumiram, definitivamente, a função de coletar, guardar e disponibilizar as informações do estado civil das pessoas naturais, razão pela qual é dado ao modelo atual de registro civil o nome de Sistema Francês.

2.O Registro Civil no Império Brasileiro – de 1822 a 1889

2.1. Introdução – O vazio legislativo

No Brasil, a secularização do registro civil das pessoas naturais foi paulatina.

Inicialmente, durante todo o período colonial, as funções de registração eram da Igreja, em virtude das denominadas Ordenações do Reino, que viam essa instituição como braço do Estado português.

Entretanto, a famosa abertura dos portos, decorrente da vinda da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, que fugia de Napoleão, trouxe consequências inimagináveis para os brasileiros.

Como corolário do acordo celebrado com os ingleses, quando da proteção dada ao monarca português, passou a existir por aqui certa liberdade de negócios com estrangeiros, o que fez com que muitos deles viessem para cá.

Ocorre que muitas dessas pessoas eram protestantes, judeus, muçulmanos, em suma, não católicos, o que os colocava para fora do sistema de registro eclesiástico, já que só aplicável aos católicos. A vinda de indivíduos de culturas diferentes da portuguesa e brasileira e professantes de religiões diversas da católica trouxe esse problema da registração dos respectivos atos do estado civil: sem o registro da Igreja, o sistema de provas para essas pessoas ainda dependia de testemunhas e outras formas menos seguras.

Nessa época, não existia para os não católicos um sistema de provas pré-constituídas para o estado civil das pessoas naturais. Para eles, ainda vigorava a regra da posse de estado, ou seja, a fama pública.

2.2. A Lei n.º 586/1850 – A Lei Orçamentária para os anos de 1851 e 1852

Como mencionado acima, a vinda da corte portuguesa ao Brasil trouxe várias mudanças para vida dos brasileiros, exigindo modernização da sociedade daquele período.

Não obstante, somente após a independência e mais de 40 anos depois da chegada da nobreza portuguesa ao Brasil foi editada a primeira norma que cuidava do tema registro civil em terras nacionais: tratava-se da Lei n.º 586, de 06 de setembro de 1850.

Tal norma era, na verdade, a lei orçamentária para os anos de 1851 e 1852, ou melhor, cuidava-se de lei de natureza financeira e não de regramento de direito sobre o registro civil das pessoas naturais.

Porém, em seu artigo 17, § 3.º, a Lei 586/1850 autorizou o Governo a levar a cabo o Censo Geral do Império e a estabelecer registros regulares de nascimentos e óbitos.

Para a organização do censo, foi aprovado o Decreto n.º 797, de 18 de junho de 1851; para o registro civil nacional, foi promulgado o Decreto n.º 798, de 18 de junho de 1851.

Com efeito, a primeira norma a prever, e isto não significa instalar e operar, um censo no Brasil e o registro civil estatal foi uma lei orçamentária.

2.3. O Decreto n.º 798/1851 – O Ronco das Abelhas

Como acima aludido, a Lei n.º 586/1850 autorizou o Governo a estabelecer registros regulares de nascimentos e óbitos, tendo sido editado, em 18 de junho de 1851, o Decreto n.º 798 para tal fim.

O artigo 1.º do Decreto n.º 798/1851 tinha a seguinte redação: Haverá em cada Districto de Juiz de Paz hum livro destinado para o registro dos nascimentos, e outro para o dos obitos que tiverem lugar no Districto annualmente.

Ocorre que ambos os decretos (797/1851 e 798/1851) não foram bem recebidos pela população brasileira.

Com sua implementação, rapidamente, espalhou-se entre os mais humildes o boato de que o Governo queria, na verdade, reduzir os cidadãos pobres à condição de escravos.

Reagindo a esses rumores, um grande número de pessoas passou a atacar prédios e autoridades públicas, dando origem ao movimento chamado “Ronco das Abelhas”, ocorrido entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852, e que envolveu cidades da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Sergipe. Temia-se que a escravidão atingisse, também, as pessoas brancas, quando a real intenção do Estado era colher dados para calcular a população, principalmente para o recrutamento de homens para o serviço militar.

A fim de sustar as revoltas populares do “Ronco das Abelhas”, o Governo editou, então, o Decreto n.º 907, de 29 de janeiro de 1852, suspendendo os Decretos n.º 797 e 798, adiando a instalação do registro civil e a realização do primeiro censo no Brasil.

Assim, a primeira tentativa governamental de criação de um sistema estatal laico de registro civil foi, violentamente, obstada pela população nacional.

Cuidava-se, em verdade, de interesses políticos em jogo: a Igreja Católica temia perder prestígio, caso o registro civil passasse a ser estatal.

Nessa época, inclusive, como tentativa de consolidação do poder eclesiástico na esfera do controle dos atos e fatos do estado civil das pessoas, foram reeditadas as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1852[5].

2.4. O Decreto n.º 1.144/1861 – O registro civil para não católicos

Com a revogação das leis brasileiras que tentavam trazer mais organização e laicidade aos registros públicos, a Igreja continuou a fazer a registração civil em seus livros.

Não obstante, o fato é que muita gente ficava fora desse sistema, o que atrapalhava o cotidiano das pessoas, diante da dificuldade de se provar o seu estado.

Em face desta situação, ainda no Império, foi promulgado o Decreto n.º 1.144, de 11 de setembro de 1861, que procurou criar um sistema de registros para indivíduos não católicos.

Em sua minuta, dizia assim a mencionada norma: Faz extensivo os efeitos civis dos casamentos, celebrados na forma das leis do Império, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e determina que sejam regulados os registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e óbitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores de religiões toleradas possam praticar atos que produzam efeitos civis.

Porém, mais uma vez, a própria legislação protelava seu cumprimento, já que dispunha o artigo 2.º do Decreto n.º 1.144/1861 que o Governo deveria regulamentar a execução desses registros e das provas do casamento.

Assim, a primeira lei brasileira sobre registro civil estatal que não foi revogada visava os não católicos e não era autoaplicável, exigindo regulamentação.

2.5. O Decreto n.º 3.069/1863 – Sistema duplo de registração

Como o Decreto 1.144/1861 exigia regulamentação para a implantação do registro civil dos acatólicos em terras brasileiras, somente dois anos depois foi publicado o Decreto 3.069, de 17 de abril de 1863, para regular a inscrição dos casamentos, nascimentos e óbitos das pessoas que professassem religião diferente da do Estado.

Sobre essa normativa, é preciso ressaltar que ela não chegou a implementar um regime estatal de registro dos atos e fatos do estado civil; o que ela procurou regulamentar, na verdade, foi a inscrição desses atos quando realizados perante autoridade não católica.

Dizia o artigo 19 do Decreto que: Para o registro dos casamentos, nascimentos e óbitos, de nacionais, ou estrangeiros não católicos, haverá três livros: um para o dos casamentos, o qual ficará a cargo do Secretário da Câmara Municipal da residência de um dos cônjuges; e dois para o dos nascimentos e óbitos, os quais ficarão a cargo do Escrivão do Juiz de Paz do lugar respectivo, podendo, porém o Governo da Corte, e os Presidentes das Províncias designar o Escrivão, ou Escrivães do Juiz de Paz que desempenhem estas funções, segundo o exigir a população ou as distâncias.

Grande doutrinador dessa época, Lafayette Rodrigues Pereira lecionava sobre essa disputa entre Estado e Igreja, especialmente no que diz respeito ao matrimônio: Não há seita religiosa que não considere o casamento como um fato de sua competência e que não tenha estabelecido para sua celebração um sistema de prescrições. O cristianismo, desde sua formação, chamou à si e o elevou à dignidade de sacramento. Daí os constantes esforços da igreja católica para regulá-lo e subtraí-lo à ação do poder temporal [6].

Assim, naqueles anos, havia dois regimes de registro do estado civil: o paroquial, para os católicos, disciplinado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1852, e o estatal, para os não praticantes da religião oficial, regulado pelo Decreto n.º 1.144/1861 e o Decreto n.º 3.069/1863.

2.6. A Lei n.º 1.829/1870 – O registro civil como estatística

A relatada duplicidade do sistema de registro do estado civil, somada à ausência de dados oficiais sobre a população brasileira, levou o Governo a sancionar a Lei 1.829, de 09 de setembro de 1870, determinando, em primeiro lugar, o recenseamento da população do Império, e, depois, a criação de uma Diretoria Geral de Estatística para organizar os quadros anuais de nascimentos, casamentos e óbitos.

A ideia era tentar trazer mais racionalidade à administração das estatísticas governamentais.

Dispunha assim a lei: Art. 1.º. De dez em dez anos proceder-se-á ao recenseamento da população do Império. Art. 2.º. O Governo organizará o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos, ficando o regulamento, que para esse fim expedir, sujeito à aprovação da Assembléia Geral, na parte que se referir à penalidade e feitos do mesmo registro, e criará na Capital do Império uma Diretoria Geral de Estatística.

Aqui, parece que a ordem legislativa de assunção pelo Estado da função registral era apenas de índole censitária, isto é, de coleta de dados para fins meramente estatísticos.

Porém, de novo, a Lei n.º 1.829/1870 não criava, mas mandava que fossem criados mecanismos de coleta de dados da população, postergando a implantação do registro civil estatal.

2.7. O Decreto n.º 5.604/1874 – Mais uma tentativa de universalização do registro civil

Como mencionado, a Lei n.º 1.829/1870 não criava, mas mandava que fosse instituído um sistema de coleta de dados pelo Governo para fins estatísticos, o que veio a correr somente quatro anos mais tarde.

Com o Decreto n.º 5.604, de 25 de março de 1874, finalmente, editou-se no Brasil o registro civil estatal, laico, para abranger todos os cidadãos brasileiros e não apenas os católicos.

Ao promulgar aludido decreto, escreveu assim o Imperador do Brasil: Hei por bem mandar que, para a execução do art. 2.º da Lei 1.829, de 9 de setembro de 1870, na parte em que estabelece o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos, se observe o Regulamento que com este baixa.

Com efeito, somente em 25 de março de 1874, passados quase 100 anos da Revolução Francesa e 70 a abertura do Brasil para o mundo, foi criado o regulamento do estado civil para abarcar todos os habitantes brasileiros.

Entretanto, mesmo sendo marco importante para o desenvolvimento nacional, apesar de publicada, mais uma vez, a norma não foi executada, isto é, essa legislação não tinha data para começar a vigorar.

2.8. O Decreto n.º 9.886/1888 – Primeira norma de registro civil universal no Brasil a ter vigência

Visto acima que o Decreto n.º 5.604/1874 não tinha data para o início de sua vigência, o Governo, então, resolveu editar o Decreto n.º 9.886, de 07 de março de 1888, revogando o citado Decreto n.º 5.604/1874 e trazendo ao mundo jurídico novo regulamento para execução do artigo 2.º da Lei n.º 1.829/1870, ou seja, para o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos em geral.

Entretanto, outra vez, essa norma não tinha data para entrar em vigor.

Diante desta situação, o Decreto n.º 10.044, de 22 de setembro de 1888 acabou por fixar o dia em que deveria começar a execução do Regulamento do registro civil no Brasil, aprovado pelo Decreto n.º 9.886, de 7 de março de 1888, como sendo 1 de janeiro de 1889.

Assim, como explica Sylvio Brantes de Castro, ficou, a partir de 1.º de janeiro de 1889, a cargo do registro civil a incumbência da prova do nascimento, idade, nome e filiação das pessoas naturais, bem como a circunstância do casamento e do óbito, mesmo quando tais assentos fossem feitos pelas autoridades religiosas[7], abrangendo todos os nacionais, independentemente do credo professado.

Sobre a importância dessa normativa, ensina Galdino Siqueira que os nascimentos de pessoas catholicas occorridos antes de 1.º de Janeiro de 1889 provam-se pelas certidões de baptismo, extrahidas dos livros ecclesiasticos e o das acatholicas pelos assentos do registro regulado pelo Decr. n. 3.069, de 17 de Abril de 1863, no art. 19 (Const. do Acerb da Bahia-Decr. 13 de Julho de 1832, Decr. 18 de 1838, Decr. n. 10044, de 1888). Os óbitos occoridos antes de 1 de Janeiro de 1889 provam-se por certidões extrahidas dos livros dos Cemiterios e dos Hospitais de Misericordia (Decr. n. 706, de 1851, art. 24, Decr. n. 1557, de 1855, art. 64, Decr. 13 de Julho de 1832, Decr. 18 de 11 de Julho de 1838). O dos militares podem ser provados pelas certidões dos livros hospitalares fixos ou ambulantes (Decr, n. 3607, de 1866, art. 4, § 3)[8].

3.O Registro Civil na República – de 1889 ao momento atual

3.1. As primeiras leis de registro civil antes do Código Civil de 1916

A primeira norma sobre universalização do registro civil a ter vigência no Brasil foi o Decreto n.º 9.886, de 07 de março de 1888, em 01 de janeiro de 1889.

Posteriormente, com a proclamação da República, a ideia principal dos revolucionários era separar o Estado da Igreja.

Exemplo lei muito importante neste sentido a atingir o registro civil foi o Decreto n.º 181, de 24 de janeiro de 1890, que promulgava a lei sobre o casamento civil. O nascimento, casamento e óbito já eram registrados por autoridade estatal, mas, ainda havia o matrimônio religioso a produzir efeitos, o que incomodava os republicanos.

O Decreto, em suma, queria apenas retirar da Igreja a função de coletada de dados do estado civil. Não que a população não pudesse continuar a fazer os atos perante autoridade religiosa, mas tais registros não teriam mais efeitos jurídicos, deixando de valer como prova pré-constituída do estado civil das pessoas naturais.

Sobre as transformações da época e o medo que isto representava, o Padre J. A. M. Loreto assim dizia: Nada mais caracterestico da desorganisação porque vão passando nos presentes dias os mais altos interesses da nação, do que o decreto n. 181 de 24 de Janeiro de 1890, que estabeleceu o casamento civil[9].

Destarte, até a edição do Decreto n.º 4.827/1924, o registro civil ficou disciplinado pelo Decreto n.º 9.886/1888, assim como pelo Código Civil de 1916 e demais legislação correlata.

3.2. As leis de registro civil após o Código Civil de 1916

Com a codificação do Direito Civil em 1916, visando regulamentar o registro civil, foi editado o Decreto n.º 4.827, de 7 de fevereiro de 1924, sendo a primeira norma a aglutinar, numa único texto, todo o sistema registral do Brasil.

Dispunha assim o artigo 1.º do Decreto: Os registros públicos instituídos pelo Código Civil, para autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos ou tão somente para seus efeitos com relação a terceiros, compreendem: I- o registro civil das pessoas naturais; II- o registro civil das pessoas jurídicas; II- o registro de títulos e documentos; IV- o registro de imóveis; V- o registro da propriedade literária, científica e artística.

Posteriormente, o Decreto n.º 18.542, de 24 de dezembro de 1928, consolidando as normas de registros, aprovou o regulamento dos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil da época.

A partir deste ponto, as demais legislações de registro civil – Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939 e a Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, de Registros Públicos – vêm sendo estruturadas da mesma forma: consolidação em diploma único das normas de todos os ramos de Direito Registral.

Ainda, muitas outras leis concernentes a situações de estado civil foram promulgadas no decorrer dos anos 1900, mas, em linhas gerais, pouca evolução ocorreu desde então.

4.Conclusão

Analisando a legislação brasileira sobre registro civil do século XIX, é possível observar que neste período houve inúmeras tentativas, por parte do Governo, de criar um sistema de coleta dos dados da população e que esta ideia foi adiada inúmeras vezes.

A primeira tentativa de criar um registro civil nacional, que se deu com o Decreto n.º 798/1851, que regulamentava a Lei Orçamentária n.º 586/1850, foi violentamente impedida pela população que, apavorada, pensava que seria escravizada.

Posteriormente, numa nova tentativa de criar um sistema nacional de registros e visando não atingir interesses da Igreja, foi editado o Decreto n.º 1.144/1861, regulamentado pelo Decreto 3.069/1863, alcançando apenas os não católicos. Desta forma, ficavam preservados os registros eclesiásticos, para os católicos, e instituía-se o estatal, para os não praticantes da religião oficial.

Porém, o Estado ainda carecia de um sistema fidedigno de coleta de informações de sua população, que não era bem proporcionado pelo sistema da dupla registração.

Diante disto, com a Lei n.º 1.829/1870, regulamentada pelo Decreto n.º 5.604/1874, outras vez, tentou-se unificar a registração do estado civil no Brasil.

Entretanto, por questões políticas, tais normas eram sancionadas e publicadas, mas não tinham data para o início de sua vigência, sempre postergando a implantação definitiva de registro civil no Brasil.

Essa situação perdurou até a edição do Decreto n.º 9.886/1888, que revogou o Decreto 5.604/1874 e regulou a Lei n.º 1.829/1870, instalado, permanentemente, o registro dos nascimentos, casamentos e óbitos em geral, em 01 de janeiro de 1889.

Posteriormente, já na República e consolidado o registro civil como instituição de Estado, o Decreto n.º 181/1890 veio regular o casamento civil, até a edição do Código Civil de 1916.

Após a Codificação de 16, foram editados o Decreto n.º 4.827/1924, o Decreto n.º 18.542/1928, o Decreto n.º 4.857/1939 e a Lei 6.015/1973 sobre Registros Públicos, normas estas que pouca evolução trouxeram à registração do estado civil.

Concluindo, é possível dizer que a instalação do sistema estatal de registro civil das pessoas naturais no Brasil foi muito difícil, pois enfrentou grandes interesses de poderosas instituições.

5.Referências bibliografias

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LORETO, Padre J. A. M. Guia Prático do Decreto do Casamento Civil. Rio de Janeiro: Typ. Do Apostolo, 1890.

MESQUITA, Euclides. O Registro Civil da Pessoa Natural no Direito Brasileiro. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/download/6607/ 4726>. Acesso em: 01-06-2016.

MOURA, Mario de Assis. Manual dos Escrivães do Civel – Theoria e Pratica. São Paulo: Saraiva, 1934.

PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de Família. In: Coleção História do Direito Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2004.

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SANTIAGO, Emerson. Revolta do Ronco da Abelha. Disponível em <http://www.infoescola.com/ brasil-imperial/revolta-do-ronco-da-abelha/>. Acesso em: 10-10-2016.

SANTOS, Plínio Travassos dos. Registro Civil das Pessoas Naturaes. Comentários e Annotações ao Decreto 18.542, de 1928; ao Código Civil (Casamento Civil); a à Lei n.º 379, de 1937 (Casamento Religioso). Ribeirão Preto: Livraria Vallada, 1937.

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VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Edições do Senado Federal, vol. 79. Brasília: Senado Federal, 2011.

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[1] Ocorrida no ano 380 d.C. por ordem do imperador Teodósio I, através do Edito de Tessalônica.

[2] O Iluminismo foi um movimento de ideias que teve origem no século XVII e se desenvolveu especialmente no século XVIII. Essa denominação se deve ao fato de seus impulsionadores, os filósofos iluministas, verem a si mesmos como militantes da luta da razão, a “luz”, contra a tradição cultural e institucional, as “trevas”. BRAICK, Patrícia Ramos. MOTA, Myriam Becho. História – das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Modena, 2007. p. 315.

[3]Cominciò pertanto a farsi strada l´idea che i diritti derivanti dalle nascite, dai matrimoni e dalle morti sorgono, si modificano, si trasmettono o si estinguono indipendentemente dalla religione professata dai singoli e che, conseguentemente, è lo Stato a dover provvedere in via diretta alla constatazione ai fini giuridici di tali eventi mediante propri organi, costituendo la materia per sua propria natura una attribuizone del potere civile e non del potere religioso, a cui pertanto non poteva più essere affidata. SARNO, Donato. Storia dei Registri dello Stato Civile. Maletica: Halley Editrice, 2010. P. 40.

 [4] Constituição Francesa de 1791, Titulo II, 7: La ley considera el matrimonio como un contrato civil. – El Poder legislativo establecerá para todos los habitantes, sin distinción, el modo en que se acreditarán los nacimientos, matrimonios y fallecimientos; designará los oficiales públicos que recibirán y conservarán las actas. Disponível em <http://www.ieslasmusas.org/geohistoria /constiticionfrancesa 1791.pdf.> Acesso em: 10/10/2016.

[5] VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Edições do Senado Federal, vol. 79. Brasília: Senado Federal, 2011.

[6]PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de Família. In: Coleção História do Direito Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2004.p. 31.

[7] CASTRO, Sylvio Brantes de. Manual dos Oficiais do Registro Civil. São Paulo: Ed. Brasil Editora S.A, 1953. p. 15.

[8] SIQUEIRA, Galdino. O Estado Civil. Nascimentos, Casamentos e Obitos. Theoria e Pratica. São Paulo e Rio de Janeiro: Livraria Magalhães, 1911. p. 34.

[9] LORETO, Padre J. A. M. Guia Prático do Decreto do Casamento Civil. Rio de Janeiro: Typ. Do Apostolo, 1890. p. 5.

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** Marcelo Gonçalves Tiziani é Oficial de RCPN e Tabelião de Notas de Tuiuti/SP.

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Artigo: Presunção pater is na união estável – Por Vitor Frederico Kümpel e Ana Laura Pereira Pongeluppi


*Vitor Frederico Kümpel e Ana Laura Pereira Pongeluppi

Questão extremamente complexa e que sempre causou discussão acadêmica acirrada diz respeito à efetividade do princípio da isonomia entre os filhos nas relações de casamento e de união estável. Não obstante a Constituição Federal estabelece de forma categórica que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”1, tão consagrada isonomia só se estabelecia a partir do ato de reconhecimento da pessoa na qualidade de filho.

Isso porque, até o referido reconhecimento, somente os filhos do casamento gozavam de maior proteção2, na medida em que incidia sobre estes a presunção pater is3. Isso significa dizer que os filhos decorrentes das “justas núpcias” podiam ser registrados em nome do pai ou da mãe, bastando para tal que a mãe apresentasse perante o registrador civil a certidão de casamento, à luz do artigo 1.597, incisos I a V do Código Civil4.

Muito embora o registrador civil não questione sobre a origem da filiação, o artigo 1.597 do Código, que instrumentaliza a presunção pater is, mantinha um histórico dediscriminem dos filhos do casamento para os filhos fora do casamento, tanto que o próprio Código Civil subdivide os filhos do casamento – nos artigos 1.596 a 1.606 do Código Civil – e os filhos fora do casamento, no Capítulo denominado “Do Reconhecimento dos Filhos”, artigos 1.607 a 1.617 do Código Civil.

Historicamente, os filhos do casamento eram chamados de legítimos ou advindos das justas nupciais5, e a eles eram conferidos todos os direitos (alimentos e sucessão) com exclusividade. Os filhos fora do casamento eram subdivididos em naturais (aqueles cujos pais não têm impedimento) e espúrios (aqueles cujos pais estão impedidos de casar), esses últimos divididos em adulterinos e incestuosos6. Os filhos fora do casamento passaram a gozar de alguns direitos ao longo do tempo.

Com o advento do provimento 52 de 14 de março de 2016, a Corregedoria Nacional de Justiça no artigo 1º, § 1º, estabeleceu que os pais em união estável poderão se valer da presunção pater is nos mesmo moldes que no casamento, ou seja, podendo qualquer um deles comparecer no registro civil munido da Declaração de Nascido Vivo (DNV), escritura pública de união estável, ou sentença em que esta foi reconhecida, lavrando o assento em nome de ambos os genitores7.

Antes do referido provimento do CNJ, caso a mãe comparecesse no Ofício de Registro Civil ou mesmo junto à maternidade e apresentasse uma escritura de união estável ou uma sentença reconhecendo a referida união, só seria possível o registro completo do assento de nascimento, com o nome do pai e dos avós paternos, caso houvesse reconhecimento expresso do genitor, sendo inimaginável a presunção pater is.

Muito embora a presunção aplicada à união estável esteja em total consonância com o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal8, é importante deixar claro que tal medida jamais poderia vir de decisão administrativa, sendo absolutamente imprescindível previsão legal acerca da referida matéria. Ademais, é bom deixar claro que o Provimento estende a presunção pater is à união estável de forma extremamente singela e sem considerar uma série de questões relevantíssimas.

A primeira questão diz respeito ao documento que gera presunção de paternidade. No caso do casamento, a presunção decorre da certidão de casamento e apenas a partir do 180º dia da celebração das bodas matrimoniais. No caso da união estável nada é dito. Por absurdo, seria possível a lavratura da escritura pública na véspera do nascimento obrigando o registrador civil a reconhecer a presunção da união estável, posto que o Provimento nada mencionou sobre o prazo da lavratura da escritura ou da decisão judicial.

Se a aplicação é analógica, é óbvio que a escritura pública e a sentença não podem reconhecer a união estável num período anterior a 180 dias para fins de filiação. Tratando-se de sentença declaratória de união estável, poderia o juiz fixar o início da relação, lembrando que o tabelião, por força de sua cognição exaurida, pode até declarar um início da relação, porém, sem ter condições de verificar o seu efetivo termo inicial. Isso significa que ainda que a escritura pública estabeleça determinado prazo de união, o registrador civil deve reconhecer a presunção a partir do 180º dia da lavratura do ato notarial, independentemente do ali consignado, sob pena de conferir mais direitos do que no casamento, o que por si só é uma bizarrice inaceitável.

Outra discussão bastante séria é a da necessidade da lavratura da escritura pública para o reconhecimento da união estável com a finalidade de gerar presunção pater is, na medida em que não há lei a exigir tamanho rigor ao reconhecimento de união estável, que, aliás, é uma união livre, totalmente informal.

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo9 mantiveram referido rigor para fins de presunção pater is, mas abrandaram o rigor da escritura pública, admitindo instrumento particular no caso de prova de doação de gametas ou gestação por substituição. Por que não é possível um instrumento particular com firma reconhecida para fins de presunção pater is?

Aliás, a escritura pública em matéria de união estável já era exigida para transcrição da referida união no livro E, o que também era incompreensível. Muito embora louvável a posição da Corregedoria Nacional na concessão de direitos, não parece razoável tamanho ativismo judicial, principalmente no plano administrativo.

As questões todas são extremamente complexas, porém uma coisa é fato: a união estável que nasceu livre e informal, sendo uma entidade familiar que deveria resguardar direitos, sendo opção para aqueles que não tivesse vontade ou interesse de se casar, passa, contudo, a ter contornos rígidos, sendo tão ou mais litúrgica do que o casamento, gerando quase exatamente os mesmos efeitos, fazendo exigir da sociedade alternância para outros modelos familiares que possam vir a estabelecer outros tipos de relações jurídicas mais informais. Tudo isso serve apenas para uma reflexão.

Sejam felizes, até o próximo Registralhas!

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1 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

2 “A paternidade, porém, é, por sua natureza, occulta e incerta; e, pois, não pode ser firmada em prova directa, como a maternidade. D’hai a necessidade de funda-la em uma probabilidade que a lei eleva á cathegoria de presumpção legal”. In PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de Família. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça: Editora Fac-similar, 2004, p. 219

3 Do direito romano, “pater is est quem justae nuptiae demonstrant”, em tradução livre, “é o pai aqueles que demonstrou viver em justas núpcias”.

4 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, 22ª ed., São Paulo: Saraiva 2006, p.11

6 LUCHESE, Mafalda. Filhos – Evolução até a plena igualdade jurídica in Série Aperfeiçoamento de Magistrados. 10 Anos do Código Civil – Aplicação, Acertos, Desacertos e Novos Rumos Volume I, p. 232.

7 Art. 1º O assento de nascimento dos filhos havidos por assistida, será inscrito no livro “A”, independentemente de prévia observada a legislação em vigor, no que for pertinente, mediante o comparecimento de ambos os pais, seja o casal heteroafetivo ou homoafetivo. munidos da documentação exigida por este provimento.

§ 1o. Se os pais forem casados ou conviverem em união estável, poderá somente um deles comparecer no ato de registro, desde que apresentado o termo referido no art. 2o. § 1o. inciso III deste Provimento.

8 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

9 Capítulo XVII das NGSCGJ de São Paula, Subseção I ‘Do Nascimento decorrente de Reprodução Assistida’, item 42-B, diz que “No caso de doação de gametas ou embriões por terceiros; gestação por substituição (“barriga de aluguel”); e inseminação artificial homóloga post mortem, é indispensável, para fins de registro, a declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada e se comprometendo a manter, de forma permanente, registro com dados clínicos, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos eventuais doadores de gametas ou embriões”.

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*Vitor Frederico Kümpel é juiz de Direito em São Paulo e doutor em Direito pela USP.

Fonte: Migalhas | 20/09/2016.

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