Artigo: Regime de Bens: Eficácia “post mortem” – Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Passando em revista alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça saltou aos olhos a necessidade de refletir sobre o diálogo fundamental que deve existir entre o regime de bens eleito pelo casal e o direito sucessório.

Já não é mais novidade que o Código Civil de 2002 trouxe substanciosas alterações ao direito sucessório, reformando, inclusive, algumas pilastras essenciais do sistema jurídico, dentre as quais merecem destaque: a elevação do cônjuge à condição de herdeiro necessário; a novel previsão do direito real de habitação; o tratamento sucessório do companheiro, de forma diferenciada, em dispositivo distinto (o polêmico art. 1790 do Código Civil), entre outras mudanças. Passado mais de uma década de vigência do Código Reale, doutrina e jurisprudência têm apontado a necessidade de reforma do direito sucessório brasileiro, que em muitas situações já se tem mostrado obsoleto, inoperável e pouco efetivo.

Dispositivo dos mais debatidos no Judiciário é o art. 1.829 do Código Civil, que dispõe sobre a ordem de vocação hereditária. Seu inciso I, apesar da redação truncada, veicula preceito de relevância destacada, ao abordar a concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do de cujus.

Antes de abordar propriamente o tema central, motivador dessas breves considerações, faz-se necessário recordar, ainda que de passagem, alguns aspectos basilares do direito sucessório. Aliás, questões que tais são de interesse comum, eis que não há ser humano que passe por este mundo sem se submeter ao direito sucessório, ou seja, tais questões afetam a vida prática dos cidadãos brasileiros. Daí a importância de sua detida análise técnica.     

Preambularmente, impende relembrar que o art. 1829, I, do Código Civil, ao tratar do regime concorrencial sucessório do cônjuge supérstite e os descendentes do de cujus, exige a aferição imediata do regime de bens que regia o matrimônio do casal. Suplantada esta análise, como “regra de ouro”, o vigente Codex concede direito à herança ao cônjuge para os casos em que a meação não exista.  Em palavras outras, a teleologia do sistema atual pode ser resumida da seguinte forma: havendo meação do cônjuge (a ser apurada de acordo com o regime de bens), não haverá concorrência com os descendentes; e, não havendo meação do cônjuge, haverá concorrência sucessória com os descendentes. Em síntese, o professor Cláudio Luis Bueno de Godoy em expressão pouco sonora e muito didática, define: “onde o cônjuge herda não meia; onde meia não herda”.

Nesse particular, afigura-se imprescindível fazer um aparte para que se evite confusão comum quanto aos institutos da meação e sucessão.

A meação é um direito individual e fundamental do cônjuge (e do companheiro), aliás, reflexo do caput do art. 5º da Constituição Federal, no qual está consagrado o direito de propriedade ao lado de outros direitos imprescindíveis, como à vida, à liberdade, à igualdade, e à segurança. O substantivo meação, que deriva do verbo “mear”, nada mais é do que a simples atribuição dos bens a cada um dos cônjuges, que unidos trabalharam (em planos diferentes) para construir o patrimônio que – por ocasião da dissolução da sociedade conjugal (divórcio, separação, morte e anulação) – deverá ser partido ao meio, meado.

De fato, a confusão ocorre porque uma das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal coincide com a premissa básica das sucessões, o falecimento. Assim, com a morte de um dos cônjuges, o primeiro raciocínio jurídico que se deve elaborar, nos regimes que assim permitem, é que metade dos bens adquiridos na constância do casamento deverá ser entregue nas mãos do seu verdadeiro proprietário, o cônjuge sobrevivente. Sobre a outra metade é que o instituto da sucessão encontra terreno fértil.

Ainda em sede propedêutica, em rápido cotejo dos principais regimes de bens com eventual concorrência sucessória do cônjuge, tem-se positivado na Lei Civil que: (i) se no casamento vigorou o regime da separação convencional, como não haverá meação do cônjuge, haverá direito à herança em concorrência com os descendentes do de cujus; (ii) tratando-se do regime da comunhão universal, o cônjuge será meeiro e, portanto, não fará jus à concorrência sucessória com os descendentes do falecido; (iii) no regime da comunhão parcial, mantém-se a mens legis, e haverá concorrência apenas se o de cujus deixar bens particulares – e apenas nestes –, pois quanto ao patrimônio comum do casal, amealhado a partir do casamento, haverá apenas meação.

Sintetizando o regime concorrencial existente em sede sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do de cujus, quadra citar o esclarecedor Enunciado 270 do CJF: “O art. 1829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipótese em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.   

Nesse ambiente, é patente que o regime de bens, além de ser o conjunto de normas que disciplina a relação jurídico-patrimonial entre os cônjuges durante o matrimônio, possui reflexos importantíssimos no fim do casamento em virtude da morte de um dos cônjuges.

Superadas as considerações preliminares, agora devidamente alocados no tema, parte-se para a questão fulcral: o Superior Tribunal de Justiça, em alguns precedentes, tem demonstrado que as regras da concorrência sucessória do cônjuge com os descendentes dode cujus necessitam ser reavaliadas pela comunidade jurídica, pois, em muitas situações, o que os cônjuges estabelecem em vida acerca do regime patrimonial acaba sendo diametralmente transmudado pelo direito sucessório em vigor. Em síntese, a questão posta em debate é uma só: o regime de bens deve ou não produzir efeitos para após a morte de um dos cônjuges?

Há duas linhas de raciocínio antagônicas para debater o tema.

Repita-se que o tema vem sendo tangenciado pelo Superior Tribunal de Justiça, recentemente, em diversas oportunidades. Entretanto, dado ao elevado grau de tecnicidade que a questão foi enfrentada, assim como seu caráter pedagógico, elege-se julgamento realizado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 1.472.945/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/10/2014) como representativo da controvérsia e passa-se a esmiuçar o tema. Na hipótese, diga-se, o julgamento deu-se por maioria, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Moura Ribeiro.

Calha anotar, de plano, que no caso em testilha questionava-se a interpretação a ser dada ao artigo 1.829, I, do Código Civil, no que se refere ao regime da separação convencional de bens, visando definir a possibilidade de participação da cônjuge supérstite na sucessão, na condição de herdeira.        

A orientação defendida pelo relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  valoriza o direito positivo e rechaça a possibilidade do regime de bens gerar efeitos após a morte de um dos cônjuges. Argumentou-se que a análise post mortem não se refere à comunicação de patrimônio em si, não se podendo confundir regime de bens com direito sucessório.

Colhe-se, nesse sentido, ilustrativo parágrafo da lavra do relator: “(…) Com efeito, importante sublinhar que o pacto antenupcial somente pode dispor sobre a comunicação ou não de bens e o modo de administração do patrimônio no curso do casamento, não podendo invadir, por óbvio, outras searas, dentre as quais se destaca a do direito sucessório, cujo fato gerador é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço, a vida em comum. As situações, por serem distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade”. Noutro linguajar, não se poderia presumir que o pacto antenupcial seja fruto do desejo dos nubentes em perpetuar a intransmissibilidade entre seus patrimônios.

Afirmou-se, ainda, que pensar diferente seria viabilizar, por vias transversas, a pacta corvina(convenção sobre herança de pessoa viva), que, como sabido, cuida-se de prática abominada pelo ordenamento jurídico (art. 426 do Código Civil).

Em arremate à fundamentação que sustenta a literalidade do texto legal, também foi evocado que o objetivo da regra do art. 1.829 do Código Civil é garantir o sustento do cônjuge supérstite e, em última análise, a sua própria dignidade, já que, em razão do regime de bens, poderia ficar à mercê de toda sorte e azar em virtude do falecimento de seu cônjuge. Assim, a concorrência justificar-se-ia justamente por esse motivo, coadunando-se com a finalidade protetiva do cônjuge no campo do direito sucessório, almejada pelo legislador, em histórico avanço, devendo-se observar o princípio do retrocesso social – argumento este bem desenvolvido outrora pelo ministro Luis Felipe Salomão (vide: STJREsp 1.329.993/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013).

De outra banda, a orientação contrária à retromencionada, responde afirmativamente à indagação proposta e frisa que ao se atribuir direito sucessório ao cônjuge casado sob regime da separação convencional de bens teria o legislador invadido a autonomia privada e abalado um dos pilares do ordenamento jurídico no que se refere ao regime de bens matrimonial, por permitir a comunicação post mortem do patrimônio.

Registre-se que a posição que será doravante abordada – a qual endossamos – parece, em análise descuidada, abalroar o atual direito positivo, especialmente o art. 1.829, I, do Código Civil. No entanto, tem sido aderida por parte da doutrina civilista e constantemente abraçada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, reforçando-se o convite para o debate e amadurecimento do tema.

De saída, convém esclarecer que dentre os princípios que norteiam os regimes de bens no direito brasileiro está o da liberdade de escolha (art. 1.639, § 1º, do Código Civil). É dizer, de regra, os nubentes podem, de acordo com sua autonomia privada e liberdade de opção, escolher o regime que melhor lhes aprouver. O Estado apenas intervém nessa liberdade, mitigando-a, quando há motivo relevante para tanto, fazendo-o por meio de norma específica, isto é, impondo este ou aquele regime patrimonial.

Nesse caminho, aproveitando o substrato fático do julgado acima apartado, imagine-se que, por hipótese, o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional de bens, ou seja, ambos os cônjuges, de comum acordo, celebraram um contrato pré-matrimonial estabelecendo que não haverá comunhão patrimonial em virtude do casamento. Ora, significa que o casal escolheu, conjuntamente, mediante pacto antenupcial, a separação do patrimônio.

Nessa ordem de ideias, nada mais natural de que, com a morte de um dos cônjuges, aquilo que foi de comum acordo estabelecido em vida possa produzir efeitos jurídicos regulares, isto é, a incomunicabilidade patrimonial. A mensagem exegética é, sim, no sentido de que há eficácia post mortem do regime de bens matrimonial. Quer dizer, não há como violentar a vontade do cônjuge, após a sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis compartilhar seu patrimônio (Vide nesse sentido: STJ – REsp nº 992.749, Rel. Min. Nancy Andrighi). Se em vida, os cônjuges de comum acordo estabeleceram um regime patrimonial, por que deve haver inversão dessa situação quando da morte de um deles?

Definitivamente parece não ter andado bem o legislador ao dispor sobre o assunto no art. 1829, I, do Código Civil.

Refutando os argumentos da corrente anterior, parece claro como a luz solar que não há que se confundir regime de bens e direito sucessório, mas há que se interpretar de forma sistemática, os dispositivos legais que permitam a preservação dos fins da livre manifestação de vontade admitida pela lei.

Com arrimo nesse raciocínio, transcreve-se ponderação certeira de Eduardo de Oliveira Leite, oportunamente citado pelo Ministro Moura Ribeiro no voto que abriu a divergência no julgamento in examen: “A coerência e cientificidade de Reale mais uma vez se impõe: desconsiderar os efeitos decorrentes do regime da separação convencional revela-se, senão difícil, impossível, e desconsiderar a vontade manifesta das partes materializada no pacto antenupcial implicaria invalidar um ato jurídico formal, que produziu  todos os efeitos durante a vida comum do casal e, pois, não poderia deixar de valer após a morte de um de seus subscritores(TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.) “Comentários ao Novo Código Civil”. Ed. Forense, São Paulo, 5ª Ed., 2009, vol. XXI, p. 277/278).

Realce-se, também, que, em outra oportunidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado nesse sentido, sendo salutar transcrever pedagógica manifestação do ministro Fernando Gonçalves em seu voto-vista que, no caso, se sagrou vencedor: “(…) De fato, o legislador reconhece aos nubentes, já desde o Código Civil de 1916, a possibilidade de autodeterminação no que se refere ao seu patrimônio, autorizando-lhes a escolha do regime de bens, dentre os quais o da separação total (…). Assim, qualquer que seja a razão pela qual os cônjuges decidem renunciar um ao patrimônio do outro, essa determinação é respeitada pela lei anterior. No novo Código Civil, porém, adotada, interpretação literal do art. 1.829, se conclui pela inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário, o que no caso de separação convencional de bens, significa que é concedido aos consortes liberdade de autodeterminação em vida, retirada essa, porém, com o advento da morte, transformando a sucessão em uma espécie de proteção previdenciária. Cuida-se, ineludivelmente, de quebra de estrutura do sistema codificado. De fato, seria de se questionar o porquê de se escolher a incomunicabilidade de bens se ele, necessariamente se somarão no futuro(STJ – REsp. 1.111.095/RJ, Rel. p. acórdão Min. Fernando Gonçalves, DJe de 11.02.2010).      

Nessa direção, não se pode legitimar a situação em que os cônjuges de maneira cristalina e reiterada estipulam a forma de destinação de seus bens e acabam por ter suas determinações feridas, ainda que post mortem.

Ademais, coloca-se em evidência – de acordo com o espírito de repersonalização do direito privado, mais humano e constitucionalizado, plasmado na dignidade da pessoa humana –, que não é por este motivo que o cônjuge sobrevivo estará desamparado pelo direito civil, sendo certo que  a proteção dar-se-á de outras formas, a exemplo do direito real de habitação, importante instituto introduzido pelo Código Civil de 2002. Diga-se de passagem, predominando-se a autonomia da vontade, o fato de o cônjuge não concorrer com os descendentes na partilha dos bens do de cujus, não exclui a possibilidade de qualquer dos consortes, em vida, dispor de seus bens em testamento, desde que respeitada a legítima, reservando-os, ou parte deles, ao sobrevivente, a fim de resguardá-lo caso venha a falecer antes.

De mais a mais, não são apenas alguns ministros do Superior Tribunal de Justiça que estão alinhados nesse pensamento. Importante parcela da doutrina civilista também se encontra engajada nessa orientação. A propósito, há contribuições sobre o tema de Maria Berenice Dias, Nelson Nery Júnior, Rosa Maria de Andrade Nery, Zeno Veloso, Mauro Antonini, entre outros. Nessa vereda, destaca-se lúcida manifestação de Maria Berenice Dias: “A falta de congruência da lei torna-se mais evidente ao se atentar que, no regime convencional da separação, em que um cônjuge não é herdeiro do outro, o sobrevivente é brindado com o direito de concorrer com os sucessores. Tratamentos tão antagônicos e paradoxais não permitem identificar a lógica que norteou a casuística limitação levada a efeito pelo legislador. Quando se depara com situações que refogem à razão, não se conseguindo chegar a uma interpretação que se conforme com a justiça, há que reconhecer que deixou o codificador de atender ao princípio da razoabilidade, diretriz constitucional que cada vez mais vem sendo invocada para subtrair a eficácia das leis que afrontam os princípios prevalentes do sistema jurídico. Nítida é a afronta ao princípio da liberdade ao se facultar a escolha do regime de bens e introduzir modificações que desconfiguram a natureza do instituto e alteram a vontade dos cônjuges. Desarrazoado não disponibilizar a alguém qualquer possibilidade de definir o destino que quer dar a seus bens(Disponível em http://www.mariaberenice.com.br, visualizado em 05/12/2014). 

Insista-se que, enquanto não houver a imperiosa alteração legislativa, a melhor solução será interpretar o texto legal de acordo com o sistema jurídico estabelecido na Constituição Federal. Nesse viés constitucional, é extremamente louvável a posição que vê na Lei Maior proteção ao cônjuge sobrevivente como corolário da dignidade da pessoa humana. Entrementes, sob outro ângulo, diante da força iluminante da Lex Mater, admitindo-se a concorrência sucessória, os filhos do falecido teriam diminuída sua participação na herança, arranhando a livre manifestação da vontade pactuada em vida pelos cônjuges, que, na maioria das vezes, têm a pretensão de melhor proteger o direito sucessório de sua prole. E não se pode esquecer que os filhos também merecem o abrigo da lei, visando a proteção de sua dignidade.

Ainda na exegese constitucional, nesse ponto, de rigor parafrasear a ministra Nancy Andrighi, atualmente Corregedora Nacional de Justiça, para patentear a impositiva análise do art. 1829, I, do Código Civil, dentro do contexto do sistema jurídico, mediante a interpretação harmônica do dispositivo com as demais regras que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma.

Marcadamente, o raciocínio aqui proposto persegue a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da conseqüente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa-fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. Vale dizer, em sinopse, que não remanesce para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. 

Enfim, tudo aponta para uma interpretação teleológica, que guarda coerência com o sistema civil brasileiro encarado como um todo, exatamente no sentido de que não é possível a alteração dos efeitos jurídicos do regime matrimonial post mortem, devendo ser mantida a vontade manifestada pelos cônjuges em vida.

De todo modo, seja qual for a orientação adotada, todos devem concordar que o regime de bens matrimonial, eleito em vida, goza de irrefutável eficácia ultrativa post mortem, afinal, o estatuto patrimonial, ao menos como forma de enquadramento do regime sucessório a ser aplicado ao caso, define, para o direito atual, eventual concurso hereditário entre o cônjuge supérstite e os descendentes do de cujus. Não há dúvida, destarte, que existe no plano sucessório influência inegável do regime de bens do casamento, não se podendo afirmar que são instâncias absolutamente independentes e sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitos desses institutos que a lei particulariza nos direitos de família e sucessões. 

Fonte: Notariado | 05/12/2014.

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Artigo: NORMAS ADMINISTRATIVAS NACIONAIS – PORTARIA DO CNJ – Por José Hildor Leal

* José Hildor Leal

Através da Portaria nº 65, de 21 de novembro de 2014, o Conselho Nacional de Justiça instituiu um grupo de trabalho formado por notários e registradores brasileiros, buscando a elaboração de normativa mínima nacional para as notas, os protestos e registros públicos.

A medida é salutar, uma vez que o País é formado por diversas Unidades Federativas, e cada qual delas possuindo normatização própria, se verifica haver normas desalinhadas, inclusive conflitantes, o que deverá ser minimizado pela orientação a nível federal.

Para quem trabalha na área de notas e de registros é possível perceber, com clareza, como são contraditórios os entendimentos dos profissionais do Direito que atuam nesse meio, e não somente no que se refere às distintas orientações estaduais, como também internamente, no mais das vezes em prejuízo aos cidadãos que utilizam os serviços dos cartórios.

Como se isso não bastasse, há ainda entendimentos equivocados quanto à melhor prestação do trabalho, tanto que recentemente a Direção do Foro da Comarca de Porto Alegre expediu a Ordem de Serviço nº 18/2014, admoestando os tabeliães de notas da capital gaúcha a que se abstenham de exigir comprovação de estado civil no ato de reconhecimento de firma, salvo situações que a justifique plenamente.

Confesso-me surpreso, não com a ordem, mas com a prática que desconhecia, mesmo trabalhando há mais de 40 anos na atividade. Jamais, em momento algum, imaginei que pudessem os tabelionatos exigir prova de estado civil para reconhecer firma, coisa tão absurda quanto pedir prova de profissão (para o bom burocrata, cópia do diploma, autenticado, e em três vias, de preferência) ou de endereço, para o mesmo fim.

O Juiz de Direito Nilton Tavares da Silva, Diretor do Foro Central de Porto Alegre, de quem fui aluno no curso de graduação, pela Universidade de Santa Cruz, ressaltou que “para um simples reconhecimento de firma basta que a pessoa compareça perante o tabelião, munida de documentos pessoais de identificação, inexistindo qualquer regra que a obrigue a comprovar seu estado civil para ato tão singelo”.

Por essas coisas, além de outras tantas, é de saudar-se a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, ao buscar a criação de norma para vigência em todo território nacional, a exemplo do que ocorreu com a Resolução n° 35/07, que veio disciplinar a prática de inventários e divórcios na via administrativa, quando já pululavam absurdos ditames estaduais por todos os cantos e recantos do Brasil.

Confiamos todos que a comissão encarregada da nova ordem, até pela reconhecida capacidade de seus integrantes, tenha o necessário discernimento para criar uma diretriz clara e uniforme, bem orientando os notários e registradores brasileiros, com isso enriquecendo a classe e trazendo maior segurança a todos quanto se utilizam dos serviços notariais e de registros.

Fonte: Notariado | 27/11/2014.

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Artigo: A Base de Cálculo do ITCMD Paulista – Teoria e Prática em Breves Considerações – Por Antonio Herance Filho

* Antonio Herance Filho

O tema é controvertido e os desencontros de opinião entre notários, registradores e demais operadores do Direito envolvidos com a matéria, marcam a história do tributo de competência do Estado desde a edição da Lei paulista nº 10.705/00.

O principal problema, embora não seja ele o único, está ligado à base de cálculo de incidência da alíquota do imposto nas transmissões de bens e direitos, sejam motivadas pela morte ou por ato de liberalidade de seu titular.

Delimitando o alcance da presente mensagem, consideraremos, tão somente, os bens imóveis, para facilitar nossa comunicação, dando-lhe maior eficiência, e enfrentando o que mais tem angustiado os responsáveis tributários, no caso, os notários e os registradores, profissionais que devem condicionar a prática dos atos de seus respectivos ofícios à apresentação prévia da prova de quitação do tributo, quando relacionados com a transmissão, a título não oneroso, de imóveis e de direitos a eles relativos, em razão do que dispõe o inciso VI, do artigo 134 do Código Tributário Nacional.

Apresentaremos, a seguir, a ordem em que as normas do Regulamento do ITCMD (Decreto nº 46.655/02), relativas à determinação da base de cálculo dos imóveis, devem ser aplicadas.

Antes de qualquer outra, cumpre ao sujeito passivo do tributo (contribuinte: donatário ou herdeiro), e ao responsável tributário (notário e ou registrador), a observação do que dispõe o artigo 12, que, com a clareza solar, define que a base de cálculo do imposto é o valor de mercado do bem na data da abertura da sucessão ou da lavratura do instrumento de doação.

O valor de mercado de um bem, todos nós sabemos, é o valor pelo o qual ele seria, em circunstâncias normais, vendido. É o quanto vale o bem. Pense, caro leitor, no valor do imóvel em que você reside, provavelmente, com sua família. Você sabe quanto ele vale. É esse o valor de mercado (conhecido como venal, mas não aquele valor utilizado pelo município para o lançamento do IPTU).

Se o valor de mercado é conhecido, não há dúvidas; é sobre ele que deve ser aplicada a alíquota do tributo estadual.

Se ele, contudo, não for conhecido haveremos de aplicar outras regras, por exemplo, a do item 1, do Parágrafo Único, do artigo 16 do mesmo Regulamento, que abre a possibilidade de ser utilizado, no caso dos imóveis rurais, o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou por outro órgão de reconhecida idoneidade.

Assim, se o valor de mercado não é conhecido, eis uma oportunidade de usar aquele que guarda muita proximidade, salvo exceções, com o real valor das propriedades rurais. E o Fisco o aceitará e isso já está pacificado, mas não se algum dado concreto ou forte indício sinalizar que o valor de mercado é superior ao revelado pelo IEA.

No caso dos imóveis urbanos, por seu turno, é de se aplicar, quando o valor de mercado não for conhecido, a regra do item 2, do Parágrafo Único, do artigo 16 do RITCMD, desde que o imóvel esteja situado em município que tenha adotado o chamado Valor de Referência, utilizado para cálculo do ITBI municipal, como é o caso de São Paulo, Capital do Estado.

O Fisco também aceita o Valor de Referência como base de cálculo do ITCMD, mas se o valor de mercado (valor verdadeiro), for superior ao utilizado pelo município, devem o contribuinte e os respectivos responsáveis utilizar o valor real do bem, desprezando assim a informação municipal.

Mas e nos municípios que ainda não adotaram o Valor de Referência, ou similar sistemática de tributação do ITBI, como encontrar o valor de mercado?

Talvez perguntando ao próprio mercado. Avaliações feitas por empresas ou profissionais habilitados podem ajudar a dirimir eventuais dúvidas, porventura, existentes.

Mais um caminho viável é buscar do Posto Fiscal competente, nos termos do artigo 148 do Código Tributário Nacional e do § 2º, do artigo 11 da Portaria CAT (Estado de São Paulo) nº 15/2003, o devido arbitramento do valor de mercado do bem.

Outras duas regras a serem visitadas são as das alíneas “a” e “b”, do inciso I, do artigo 16 do diploma em comento, que estabelecem pisos mínimos da base de cálculo. O valor utilizado no lançamento do IPTU, para imóveis urbanos e do ITR, para os rurais.

Dito isso tudo, dá para compreender que:

1) O valor a ser considerado, como regra, na tributação do ITCMD nas transmissões de imóveis é o seu valor de mercado. O valor pelo qual o imóvel seria, em condições normais, vendido;

2) Desconhecido o do valor de mercado do imóvel, o Fisco admite, em regra, a utilização do:

a) Valor médio divulgado pelo IEA, no caso dos imóveis rurais; e

b) Valor de Referência, no caso dos imóveis urbanos, nos municípios que o adotam para o cálculo do ITBI.

3) Em nenhuma hipótese a base de cálculo será inferior ao valor utilizado no lançamento do IPTU ou do ITR, conforme o caso.

Saber quanto vale o bem, quase sempre se sabe. Na realidade, a dificuldade está nas barreiras construídas pela cultura de que a escrituração do imóvel, por economia (ilegal, diga-se), usualmente, leva o adquirente a declarar valor muito menor do que o real, o que maltrata o princípio da verdade real.

Para encerrar, peço ao leitor que não me veja como ingênuo, mas eu penso que o dever do contribuinte é o de recolher o tributo com base no verdadeiro valor do bem que recebe, seja por herança ou doação, pena de ser acusado de praticar a evasão fiscal (fuga do imposto ou de parte dele, sonegação), e o dever dos responsáveis tributários (notários e registradores), é de não deixarem por menos, caso queiram dormir em paz.

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* O autor é advogado, professor de Direito Tributário em cursos de pós-graduação, coeditor das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral e coordenador da Consultoria INR. É, ainda, diretor do Grupo SERAC.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6700 | 25/11/2014.

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