Artigo: Os Matronímicos – Por: Jones Figueiredo

JONES FIGUEIRÊDO ALVES

Sérgio Marinho Falcão, quando Juiz de Direito da 2ª Vara de Família da Comarca do Recife, ofereceu importante reflexão sobre a adoção do nome de família do cônjuge, pelo casamento. O tema posto em questão aparenta singeleza mas o tratamento a seu respeito ganha especial relevo, por não ser amplamente conhecido pelos nubentes, como destinatários da ordem jurídica.

Disse ele, em estudo da questão: “O Código Civil, em seu art.1.565, º 1º, assegura o direito a qualquer dos cônjuges a, pelo casamento, acrescer ao seu o sobrenome do outro. Todavia, ante a redação dada ao texto legal, dois aspectos são carecedores de uma reflexão amiúde, a saber: (i) poderiam os cônjuges, cada um acrescer aos seus, o nome de família do outro, ou a apenas a um deles resta garantido esse direito? (ii) para efetivarem essa opção, seria necessário suprimir dos seus, o matronímico, como soe acontecer em nosso País?
 
Entendemos, em relação à primeira questão, ser perfeitamente viável que ambos os nubentes adotem, cada um, o nome de família do outro, posto que não há qualquer dispositivo na lei que contrarie ou proíba tal posicionamento. E no respeitante à segunda, nenhum dispositivo legal prevê a supressão do matronímico, haja vista que a lei refere a acrescer, ou seja, adotar, tão-somente”.
 
De saída, entenda-se para uma melhor compreensão conceitual o significado de “matronímico”. O vocábulo, oriundo do latim “mater” (“mãe”) e do grego antigo “?íïìá” (“nome”) e um nome ou apelido de família (“sobrenome”), cuja origem-se encontra-se no nome da mãe ou de um ancestral do genero feminino. É, pois, o nome da mãe. Fácil observar, daí, que a mulher ao casar e em adquirindo os apelidos do marido, por acréscimo (como faculdade ditada pelo parágrafo 1º do artigo 1.565 do Código Civil) ao tempo desse novo momento registral, suprime ao seu nome como mulher casada, o matronimico de origem, correspondendo à sua ascendência linear materna; mantendo apenas os sinais da família de origem paternal.
 
Outro fato tem o mesmo cariz, quando o genitor ao dar a registro o nascimento do filho, contempla apenas seu patrinomíco, sem aditar ao nome do infante o matronimico correspondente, nos assentamentos de origem. Bem é certo observar quantas pessoas se acham registradas, sem menção aos apelidos de família de sua geratriz, ou seja, à sua origem familiar materna, com prejuizo notável à sua perfeita identidade pessoal e aos estudos genealogicos.
 
As diretivas de reflexão apostas por aquele magistrado continuam muito presenciais na jurisprudência. No caso, cumpre considera-las, com os destaques seguintes: (i) O acréscimo recíproco dos apelidos conjugais, como permuta nominal dos patronimicos, exsurge como um problema de segurança jurídica, em multiplos aspectos. Imagine-se o cônjuge varão casar sucessivas vezes, adquirindo com essa opção diferentes identidades ao longo de sua existência.
 
(ii) a manutenção dos matronímicos ou a sua inclusão posterior, sem prazo decadencial, é saudável, para além de constituir inequívoco direito da personalidade. Acórdão paradigmático, de extrema valia, indica a um só tempo, duas situações relevantes: (a) o direito de acréscimo quando do registro do nascimento apenas o sobrenome do pai havia sido registrado e, (b) mais ainda, tornar admissível a alteração no registro de nascimento do filho para a averbação do nome de sua mãe que, após a separação judicial, voltou a usar o nome de solteira; o que para tanto, devem ser preenchidos dois requisitos: (i) justo motivo; (ii) inexistência de prejuízos para terceiros.(STJ. — 3ª Turma – REsp 1.069.864/DF. Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03/02/2009).
 
Aliás, a inclusão do sobrenome materno omitido no assento não implica em alteração do nome, apenas suprimento; a tanto instruído o pedido nos termos do 109 Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos). No mais, o suporte legal está no art. 56, da reportada lei registral.
 
Mas não é só. Podem ser perspectivadas, verdades axiomáticas, embora sem aplicação prática: (i) Inexiste obrigatoriedade legal de o apelido final, na composição do nome, pertencer ao genitor, como de costume. Nada impede que o sobrenome materno (matronímico) venha por último, quando do registro de nascimento, a exemplo da tradição das sociedades culturalmente matrilineares. (ii) não é vedada solução bastante criativa: filhos terão ao final o patronímico (nome do pai); filhas, por sua vez, o matronímico pertencente à mãe (iii) O matronímico deve acompanhar a nubente, como vinculo parental matrilinear indelével. Cumpre pensar, pois, que o matronímico é o santuário onde a pessoa pode ali celebrar a sua própria gênese.
 
* O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), onde coordena a Comissão de Magistratura de Família

Fonte: Notariado – Jornal Diário de Pernambuco – PE | 22/12/2014.

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Artigo 1.015 do Código Civil e a venda de bens – Por José Flávio Bueno Fischer

José Flávio Bueno Fischer

O Artigo 1.015 do Código Civil e a venda ou oneração de bens da sociedade limitada

O exame dos atos constitutivos das pessoas jurídicas é um procedimento frequente e indispensável em nossas atividades. Daí entramos num universo controverso, considerando-se a diversidade e, muitas vezes, a falta de utilização de critérios, quando não a contradição entre dois dispositivos, no que tange à redação das cláusulas de tais instrumentos, notadamente as que se referem à administração e representação legal da empresa.

No âmbito dos atos que praticamos e na seara do que prevê o texto legal, dispõe o Art. 1.015 do Código Civil, “caput”: “No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir”.

Portanto, os administradores podem praticar todos os atos relativos à gestão e administração da sociedade, porém, como regra, a alienação e a oneração de imóveis não constituem atos de mera gestão, dependendo, então, para a sua prática, da decisão da maioria dos sócios. Do contrário, caso estiverem elencados como sendo atos de gestão ou dentro do objeto social da sociedade, aí então os administradores poderão praticá-los independentemente da autorização da maioria dos sócios, salvo se o contrato social dispuser diferentemente em relação à essa matéria (1).

Via de regra, a venda ou oneração de bens imóveis implica em negociações de valor econômico considerável, representando importante movimentação no patrimônio da empresa. Porém, muitas vezes, a venda ou oneração de bens móveis também gera tais implicações, e, muito embora o texto legal em exame se refira expressa e exclusivamente a “bens imóveis”, quando a venda ou oneração de bens móveis não constitui objeto social ou ato de gestão, a análise dos dispositivos contratuais de administração deve se pautar por critérios semelhantes àqueles aplicados aos imóveis, senão adotando-se também a decisão da maioria dos sócios.

Nesse contexto, reproduzimos parecer de Almir Garcia Fernandes, contido em material adiante citado (2), ao tratar do disposto no Art. 1.015: “A intenção do legislador é nítida em estabelecer proteção ao patrimônio imóvel do empresário. Percebe-se que tal preocupação é fruto de uma concepção de que os bens imóveis são aqueles que revestem de maior importância econômica, face ao seu elevado valor. Entretanto, tal proteção legislativa não está de acordo com a transformação pela qual o universo empresarial vem passando nos últimos tempos. A importância dos bens móveis de grande valor e dos bens incorpóreos tem se tornado extremamente relevante ao empresário”… “…Veja o exemplo da marca “coca-cola”, cujo valor não se iguala a qualquer bem imóvel que a empresa possua”.

Percebe-se, pois, que devemos estar atentos à essas particularidades do universo empresarial quando praticamos atos envolvendo empresas.         

Muito embora na lavratura de escrituras públicas a incidência quase maciça seja de venda ou oneração de imóveis, no dia a dia do reconhecimento de firmas é frequente, por exemplo, a prática de atos de venda de veículos pelas empresas. Nesses casos, precisamos nos pautar sempre pelo que dispõe o contrato social quanto ao objeto, pelos poderes atribuídos ao(s) administrador(es) e, se for o caso, pela autorização da maioria dos sócios, em consonância com o previsto na lei.

O Parágrafo único do Art. 1.015, por sua vez, trata do excesso por parte dos administradores, no âmbito de suas competências, elencando as hipóteses nas quais esse excesso pode ser oposto a terceiros. São elas: “I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

Pela leitura dos dispositivos citados, percebe-se a indispensabilidade do exame do objeto social e dos poderes de administração diante do ato que pretende praticar o administrador. Para uma empresa, por exemplo, que comercializa vestuário e acessórios, cujo contrato seja silente em relação à venda ou oneração de bens, a venda de um imóvel ou mesmo de um veículo excede os meros poderes de gestão, não constituindo objeto social.

Certo é que a casuística é nossa companheira diária, também nessa esfera, e que o exame de cada situação deverá nortear nossas ações sempre. Faz-se fundamental avaliar o contrato, o contexto, a lei e a orientação dos Tribunais, nunca abandonando o bom senso e a cautela.

E quando nós formos os redatores e autores dos atos constitutivos de sociedades, que aproveitemos a oportunidade para imprimir aos textos uma redação clara, precisa e concisa, notadamente no que se refere à administração e representação legal da empresa, facilitando a vida dos sócios e administradores e também a nossa, quando no futuro praticarmos atos envolvendo essas pessoas jurídicas.

Por fim, o presente texto tem apenas a intenção de trazer à pauta esse assunto, especialmente no que tange à aplicabilidade prática, em nosso dia a dia, do disposto no Artigo 1.015, porque temos plena ciência de que o universo empresarial (suas implicações e legislação aplicável) constitui-se de matéria vasta, complexa e dinâmica, merecendo especial e constante estudo e atenção.

__________________

1 – JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. ed., rev., ampl. e atual, até 12.07.2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

2 – FERNANDES, Almir Garcia. Alienação de Bens da Sociedade Limitada e Autorização dos Sócios. Disponível em

http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0829424ffa0d3a25. Acesso em 17 dez. 2014.

Fonte: Notariado | 18/12/2014.

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Artigo: ISS. Não entendi.E agora? Quem poderá esclarecer? – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

* Marco Antonio de Oliveira Camargo

ISS e cartórios. Não entendi a Lei nova! E agora? Quem poderá me esclarecer? 

Eu!… O anti-herói, colunista!  O escritor sem talento se propõe a tanto. Não contavam com tal petulância! (*)  Este artigo não tem relação alguma com Roberto Bolaños e seu famoso personagem de ficção televisiva, o tema é mesmo o ISS e os cartórios paulistas.

A Lei Estadual paulista nº 15600,  por meio da inclusão de um parágrafo no texto original de norma em vigor, buscou aperfeiçoar o sistema de cobrança e repartição dos valores devidos pela prática de atos notarias e de registro no Estado de São Paulo. Na prática, esta lei deverá representar uma forma de regulamento para a cobrança de ISS pelos serviços prestados pelos cartórios paulistas, mas seu texto necessita alguma análise.

A primeira conclusão que se impõe é que, apesar de constar do texto legal que sua vigência seria imediata após a publicação, de fato, por tratar-se de norma com caráter tributário, seu início de vigência deverá sujeitar-se a uma noventena, exatamente conforme o disposto no artigo 150, III, “c”  da Constutiução Federal (redação pela E.C.42/2003), a vigência, portanto, somente deverá ocorre em 13 de março de 2015, ou seja, 90 dias após a publicação oficial

Tal ressalva, diga-se a bem da verdade, foi feita logo no primeiro momento de divulgação interna da nova lei pelo nosso colega José Carlos Alves, presidente no Instituto de Protestos de São Paulo, a quem devemos gratidão pelo prudente aviso. Evidente que nosso primeiro impulso, como tabeliães e registradores sujeitos à incidência do ISS, seria começar imediatamente a transferir o ônus do pagamento deste imposto para nossos usuários e isso, poderia nos causar problemas.

Alguns colegas relutaram em aceitar este fato por entender que o imposto já existe e é cobrado há muito mais do que 90 dias e que, portanto, não existiria motivo para aplicação daquela regra constitucional.  Entretanto, a lei nova não trata do imposto em si, mas dos emolumentos cobrados pelo serviço público delegado, valor considerado pela melhor doutrina como tendo a natureza de taxa e que, portanto, ao ter seu custo majorado, deve se sujeitar a um prazo de adaptação social.

A PROPOSTA E A TRAMITAÇÃO DA LEI

Esta lei nova, datada de 12 de dezembro de 2014 (neste período do ano, como tradicionalmente acontece, ocorre uma verdadeira inflação de normas públicas) além de ter recebido um simpático número, tem uma história interessante e um pouco discrepante da tramitação comum das leis estaduais.

A proposta, do Deputado Roque Barbieri, foi apresentada à Assembleia Legislativa em  14 de outubro de 2010, primeiro ano de uma legislatura que brevemente se encerra (ressalve-se, entretanto, que em 15 de novembro passado o referido deputado novamente obteve sua reeleição, com o merecido apoio de notários e registradores).

A justificativa do projeto, que sem dúvida é informação de interesse para a compreensão da lei aprovada,  está disponível na internet e segue transcrita na íntegra:

JUSTIFICATIVA  / O presente projeto de lei visa suprir a lacuna da Lei Estadual nº 11.331/02, que dispõe sobre os emolumentos dos serviços notariais e de registro, compatibilizando a tabela de emolumentos dos serviços notariais e de registro, cuja fixação é da competência estadual, com o recolhimento dos tributos incidentes instituídos por força de lei complementar federal ou estadual, de competência dos municípios / Tal medida será de extrema relevância para o aumento da arrecadação dos municípios, para fazerem frente às suas políticas públicas de investimentos sociais, considerando-se que os emolumentos notariais e de registro são fixados por lei, portanto, de fácil arrecadação, fiscalização e controle pela municipalidade. / Sala das Sessões, em 14-10-2010 –  Roque Barbiere – PTB”  (sem grifo no original)

O texto da lei aprovada manteve integralmente a redação proposta, pelo deputado. Muito  sintético e objetivo, o dispositivo principal da nova lei segue igualmente transcrito:

Art. 1º O artigo 19 da Lei nº 11.331 , de 26 de dezembro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

“Art. 19. (…..).  /  Parágrafo único. São considerados emolumentos, e compõe o custo total dos serviços notariais e de registro, além das parcelas previstas neste artigo, a parcela dos valores tributários incidentes, instituídos pela lei do município da sede da serventia, por força de Lei Complementar Federal ou Estadual.” (NR)

O fato curioso que, ocorreu na tramitação deste projeto de lei é que, ao ser aprovado pela Assembleia Legislativa e enviado ao Governador do Estado para sanção, em forma de autógrafo a ser convertido em lei, ele foi objeto de veto integral pelo chefe do Poder Executivo. O governador entendeu que tal projeto não atendia ao interesse público.

Neste caso particular, entretanto, diferentemente do que ocorre na maioria dos casos em que existe veto por parte do Poder Executivo, ao analisar as razões do veto, o Legislativo estadual, e, em nova análise, derrubou o veto e faz prevalecer a disposição inicial daquele poder republicano.

Em ato assinado pelo presidente em exercício da Casa Legislativa, promulgou-se a nova lei, sem a assinatura do governador estadual, fato político que, se não de rara ocorrência, ao menos deve ser considerado como de ocorrência pouco usual.

A texto da nova lei, à primeira leitura, isolado do contexto onde se insere, parace suficientemente claro e de fácil aplicação. Entretanto, em análise conjunta com o dispositivo principal (aquele constante da cabeça do artigo) surgem algumas possibilidades de dúvidas que não devem ser ignoradas pelo intérprete.

Segue adiante o texto integral do dispositivo ora modificado (Lei 11331/2002), estando grifados os trechos onde se percebe potencial para dúvida e mais de uma de interpretação:

Artigo 19 – Os emolumentos correspondem aos custos dos serviços notariais e de registro na seguinte conformidade: 

I – relativamente aos atos de Notas, de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas e de Protesto de Títulos e Outros Documentos de Dívidas:

a) 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores;

b) 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização;

c) 13,157894% (treze inteiros, cento e cinqüenta e sete mil, oitocentos e noventa e quatro centésimos de milésimos percentuais) são contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado;

d) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias;

e) 3,289473% (três inteiros, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e setenta e três centésimos de milésimos percentuais) são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, em decorrência da fiscalização dos serviços;

O parágrafo único, ora acrescido ao artigo, conforme acima transcrito, tem a seguinte redação: “Art. 19. (…..).  /  Parágrafo único. São considerados emolumentos, e compõe o custo total dos serviços notariais e de registro, além das parcelas previstas neste artigo, a parcela dos valores tributários incidentes, instituídos pela lei do município da sede da serventia, por força de Lei Complementar Federal ou Estadual.” (NR)

Conforme se verifica do texto legal, em São Paulo, assim como na maioria dos estados brasileiros, parte dos valores pagos pelos usuários dos cartórios de notas e registros não pertence ao tabelião ou oficial.

O custo total dos serviços engloba a fração pertencente ao delegatário e outras que obrigatoriamente devem cobradas do usuário e repassadas a destinatários conforme definido em norma estadual.

De fato, conforme a referida Lei Estadual Paulista, apenas 62,5% do valor arrecadado pelos notários e registradores a eles pertence, existindo terceiros a quem igualmente pertencem frações do preço cobrado pelos cartórios  (instituições que, não de uma forma totalmente inapropriada, poderiam perfeitamente ser denominadas como “sócias” do serviço público delegado ao particular, na forma do artigo 236 da CF). 

Formas de apuração do ISS de cartórios: valor fixo ou alíquota com base no preço do serviço? 

Quando, em um passado relativamente recente, firmou-se entendimento de que a atividade notarial e registral pode, legitimamente, ser objeto de tributação pelo ISS – Imposto sobre a prestação de serviços, conforme eventualmente venha a ser instituído por lei municipal, iniciou-se uma polêmica até hoje ainda não foi adequadamente solucionada.

Alguns municípios (poucos, é bom que se diga) adotaram como correta a tese de que o ISS dos notários e registradores deveria ser cobrado do mesmo modo como é cobrado o imposto dos advogados, médicos, dentistas e demais profissionais qualificados que prestam serviços identificados essencialmente pela prestação pessoal do trabalho fundamentado em conhecimento e técnica especializada, trabalho passível de realização apenas por pessoas que portam qualidades profissionais especiais e que se caracteriza essencialmente pela única e pessoal qualidade daquele que pode executá-lo.

Acaso viesse prevalecer o entendimento de que o Imposto Sobre Serviço deveria ter como base um preço fixo determinado por lei municipal (como, por exemplo, ocorre com os advogados), parece evidente que a cobrança de ISS não poderia ser realizada pelos tabeliães e oficiais de registro, direta e individualmente de cada usuário do cartório (assim como ocorre com a cobrança de honorários pelo advogados) e que, portanto, diante de uma lei municipal que venha a tributar o trabalho pessoal dos notários e registradores a nova lei não teria aplicação prática alguma.  

Não cabe aqui destacar o acerto desta forma de tributação  –  o tema proposto não é este  (embora este autor entenda que, se a responsabilidade do oficial ou tabelião, por força da lei, é pessoal e inafastável, também a incidência de ISS, deveria seguir tal regra), mas o fato é que, segundo o entender da imensa maioria dos municípios brasileiros, o ISS devido pelos atos que se praticam nos cartórios deveria ser cobrado individualmente por ato praticado, valor sobre o qual deveria incidir uma alíquota percentual definida por lei municipal.

A título de exemplo, cita-se o caso do município de Campinas, onde atua este tabelião escritor. Recentemente ocorreu a modificação da lei municipal anterior (que, tributava notários e registradores com base em valor fixo e pré-determinado pelo município) para definir a incidência de ISS sobre todos os atos praticados nos cartórios com base na alíquota máxima permitida, ou seja, com o início da vigência desta nova lei (primeiro de janeiro de 2014), sobre todo valor arrecadado com a prestação dos serviços públicos delegados, passou a incidir a alíquota de cinco por cento (5%) a título de ISS devido à municipalidade, tornando-se ainda obrigatória a emissão de nota fiscal eletrônica (a par do registro obrigatório em livro-caixa e em livro diário-auxiliar para o controle administrativo/correcional de todos os atos praticados, conforme determinação da Corregedoria Geral).

Conforme ressalvado acima, assim como Campinas e a Capital do Estado, a grande maioria dos municípios, tem optado pela cobrança do ISS pela prestação dos serviços de notas e registro, com base em uma alíquota incidente sobre cada ato praticado.

Adotada esta postura tornou-se necessário definir correta e justamente a base de cálculo do imposto pela prestação do serviço.

E esta definição (pelo menos no Estado de São Paulo) tem representado um problema para os municípios na medida em que, de fato, existem duas possibilidades de interpretação sobre o preço do serviço prestado nos serviços públicos delegados, que nos acostumamos a denominar cartório.

É possível entender como sendo aplicável a alíquota definida pela lei municipal tomando como base para a apuração do ISS devido o valor total efetivamente pago pelo usuário.

Outra interpretação significa tomar como base da tributação pelo ISS apenas o valor correspondente à parcela dos emolumentos que efetivamente pertence ao tabelião ou oficial de registro;  parcela esta que, conforme anteriormente constatado, em todo Estado de São Paulo, corresponde a uma fração igual a  62,5% do custo total do serviço notarial e registral.

Por força da lei estadual acima referida, de cada R$100,00 pagos pelo usuário ao cartório, apenas R$62,50 são efetivamente recebidos pelo tabelião como retribuição pela prestação de seus serviços, sendo os restantes R$37,50 valores pertencentes ao Estado ou destinados a instituições conforme definido em lei.

Ora, a aplicação de qualquer alíquota pré-estabelecida sobre o valor de R$100,00 representa valor muito diferente daquele que se obtém com a utilização da mesma alíquota sobre o valor de R$62,50 (a matemática, diferentemente da hermenêutica, é ciência exata).

A acima citada primeira possibilidade de interpretação, não pode ser aceita como legítima; existe nela uma inconstitucionalidade evidente. O município, ao pretender tributar com alíquota de ISS um valor que pertence ao Estado (tal é a expressão textual da lei estadual 11331/02) estaria claramente ultrapassando os limites do poder de tributar (art. 150 da CF),

Apesar de absurda, alguns municípios, segundo se conhece, ignorando o bom senso e fundamentos do sistema tributário nacional, editaram leis e regulamentos pretendendo aplicar a alíquota do ISS sobre o preço total pago pelo usuário, ignorando a evidente tributação sobre valor pertencente ao Estado. Em tais situações, resta aos tabeliães e registradores ou eventuais terceiros interessado, buscar junto ao Poder Judiciário a suspensão da eficácia de norma tão claramente inconstitucional, o que certamente não seria difícil de ser reconhecido pelo Poder Judiciário.

Novamente retomando o exemplo da municipalidade de Campinas. A recente lei que modificou a forma de definição do ISS pela prestação dos serviços notariais e registrais, embora não contasse em seu texto oficial suficiente detalhamento sobre qual seria a base de incidência do imposto, em seu regulamento, deixou claro que a alíquota de 5% correspondente ao ISS pela prestação dos serviços notariais e registrais, deve ser calculada apenas e tão somente sobre o valor que pertencente ao tabelião ou oficial, ficando excluída da base de cálculo os valores que são recebidos pelos cartórios e repassados, na forma da lei, a seus destinatários.

Em arremate, é necessário concluir que a nova lei representa segurança jurídica para que os tabeliães e registradores, nos municípios onde existe lei municipal tributando a prestação dos serviços públicos delegados de que são titulares, possam calcular o valor devido a título de ISS de cada usuário, por serviço a ele prestado –  tendo como base, por evidente, apenas a parcela do custo total dos emolumentos que é devida ao tabelião ou registrador – e, em seguida somando o valor deste imposto municipal, aos valores que lhe são devidos, juntamente com o que deve ser repassado ao demais destinatários dos emolumentos, ou seja, o  Governo do Estado, IPESP, Tribunal de Justiça e o Fundo do Registro Civil, obtenha o custo final e total dos serviços praticados.

A nova lei representa, de fato, um aumento do custo final dos serviços notariais e registrais nas localidades onde existe a tributação pelo ISS.

É justo que assim seja, pois direta ou indiretamente, todo imposto é pago pelo cidadão/contribuinte e a indicação direta e franca do valor do tributo que se paga em cada negócio que se realiza é medida salutar para o desenvolvimento da cidadania responsável e consciente.

O ISS municipal, até o início de vigência desta nova lei, representava forma de despesa obrigatória dos cartórios e diminuição da renda líquida de seus titulares. Tal fato, ao final, representava uma ligeira redução dos valores devidos pelos tabeliães e oficias à União Federal, a título de Imposto de Renda de Pessoa Física, forma pela qual estes profissionais são tributados em seus rendimentos.

Ao se retirar tal despesa da receita líquida de atividade, atribuindo tal ônus a quem contrata e paga pelos serviços, a nova lei paulista que, por evidente, beneficia aos notários e registradores, em certa medida também irá beneficiar a Receita Federal do Brasil.

Ademais disso ela expõe o município em seu afã de tributar. Não se deve ignorar o fato de que até mesmo as certidões de registro civil – quando  não gratuitas ao usuário – ficarão um pouco mais caras para o usuário (assim com vai ocorrer com todos os demais serviços  realizados nos cartórios) e vão conter em seu teor a indicação de que parte do custo total corresponde a valores devidos, a título de ISS, ao município onde se localiza o cartório.

Com referência ao Fisco Estadual Paulista, entretanto, a nova lei é neutra; em nada prejudicando ou beneficiando a unidade da federação.

A motivação última para o veto do governador, ao que parece, deve mesmo ter sido preservar os municípios do desgaste da responsabilização pelo aumento do custo dos serviços nos cartórios do Estado de São Paulo.

Mas, que seja benvinda! A Lei é justa e era realmente necessária. 

(*)     Para quem não entendeu a ironia da afirmação inicial, segue a explicação do gracejo (existe coisa menos engraçada do que explicação de uma piada?…): O personagem Chapolin Colorado, criação de sucesso do mexicano Carlos Bolaños, recentemente falecido, sempre aparecia em cena em resposta triunfal à questão retórica lançada pelos personagens em apuros.

Perguntava-se ao vento: E agora! Que poderá me ajudar?… 

Então surgia do nada o anti-herói, que inflamado afirmava: Eu! O Chapolin Colorado!  geralmente emendando: não contavam com minha astúcia!

Fonte: Notariado | 16/12/2014.

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