Registro de Imóveis – Pedido de desbloqueio de matrícula formulado pela proprietária – Bloqueio determinado há quase dez anos pela Corregedoria Permanente – Pedido indeferido em primeiro grau – Fundamento do bloqueio, medida sabidamente excepcional, que não foi esclarecido – Problema possessório que, em princípio, não justifica a medida restritiva – Limites incertos da disputa possessória, não havendo evidências de que efetivamente atinja o imóvel da matrícula bloqueada – Parecer pelo provimento do recurso, com o afastamento do bloqueio administrativo.


  
 

Número do processo: 0005980-26.2015.8.26.0543

Ano do processo: 2015

Número do parecer: 276

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0005980-26.2015.8.26.0543

(276/2017-E)

Registro de Imóveis – Pedido de desbloqueio de matrícula formulado pela proprietária – Bloqueio determinado há quase dez anos pela Corregedoria Permanente – Pedido indeferido em primeiro grau – Fundamento do bloqueio, medida sabidamente excepcional, que não foi esclarecido – Problema possessório que, em princípio, não justifica a medida restritiva – Limites incertos da disputa possessória, não havendo evidências de que efetivamente atinja o imóvel da matrícula bloqueada – Parecer pelo provimento do recurso, com o afastamento do bloqueio administrativo.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de apelação interposta por Instituição Religiosa Perfect Liberty contra a sentença de fls. 262/265, que indeferiu o pedido de desbloqueio da matrícula n° 31.180 do Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Santa Isabel, formulado pela ora recorrente.

Sustenta a recorrente: a) que a área descrita na matrícula n° 31.180 está muito bem definida e distante da área objeto do litígio que motivou o bloqueio; b) que a expedição de alvará é providência necessária para a alienação do bem cuja matrícula está bloqueada; c) que o bloqueio é medida excepcional, cuja manutenção só se justifica enquanto a causa que o originou subsistir (fls. 269/276).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 290/291).

É o relatório.

Opino.

Inicialmente, destaco que a apelação deve ser recebida como recurso administrativo, cujo cabimento encontra amparo no artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo [1].

A análise dos autos demonstra que tudo teve início com o pedido de retificação administrativa da transcrição n° 5.188 do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, formulado por Luiz Carlos Alfredo Salim (fls. 51/61). Apresentada impugnação pela ora recorrente (Instituição Religiosa Perfect Liberty), o feito foi remetido à MM. Juíza Corregedora Permanente, na forma do artigo 213, § 6º, da Lei n° 6.015/73. Ao decidir a questão, a magistrada, além de indeferir a retificação, remetendo o interessado às vias ordinárias, acolheu requerimento formulado pelo registrador e determinou o bloqueio da transcrição n° 5.188 do Registro de Imóveis de Mogi das Cruzes, das transcrições n° 10.418 e 7.069 e da matrícula n° 23.860 todas do Registro de Imóveis da comarca de Santa Isabel e “de todas as transcrições constantes da escritura pública de fls. 88/107″ (fls. 318).

Contra essa sentença, prolatada em agosto de 2007 (fls. 319), não foi interposto recurso (fls. 320).

Segundo o registrador de Santa Isabel, entre os imóveis citados na referida escritura pública estava o bem matriculado sob n° 31.180 (fls. 305/306), de modo que o bloqueio foi averbado na mencionada matrícula (fls. 308).

Os requerentes tentaram, sem sucesso, obter o desbloqueio da matrícula n° 31.180 na via judicial (fls. 81/109, 110/114, 115/121, 142/143 e 157/158).

Tempos depois, perante a Corregedoria Permanente, a recorrente solicitou o desbloqueio da matrícula n° 31.180. Indeferido o pedido em primeiro grau (fls. 262/265), recorre a Instituição Religiosa Perfect Liberty (fls. 269/276).

A possibilidade de a Corregedoria – Geral ou Permanente – efetuar bloqueios de registros imobiliários está prevista no artigo 214, §§ 3º e 4º, da lei n° 6.015/73 [2]. Essa faculdade, no entanto, deve ser reservada a casos excepcionais, nos quais se vislumbre a possibilidade concreta de danos de difícil reparação.

No caso em análise, desde o bloqueio determinado pela Corregedoria Permanente no ano de 2007 (fls. 314/319), não se apontou com a exatidão necessária qual o motivo que ensejou o deferimento da excepcional medida.

Chama a atenção o fato de o bloqueio da matrícula de propriedade da recorrente ter sido determinado no bojo de um pedido de retificação de registro relativo a um imóvel confrontante (fls. 315). Ou seja, notificada para dizer se concordava com a retificação do registro de imóvel lindeiro, a ora recorrente, ao final, viu-se diante de uma ordem judicial para o bloqueio do registro de imóvel de sua propriedade.

Além disso, embora a sentença prolatada em 2007 faça referência a uma ação possessória envolvendo a área objeto da retificação, não há qualquer indício de que esse problema se estenda até a área matriculada sob n° 31.180, de titularidade da recorrente (fls. 307/308).

E mesmo se houvesse indícios nesse sentido, o bloqueio administrativo mencionado nos §§ 3º e 4º do artigo 213 da Lei n° 6.015/73 não é, em princípio, o remédio adequado para acautelar problema possessório.

Como bem ressaltado pelo então Juiz Assessor da Corregedoria, Francisco Eduardo Loureiro, em parecer lançado no processo n° 468/96:

“Importa ressaltar, porém, ter sempre e necessariamente, tanto o cancelamento como o bloqueio de matrizes, causa em vícios do próprio mecanismo ou ato de registro”.

A transcrição desse trecho deixa claro que o bloqueio, a exemplo do cancelamento administrativo, deve ter por fundamento nulidades de pleno direito do registro, o que aqui não se observa. O problema possessório mencionado na sentença de bloqueio – o qual, ressalte-se, não se sabe sequer se envolve o bem da matrícula n° 31.180 – é insuficiente para justificar medida que, a rigor, despe o proprietário de grande parte dos poderes que lhe são inerentes.

E as manifestações advindas do Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Santa Isabel (fls. 212/213 e 227), ao invés de justificar a necessidade da conservação do bloqueio, servem para, ao contrário, fundamentar o levantamento da medida restritiva.

Com efeito, as ausências da retificação da área, de levantamento planimétrico e da inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR (fls. 226/227 e 247) podem servir de empecilho para a inscrição de futuros atos registrais, em especial aqueles modificativos da figura geodésica do imóvel (desmembramentos, unificações etc), nos termos dos itens 12.1 [3] e 125.2 [4] do Capítulo XX das NSCGJ.

Agora, essas omissões não explicam, de modo algum, um bloqueio que persiste há quase uma década.

Convém anotar, por fim, que o desbloqueio não irá tornar obrigatória a inscrição de título eventualmente apresentado pela recorrente. A qualificação registral será feita normalmente e a recusa, se baseada em dispositivo legal ou normativo, estará correta. O que não se pode admitir é que o registro permaneça bloqueado por um receio de dano que não foi elucidado, fazendo com que eventuais títulos apresentados pela proprietária não sejam sequer qualificados.

Nesses termos, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo, dando-lhe provimento, para afastar o bloqueio da matrícula n° 31.180 do Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Santa Isabel.

São Paulo, 24 de julho de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e dou-lhe provimento, para afastar o bloqueio da matrícula nº 31.180 do Registro de Imóveis e Anexos de Santa Isabel. Publique-se. São Paulo, 25 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: NELSON HANADA, OAB/SP 11.784 e CLÁUDIO SHINJI HANADA, OAB/SP 100.529.

Diário da Justiça Eletrônico de 02.10.2017

Decisão reproduzida na página 268 do Classificador II – 2017


Notas:

[1] Artigo 246 – De todos os atos e decisões dos Juízes corregedores permanentes, sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.

[2] Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

(…)

§ 3° – Se o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação poderá determinar de oficio, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matricula do imóvel

§ 4º – Bloqueada a matricula, o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio.

[3] 12.1. O acesso ao fólio real de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arguitetura e Urbanismo (CAU), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA, observados os prazos regulamentares. 7

[4] 125.2. As averbações referidas na alínea b do item 125 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 125.9

Fonte: INR Publicações

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