Número do processo: 1112899-56.2016.8.26.0100
Ano do processo: 2016
Número do parecer: 302
Ano do parecer: 2017
Parecer
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 1112899-56.2016.8.26.0100
Procedimento Administrativo – Responsabilidade do Tabelião – O Titular da Serventia responde por ato de seus prepostos – Fraude perpetrada por funcionário do Cartório ou do Tabelionato não afasta a responsabilidade do Oficial – Possibilidade de ocorrência de falta funcional que comporta investigação mais aprofundada – Recurso provido, para determinar abertura de procedimento administrativo.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso administrativo tirado em face de r. sentença que entendeu por não instaurar procedimento disciplinar em face de Tabelião de Notas, por entender inviável a responsabilização do Sr. Oficial por ato doloso de seus prepostos.
Recorreu o Ministério Público, defendendo a responsabilidade de Titular de Serventia por ato de seus funcionários. Sustentou haver severos indícios de ilícitos administrativos. Requereu a determinação de instauração de procedimento administrativo.
É o relatório.
Preambularmente, cumpre observar que a orientação trilhada por esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça tem sido a da possibilidade de responsabilização do Sr. Oficial, por ato de seus prepostos. Frise-se que não se está a tratar de responsabilidade objetiva do Tabelião. Cuida-se, em verdade, de responsabilidade subjetiva, escorada na omissão do dever de fiscalização dos funcionários contratados.
Consoante os magistérios do Desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, outrora Assessor desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça:
“A responsabilidade imputada ao Tabelião não é objetiva, derivada da conduta de seus prepostos, mas pessoal, por ausência de fiscalização e omissão quanto à regularidade do serviço prestado.
Ademais, possibilidade de designação de serventuários para a prática de atos notariais de fiscalização, controle e direção do Titular da Delegação, obviamente, não retira o dever de atuação daquele.
Desse modo, é possível a conclusão da pessoalidade do Titular da Delegação Estatal quanto ao exercício da direção e fiscalização dos serviços notariais de natureza pública.” (Regulamentação da Função Pública Notarial e Registral, SP: Saraiva, 2009, p.183)
Não discrepa o pacífico entendimento desta E. CGJ, consoante se extrai do seguinte parecer da lavra dos MM. Juízes Assessores Ana Luiza Villa Nova, Gabriel Pires de Campos Sormani, Swarai Cervone de Oliveira e Gustavo Henrique Bretas Marzagão, avalizado pelo ínclito Corregedor Des. Elliot Akel, em que a responsabilidade do Sr. Oficial por atos de seus funcionários foi explicitamente acolhida:
“Não há como atribuir culpa a tais condutas reiteradas ao longo do tempo, as quais configuram dolo, nem tampouco socorre o Oficial a alegação de desconhecimento da situação e da falta de condições de acompanhar a dinâmica administrativa do cartório, diante dos avanços impostos pelos sistemas dos computadores, com os quais não estava acostumado.
O fato de não ter sido encontrado erro técnico nos atos praticados pelo Oficial não apaga nem compensa as graves faltas praticadas.
Não é demais repetir que o registrador e notário são delegados do Estado, e, nesta condição, atuam como se fossem o próprio Estado a serviço dos particulares, com a finalidade de tutelar e proteger os interesses destes com relevância e reflexos para a sociedade e para o próprio Estado. Estão, pois, sujeitos aos princípios da administração e que são os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, e devem operar, também, em obediência aos princípios de direito privado.
(…)
Os deveres do administrador público são os de eficiência, de probidade e de prestar contas, e, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, na clássica obra ‘Direito Administrativo Brasileiro’, o dever de eficiência corresponde ao ‘dever de boa administração’, em menção à obra de Carvalho Simas, ‘Manual Elementar de Direito Administrativo’, Rio, 1974, págs.98 e 237, segundo o qual, todo e qualquer serviço prestado, quer pelo delegado, quer pelo preposto, em decorrência da delegação, faz parte do serviço público delegado, pois, ‘A eficiência funcional é, pois, considerada em sentido amplo, abrangendo não só a produtividade do exercente do cargo ou função, como a perfeição do trabalho e a sua adequação técnica aos fins visados pela Administração, para o quê se avaliam os resultados, confrontando-se os desempenhos, e aperfeiçoa-se o pessoal através da seleção e treinamento. Assim, a verificação da eficiência atinge os aspectos quantitativo e qualitativo do serviço, para aquilatar de seu rendimento efetivo, do seu custo operacional, e da sua real utilidade para os administrados e para a Administração. “(p.186, 16ª ed., RT)” (CGJSP – PROCESSO 31.314/2015, j. 27/3/15)
Pertinente, ainda, ilustrado parecer do MM. Juiz Assessor desta E. CGJ Luciano Gonçalves Paes Leme, acolhido pelo então Colendo Corregedor, Des. José Renato Nalini:
À autonomia e independência de que o tabelião goza no exercício de suas atribuições corresponde, necessariamente, a sua responsabilidade exclusiva pelo gerenciamento administrativo da serventia extrajudicial (cf. artigo 21 da Lei n.° 8.935/1994): foi quem recebeu a delegação para exercer a atividade estatal, insuscetível de subdelegação, e, por sua conta e risco, no plano da responsabilidade administrativa inclusive, confiou ao preposto as tratativas negociais com os clientes e a lavratura de atos notariais; por isso, sem importância os vínculos de confiança entre o preposto e o procurador dos adquirentes.
De fato, a organização dos serviços notariais, as funções, poderes atribuídos aos prepostos e as autorizações dadas aos escreventes para realização de atos não podem, de maneira nenhuma, fomentar a desculpabilização; tornar o tabelião imune à responsabilidade administrativo-disciplinar.
Descabe ignorar as peculiaridades dos serviços notariais e registrais: os tabeliães e os registradores, malgrado em caráter privado, desempenham atividade estatal, função pública, prestam serviço público e, na estrutura funcional cartorária, são os únicos que se sujeitam ao poder censório-disciplinar do Estado, do qual livres os prepostos.
Portanto, impõe desencorajar expedientes que inibam, esvaziem o poder censório-disciplinar, que abram um terreno de irresponsabilidade administrativa, que inviabilizem, impeçam mediante transferência de responsabilidade para os prepostos, a atuação saneadora e pedagógica do Estado, importem perda de credibilidade de instituições notariais e de registro.” (CGJSP – PROCESSO 157.625/2013, DJ 10/12/13)
Este, também, o entendimento do E. STJ:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CARTÓRIO. TITULAR. SANÇÃO DISCIPLINAR. ATIVIDADE. PREPOSTO. SUBORDINADO. COBRANÇA. EXCESSIVA. EMOLUMENTOS. FALTA. DEVER. FISCALIZAÇÃO. PAGAMENTO. TRIBUTOS. MULTA. PREJUÍZO. USUÁRIO.
1. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.
2. A inteligência do art. 22 da Lei 8.935/1994 estabelece que o titular da serventia extrajudicial somente responde objetivamente pelos atos de seus prepostos quando forem eles próprios, isto é, quando tiverem tais atos relação com a atividade cartorária.
3. O recorrente não foi sancionado com pena de multa, contudo, pela prática executada por seu subalterno, mas por infringência a seus próprios deveres funcionais – falta de fiscalização do recolhimento de tributos e cobrança indevida ou excessiva de emolumentos – na forma dos arts. 30, incisos V e XI, 31, incisos III e V, e 33, inciso II, todos da Lei 8.935/1994.
4. Confirma ainda a lisura do processo administrativo disciplinar ter havido a oportunização ao processado do direito ao contraditório e ampla defesa.” (RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 38.985 – SP (2012/0180805-3), Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 18/2/14)
Assim é que o só fato de a ilicitude atestada na prática notarial em epígrafe ter sido perpetrada por meio de fraude de antigo funcionário da serventia, já demitido, não basta, per si, para obstar a investigação acerca de eventual responsabilidade do Sr. Oficial. Nem se olvide que a demissão do preposto pelo recorrido somente ocorreu onze meses depois das falhas apontadas, e depois de o recorrente haver opinado pela instauração do procedimento administrativo.
Frise-se que não se está afirmando tenha havido falta funcional. Todavia, à vista dos elementos coligidos, não se a pode descartar de plano. Investigação mais aprofundada mostra-se adequada à hipótese.
Com efeito, há sólidos indicativos de que o local de assinatura da procuração tenha sido diverso daquele mencionado no documento, bem como de que ficha-padrão tenha sido retirada da serventia, desacompanhada de preposto, o que, em tese, poderia configurar violação, quando menos, dos itens 5.1, 52.2, 178.1 e 180 do Capítulo XIV das NSCGJ.
Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se dê provimento ao recurso, para determinar instauração de procedimento disciplinar, pelo MM. Corregedor Permanente, com vistas à apuração de responsabilidade do Sr. Tabelião pelos fatos retromencionados.
Sub censura.
São Paulo, 10 de agosto de 2017.
Iberê de Castro Dias
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso administrativo, para determinar instauração de procedimento disciplinar, pelo MM. Corregedor Permanente, com vistas à apuração de responsabilidade do Sr. Tabelião pelos fatos retromencionados. Publique-se. São Paulo, 11 de agosto de 2017 – (a) – MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS – Corregedor Geral da Justiça.
Fonte: INR Publicações
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