Artigo: A concentração de atos na matrícula do imóvel está plenamente em vigor: são desnecessárias as certidões de feitos ajuizados? – Por Letícia Franco Maculan Assumpção e Sílvia Paulino Franco Xavier

* Letícia Franco Maculan Assumpção
* Sílvia Paulino Franco Xavier

1- INTRODUÇÃO

A Lei Federal nº 13.097/2015 (conversão em lei da Medida Provisória nº 656/2014) alterou a Lei nº 7.433/85 e instituiu a concentração dos atos na matrícula do imóvel, objetivando dar maior segurança aos negócios imobiliários.
A referida Lei estabeleceu que não poderão ser opostos a terceiros de boa-fé os atos jurídicos precedentes que não estiverem averbados ou registrados na matrícula do imóvel.  As únicas ressalvas estão previstas no parágrafo único do art. 54 da mencionada lei, consistindo: a) nos casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) e b) nas hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Assim, excetuadas as hipóteses previstas no parágrafo único do art. 54 da Lei nº 13.097/2015, os atos jurídicos que não estiverem averbados ou registrados na matrícula não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel. É o que estabelecem os arts. 54 a 61 da Lei Federal nº 13.097/2015.
No presente artigo o que se busca esclarecer é a necessidade de, ainda assim, o Tabelião orientar o adquirente sobre a maior segurança alcançada com a verificação de existência de débitos fiscais ou de ações cíveis ou criminais, ao menos no local imóvel e na residência do alienante. Isso porque, apesar de não haver dúvida sobre a presunção de boa-fé existente para o adquirente com a concentração dos atos na matrícula determinada pela Lei nº 13.097/2015, podem existir grandes problemas futuros e, no notariado do tipo latino, a função primordial do tabelião é prevenir litígios.

2- A LEI Nº 13.097/2015

Estabelece a Lei nº 13.097/2015 que, excetuadas as hipóteses previstas no seu parágrafo único do art. 54, os atos jurídicos que não estiverem averbados ou registrados na matrícula não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel. É o que estabelecem os arts. 54 a 61 da Lei Federal nº 13.097/2015.
Em razão das alterações legislativas acima mencionadas, os interessados nos registros ou averbações devem providenciá-los, devendo constar da matrícula as seguintes informações: registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso 11 do art. 593 do Código de Processo Civil.
O art. 168, II, da Lei nº 13.097/2015, previu que a lei entra em vigor 30 (trinta) dias após a sua publicação, em relação aos arts. 54 a 62. No entanto, o art. 61 da lei (reproduzindo o que já estava previsto no art. 17 da  MP nº 656) concedeu um prazo de 2 (dois) anos, a contar da vigência da lei, para que sejam feitos os registros e averbações relativos a atos jurídicos anteriores.
Logo, considerando que a Lei nº 13.097 foi publicada no dia 20 de janeiro de 2015, o prazo para que sejam feitos na matrícula imobiliária registros ou averbações relativos a atos jurídicos anteriores a 19 de janeiro de 2015 (data da Lei nº 13.097/2015)  findou-se em 18 de fevereiro de 2017.
Já para os atos jurídicos posteriores à referida lei (posteriores a 19 de janeiro de 2015) a obrigação de registrar ou averbar o ato na matrícula imobiliária entrou em vigor no dia 19 de fevereiro de 2015.
A Lei 13.097/2015 alterou também a redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/85, deixando de mencionar a obrigatoriedade de apresentação da certidão de feitos ajuizados para lavratura de atos notariais.
Assim, a redação atual da Lei nº 7.433/85, no que interessa ao presente artigo, é a seguinte:
Art 1º – Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta Lei.
[..]
§ 2o  O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição. (Redação dada pela Lei nº 13.097, de 2015)      

Após a alteração legislativa acima mencionada, a Corregedoria de Justiça do Estado de Minas Gerais publicou o  Provimento nº 304/CGJ/2015, que altera o Provimento nº 260/CGJ/2013 (Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais), no que tange às exigências para regularidade de escritura pública que implique transferência de domínio ou de direitos relativamente a imóvel e constituição de ônus reais. Segundo o mencionado Provimento, para a lavratura de escritura relativa à alienação ou oneração de bens imóveis, é dispensada a exigência de apresentação de certidões dos distribuidores judiciais, mas, para garantir maior segurança ao negócio jurídico, o tabelião de notas deverá orientar as partes sobre a possibilidade de obtenção de tais certidões.

3- A MAIOR SEGURANÇA JURÍDICA ALCANÇADA COM A ANÁLISE DAS CERTIDÕES

Mesmo com a concentração dos atos na matrícula em pleno vigor, há situações que podem trazer riscos para os negócios[1]. Um exemplo é a existência de débito com a Fazenda Pública, inscrito em dívida ativa, que, como determina o Código Tributário Nacional, leva à presunção de ser fraudulenta a alienação:
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.(Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

O novo Código de Processo Civil – CPC, conforme seu art. 792, IV,  também trata como fraude a simples existência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, independentemente, pois, de registro ou averbação na matrícula do bem.
Logo, tanto a certidão de inexistência de débitos inscritos em dívida ativa quanto as certidões cíveis continuam importantes para garantir a segurança jurídica.
E não podemos deixar de orientar as partes sobre a necessidade de analisar as certidões criminais, pois, em tempos de crimes de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, dentre diversos outros, importante lembrar que bens adquiridos com proveito de crimes têm pena de perdimento[2].  Ainda que o Código Penal ressalve o direito de terceiro de boa-fé, no notariado do tipo latino, é dever do Tabelião orientar as partes para prevenir litígios no futuro.
A pena de perdimento vem sendo aplicada de forma reiterada, como demonstram as ementas abaixo, de acórdãos proferidos recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, reproduzidas com grifos nossos, sendo que nem mesmo o bem de família é protegido se houver prova de sua aquisição com proveito de crime[3]:

Processo

SEC 10612 / EX
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA
2013/0044404-0

Relator(a)

Ministra LAURITA VAZ (1120)

Órgão Julgador

CE – CORTE ESPECIAL

Data do Julgamento

18/05/2016

Data da Publicação/Fonte

DJe 28/06/2016

Ementa

HOMOLOGAÇÃO  DE  SENTENÇA  ESTRANGEIRA.  CONFISCO  DEBENS IMÓVEIS, PRODUTOS  DE  ATIVIDADE  CRIMINOSA,  SITUADOS  NO BRASIL. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.   CONVENÇÃO DE PALERMO.   CRIME TIPIFICADO NAS LEGISLAÇÕES  ESTRANGEIRA  E  NACIONAL. EFEITO DA CONDENAÇÃO PREVISTO TAMBÉM NA LEI BRASILEIRA. AUSÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA NACIONAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA.

1.  A  sentença  homologanda  determinou  a perda de bens imóveis da

Requerida, situados no Brasil, pois foram objeto do crime de lavagem de dinheiro a que ela foi condenada.

2.  Nos  termos  do art. 9.º, inciso I, do Código Penal, “A sentença estrangeira,  quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as  mesmas  consequências,  pode  ser  homologada  no  Brasil  para “obrigar  o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis”. É o que ocorre no caso, pois também a lei brasileira prevê  a  possibilidade  de  perda,  em favor da União, ressalvado o direito  do  lesado  ou  de terceiro de boa-fé, do produto do crime, como  um dos efeitos da condenação (art. 91, inciso II, alínea b, do Código Penal).

3.  Não  há  ofensa à soberania nacional, pois a sentença não tratou especificamente  sobre  a  situação  dos  bens  imóveis, sobre a sua titularidade,  mas  sim  sobre  os  efeitos  civis de uma condenação penal,  determinando  o perdimento de bens que foram objeto de crime

de lavagem de capitais. O confisco dos bens, além de ser previsto na legislação  interna,  tem  suporte  na  Convenção  das Nações Unidas contra  o  Crime  Organizado  Transnacional  (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n.º 5.015/2004, de que também é signatária a

Finlândia.

4.  Os  bens  imóveis  confiscados  não  serão  transferidos  para a titularidade do país interessado, mas serão levados a hasta pública, nos termos do art. 133 do Código de Processo Penal.

5. Pedido de homologação deferido.

Processo

AgRg no REsp 1479146 / CE
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2014/0225823-2

Relator(a)

Ministro JORGE MUSSI (1138)

Órgão Julgador

T5 – QUINTA TURMA

Data do Julgamento

10/03/2016

Data da Publicação/Fonte

DJe 16/03/2016

Ementa

AGRAVO  REGIMENTAL.  RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO.  CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. BLOQUEIO DE IMÓVEL DA  EX-ESPOSA.  PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. MEAÇÃO DEFINIDA EM DIVÓRCIO E ORIGEM   LÍCITA.   COISA  JULGADA  E  ÔNUS  DA  PROVA.  AUSÊNCIA  DE PREQUESTIONAMENTO.  BEM  DE  FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO NOS CASOS DE REPARAÇÃO DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INCISO VI DO ARTIGO 3º DA LEI N. 8.009/1990. RECURSO IMPROVIDO.

1.  A  ausência de prévio debate, pelo Tribunal de origem, acerca da formação  da coisa julgada nos autos do divórcio, no qual se definiu que  o imóvel bloqueado ficaria para a cônjuge varoa, assim como com relação ao ônus da prova quanto à sua origem ilícita, impede o exame do   recurso   especial   por   esta   Corte   ante   a   falta   de prequestionamento.

2.  A  impenhorabilidade  do  bem  de família é oponível em qualquer processo  de  execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de  outra natureza, salvo quando tiver sido adquirido com produto de  crime   ou   para   execução   de   sentença  penal  condenatória  a ressarcimento,  indenização ou perdimento de bens (artigo 3º, inciso VI, da Lei n. 8.009/1990) .

3.  Na  espécie,  proposta  medida cautelar de indisponibilidade dos bens   para   se  garantir  o  ressarcimento  de  valores  desviados decorrentes  do crime de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, não há que se falar em impenhorabilidade do bem de família.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

4 – CONCLUSÃO

A Lei nº 13.097/2015 (resultado da conversão da MP nº 656/2014) inaugurou um novo marco na segurança jurídica imobiliária. A partir de 19 de fevereiro de 2017, considerando que já se findou o prazo para averbação ou registro na matrícula dos atos jurídicos anteriores à Lei nº 13.097/2015[4], não mais são obrigatórias as certidões de feitos ajuizados para demonstrar a boa fé do adquirente,pois se presume a boa fé no caso de nada constar na matrícula do imóvel.
Em decorrência da referida Lei, em Minas Gerais, por meio do Provimento 304/CGJ/2015[5], foram alterados os requisitos documentais inerentes à regularidade de escritura públicas em que haja alienação ou oneração de imóveis. A apresentação das certidões de feitos ajuizados, ou a sua dispensa, cientes as partes dos riscos inerentes, o que deveria constar de forma destacada na escritura, foi requisito afastado pela Corregedoria-Geral de Justiça em decorrência da alteração da redação da Lei nº 7.433/85, que não mais menciona a obrigatoriedade da apresentação das referidas certidões.
Obviamente, a presunção de boa fé pode ser afastada, ou pode ser discutida em juízo, trazendo problemas para o adquirente, razão pela qual continua existindo maior segurança jurídica com a obtenção das certidões. Assim, deve o tabelião orientar o adquirente sobre a possibilidade de que as certidões sejam expedidas, pois a função primordial do tabelião no notariado latino é a prevenção de lides.
Por outro lado, para aqueles que pensam em se utilizar dos bens imóveis do devedor para alcançar os seus direitos, é preciso levar ao registro de imóveis imediatamente a existência desses ônus. Para isso, é preciso noticiar, nos tabelionatos, nos registros de imóveis, bem como na imprensa, aconcentração dos atos na matrícula do imóvel, orientando os interessados para que tomem as providências para levar ao registro de imóveis os atos jurídicos para que sejam averbados ou registrados na matrícula. Se isso não for feito, não poderão ser opostos àquele que, de boa fé, adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, pois, se não está averbado ou registrado na matrícula, o ato não será eficaz em relação ao terceiro de boa-fé!

* Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É professora da pós-graduação da Faculdade Milton Campos e autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e do livro “Função Notarial e de Registro”. É Presidente do Colégio do Registro Civil de Minas Gerais,  Diretora do CNB/MG e uma das representantes do Brasil na União Internacional do Notariado Latino-UINL. Recebeu o Prêmio Diamante de Qualidade da Anoreg.

** Sílvia Paulino Franco Xavier é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000), atuando desde 2007 como Procuradora da Fazenda Nacional.


[1] RICCI, Rochelle. A legislação em comento está longe de ter conseguido reduzir à análise de um só documento as avaliações recomendáveis para garantir a segurança almejada. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br>. Acesso em: 19 fev. 2017.
[2] O Código Penal (art. 91, inciso II, alínea b) prevê a  perda,  em favor da União, ressalvado o direito  do  lesado  ou  de terceiro de boa-fé, do produto do crime, como  um dos efeitos da condenação.

[3] Vide art. 3º, inciso VI, da Lei n. 8.009/1990.

[4] Deve-se lembrar que para os atos jurídicos posteriores à referida lei (posteriores a 19 de janeiro de 2015) a obrigação de registrar ou averbar o ato na matrícula entrou em vigor no dia 19 de fevereiro de 2015.

[5] Disponibilizado na edição do DJe de 28/07/2015 e republicado no DJed e 29/07/2015.

Fonte: CNB/CF | 20/02/2017.

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Artigo: Serão notários os robôs? – Por Ângelo Volpi Neto

*Ângelo Volpi Neto

Desde o início da criação dos computadores sempre se devaneou sobre quando as máquinas teriam capacidade de igualar-se aos seres humanos. Alan Turing, conhecido como um dos pais da computação, desde 1950 já falava em inteligência artificial (assistam “O Jogo da Imitação”).

Desde então, no imaginário humano, retratado por vários filmes e livros, vislumbrou-se essa realidade, principalmente através de robôs com aspectos humanos. Ao que parece, este dia cada vez mais se avizinha. A inteligência artificial vem se manifestando através de vários softwares dos quais muitas vezes não nos damos conta. Para citar apenas alguns, o Watson da IBM responde perguntas das mais variadas e joga xadrez como ninguém. Há também o Spotify, que sugere músicas de acordo com nosso gosto musical, a SIRI, que habita os iPhones, e ainda outros tantos.

Pesquisas indicam que nas próximas duas décadas metade dos empregos atuais desaparecerão. A pergunta que não quer calar, é: Seremos nós tabeliães substituídos por máquinas?

Para responder esta pergunta, não somente nós tabeliães, mas qualquer outro profissional deve refletir sobre alguns aspectos de sua atividade. A primeira questão recai sobre quão repetitivo seu trabalho é, pois nestes casos, não há ninguém que possa fazê-lo melhor do que uma máquina, que monitora estes padrões repetitivos e “assimila”.

Minutas de escrituras certamente fazem parte do acervo de qualquer notário, o que mudam são as chamadas variáveis, que são respondidas por quem? Pelos clientes. Portanto, basta um software que saiba responder estas perguntas.

Já existem vários que estão sendo usados por escritórios de advocacia. E não pensem que estes respondem apenas questões básicas como nome, RG, estado civil, e etc. São capazes, inclusive, de ler documentos e redigir uma petição judicial. Deste modo, por que não uma escritura ou procuração?

Você deve estar pensando: “mas isso não é o suficiente, faltará a identificação das partes e a avaliação da capacidade! ”. Se você ainda não ouviu falar em “telepresença imersiva”, certamente irá, ambientes de “realidade virtual” estão cada vez mais perfeitos. Sistemas de identificação biométrica de pessoas (inclusive assinaturas) são muito melhores do que nosso “cara a cara x carteira de identidade ”.

Portanto, caro colega, imagine um cliente que comprou um imóvel por contrato particular, já quitou e agora precisa fazer a escritura definitiva. Havemos de convir que no atual estágio da computação, trata-se apenas de uma questão de desenvolvimento de um software para que esta tarefa seja feita por uma máquina. Bastaria à máquina “ler” o contrato e produzir a escritura definitiva.

Mas dentre as atividades que as máquinas podem nos substituir, certamente os serviços de reconhecimento de assinatura e autenticação são os mais vulneráveis. Já existem softwares que comparam assinaturas e também conferem autenticidade para documentos em papel. A propósito, alguém ainda acredita que os documentos em papel vão existir por muitos anos? Como sabemos, nos documentos natos digitais as assinaturas já não são mais reconhecidas, nem se autenticam cópias.

Destarte, ao que parece, não é uma questão de indagarmo-nos se isso acontecerá, mas quando acontecerá. Se máquinas já dirigem automóveis e aviões, não é necessária atividade de futurologia para imaginar que nossa profissão vai ser fortemente impactada pela inteligência artificial. As máquinas já aprendem! Ao responder uma pergunta, por exemplo, não significa que alguém incluiu nelas a pergunta e a resposta, mas sim que ela usou sua capacidade cognitiva.

Em vista disso, um robô notarial terá “lido” todos as leis, provimentos e jurisprudências, saberá extrair e qualificar todas as informações que trocamos em nossos grupos de discussões,(e provavelmente fará parte deles). Vejam este robô também terá lido todos os livros e artigos escritos sobre a atividade notarial, em todas as línguas! Será como um “Google” notarial interativo.

O que nos restará? Especialistas admitem que a última fronteira da computação é entender e simular os sentimentos humanos. Em se tratando de nossa profissão, quero crer que no futuro os notários, assim como os advogados, irão continuar desempenhando seu papel pela empatia, criatividade e experiência profissional.

A história tem milhares de casos que nos ensinam que não adianta lutar contra a tecnologia, a saída é adaptar-se. As novas gerações vão querer resolver todos seus assuntos notariais pela internet a custos baixíssimos. Portanto, para começar nossa “adaptação”, temos que partir para o autoatendimento, assim como já fazem bancos, companhias aéreas e outros segmentos. Não é difícil imaginar o cliente respondendo remotamente a um formulário mediante a necessidade de fazer uma escritura de união estável, pacto antenupcial ou uma procuração simples, para depois dirigir-se ao tabelionato para assinatura.

Também não há de ser admitido, por exemplo, que um advogado precise ir pessoalmente ao tabelionato somente para assinar, como assistente, um divórcio ou inventário.  (Calo-me aqui com referência a assinatura remota nos demais atos notariais, tema que já tratei em outros escritos).

Sim, caros colegas, devemos começar urgentemente, real e efetiva modernização de nosso trabalho, não adiantando somente tecer críticas àqueles que já se aventuram no universo digital. A identificação de pessoas e suas assinaturas, a mediação de conflitos, o aconselhamento sucessório, familiar, patrimonial e negocial não nos será “tomado” (tão cedo) pelas máquinas.

Lembremos que, nós como consumidores, também queremos desfrutar da tecnologia e suas vantagens, ou seja: Serviços rápidos, baratos, seguros e acessíveis remotamente. Alea jacta est! 

*Ângelo Volpi Neto – Titular do 7º Tabelionato de Notas de Curitiba, Ex-presidente do CNB-CF, Autor dos livros  “Comércio Eletrônico Direito e Segurança” e “A vida em BITS”, Membro do Conselho Honorário da União Internacional do Notariado,  Presidente fundador e honorário do IMAB-BR .

 Fonte: CNB/CF | 09/02/2017.

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ARTIGO: Como aproveitar o prazo de consolidação da propriedade na alienação fiduciária para a venda em leilão do imóvel retomado – Por Mauro Antônio Rocha

*Mauro Antônio Rocha

1. O jornal ‘O Estado de São Paulo’ publicou, na edição de 28 de janeiro passado, reportagem sobre o mercado imobiliário, dando conta de que, somente em 2016, mais de 14 mil unidades imobiliárias foram ‘retomadas’ por meio de execução extrajudicial em contratos de alienação fiduciária em garantia, em decorrência de inadimplemento dos pagamentos pelos mutuários, com crescimento de 247% em relação ao ano anterior, acumulando em quase R$ 10 bilhões o valor de estoque desses bens nos balanços das instituições financeiras.

Esses 14.184 imóveis, conforme dados apurados pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo – ARISP, serão – obrigatoriamente – vendidos em leilões públicos realizados nos prazos e conforme procedimentos dispostos na Lei nº 9.514/1997, ou, em caso de resultado negativo nos leilões, mediante venda direta, conforme determina o art. 35 da Lei nº 4.595/1964, no prazo máximo de um ano, prorrogável a critério do Banco Central do Brasil.

O rito proposto pela Lei nº 9.514/1997 para a alienação do bem imóvel objeto de consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário por meio de leilão público visa proporcionar a recuperação de recursos em montante suficiente para a reposição integral do valor devido com os respectivos encargos, mas, também, reembolsar, total ou parcialmente, os efetivos dispêndios financeiros do devedor mediante a devolução do excesso eventualmente apurado. Outrossim, a opção pela alienação do imóvel no ambiente supostamente controlado do leilão público, capaz de conferir publicidade à intenção de venda e generalizar a participação e licitação de compra, demonstra a preocupação do legislador em dar transparência à transação e proteger os interesses do devedor.

No entanto, esses imóveis ‘retomados’ são, quase sempre, oferecidos à venda em cerimônias furtivas, destituídas de qualquer planejamento, organização e da imprescindível publicidade e divulgação, que afastam, quando não impedem, a participação dos reais interessados na aquisição, favorecendo negócios com cartas marcadas e resultados contrários aos interesses dos envolvidos – credor fiduciário e fiduciante – frustrando a intenção da lei de que a alienação alcance valor minimamente compatível com a avaliação técnica e projeções de mercado e, principalmente, deixando o credor, a quem a lei confiou a responsabilidade pela consecução da venda, desnecessariamente exposto a pretensões indenizatórias do devedor e de terceiros eventualmente prejudicados.

Há que se reconhecer, entretanto, que, para além do descuido do credor com relação aos procedimentos legais, também os prazos estipulados para a realização dos leilões – trinta dias para o primeiro e mais quinze dias, se necessário um segundo, sempre contados da averbação da consolidação da propriedade – são insuficientes e embaraçam a organização desses eventos.

Para confrontar essa dificuldade – e cumprir os desígnios da lei – resta ao credor fiduciário – e aqui nos referimos especialmente aos credores massivos, entidades financeiras e grandes incorporadoras – utilizar de maneira inteligente a oportunidade que é proporcionada pelo alargamento do prazo para averbação obrigatória da consolidação da propriedade, estabelecido pelas corregedorias dos Tribunais de Justiça de diversos estados para suprir a ausência de dispositivo legal expresso e específico.

2. Com efeito, a consolidação da propriedade decorre do não pagamento, total ou parcial, da dívida no termo contratual (art. 26, caput, da Lei nº 9.514/1997) e se perfaz, de direito, pela averbação na matrícula imobiliária, após (1) o decurso do prazo legal deferido ao devedor ou fiduciário para a purgação da mora, (2) a certificação desse fato pelo Oficial de Registro competente e (3) requerimento do fiduciário mediante comprovação do recolhimento do imposto sobre transmissão de bem imóvel incidente sobre a transação.

Nesse sentido, dispõe o § 7º do art. 26 da referida lei, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004 que decorrido o prazo legal sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.

Ocorre que a lei não dispôs expressamente sobre o prazo designado para que o credor requeira a averbação da consolidação da propriedade.

A ausência de prazo expresso no texto legal não pode, entretanto, ser entendido como inexistência de prazo. Há que se atentar para o fato de que a consolidação da propriedade finaliza o procedimento registral da execução extrajudicial da garantia fiduciária que, por sua vez, se inicia com a prenotação do requerimento de intimação, cujos efeitos cessam automaticamente no prazo comum de 30 dias, determinado pelos artigos 188 e 205 da Lei nº 6.015/1973, salvo as exceções legalmente discriminadas (dúvida, 2ª hipoteca, editais para a constituição de bem de família, entre outros), caso o registro não se complete por omissão do interessado em atender às exigências legais. Dessa forma, a rigor, o prazo de trinta dias que se inicia com a prenotação restaria prorrogado desde a data de expedição ou postagem da intimação até a do decurso do prazo de purgação de mora, cabendo ao credor comprovar o pagamento dos tributos de transmissão antes de esgotado o trintídio.

Todavia, ao cuidar das intimações e da consolidação da propriedade fiduciária, no Capítulo XX das normas gerais dedicadas às atividades extrajudiciais, a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo estipulou, que decorrido o prazo de 120 (cento e vinte) dias sem as providências elencadas no item anterior, os autos serão arquivados e a consolidação da propriedade fiduciária exigirá novo procedimento de execução extrajudicial.

O procedimento adotado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça paulista – a rigor totalmente desconectado da intenção de celeridade proposta pela lei – foi replicado em normas gerais expedidas em outros estados da federação e terminou por transformar-se, de maneira geral, em prazo admitido nacionalmente.

 3. Esse prazo concedido para a averbação da consolidação da propriedade dá ao credor, agora em situação de absoluta vantagem, a possibilidade de negociar o recebimento da dívida para o convalescimento contratual ou a liquidação do contrato e consequente cancelamento da alienação fiduciária.

A condição de vantagem do credor decorre da sensível alteração na situação das partes contratantes provocada pela regular intimação do devedor ou fiduciante – afastando do devedor a conveniência de adiar ou dificultar a efetivação do ato de ciência e aproximando-o do credor em busca do acertamento da situação pendente, o que é, quase sempre, consentâneo com o interesse do credor fiduciário, em razão dos elevados custos da retomada do imóvel, desocupação, recuperação e manutenção física, segurança, impostos incidentes sobre a propriedade e demais custos incorridos no período que entremeia a consolidação da propriedade e a efetiva alienação do imóvel,

De outro lado, esse prazo de cento e vinte dias representa uma valiosa oportunidade para os leilões públicos sejam organizados e planejados de forma a escapar das hastas modorrentas e viciadas cometidas em detrimento dos interesses do credor e do devedor, abrindo aos credores a oportunidade de promover grandes eventos periódicos para a alienação de centenas de propriedades consolidadas no interregno, que poderão ser realizados individualmente ou em conjunto com outras entidades, num único local, no mesmo estilo e com a eficácia dos feirões da casa própria, agregando à oferta de venda a participação profissional de leiloeiros, corretores de imóveis, oficiais de notas e de registro de imóveis e, especialmente, despertando o interesse dos consumidores e investidores na disputa pela aquisição dos bens mediante oferta do melhor preço, propiciando a participação dos verdadeiros interessados na aquisição dos imóveis com real possibilidade de licitar de forma transparente e, por que não, realizando novos negócios mediante o financiamento da aquisição pelos contendores.

Evidentemente, poderá um ou outro devedor ingressar em juízo para exigir a averbação da consolidação e realização imediata dos leilões ou, ainda, algum interessado poderá recolher os tributos para inicia o cômputo do prazo determinado para a venda, porém, reconhecido o risco de responder por perdas e danos comprovados, não há previsão de sanção para a realização intempestiva do leilão, podendo o credor manter a programação definida e a divulgação dos resultados positivos desses eventos aos poucos minará o voluntarismo judicial dos devedores.

[1] O autor é advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial. Professor, palestrante e Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal – CEF.

Fonte: iRegistradores | 07/02/2017.

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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