Artigo: Todos são chamados – Por Renato Nalini

* Renato Nalini

Quando o Brasil enfrenta uma judicialização doentia – mais de 100 milhões de processos em curso pelos quase 100 Tribunais – todos os brasileiros são chamados a refletir sobre essa patologia. O remédio usual e dispendioso é criar mais cargos e mais estruturas. O equipamento Justiça já custa muito ao povo. Em tempos de contenção, imposta pela dramática situação econômico-financeira, não há espaço para maiores dispêndios. Orçamentos cronicamente insuficientes não comportam novos impactos. Por isso, é urgente inovar.

A Corregedoria Geral da Justiça já previra em 2012/2013 o advento de tempos nebulosos. Além de outras iniciativas, editou o Provimento 17/2013, que institucionalizou a conciliação em serventia extrajudicial. Os notários e registradores já cumprem essa missão por dever de ofício. Se a missão tabelioa, principalmente, é formalizar juridicamente a vontade das partes e se estas quiserem fazer um ajuste legítimo de seus interesses, é obrigação do notário formalizar e dar fé pública ao ato.

Pois o Provimento 17/2013 foi neutralizado no CNJ, por decisão monocrática e não houve deliberação em Plenário para que ele pudesse surtir seus efeitos. Quem perde é o povo. Outra iniciativa meritória é o NECRIM. Núcleo Especial Criminal instituído pela Polícia Civil em Lins. Inaugurado em março de 2010, as conciliações superaram as melhores expectativas. Foram superiores a 86% nos últimos cinco anos e em 2013 e 2014, atingiram 91% de casos solucionados.

O Delegado de Polícia é a autoridade que atende a uma grande coleção de pequenos entreveros. Brigas domésticas, de vizinhança, de trânsito e outras. Sua função o predispõe a um desempenho voltado à pacificação. Se a Polícia já executa esse papel, por que não permitir que o faça de maneira institucionalizada?

O Provimento 17/2013 e o NECRIM são dois exemplos de criatividade e inovação que merecem aplauso da população e não podem ser coartados por resistência da reserva de mercado ou de um conservadorismo na contramão das necessidades de um Brasil impregnado de crises.

Menos preconceito, menos monopólio funcional, mais espírito público e pensamento/ação voltados à resolução de problemas, não à criação de novos entraves ao desenvolvimento da Democracia.

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JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br.

Fonte: Blog do Renato Nalini | 27/03/2015.

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Artigo: RENÚNCIA DE HERANÇA POR MANDATÁRIO – Por José Hildor Leal

* José Hildor Leal

É possível a renúncia de herança por mandatário?

Sim, se o mandato for instrumentalizado pela forma pública, por tabelião de notas.

Não, se a procuração for particular, ainda que traga a firma do mandante reconhecida por autenticidade.

Embora comum, na praxe advocatícia, a utilização de procuração particular para fins de inventário, concedendo poderes ao profissional inclusive para renunciar à herança, a forma não se presta para tal fim, conforme já decidiu o STJ (REsp 1236671).

A renúncia somente pode ser feita por escritura pública, hipótese em que o mandatário necessariamente terá que ter sido constituído pela mesma forma pública, ou por termo nos autos do inventário, para o que se exige igualmente a procuração pública.

Então, sendo constituído por instrumento público, é possível a renúncia de herança por mandatário?

Sim, se o mandato tiver sido outorgado especificamente para fins de renúncia, sem conter outros poderes em seu bojo.

Não, quando a procuração concede poderes para a renúncia e ao mesmo tempo para representar o outorgante no inventário, ou fazer cessão dos direitos, o que significa aceitação, não mais comportando renúncia.

A procuração para fins de renúncia de herança necessita ser específica para o ato, exclusivamente para o ato, pena de ser desnaturada em sua origem.

Então, finalmente, é possível a renúncia de herança por mandatário, desde que constituído por instrumento público, com poderes específicos e expressos para o fim?

Sim, se a procuração tiver sido outorgada depois do falecimento do autor da herança, uma vez que pelo princípio da saisine a herança somente se transmite aos herdeiros no exato momento da morte, nunca antes.

Não, se a outorga da procuração tiver precedido a morte do autor da herança, porque a lei veda a chamada pacta corvina.

E se a lei proíbe a renúncia da herança de pessoa viva, por certo restam sem eficácia os atos precedentes à renúncia, como procuração, até por que depois da morte do autor da herança o renunciante terá que estar vivo, e para o que se exigirá a comprovação de vida, quer pela aceitação, quer mesmo pela renúncia, pessoal ou por procurador constituído após a morte que desencadeou a sucessão, pena de não valer.

O art. 426 do Código Civil brasileiro é taxativo: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. E a procuração é o instrumento do contrato de mandato.

Por isso, é no mínimo temerário que o tabelião dê curso em suas notas a mandato público que objetive a renúncia de herança de pessoa viva, por que se o fim é ilegal, por não haver herança de pessoa viva, o meio restará viciado, e inócuo, portanto.

Fonte: Notariado | 30/03/2015.

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Artigo: Incapacidade Civil X Capacidade Civil – Por Mary Jane Lessa

* Mary Jane Lessa

Esta semana dei uma entrevista á rádio regional sobre o dia Internacional da Síndrome de Down. Convidaram-me por ser mãe de um rapaz de quase 15 anos que é Down, e também por ser conselheira de uma Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Especiais – Afago.

Então, comecei a pensar a respeito da função notarial e registral em meio a realidade que esses indivíduos enfrentam, quanto as leis de inclusão e demais leis que ora beneficiam, ora omitem algum de seus direitos.

No dia 21 de março foi comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down  em diversos países, vez que esta data passou a fazer parte do calendário oficial de 193 países membros das Nações Unidas – ONU. Sendo escolhido o dia (21), pela Associação internacional Down Syndrome International, em alusão aos três cromossomos no par de número 21 (21/3) que as pessoas com síndrome de Down possuem.

Apesar da confirmação e desmistificação que atribui à Síndrome de Down, haja vista que há muitos anos a mesma já não é considerada uma doença, mas uma ocorrência genética natural, presente na humanidade. As suas características e/ou efeitos variam enormemente de pessoa para pessoa, comprometendo o desenvolvimento intelectual do indivíduo, que através de amigos ou familiares, profissionais multidisciplinares, têm-se rompido muitas barreiras em todo o planeta, e atualmente convivemos com pessoas com Síndrome de Down que moram sozinhas, trabalham, elegem candidatos pois, votam, casam-se, vão à universidade e graduam-se.

Então, relembrei-me de quando lavrei uma escritura de um divorcio extrajudicial, onde uma das partes era uma mulher com síndrome de down, em pleno gozo de suas faculdades mentais, alfabetizada e muito questionadora. Chamou-me atenção. Na época, a situação jurídica era nova, e na minha inexperiência, para minha segurança como notaria, solicitei ao seu advogado um laudo médico que a atestasse como pessoa capaz, entendendo que a qualquer momento poderia ser questionado a veracidade daquele instrumento de vontade e/ou tornar-lo nulo.

Ainda que, o primeiro artigo do Código Civil brasileiro atribua a todas as pessoas a capacidade, de direitos e deveres na ordem civil, e com isso, declaramos que no direito brasileiro inexiste incapacidade de direito, porque ao nascer, toda pessoa torna-se capaz de adquirir direitos ou gozar destes direitos, já que todo ente dotado de personalidade, ou seja, pessoa, tem capacidade.

Então, retornado ao artigo 4º do Código Civil que distingue como relativamente incapaz: I – os maiores de 16 e menores de 18 anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e IV – os pródigos.

Valho-me do questionamento seguinte: Se a capacidade é regra plena, e incapacidade cessa quando inexistem ou desaparecem as causas que a determinaram. O indivíduo maior de 18 anos é capaz, pois presume-se que o mesmo tenha atingido um desenvolvimento intelectual, econômico, ainda que seja portador da síndrome de down, desde que tenha pleno discernimento de suas faculdades mentais, ainda que intelectualmente lento. Este não precisaria provar sua capacidade, pois esta dependeria de interdição. Todavia em alguns casos, nós Tabeliões, ao notarmos ausência de discernimento ou incapacidade mental para lavratura dos atos, negamos.

E se ao nascer, com a vida, o indivíduo torna-se apto a adquirir direitos e deveres na ordem civil, recebendo a chamada personalidade jurídica, teremos como Notários que salvaguardar esses direitos, observando apenas alguns casos, que devido a um estado precário de saúde ou deficiência nítida em seu desenvolvimento, como acima relato, são considerados incapazes para realizar por conta própria os atos da vida civil, recebendo do ordenamento jurídico proteção, a fim de evitar danos a seu patrimônio etc., bem como a sua dignidade da pessoa humana.

Nesta classe do ao artigo 4º,  Ins. III,  do Código Civil, em que se enquadram os surdos-mudos, excepcionais, também estão alojados os indivíduos com Síndrome de Down, que sujeitos a tutela e curatela, podem ser assistidos em seus atos da vida jurídica, e quando condicionados entre os relativamente incapazes, seus negócios e atos jurídicos praticados sem a presença ou aquiescência do representante legal são  passíveis de anulação. O que somente os atos praticados por tais incapazes interditados, tornam-se nulos.

Ao meu entender, a capacidade civil determinada pela legislação às pessoas denominadas “excepcionais” que trata o referido artigo, nos seus direitos humanos e nos de personalidade jurídica, não é satisfatória, tendo em vista que desrespeita sua autodeterminação, ao considerar a presunção estabelecida que este seja relativamente incapaz de gerenciar seus bens, todavia não é incapaz para tomar decisões como votar, casar-se ou ter filhos. Daí, a incapacidade por deficiência, abrange as barreiras sociais, tanto quanto a visão médica do indivíduo considerado “deficiente”, variando entre a qualificação de seu comprometimento intelectual ou desenvolvimento mental para atos na vida civil.

Este tema deveria ser abordado com maior clareza entre os legisladores e juristas brasileiros, a fim de que a inclusão social das pessoas com necessidades especiais fossem identificadas de forma mais condizentes a atualidade,  desmaterializando o preconceito. Pois a maior diferença da incapacidade do individuo em exercer atos na vida civil, está no fato de que, os incapazes absolutamente não podem atuar diretamente, devendo ser representados, já os relativamente incapazes, podem exercer atos na vida civil, desde que com assistência, pois correm o risco destes serem anulados.

Fonte: Notariado | 24/03/2015.

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