CSM/SP: Registro de imóveis – Negativa de registro de Escritura de Compra e Venda de bem imóvel – Recusa fundada na necessidade de prévio inventário de bens deixados pelo cônjuge – Direito de acrescer não ocorrente na espécie – Doação realizada exclusivamente em favor dos filhos, e não de seus cônjuges – Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação – Inaplicabilidade do art. 551, parágrafo único do código civil – Sentença mantida – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1007244-07.2023.8.26.0438

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1007244-07.2023.8.26.0438
Comarca: PENÁPOLIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1007244-07.2023.8.26.0438

Registro: 2024.0000384604

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1007244-07.2023.8.26.0438, da Comarca de Penápolis, em que é apelante MADALENA MIRANDA GOMIDE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PENÁPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1007244-07.2023.8.26.0438

APELANTE: Madalena Miranda Gomide

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Penápolis

VOTO Nº 43.329

Registro de imóveis  Negativa de registro de Escritura de Compra e Venda de bem imóvel  Recusa fundada na necessidade de prévio inventário de bens deixados pelo cônjuge  Direito de acrescer não ocorrente na espécie  Doação realizada exclusivamente em favor dos filhos, e não de seus cônjuges  Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação – Inaplicabilidade do art. 551, parágrafo único do código civil  Sentença mantida  Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por MADALENA MIRANDA GOMIDE contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis de Penápolis, que, em dúvida suscitada, manteve a recusa de registro da Escritura Pública de Venda e Compra do imóvel de matrícula nº 29.539 daquela serventia, exigindo a realização de inventário e partilha dos bens deixados pelo cônjuge falecido, Nilsen Arruda Gomide (fls. 73/75).

A apelante pretende, em síntese, seja reconhecido o direito de acrescer com fundamento no artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, dispensando-se a abertura de inventário pelo falecimento de seu marido. Nestes termos, requer a reforma da r. sentença, com ingresso do título no fólio real (fls. 76/83).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 114/116).

É o relatório.

A recorrente apresentou a registro a Escritura Pública de Venda e Compra, lavrada pelo 1º Tabelionato de Notas de Penápolis (livro 439, fls. 295/298), em que Madalena Miranda Gomide e outros venderam a Acir Vieira de Miranda e a sua esposa Maria Constância Baffile de Miranda, uma parte ideal de 80% de uma propriedade composta de 3,6281 hectares, da gleba denominada 1, objeto da matrícula 63.295, procedente da matrícula nº 29.539, objeto da Retificação Consensual nº 48/22 de 01 de abril de 2022.

Como esclareceu o Oficial, Madalena comparece na referida escritura na condição de viúva, requerendo que seja acrescida ao seu patrimônio a parte que seria de seu falecido cônjuge, com invocação do disposto no artigo 551, §1º, do Código Civil Brasileiro, com o que o delegatário não concordou, como explicitado na nota de devolução nº 208.100 (fls. 120), que, vencida, ensejou a posterior nota nº 211.439 (fls. 119):

“- Necessário apresentar o CCIR 2022 e comprovante de quitação.

– O acréscimo requerido pela vendedora Madalena não pode ser feito tendo em vista que a parte recebida por doação de seus pais foi feita a ela casada com Nilson e não ao casal, nesse caso não se aplica o direito de acrescer, previsto no art. 551 – § 1º do código civil.”

A recusa do Oficial deve prevalecer.

O direito de acrescer entre cônjuges está previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, cujo teor transcrevo:

“Art. 551. Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual.

Parágrafo único. Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”.

Da leitura do dispositivo legal, conclui-se que na doação feita aos cônjuges, isto é, ao casal, subentende-se estabelecido o direito de acrescer, de modo que, falecido um dos cônjuges, o imóvel passa a pertencer na totalidade ao cônjuge sobrevivente, não integrando o acervo hereditário.

Nesse sentido é o ensinamento de Maria Helena Diniz, em comentário ao art. 551, na obra Código Civil Anotado, São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição, pág. 505:

“Se os beneficiários são marido e mulher (casal donatário), a regra é a do direito de acrescer: a doação subsistirá, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente (RJTJSP, 138:105; RT, 677:218) não passando a parte do bem doado, cabível ao de cujus ao acervo hereditário, nem aos herdeiros necessários”.

A hipótese vertente é semelhante à apreciada nos autos do Recurso Administrativo nº 1000010-77.2017.8.26.0019, em que o parecer da lavra do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, Dr. Paulo Rogério Bonini, foi acolhido pelo então Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Dr. Ricardo Mair Anafe, onde ficou expressamente consignado que:

“O fato de haver doação a um dos cônjuges que, por força do regime de bens, irá se integrar a comunhão, não indica desnecessidade de liquidação da meação e dos bens particulares do cônjuge falecido, formando-se, a um só tempo, a meação do cônjuge sobrevivente e a herança partilhável. A tese confunde os efeitos de cláusula contratual decorrente da doação em favor de ambos os cônjuges com os efeitos do regime de bens em relação ao bem doado a um só deles.

Se a recorrente era casada pelo regime da comunhão universal de bens e recebeu, individualmente, doação sem a imposição de cláusula de incomunicabilidade, houve natural comunhão sobre o bem e, com o falecimento de seu cônjuge, deverá a mancomunhão ser liquidada para fins de aferição da meação sobre o bem comum e da parte legítima dos herdeiros. Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, apreciando recurso especial em processo que discutir a mesma questão apresentada na tese recursal: Civil. Recurso especial. Inventário. Imóvel obtido pelo falecido mediante doação. Único donatário. Subsistência da doação em relação ao seu cônjuge, com base no art. 1178, parágrafo único do CC. Impossibilidade. – A aplicação do art. 1178, parágrafo único do CC, no sentido de subsistir a doação em relação ao cônjuge supérstite, condiciona-se ao fato de terem figurado como donatários marido e mulher. No contrato de doação, se apenas o marido figura como donatário, ocorrendo a morte deste, eventual benefício à mulher somente se configurará se o regime de bens, estabelecido no matrimônio, permitir. Recurso especial não conhecido. (STJ Resp 324.593/SP 3ª T. rel.ª Min.ª Nancy Andrighi j. 16.09.2003 DJ 01.12.2003).

Do teor do voto, colhe-se a seguinte posição:

‘Por outro lado, se na doação figura como donatário somente o marido ou a mulher, em razão de sua morte serão os seus herdeiros beneficiados. Nessa hipótese, poderá o cônjuge supérstite, caso exista, ser ou não beneficiado em razão do regime de bens adotado no matrimônio. Adotado o regime de comunhão de bens, o bem doado acrescerá a meação do cônjuge supérstite, nos termos do art. 263, II do CC, se no contrato de doação não restou lançada cláusula de incomunicabilidade. A respeito da questão, assim se pronunciou o mestre Pontes de Miranda: ‘No art. 1178, parágrafo único, estabelece-se o direito do cônjuge sobrevivo à totalidade da doação. Nada tem isso com a sorte da doação confirme o regime matrimonial de bens. O que o parágrafo único faz entender-se é que, se os donatários são cônjuges, a parte do cônjuge que premorre passa ao sobrevivo. Nada tem isso com a doação a um dos cônjuges, se o regime é da comunhão de bens, ou outro regime. O parágrafo único supõe pluralidade, aí duas pessoas, que foram os outorgados, e em atenção à situação jurídica entre eles estatui que toda a doação vai ao que está vivo. Se já a haviam recebido, não há invocabilidade do parágrafo único.’ (Tratado de Direito Privado Parte Especial, Tomo XLVI, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1964, p. 237).”

Na espécie, não houve doação ao casal, mas apenas a Madalena, quando era casada pelo regime da comunhão universal de bens.

A procedência da propriedade de Madalena está no R.01 da matrícula nº 29.539, em que ela recebeu, em doação, juntamente com seus irmãos, uma parte ideal do referido imóvel.

Confira-se o R.01 da matrícula nº 29.539:

“Por escritura pública lavrada no 1º Tabelionato de Notas local, em 10 de setembro de 1999, no livro 257, fls. 163/164, o proprietário Augusto Vieira de Miranda, acima qualificado, transmitiu a título de doação à seus filhos: MADALENA MIRANDA GOMIDE (…) casada sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com NILSEN ARRUDA GOMIDE (…); HAMILTON VIEIRA DE MIRANDA (…) casado sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com BALBINA PRANCISCA PAES DE MIRANDA (…); ACIR VIEIRA DE MIRANDA (…) casado sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com MARIA CONSTÂNCIA BAFFILE DE MIRANDA (…); EURIDES VIEIRA DE MIRANDA CUNHA (…) casada sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com RUBENS CUNHA (…); AMIR VIEIRA DE MIRANDA (…) casado sob o regime da comunhão de bens, antes da Lei 6.515/77, com MARIA ELENA MUNHOZ MIRANDA (…) o imóvel objeto desta matrícula (…)” (grifo nosso).

Como se vê do registro em apreço, a doação foi feita pelo genitor a seus filhos, e não a seus filhos e correspondentes cônjuges.

Desta forma, Madalena recebeu sua parte ideal do imóvel por doação de seu pai, quando estava casada com Nilsen Arruda Gomide, sob o regime da comunhão universal de bens, hipótese que não dá ensejo ao direito de acrescer entre cônjuges previsto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil.

Somente, portanto, em casos de doação expressa ao casal é que há incidência da regra do citado dispositivo legal.

No caso, a doação foi feita exclusivamente a Madalena e a seus irmãos, não incluindo os correspondentes cônjuges, como já destacado.

Assim, não há que se falar em incidência da regra do art. 551, parágrafo único, do Código Civil à hipótese vertente.

Diante do falecimento do cônjuge de Madalena, necessária a partilha de bens para que seja dado destino ao seu patrimônio.

Nesse sentido, é o entendimento da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – RECORRENTE QUE PRETENDE, DEPOIS DE AVERBADO NA MATRÍCULA O ÓBITO DE SEU CÔNJUGE, COM QUEM ERA CASADA SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS, SEJA TAMBÉM AVERBADA A SUBSISTÊNCIA, EM SEU FAVOR, DA TOTALIDADE DA PARTE IDEAL DO IMÓVEL RECEBIDO POR DOAÇÃO NEGATIVA DE AVERBAÇÃO, COM EXIGÊNCIA DE QUE A PARTE CABENTE AO FALECIDO SEJA LEVADA A INVENTÁRIO DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DO CÔNJUGE FALECIDO INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL ÓBICE MANTIDO RECURSO NÃO PROVIDO.” (Parecer 10/2024-E, Processo CG nº 1005259-37.2022.8.26.0438, Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques, aprovado pelo E. Des. Francisco Eduardo Loureiro, em 19/01/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Recorrente que pretende, depois de averbado na matrícula o óbito de seu cônjuge, com quem era casada sob o regime da comunhão universal de bens, que seja também averbada a subsistência, em seu favor, da totalidade da parte ideal do imóvel recebido por doação  Negativa de averbação, com exigência de que a parte cabente ao falecido seja levada a inventário  Doação realizada exclusivamente em favor da recorrente, filha dos doadores, e não em favor dela e seu marido  Inaplicabilidade do disposto no parágrafo único do art. 551 do Código Civil  Mancomunhão sobre o imóvel doado que decorre do regime de bens do casamento e não de efeitos próprios da doação  Óbice mantido  Recurso não provido.” (Parecer 113/2020-E, Processo CG 1000013-32.2017.8.26.0019, Parecer MM Juíza Auxiliar da Corregedoria Stefânia Costa Amorim Requena, aprovado pelo E. Des. Ricardo Mair Anafe, em 13/03/2020).

Outra solução, aliás, não poderia ser dada ao caso concreto porque recentemente, sob minha relatoria, foi julgado recurso da mesma interessada, com idêntica postulação, mas com referência a outro imóvel, cuja ementa ora se destaca:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – RECUSA FUNDADA NA NECESSIDADE DE PRÉVIO INVENTÁRIO DE BENS DEIXADOS PELO CÔNJUGE – DIREITO DE ACRESCER NÃO OCORRENTE NA ESPÉCIE – DOAÇÃO REALIZADA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DOS FILHOS, E NÃO DE SEUS CÔNJUGES – MANCOMUNHÃO SOBRE O IMÓVEL DOADO QUE DECORRE DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO E NÃO DE EFEITOS PRÓPRIOS DA DOAÇÃO – INAPLICABILIDADE DO ART. 551, PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL – SENTENÇA MANTIDA – APELAÇÃO NÃO PROVIDA” (Apelação nº 1007246-74.2023.8.26.0438; Conselho Superior da Magistratura; data do julgamento: 08 de março de 2024).

Correta, portanto, a recusa do registrador pelo ingresso do título no fólio real.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.05.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Registro de alienação fiduciária em garantia – Qualificação negativa em virtude de descrição tabular precária – Especialidade objetiva cumprida no instrumento contratual, que identifica o imóvel alienado fiduciariamente pela matrícula e por seu cadastro municipal – Imóvel urbano que pode estar descrito apenas com referência à matrícula (artigo 2º, caput, da Lei n. 7.433/85) – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede ingresso – Registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Óbice afastado – Apelação provida, com observação.

Apelação Cível nº 1017004-17.2023.8.26.0361

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1017004-17.2023.8.26.0361
Comarca: MOGI DAS CRUZES

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1017004-17.2023.8.26.0361

Registro: 2024.0000384606

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017004-17.2023.8.26.0361, da Comarca de Mogi das Cruzes, em que é apelante 3MI SECURITIZADORA S/A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES/SP.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1017004-17.2023.8.26.0361

APELANTE: 3mi Securitizadora S/A

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mogi das Cruzes/SP

VOTO Nº 43.356

Registro de imóveis – Dúvida – Registro de alienação fiduciária em garantia – Qualificação negativa em virtude de descrição tabular precária – Especialidade objetiva cumprida no instrumento contratual, que identifica o imóvel alienado fiduciariamente pela matrícula e por seu cadastro municipal – Imóvel urbano que pode estar descrito apenas com referência à matrícula (artigo 2º, caput, da Lei n. 7.433/85) – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede ingresso – Registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Óbice afastado – Apelação provida, com observação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por 3MI Securitizadora S/A contra a r. sentença de fls. 223/225 e 241, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi das Cruzes, que manteve a recusa em se proceder ao registro de instrumento particular de alienação fiduciária e outras avenças com força de escritura pública, acompanhado do respectivo aditivo e de instrumento de confissão de dívida, na matrícula n. 10.774 daquela serventia (prenotação n. 302.673).

Fê-lo a r. sentença sob o argumento de que, embora parcialmente atendidas as exigências apresentadas na primeira nota devolutiva (prenotação n. 301.257 – fls. 143/146), a identificação do imóvel, nos termos do artigo 176, II, 3, “b”, da Lei n. 6.015/73, não consta na matrícula (fls. 105/122). Justamente em virtude da precariedade da descrição tabular, que não indica as medidas perimetrais e angulações dos segmentos delimitadores, impossibilitando a localização e a indicação da forma geodésica do imóvel, correta a exigência de retificação prévia (fls. 223/225).

A parte apelante argumenta que formulou ao Oficial requerimento de reconsideração da exigência de retificação da área da matrícula n. 10.774; que o imóvel em questão foi convertido para destinação urbana de acordo com os requisitos da Lei Municipal de Mogi das Cruzes n. 7.200/2016, com anotação na matrícula (fls. 52/56, 84/85 e 120/121, Av. 43); que, já naquela ocasião, o Oficial deveria ter observado todos os requisitos da Lei de Registros Públicos, uma vez que o imóvel foi inserido no perímetro urbano; que, anteriormente a tal transformação, tentou registrar outra alienação fiduciária sobre o bem, sem sucesso e sob a mesma recusa (fls. 139/142); que, após a referida conversão, aprovada pelo Município, e ciente da regularização das exigências legais (de presunção absoluta), aceitou nova negociação, firmando o título que pretende registrar.

Aduz, ainda, que os atuais proprietários, Kenzo Neguishi e sua esposa, Miyoko Neguishi, ofereceram o mesmo imóvel em garantia de negócios familiares em várias ocasiões (vinte e duas vezes), conforme evidenciado pelos atos registrais do R.2 ao Av. 41/10.774, praticados com base na mesma descrição desde a abertura da matrícula; que a descrição tabular foi feita na vigência da Lei n. 6.015/73, que não exige georreferenciamento para áreas inferiores a 25 hectares; que pretende registrar alienação fiduciária sobre a totalidade do imóvel, sem fracionamento ou parcelamento; que o imóvel está livre de ônus e o registro não prejudicará terceiros, sendo necessário para tornar pública a garantia; que a recusa é contraditória, pois anteriormente foram praticados diversos atos na matrícula n. 10.774 e nas matrículas n. 40.233 e 40.234 (fls. 123/138), de mesmos proprietários e com descrições idênticas; que apenas aceitou o novo negócio em decorrência do aceite de outros títulos de alienação e da averbação da transformação da área de rural para urbana, o que indicava atendimento dos requisitos legais; que não há violação à especialidade objetiva (artigo 176 do Lei n. 6.015/73), pois a matrícula foi aberta na vigência da lei atual, com identificação suficiente dos elementos para a localização física do imóvel, de modo a coincidir com a descrição contida no título, o que confirma como desnecessária a exigência de prévia retificação tabular.

Por fim, pede a instauração de procedimento administrativo para apuração dos atos praticados pelo Oficial, uma vez que ele aceitou o registro de outras alienações fiduciárias e averbou a conversão da área rural em urbana sem observar os requisitos legais, em contradição com a conduta adotada neste caso concreto (fls. 247/267).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 284/293).

Por força da decisão de fls. 294/295, o feito foi redistribuído a este C. Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

De início, vale ressaltar que o Oficial titular ou interino dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, porém, o recurso comporta provimento.

Vejamos os motivos.

O dissenso versa sobre a registrabilidade de contrato de alienação fiduciária de imóvel em garantia e outras avenças (fls. 23/34) e aditivo (fls. 35/37), instruído com instrumento particular de confissão de dívida (fls. 38/51).

O bem em questão está matriculado sob n. 10.774 perante o 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Mogi das Cruzes (fls. 105/122).

Após cumprimento parcial das exigências apresentadas pelo Registrador (prenotação n. 301.257 – fls. 143/146), o título foi reapresentado e novamente recusado pela precariedade da descrição tabular, com exigência de “(…) prévia retificação de área do referido imóvel, a fim de adequar a descrição da área às exigências do artigos 176, § 1º, II, 3, “b”, e 225, da Lei nº 6.015/73, e do item 57, I, do Capítulo XX, das NSCGJ”, e posterior retificação do título segundo a nova descrição (prenotação n. 302.673 – fls. 147/150).

A certidão da matrícula n. 10.774 assim descreve o imóvel objeto da garantia fiduciária (fls. 105/122):

“UMA GLEBA DE TERRAS, sob nº um (1), com área de 6,00 alqueires e 8.350,00 mts2, ou 15,3 ha., contendo uma casa de moradia, uma garagem, três barracões, situados no bairro do Caputera, zona rural deste município e comarca, tendo o quinhão as seguintes divisas: ‘Começa no marco número um (1), no espigão segue linha reta, dividindo com Hatiro-Nisie até o marco número dois (2), à margem do Ribeirinho, segue pelo Ribeirinho até o marco três, ai segue por um córrego até o marco número quatro (4), corta em linha reta e segue confrontando com a gleba número (2) de Marika Kiyokawa até o marco número cinco (5), no espigão, dai segue pelo espigão dividindo com Luiza Matarazzo, até dar no ponto de partida”.

Na referida matrícula, averbou-se a alteração do perímetro do imóvel de rural para urbano (Av. 43 – fls. 120/121), nos termos do item 121, Cap. XX, das NSCGJ. Tal conversão foi realizada por meio de procedimento administrativo conduzido pelo Município conforme documentação apresentada às fls. 52/56 e 84/85, de modo a constar na matrícula identificação segundo o cadastro municipal (inscrição n. 47.004.135.000-0).

A parte recorrente, credora, pretende o registro de contrato de alienação fiduciária em questão, em que o imóvel dado em garantia vem assim descrito:

IMÓVEL: Imóvel objeto Matrícula nº 10.774 do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes/SP, cadastrado na Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes/SP, Inscrição nº 47.004.135.000-0, com área de terreno de 153.550,00 m², área construção de 2.410,27 m² e outras edificações 124,66 m², consoante consta do cadastro municipal, situado na Estrada Hachiro Nishie, km 6 Porteira Preta, Mogi das Cruzes/SP, CEP: 08763-550, avaliado em R$ 5.000.000,00 (Cinco Milhões de Reais)”.

De igual modo, o instrumento de confissão de dívida que dá suporte à alienação fiduciária em garantia (fls. 38/51):

Parágrafo Primeiro: Os DEVEDORES E OS DEVEDORES FIDUCIANES assinam instrumento em apartado, denominado CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL, nos termos da Lei nº 9.514 de 20/11/1997 e alterações posteriores, para garantia do efetivo cumprimento do presente contrato, oferecendo imóvel de sua propriedade, consistente na Matrícula nº 10.774 do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, completamente livre de quaisquer ônus”.

Como se vê, a escritura faz remissão expressa à matrícula n. 10.774 do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, com acréscimos em relação à descrição das áreas construídas e menção ao número de cadastro imobiliário conforme certidão expedida pelo Município de Mogi das Cruzes (fls. 55/56 e 85).

Constata-se, portanto, que, embora a descrição do imóvel no título não seja literalmente idêntica à que consta no registro, não há dúvida de que se trata do mesmo bem, notadamente pela remissão expressa à matrícula e pela indicação do cadastro municipal, o qual já havia sido averbado (Av. 43 fl. 120 e fls. 23/34), tudo a corroborar a inexistência de ofensa ao princípio da especialidade objetiva.

Vale ressaltar que a correspondência que se espera não é entre o título e a base física, mas entre o título e o fólio real, o que confirma, com certeza suficiente e a segurança necessária, que o imóvel indicado no título é exatamente o mesmo indicado na matrícula.

Em outras palavras, embora ainda não seja possível identificar a base física do registro, o que pode ser relevado e deve ser apurado em procedimento próprio, é possível identificar perfeita correspondência entre o imóvel da matrícula n. 10.774 e o objeto do título apresentado a registro.

Note-se que a propriedade fiduciária tem caráter resolúvel, de modo que somente se consolidará na hipótese de extinção anômala do contrato principal, pela inadimplência. Assim, não há interesse imediato na retificação da descrição do imóvel que, no caso concreto, se mantém desde a abertura da matrícula, em novembro de 1979, o que se confirma pelo sucessivo oferecimento em garantia de contratos financeiros, conforme indicado na sinopse objeto da Averbação n.44 (fls.121/122).

Ou seja, o registro do título apresentado visa apenas dar publicidade à garantia oferecida, cujo destino esperado é de cancelamento pela extinção normal do contrato principal com a quitação da dívida contraída pela parte fiduciante.

Em outros termos, a consolidação da propriedade, com transmissão definitiva do imóvel, não é o objetivo principal dos contratantes neste momento, os quais visam apenas conferir publicidade à garantia constituída.

Ademais, em se tratando de imóvel inserido na zona urbana, a menção à matrícula e ao número de cadastro imobiliário é providência suficiente ao atendimento do princípio da especialidade objetiva, ainda que conveniente e desejável retificação futura para aperfeiçoamento da descrição, ao lado de averbação de novas construções mediante requerimento próprio.

De fato, a Lei n. 7.433/85, que dispõe sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas, contenta-se com a descrição pela menção à matrícula em se tratando de imóveis urbanos e desde que sua descrição e caracterização estejam presentes na certidão do Cartório de Registro de Imóveis:

Art 2º – Ficam dispensadas, na escritura pública de imóveis urbanos, sua descrição e caracterização, desde que constem, estes elementos, da certidão do Cartório do Registro de Imóveis”.

Registro, portanto, é possível, notadamente porque, “de um lado, o maior rigor na abertura das matrículas aperfeiçoa o sistema, mas, de outro, cria embaraço às partes que adquirem imóveis fiadas aos dados já constantes do registro, ainda que imperfeitos. A necessidade de prévia retificação pode conduzir, assim, a um indesejado atraso nos registros dos títulos e consequente insegurança aos direitos dos adquirentes. Parece que o posicionamento ideal é o anterior, de rejeitar apenas as descrições com imprecisões de tal modo grave que impeçam a própria localização do imóvel, ou causem riscos concretos de sobreposição” (Lei de registros públicos: comentada; coordenação José Manuel de Arruda Alvin Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Cambles. Rio de Janeiro, 2014).

Não se ignoram, porém, precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura em sentido diverso: Ap. Cível n. 1010738-19.2020.8.26.0361, Rel. Des. Ricardo Anafe (Corregedor Geral), Conselho Superior da Magistratura, j. 13/05/2021; Ap. Cível n. 1020846-73.2021.8.26.0361, Rel. Des. Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral), Conselho Superior da Magistratura, j. 06/10/2022; Ap. Cível n. 1002335-71.2022.8.26.0238, de nossa relatoria, Conselho Superior da Magistratura, j. 26/02/2024.

Contudo, a necessidade de aperfeiçoamento da descrição imobiliária e averbação de construções não são motivo para impedir ingresso no caso concreto, que envolve negócio jurídico de alienação fiduciária em que há conformidade suficiente com a descrição tabular (indicação da matrícula), além de identificação por cadastro municipal, como já enfatizado por este Conselho Superior da Magistratura em ocasiões anteriores:

REGISTRO DE IMÓVEIS. CARTA DE SENTENÇA. DEFICIÊNCIA NA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL. IRRELEVÂNCIA IMÓVEL URBANO. O princípio da especialidade objetiva estará atendido quando o imóvel vier descrito de modo tal que possa ser individualizado. Descrição, na situação em epígrafe, que se mostra suficiente, haja vista tratar-se de casa na zona urbana, com endereço completo. A falta de menção à área total do bem não causa empecilhos ao registro de transferência de domínio. Descrição do título, ademais, que coincide com a da matrícula. Recurso Provido” (Ap. Cível n. 1006795-59.2016.8.26.0320; Rel. Des. Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 31/07/2017; Data de Registro: 14/08/2017).

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – PRETENSÃO DE REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL – IDENTIDADE, NO ENTANTO, ENTRE O TÍTULO E A TRANSCRIÇÃO ANTERIOR – POSSIBILIDADE DE ABERTURA DE MATRÍCULA E REGISTRO DO TÍTULO – PRECEDENTES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – RECURSO PROVIDO” (Ap. Cível n. 0015003-54.2011.8.26.0278; Rel. Des. Elliot Akel; Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Data do Julgamento: 02/09/2014; Data de Registro: 17/09/2014).

Solução contrária, a bem ver, não só desconsideraria direito real matriculado sobre imóvel urbano, como também favoreceria os proprietários devedores indevidamente, em prejuízo da parte credora, que conhece a necessidade de aperfeiçoamento da matrícula.

Tal conclusão se reforça pelo fato de a retificação ser possível a qualquer tempo, assim como a averbação das construções, na forma da lei.

Reforça-se, ainda, pelo fato de a matrícula em exame, desde a sua abertura e com essa mesma descrição, já ter recebido, em diversas ocasiões anteriores, registro stricto sensu de atos de transmissão ou oneração da propriedade (R.2/10.774 ao Av.42 fls. 105/120), o que também confirma como possível registro stricto sensu de outra alienação fiduciária, a qual se refere à totalidade do imóvel, que se encontra livre de quaisquer ônus ou gravames, conforme Av. 44/10.774 (fls. 121/122).

Por fim, no que diz respeito à reclamação da parte recorrente, o pedido de adoção de medidas disciplinares contra o Oficial não prospera sobretudo porque inexistem, nos autos, elementos concretos a indicar violação de deveres funcionais: a qualificação agora revista se deu de forma justificada e com a finalidade de regularização do conteúdo da matrícula (retificação e averbação de construções), o que deverá se dar posteriormente, como já observado.

Note-se que o ingresso do título não é providência suficiente ao aperfeiçoamento da matrícula. Em outras palavras, o registro do negócio de alienação fiduciária não importa retificação imediata da área, de modo que a descrição nele contida não deverá ser reproduzida na matrícula.

Para futuras alienações, portanto, retificação será imprescindível.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação e julgo improcedente a dúvida para afastar o óbice e, consequentemente, determinar o registro do título, com a observação de que tal registro não implica regularização do conteúdo da matrícula, a qual se fará imprescindível para ingresso de futuras alienações.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.05.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Regularização fundiária de interesse social promovida nos termos da Lei nº 11.977/09 – Listagem de ocupantes inexistente – Termo de promessa de cessão de direitos com prova de quitação – Título hábil para registro – Óbice afastado – Recurso administrativo referente à cobrança dos emolumentos que deve ser encaminhado à corregedoria geral da justiça em autos suplementares – Incidência do disposto no artigo 30 da Lei nº 11.331/2002 – Sentença reformada – Apelação provida, com determinação.

Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1034360-24.2022.8.26.0405
Comarca: OSASCO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405

Registro: 2024.0000384600

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1034360-24.2022.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes MARIA DE FATIMA FERREIRA DOS REIS SANTOS e DORIZETE AGUIAR SANTOS, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OSASCO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com determinação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de abril de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1034360-24.2022.8.26.0405

APELANTES: Maria de Fatima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco

VOTO Nº 43.327

Registro de imóveis – Dúvida – Regularização fundiária de interesse social promovida nos termos da Lei nº 11.977/09 – Listagem de ocupantes inexistente – Termo de promessa de cessão de direitos com prova de quitação – Título hábil para registro – Óbice afastado – Recurso administrativo referente à cobrança dos emolumentos que deve ser encaminhado à corregedoria geral da justiça em autos suplementares – Incidência do disposto no artigo 30 da Lei nº 11.331/2002 – Sentença reformada – Apelação provida, com determinação.

Trata-se de apelação (fls. 81/86) interposta por Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos contra a r. sentença (fls. 74/75) proferida pela MMª. Juíza Corregedora Permanente do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Osasco/SP, que, na dúvida suscitada, manteve a recusa de registro do Termo de Promessa de Cessão de Direitos sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social, sob fundamento de que referido título não possui acesso ao fólio registral porque não se enquadra nos termos do artigo 167 da Lei nº 6.015/1973.

Os apelantes alegam, em síntese, (i) que o contrato particular, instruído com o termo de quitação, é prova hábil ao deferimento da aquisição da propriedade pela legitimação fundiária, consoante o previsto no item 44, inciso I, do artigo 167 da Lei nº 6.015/73; (ii) que o Município foi omisso ao identificar os ocupantes dos lotes por ocasião da regularização do bairro, mas que, para sanar este problema, a legislação aplicável à regularização fundiária trouxe a possibilidade da aquisição da propriedade, via legitimação fundiária, de forma tardia, apenas exigindo que o ocupante prove que adquiriu o bem, pagou o preço e ali residia quando da regularização fundiária, o que, na espécie, ficou demonstrado; (iii) que, ausente a qualificação dos ocupantes dos lotes regularizados, os interessados/ocupantes podem requerer o domínio sobre a unidade imobiliária perante o CRI competente, apresentando os documentos exigidos pelo parágrafo único do art. 52 da lei da Reurb, em consonância com o que prevê o item 303 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviços dos Cartórios Extrajudiciais. Por isso, pedem a reforma da sentença, com a condenação do Oficial, na restituição do décuplo do valor pago a título de emolumentos, haja vista que o primeiro registro conferindo direitos reais em imóvel objeto de Reurb-S é isento de custas e emolumentos, como estabelecem o item 322 do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ e o artigo 13, §1º, incisos I e II, da Lei nº 13.465/2017.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 134/137).

É o relatório.

Os ora recorrentes postularam o ingresso, no fólio real, do Termo de Promessa de Cessão de Direitos Sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social, datado de 17 de dezembro de 1995 (fls. 09/12), com referência ao imóvel de matrícula nº 114.386, do 1º Oficial de Registro de Imóveis de Osasco (fls. 25), sobrevindo a negativa do registrador, que expediu nota de devolução com o seguinte teor (fls. 26):

“- Conforme constante na matrícula 114.386, o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio é proprietária da citada matrícula.

– O termo ora apresentado refere-se a Promessa de Cessão de Direitos Sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social.

– Conforme exposto acima não é possível o registro pretendido, visto não possuir acesso ao fólio registral, nos termos do art. 167 da Lei 6.015/73.

Obs. Para que surta efeitos contra terceiros, a transmissão deverá ser formalizada através de Escritura Pública, conforme dispõe o art. 108 da Lei 10.406/02”.

Os recorrentes pretendem a aquisição do domínio do imóvel identificado como lote nº 03, da quadra N, do loteamento denominado Jardim 1º de Maio, na Comarca de Osasco, mais bem descrito na certidão de matrícula a fls. 25, e cujo proprietário é o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio.

O título apresentado a registro é o “Termo de Promessa de Cessão de Direitos sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social”, firmado em 17 de dezembro de 1995 (fls. 09/12), pelo qual o Centro de Cooperação por Moradia Popular 1º de Maio se comprometeu a transferir para os promitentes cessionários, Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos e Dorizete Aguiar Santos, a quota parte correspondente a aproximadamente 107,25m² da gleba de terras no local denominado Sítio ou Fazenda dos Andradas ou ainda Martinho Alves, no Município de Osasco, conforme registro no Cartório de Registro de Imóveis da mesma Comarca, matrículas nºs. 6954, 6963, 6962 e 6956, desde logo identificado como lote nº 03 da quadra N.

“Termo de Quitação sobre Cota-Parte em Loteamento de Interesse Social” também foi apresentado ao Cartório de Registro de Imóveis, e nele consta a quitação da cota parte ideal da promitente cessionária Maria de Fátima Ferreira dos Reis Santos referente à área total “ad corpus do local denominado Sítio ou Fazenda dos Andradas ou ainda Martinho Alves…” (fls. 13).

O imóvel tratado nos autos foi objeto de regularização fundiária de interesse social, como se vê das certidões de matrículas que deram origem à matrícula nº 114.386 (fls. 25), cujas juntadas aos autos são feitas nesta oportunidade.

Constata-se que houve regularização fundiária de interesse social, nos termos da Lei nº 11.977/2009, vigente à época, e o loteamento em que inserido o lote 3 da quadra N recebeu a denominação de “Jardim 1º de Maio”.

Desta sorte, há de se analisar a questão posta sob a ótica da Regularização Fundiária, a qual, tanto na atual Lei nº 13.465/2017, quanto na anterior Lei nº 11.977/2009, abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

A Lei nº 11.977/2009, vigente à época, dispunha sobre duas fases de regularização: a primeira, de regularização do solo; e, a segunda, de titulação dos ocupantes.

Na lição de Paola de Castro Ribeiro Macedo:

“Na sistemática da Lei 11.977/2009, havia, de forma clara, duas fases de regularização. A primeira fase, a regularização do solo, fazendo-se nascer um parcelamento do solo em lotes ou a instituição de um condomínio edilício; e a segunda fase, em que iriam ser manejados os possíveis instrumentos para titulação dos ocupantes. Normalmente, inclusive, havia um lapso temporal considerável entre uma fase e outra” (Regularização Fundiária Urbana e seus Mecanismos de Titulação dos Ocupantes, Revista dos Tribunais, Brasil, 2020, Coleção Direito Imobiliário, vol. V. p. 55).

Por titulação dos ocupantes, “entende-se a constituição de título causal capaz de transferir a seus titulares direitos reais registráveis” (ob. cit., p. 222).

E a Lei nº 11.977/2009 previa o instrumento da legitimação de posse para a titulação dos ocupantes, mas também se admitia, por força do artigo 26, §6º, da Lei 6.766/1979, o registro dos contratos de compromisso de compra e venda, cessão, promessa de cessão, ou qualquer outro título que demonstrasse a intenção de venda do imóvel ao ocupante, desde que acompanhados de prova de quitação e de ausência de litígio relacionado ao imóvel.

Apesar do objetivo principal da regularização fundiária ser justamente a concessão de títulos hábeis a tornarem os ocupantes proprietários dos imóveis, a experiência demonstrou que isso nem sempre ocorria, permanecendo a irregularidade na titulação do imóvel.

Com vistas a superar esse problema e alcançar o objetivo de titulação dos imóveis, foi editada a Lei nº 13.465/2017, que substituiu o processo tradicional de legitimação individual, título a título, pelo reconhecimento global da legitimação fundiária e de posse dos beneficiários, “a partir de um cadastro aprovado pelo Poder Público (listagem de ocupantes), constante em Certidão de Regularização Fundiária expedida pelo Município processante, a ser registrada na serventia imobiliária em ato único, juntamente com o projeto de regularização fundiária aprovado (art. 11, inciso VII, Lei nº 13.465/2017)” (Apelação nº 1073614-80.2021.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura; Relator Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia; data de julgamento: 21/06/2022).

Na espécie, todavia, não há listagem de ocupantes, pois a regularização fundiária de interesse social ocorreu na vigência da Lei n° 11.977/2009.

Então, há de se admitir a titulação mediante a apresentação de contratos particulares de venda e compra, compromisso de venda, cessão ou promessa de cessão, desde que acompanhados de termo de quitação.

Aliás, mesmo nas regularizações fundiárias realizadas na vigência da nova Lei nº 13.465/2017, em caso de não existir indicação dos beneficiários e dos direitos reais na Certidão de Regularização Fundiária, faz-se o registro do projeto de regularização fundiária, com a abertura de matrícula, e posterior registro da propriedade, por meio de título individual, como estabelece o artigo 42, parágrafo 3º, do Decreto 9.310/2018, que regulamentou a mencionada lei:

“Na falta de indicação dos beneficiários e dos direitos reais na CRF, será feito o registro do projeto de regularização fundiária com abertura de matrícula de cada unidade imobiliária e o direito real será registrado posteriormente, por meio de título individual, ou conforme o disposto no art. 10”.

Disso não destoam as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX:

“303.2. Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título hábil para aquisição da propriedade, quando acompanhados da respectiva prova de quitação das obrigações do adquirente e serão registrados nas matrículas das correspondentes unidades imobiliárias resultantes da regularização fundiária.

303.3. O registro de transmissão da propriedade poderá ser obtido, ainda, mediante a comprovação idônea, perante o oficial do registro de imóveis, da existência de pré-contrato, promessa de cessão, proposta de compra, reserva de unidade imobiliária ou outro documento do qual constem a manifestação da vontade das partes, a indicação da fração ideal, unidade imobiliária ou unidade, o preço e o modo de pagamento, e a promessa de contratar.

(…)

303.9. Derivando a titularidade atual de uma sucessão de transferências informais, o interessado deverá apresentar cópias simples de todos os títulos ou documentos anteriores, formando a cadeia possessória, e a certidão prevista no item 303.5, de cada um dos adquirentes anteriores.

303.10. No caso do item anterior, o Oficial de Registro de Imóveis realizará o registro do último título, fazendo menção em seu conteúdo que houve transferências intermediárias, independentemente de prova do pagamento do imposto de transmissão intervivos e, se for o caso, do laudêmio, vedado ao oficial do registro de imóveis exigir sua comprovação. (Lei n. 13.465, Art. 13, § 2º)”.

Nesse sentido:

“Atualmente, se a titulação não ocorrer na listagem de ocupantes, ou não tiver sido formalizada no assentamento informal regularizado na vigência da Lei 11.977/2009, possível será o registro desses contratos particulares diretamente no Registro de Imóveis.

Os contratos particulares de venda e compra, compromisso de venda e compra, cessão ou promessa de cessão valerão como título hábil para a aquisição de propriedade, quando acompanhados da prova de quitação das obrigações do adquirente, devendo ser registrados nas matrículas imobiliárias correspondentes, nos termos do art. 26, § 6º, e 41, da Lei 6.766/79 e art. 52, parágrafo único, da Lei 13.465/2017″ (ob. cit., p. 241).

De mesmo teor, aliás, foi o voto proferido na apelação antes mencionada, em que foi relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, merecendo ser destacado o seguinte trecho:

“In casu, não há que se falar em listagem de ocupantes, pois, como já consignado, o procedimento de regularização fundiária ocorreu ainda na vigência da Lei nº 11.977/2009.

Bem por isso, diferentemente do que sustentou o registrador e confirmou a MMª Juíza Corregedora Permanente, não haveria óbice ao registro do instrumento particular de cessão de direitos, acompanhado de prova de quitação, feita pelos antigos aos atuais ocupantes”.

Na situação vertente, igualmente não há óbice ao registro do instrumento particular de promessa de cessão de direitos (fls. 09/12), acompanhado de prova de quitação do preço (fls. 13).

Por fim, quanto ao pedido de condenação à devolução dos valores de emolumentos exigidos no décuplo, sob assertiva de incidir a isenção prevista no artigo 13, inciso I, §º 1º, da Lei nº 13.465/2017, tem-se que a questão merece ser analisada na forma do artigo 30, da Lei 11.331/2002, razão pela qual se determina sejam formados autos suplementares para a apreciação do recurso administrativo, encaminhando-se à Dicoge para o devido processamento.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a dúvida, com o consequente ingresso do título ao fólio registral, e determino sejam formados autos suplementares para a análise do recurso administrativo no tocante à cobrança dos emolumentos.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.05.2024 – SP).

Fonte: DJE/SP

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