Acórdão do TJ-SP mantém base de cálculo fixa do ISS com base na atividade pessoal desenvolvida pelo Oficial

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa

Registro: 2014.0000123803

ACÓRDÃO

Disponibilizado em 10/03/2014

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 0270004-69.2009.8.26.0000, da Comarca de São Pedro, em que são apelantes PREFEITURA MUNICIPAL DE SAO PEDRO e JUIZO EX-OFFICIO, é apelado GLADYS ANDREA FRANCISCO CALTRAM

ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, negaram provimento ao recurso, vencido o 2º juiz.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

Voto nº 18101

Apelação nº 0270004-69.2009.8.26.0000

Apelante: Prefeitura Municipal de São Pedro Apelada: Gladys Andrea Francisco Caltram Comarca: São Pedro (Adv. Edson de Azevedo Frank).

APELAÇÃO Mandado de segurança – ISS sobre serviços de registros públicos, cartoriais e notariais. Base de cálculo. Aplicação do Decreto-lei nº 406/68 para cobrança em valor fixo. Possibilidade, tendo em vista responsabilidade pessoal do delegatário. Responsabilidade tributária por sucessão. Descabimento. Precedente desta Corte, em consonância com entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (Expediente CG nº 12.227/99). Recurso não provido.

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa, declarando exigíveis, em face da impetrante, somente os impostos incidentes a partir da data da investidura como Oficial de Registro Civil na Comarca.

Defende a incidência sobre os emolumentos percebidos pelos notários, pois ostentam caráter de contraprestação remuneratória, bem como a realização de lançamento de forma retroativa.

Doutro lado, sustenta responsabilidade tributária por sucessão a autorizar cobrança referente a período anterior à investidura no cargo.

Quanto à base de cálculo, aduz descabida aplicação do Decreto-lei nº 406/68 (artigo 9º), vez que reservado à classe dos profissionais autônomos.

Pede reforma.

A hipótese comporta reexame necessário.

Recebido e processado (fls. 160), houve contrarrazões (fls. 161/177), sobrevindo parecer do Ministério Público pelo improvimento (fls. 179/182).

É o relatório.

O recurso não merece provimento. Em face da improcedência da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil Anoreg/BR (ADI nº 3.089-2), não mais se admite discussão em torno da incidência ou não do ISS decorrente dos serviços de registros públicos, notários ou cartorários.

Contudo, a impetrante faz jus ao recolhimento de ISS nos termos do artigo 9º, §1º, do Decreto-lei nº 406/68.

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme disposto no artigo 236, “caput”, da Constituição Federal, dispositivo este regulamentado pela Lei nº 8.935/94.

Saliente-se, a propósito do tema, o que dispõe o diploma por último referido:

“Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”
(…)

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.” (destaque nosso)

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelosdanos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

Diante disso, tudo aponta a pessoal responsabilidade dos titulares dos cartórios, em função da delegação dos serviços feita em seu nome, mediante a aprovação em concurso público.

Este, aliás, o entendimento de Sacha Calmon, conforme artigo coletivo, publicado na Revista Dialética, acerca da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços notariais e de registro público:

“… a responsabilidade dos titulares de cartórios é pessoal, em decorrência da delegação dos serviços, respondendo, de forma 
ilimitada e intransferível, pelos danos causados por eles mesmos e por seus prepostos a terceiros.”

Nesse quadro, é oportuna ainda a referência do ilustre jurista ao voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADI nº 3.089, perante o Supremo Tribunal Federal:

“(…) Encontramo-nos, então, em posição de analisar a inserção de uma consideração isolada, obiter dictum, no voto do Ministro Marco Aurélio, do seguinte teor: 'no tocante à base de incidência descabe a analogia profissionais liberais, Decreto n° 406/68 -, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O artigo 70 da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência sobreo preço do serviço."

À vista dos argumentos e considerações expostos ao longo deste Parecer, tem razão o Ministro Marco Aurélio, descabe a analogia. Embora proferida em obiter dictum, o que não obriga nem o próprio Ministro Marco Aurélio, em futuro julgamento sobre a base de cálculo adequada aos serviços de registro público, cartorários e notariais, cabe-nos ponderar que, efetivamente, é inadequada a analogia entre os serviços prestados por 'profissionais liberais', que podem se associar, formando sociedades especiais (como ocorre com os advogados), e os serviços radicalmente diferentes, prestados pelos tabeliães, notários e registradores públicos. A analogia ao parágrafo 3° do art. 9° do DL n° 406/68 somente poderia ser feita se os titulares de cartórios e tabelionatos pudessem, legalmente, integrar ou formar sociedades o que não é possível – ou pelo menos se as serventias tivessem personalidade (o que não ocorre) e, uma vez feita a analogia, o que é incompatível com nosso sistema jurídico, ela arrastaria consigo toda a problemática da vigência, superveniente ao advento da Lei Complementar n° 116, do mesmo dispositivo, o parágrafo 30 do art. 9°, constante do citado DL na 406/68.

Em verdade, o que se dá é o enquadramento direto e perfeito da prestação de serviços notariais e de registro público no parágrafo 1° do art. 9° do DL n° 406/68, de vigência não contestada.

O exercício da profissão de notário, tabelião e oficial de registro desencadeia responsabilidade personalíssima. (…)”

Veja-se, por sua vez, precedente do Egrégio Superior Tribunal deJustiça, em caso semelhante ao ora discutido:

“PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido.” (destaque nosso)

Assim, entendendo-se que o artigo 9º, § 1º, do Decreto-lei nº 406/684 permanece vigente, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 116/03 (artigo 10), tal confere aos titulares de cartórios o recolhimento do ISSQN fixo, não obstante a possibilidade de contratação de terceiros (artigo 20, da Lei 8.935/94).

A propósito, questão idêntica foi travada nos autos de mandado de segurança nº 533.01.2008.010018-2, impetrado perante a 1ª Vara Cível de Santa Bárbara D'Oeste, sendo oportuno transcrever parte da sentença ali proferida:

“… A prestação do serviço sob a forma de trabalho pessoal, ainda que suscetível de auxílio de terceiros para redação de atos, aliada à responsabilidade pessoal derivada da leidisciplinadora dos serviços notariais e de cartório, aponta para a correção da incidência da regra de exação especial, inserta no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68. Ademais, a legislação tributária, especificamente a que diz respeito ao Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99, artigos 45 e 106), confere aos tabeliães, notários e oficiais de registro tratamento fiscal idêntico àquele carreado aos exemplos clássicos de profissionais liberais, como sói ocorrer em relação a médicos, engenheiros e advogados, no tocante aos quais a aplicação da regra de exação veiculada no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68, conforme reiterada jurisprudência pátria, é fora de dúvidas, dês que o serviço seja unipessoal. Derradeiramente, entendo que a tributação sobre todo o rendimento do impetrado (ainda que ressalvadas as custas repassadas ao Estado), de fato, caracteriza inaceitável bitributação, uma vez que o rendimento já consiste na base de cálculo para apuração do Imposto de Renda, do qual é contribuinte o impetrado. E, nessa senda, avista-se-me ilícita a persecução de exação sobre o rendimento do impetrado, devendo o Município valer-se da regra de alíquotas fixas ou variáveis, nos termos do disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68.” (grifo nosso)

Nesse quadro, tem-se que o impetrante deve recolher ISS nos termos do artigo 9º, § 1º do Decreto-lei nº 406/68, tal como lançado na sentença.

Também não assiste razão à Municipalidade ao defender responsabilidade tributária por sucessão da impetrante, relativamente a período anterior à sua investidura no cargo.

Veja-se trecho de julgado desta Câmara: 

“Pertinente ressaltar que a responsabilidade tributária no caso é cometida na pessoa de quem exercia a função na ocasião do fato gerador. O artigo de Fábio Capraro sobre 'Regime Jurídico Tributário aplicável a Notários e Registradores', esclarece: 'As serventias extrajudiciais não possuem personalidade jurídica; não são pessoas jurídicas, nem empresas. Nesse sentido, aliás, reza o parágrafo único do art. 966 do Código Civil Brasileiro: 'Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa' (g.n)”. 'Dessa forma, notários e registradores não estão adstritos às normas tributárias e civis aplicáveis às pessoas jurídicas. A delegação é exercida após aprovação em concurso público de provas e títulos, sendo que a responsabilidade pelos atos praticados é pessoal. A outorga da delegação extrajudicial é tida inexoravelmente como ingresso originário. Não há sucessão trabalhista, tributária, civil ou de qualquer outra natureza.”

(…)

“Destacamos, também, o entendimento da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo sobre o tema, consoante podemos observar do expediente CG nº 12.227/99, a seguir transcrito: 'importa anotar que, como essas DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO não possuem personalidade jurídica, os responsáveis pelos expedientes vagos responderão, pessoalmente, por quaisquer desvios ou abusos ocorridosdurante a sua gestão, com o aumento injustificável das despesas, que depois venham refletir na futura idoneidade financeira da unidade DELEGADA DO SERVIÇO DE NOTAS E REGISTRO'. (g.n)”.

(…)

“A corroborar essas afirmações trazemos à baila o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria: 'registre-se que, tratando-se de delegação por concurso público, toda a titularidade na serventia é originária, não podendo ser adquirida ou transferida por qualquer forma. Por conseqüência, não há sucessão na responsabilidade tributária (art.113 do Código Tributário Nacional) e trabalhista (art.448 da Consolidação das Leis do Trabalho).

(…)

Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços.

 
Do contrário, a legitimidade dos cartórios apenas estenderia a responsabilidade para os tabeliães sucessores para atos pretéritos, porquanto somente eles teriam patrimônio para arcar com os resultados da demanda. Esses sucessores, entretanto, não adquiriram fundo de comércio ou foram transferidos em todos os direitos e obrigações, mas apenas assumiram delegação diretamente efetuada pelo Poder Público, estando infensos aos prejuízos ou lucros auferidos pelo seu antecessor'. (STJ, 4ª Turma, REsp.nº545.613/MG, rel. Min. Asfor Rocha, j.16.10.2003, m.v.).”

“Noutro julgado, asseverou a mesma corte, a saber: 'nessa linha de raciocínio, é de se ter presente que só poderia mesmo responder como titular do cartório aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do fato reputado como lesivo aos interesses dos autores, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu'. (STJ, 3ª Turma, REsp nº696.989/PE, rel. Ministro Castro Filho, j.23.05.2006, v.u..).”

Assim, descabe cogitar de responsabilidade tributária por sucessão, bem como incidência do ISS sobre o faturamento, afigurando-se correta a concessão da segurança.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso.

João Alberto Pezarini
Relator

Fonte: Arpen Brasil – TJ/SP.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


A existência de hipotecas cedulares não canceladas na matrícula imobiliária impede o registro de escritura pública de compra e venda.

CSM/SP. Compra e venda. Hipoteca cedular – cancelamento – necessidade. Legitimidade.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0081788-13.2012.8.26.0100, onde se decidiu pela impossibilidade de registro de escritura de compra e venda de imóvel em cuja matrícula encontram-se registradas hipotecas cedulares ainda não canceladas. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e foi, à unanimidade, improvido.

No caso em análise, o apelante interpôs recurso em face da r. sentença proferida pelo juízo a quo, que reconheceu a impossibilidade do registro da escritura pública mencionada tendo em vista a existência de registros de hipotecas cedulares na matrícula imobiliária. Em suas razões, o apelante sustenta que o vendedor adjudicou o imóvel em execução trabalhista, sendo tal adjudicação registrada na matrícula e que, em razão desta, todos os atos posteriores estariam amparados pela ordem judicial, inclusive, a posterior venda e compra. Argumentou, ainda, que o credor hipotecário foi cientificado da hasta pública, tendo apresentado embargos de terceiros julgados improcedentes.

Ao analisar o recurso, o Relator observou que não consta da matrícula do imóvel o cancelamento das referidas hipotecas, permanecendo estas eficazes, conforme disposição do art. 252 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Ademais, salientou que, embora o art. 1.499 do Código Civil determine que a hipoteca se extingue pela arrematação ou adjudicação, em razão do princípio da legitimidade, enquanto não cancelada a hipoteca no Registro de Imóveis, a garantia real continua a produzir seus efeitos. Desta forma, não pode o Oficial Registrador proceder ao registro da escritura de compra e venda. O Relator observou também que os requisitos contidos no art. 251 da Lei de Registros Públicos, que exigem autorização do credor ou determinação judicial, não estão presentes, não sendo possível o cancelamento das hipotecas.

Posto isto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e leia na íntegra a decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


CSM/SP: REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Hipoteca cedular registrada – Ausência de anuência do credor hipotecário – Penhora em favor da Fazenda Nacional – Indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não provido

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0054473-65.2012.8.26.0114

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 0054473-65.2012.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes LUIZ CARLOS AFFONSO e MARIA HELENA AFFONSO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, ELLIOT AKEL, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.

São Paulo, 10 de dezembro de 2013.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0054473-65.2012.8.26.0114

Apelante: Luiz Carlos Affonso e Maria Helena Affonso

Apelado: 1º Registro de Imóveis de Campinas

VOTO N° 21.383

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Hipoteca cedular registrada – Ausência de anuência do credor hipotecário – Penhora em favor da Fazenda Nacional – Indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias – Recurso não provido

Inconformados com a r. sentença [1] que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas e manteve a recusa do registro da escritura pública lavrada pelo 7° Tabelião de Notas de Campinas [2] pela qual adquirem de Luis das Dores Santos e Edson Articano Rosolen a propriedade do imóvel descrito na matrícula n° 40.578, de referida Serventia de Imóveis, apelam Luiz Carlos Affonso e Maria Helena Affonso.

Aduzem, em síntese, que a penhora inscrita em favor da Fazenda Nacional e a hipoteca cedular existentes na matrícula não constituem óbice ao registro do título recusado, notadamente em virtude da preferência do crédito trabalhista [3].

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso [4].

É o relatório.

De início, é preciso frisar que a preferência do crédito trabalhista não está em discussão nem tem incidência no caso em exame porque exaurida nos autos da execução por meio da qual o imóvel foi adjudicado aos recorrentes, então reclamantes.

Agora, já na condição de titulares de domínio, lavraram escritura pública a terceiros, cujo registro foi recusado. Nenhum liame existe com a execução trabalhista finda e, portanto, com a preferência do crédito trabalhista.

O que se discute é simples recusa de um título apresentado para registro por particulares.

Antes de ser adjudicado aos reclamantes na ação trabalhista, o imóvel descrito na matrícula n° 40.578, do 1º Registro de Imóveis de Campinas, já se encontrava gravado com hipoteca cedular (R. 03, Av. 04 e Av. 05 – fls. 12/15).

De acordo com o art. 51, do Decreto-Lei n° 413/69, aplicável ás cédulas de crédito comercial por força do art. 5º, da Lei n° 6.840/80 [5]:

A venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito.

Considerando-se que a adjudicação havida na execução trabalhista, por si só, não extinguiu a hipoteca cedular, não há como dispensar a prévia anuência do credor, sob pena de se violar o princípio da legalidade.

É elucidativo, a propósito, trecho do voto do eminente Des. Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor Geral da Justiça, lançado nos autos da Apelação Cível n° 544-6/4, em que cita farta jurisprudência sobre a necessidade da anuência do credor da cédula hipotecária:

Ocorre que, a seguir, o arrematante celebrou, mediante instrumento particular, promessa de compra e venda (fls. 09/13) e os compromissários compradores insistem no registro deste título. Não lhes assiste razão, contudo, por estar inalienável o bem onerado, ante a falta de expressa anuência do credor hipotecário. Assim dispõe o artigo 51 do Decreto-lei n° 413/69, "verbis": “Art 51. A venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito". Isto já foi acentuado pelo E. Conselho Superior da Magistratura no julgamento da Apelação Cível n° 3.708-0, da Comarca de Adamantina, tendo como relator o Desembargador Marcos Nogueira Garcez: O legislador optou – bem ou mal – por dotar os órgãos financiadores da economia rural e industrial não somente de uma garantia, mas de uma garantia exclusiva, que impede nova oneração ou alienação do bem gravado a terceiro (grifos não originais). O mesmo órgão, nos autos da Apelação Cível n° 000.160.6/1-00, assim se expressou: A manutenção de leis especiais que tratam da hipoteca, na realidade, está prevista no artigo 1.486 do Código Civil de 2002 que assim estabelece: "Podem o credor e o devedor, no ato constitutivo da hipoteca, autorizar a emissão da correspondente cédula hipotecária, na forma e para os fins previstos em lei especial". A par disto, repito, o Código Civil de 2002 não regulamentou inteiramente as hipotecas constituídas por meio de cédulas de crédito rural, industrial, comercial e à exportação, e somente se referiu às cédulas hipotecárias mediante remissão a leis especiais que regem esta matéria. Permanecem vigentes, deste modo, as leis especiais (…) O artigo 59 do Decreto-lei n° 167/67 estabelece que os bens objeto de penhor ou de hipoteca constituídos por cédula de crédito rural não podem ser vendidos sem prévia anuência do credor, por escrito. E, por disposição contida no artigo 1.420 do Código Civil de 2002, as pessoas que não podem alienar também não podem empenhar, hipotecar ou dar em anticrese, assim como não podem ser dados em penhor, anticrese e hipoteca os bens que não podem ser alienados. Ao assim dispor criou o legislador garantia exclusiva em favor dos órgãos financiadores da economia rural, o que fez por meio de norma cogente, contida em lei especial que não foi revogada pelo Código Civil de 2002. Esta espécie de indisponibilidade relativa, também instituída por outras leis em favor dos detentores de hipotecas vinculadas à cédula de crédito à exportação (artigo 3º da Lei n° 6.313/75), cédula de crédito comercial (artigo 5º da Lei n° 6.840/80) e cédula de crédito industrial (artigo 51 do Decreto-lei n° 413/69), não conflita com as normas gerais estatuídas para a hipoteca no Código Civil de 2002, assim como não conflitava com as normas da mesma natureza contidas no Código Civil de 1916. Certo é que, no presente caso, houve tão só a promessa de venda e compra, mas esta, em sendo irrevogável e irretratável, uma vez registrada e quitada, conferirá direito real de aquisição a possibilitar posterior adjudicação compulsória, com fulcro nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, "verbis": Artigo 1.417 – Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Artigo 1.418 – O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. O mesmo se depreende da leitura dos artigos 5º e 22 do Decreto-lei n° 58/37, bem como do artigo 25 da Lei n° 6.766/79. Atente-se para o decidido pelo E. Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível n° 71.416.0/3-00: REGISTRO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Imóvel gravado com cédula de crédito comercial hipotecária. Necessidade da anuência prévia e expressa do credor. Aplicação do decreto-lei n° 413/69. Recurso a que se nega provimento. (…) O art. 51 do dec.-lei 413/69 regulamenta que "a venda dos bens vinculados à cédula de crédito industrial depende de prévia anuência do credor, por escrito". O ato de registro do compromisso de compra e venda encontra previsão no art. 167, I, 9 da lei n° 6.015/73, por constituir ele um direito real, que se formaliza no fólio real para garantia do comprador. O instrumento particular de compromisso de venda e compra (…), ao contrário do que afirma a apelante, não é apenas uma cessão, ele transfere direitos sobre o imóvel, em consonância com sua cláusula nona, onde textualmente a apelante e os vendedores pactuaram que o compromisso é celebrado com ''cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, não admitindo arrependimento unilateral". O compromisso de venda não é verdadeiramente um contrato preliminar. Não é por diversas razões que completam a originalidade do seu escopo, principalmente a natureza do direito que confere ao compromissário. Tem ele, realmente, o singular direito de se tornar proprietário do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à venda, sem que seja inevitável nova declaração de vontade do compromitente ("Direitos Reais", Orlando Gomes, Forense, 6ª ed., 1978, pág. 329). Portanto, diante do registro da cédula de crédito comercial hipotecária, o imóvel a ela ficou vinculado, permanecendo subordinado à prévia anuência do credor no caso de sua alienação. No tocante às razões implícitas do dec.-lei 413/69 argüidas pela apelante, o simples fato de estar ele em vigor as afasta, considerando-se, ainda, que este E. Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou que a vedação à alienação de imóvel gravado com seu fundamento não ofende ao direito das coisas e aos princípios constitucionais (Ap. Cív. n° 781-0). Este E. Conselho Superior também já decidiu anteriormente que o bem gravado com cédula hipotecária depende, necessariamente, da expressa e prévia concordância do credor para sua alienação (Ap. Cív. n°s. 031281-0/3, 028794-0/7, 1213-0, 012689-0/6). Em igual diapasão, o v. acórdão prolatado nos autos da Apelação Cível n° 70.721.0/8-00, que teve como apelante Maria Lúcia D'Ângelo e como apelado o Primeiro Oficial do Registro de Imóveis de Sorocaba. O mesmo Egrégio Conselho Superior da Magistratura, quando do julgamento da Apelação n° 40.014.0/7, da Comarca de Atibaia, firmou o entendimento que não há como negar ser o compromisso de compra e venda uma das formas de oneração previstas em lei, dada a formação de um direito real de aquisição. Finalmente, não merece guarida a alegação dos recorrentes que a hipoteca teria sido extinta, em razão da arrematação do bem gravado nos autos da execução fiscal. Dispõe o artigo 1.501 do Código Civil em vigor: Art. 1.501. Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução. Certo é que se aplicam subsidiariamente à hipoteca cedular, "ex vi" do art. 26 do Decreto-lei n° 413, de 09 de janeiro de 1969, os princípios da legislação ordinária sobre hipoteca, relevando salientar que sua extinção, qualquer que seja sua causa, só produz, em relação a terceiros, efeitos depois de averbada na tábua registral, conforme os artigos 1.500 do Código Civil e 252 da Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a seguir transcritos: Art. 1.500. Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova. Artigo 252. O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido. Neste sentido, o julgado do E. Conselho Superior da Magistratura prolatado na Apelação Cível n° 60.281.0/0-00, da Comarca de Presidente Prudente: Registro de Imóveis – Pretensão de cancelamento do registro de hipoteca cedular em decorrência dos subsequentes registros de penhora e arrematação determinadas em reclamação trabalhista – Inadmissibilidade, em face da indisponibilidade relativa incidente sobre bem vinculado por hipoteca de cédula de crédito comercial (Lei n° 6.840/80) – Recurso provido. Há, portanto, pertinência na recusa formulada pelo registrador.

Nesse sentido, ainda, o r. parecer da ilustrada Procuradoria Geral de Justiça.

Além da falta da anuência do credor da hipoteca cedular, outro fator obsta o registro pretendido, qual seja, a permanência da penhora em favor da Fazenda Nacional (R.08), que não foi cancelada pela adjudicação [6].

Isto porque o título ora em exame cuida de alienação voluntária da propriedade, hipótese não contemplada pela atual jurisprudência deste Conselho Superior, que admite o registro da transferência da propriedade apenas no caso de alienação forçada [7].

Isto posto, nego provimento ao recurso.

JOSÉ RENATO NALINI

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 60/61

[2] Fls. 10/11

[3] Fls. 64/70

[4] Fls. 78/81

[5] Art. 5º Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as normas do Decreto-lei n° 413, de 9 de janeiro 1969, inclusive quanto aos modelos anexos àquele diploma, respeitadas, em cada caso, a respectiva denominação e as disposições desta Lei.

[6] Processo CG 114.169/2010, parecer do MM. Juiz Auxiliar Jomar Juarez Amorim aprovado pelo Des. Antônio Carlos Munhoz Soares

[7] APELAÇÃO CÍVEL: 0013197-92.2012.8.26.055, rel. José Renato Nalini, j. 18/04/2013 DATA DJ: 24/05/2013 

Fonte: DJE/SP | 06/02/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.