2VRP/SP: Mandato. Procuração. Falecimento do outorgante. Substabelecimento. Como o mandato foi conjunto não seria possível a concentração dos poderes do mandato em um único mandatário, trasmudando a estrutura do negócio jurídico de mandado plural (conjunto) para singular em desconformidade da vontade do mandante, apesar de não vedado o substabelecimento.


  
 

Processo 0001773-42.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – 2ª Vara de Registros Públicos – VISTOS, Cuida-se de pedido de providências encaminhado pela E. Corregedoria Geral da Justiça, por provocação do MM. Juízo da 1ª Vara de Feitos de Relação de Consumo, Cível e Comerciais da Comarca de Porto Seguro, Bahia, para apuração de eventual ilegalidade em atos de transferência de propriedade por meio da utilização de procuração de pessoa falecida. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 05/28. Em especial, as cópias dos debatidos atos encontram-se acostadas às fls. 11/14 (Escritura de Compra e Venda do Tabelião de Notas da Comarca da Capital) e fls. 15/18 (Procuração Pública do Tabelião de Notas da Comarca da Capital). Determinou-se, de início, o bloqueio administrativo cautelar dos referidos instrumentos (fls. 29). A Senhora Tabeliã de Notas prestou esclarecimentos às fls. 33/35. A Senhora Tabeliã de Notas apresentou suas explicações às fls. 43/65 e 75/80. O Ministério Público acompanhou o feito e ofertou parecer final opinando pelo arquivamento da representação, ante a inexistência de indícios de ilícito funcional por parte das Senhoras Tabeliãs (fls. 69/71) É o breve relatório. Decido. Trata-se de expediente instaurado a partir de comunicação encaminhada, via E. CGJ, pelo MM. Juízo da 1ª Vara de Feitos de Relação de Consumo, Cível e Comerciais da Comarca de Porto Seguro, Bahia, que informa ter verificado indícios de fraude em atos lavrados perante Tabeliãs de Notas desta Capital. Em breve síntese, os fatos foram noticiados a esta Corregedoria Permanente para que se apurasse a eventual ilegalidade da transferência de propriedade imobiliária com o uso de Procuração Pública outorgada por pessoa falecida. Consta da documentação encaminhada que aos 09 de setembro de 2015 foi lavrada Escritura Pública de Mandato perante a serventia afeta à Senhora Tabeliã de Notas desta Capital, na qual figurou como outorgante o Senhor F. C. e como outorgados M. R. C. e M. C., para o fim de, atuando em conjunto, negociarem amplamente os direitos reais referentes a dois lotes de terrenos localizados na Comarca de Porto Seguro, Bahia. O Senhor F. C. faleceu aos 12 de março de 2016. Em 22 de abril de 2016 houve o substabelecimento dos poderes outorgado pelo mandante de M.C. a M. R. C. perante a delegação correspondente ao Registro Civil com Funções Notariais do Distrito de Vale Verde da Comarca de Porto Seguro (a fls. 79/80). Posteriormente, aos 28 de junho de 2016, foi lavrada Escritura de Venda e Compra relativa a um dos imóveis de propriedade do falecido, na qual figurou como outorgante-vendedor F. C., representado por seu procurador M.R.C., por orça da referida Procuração Pública e de substabelecimento lavrado em serventia de Porto Seguro, BA, e em cumprimento a anterior Compromisso de Venda e Compra celebrado em 02 de fevereiro de 2016, com a referência de estar devidamente quitado. Destaque-se que no bojo da referida Escritura foi declarado o falecimento do outorgante e, ademais, que o ato se realizava em conformidade ao artigo 674 do Código Civil. A seu turno, a Senhora Tabeliã de Notas desta Capital informou que a Procuração Pública de sua lavra é hígida e formalmente correta, havendo todas as cautelas e protocolos legais sido observados quando da confecção do ato, como a verificação da inexistência de indisponibilidade sobre o patrimônio do outorgante e a presença de duas testemunhas. No mesmo sentido, a Senhora Tabeliã de Notas da Capital veio aos autos para esclarecer que, pese embora haver na Procuração Pública original a indicação de que os representantes agiriam em conjunto, não havia cláusula impeditiva para o substabelecimento. Desse modo, não existiam razões para não se aceitar o substabelecimento deduzido, inclusive em favor de um dos procuradores originais, não havendo nada a desabonar a representação efetuada nesse sentido. Ademais, declarou a d. Tabeliã que, em seu entendimento, a Escritura de Venda e Compra foi lavrada em cumprimento de Compromisso de Venda e Compra, anunciado devidamente quitado, e à luz de Procuração Pública e Substabelecimento que permitiam ao representante a realização do negócio jurídico, inclusive no caso de falecimento do outorgante, haja vista a existência de cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade inserta no contrato particular, cujo registro foi formalmente levado à matrícula do imóvel. Destacou, assim, a i. Tabeliã que o Instrumento Público é formalmente perfeito, nada havendo que infame o ato praticado. Pois bem. No que tange à Procuração Pública da lavra da Senhora Tabeliã de Notas, verifico que o instrumento é irreprovável, não havendo nada, nesta seara administrativa disciplinar, a ser considerado a seu respeito. Observo que todas as medidas formais e acautelatórias foram observadas quando da inscrição do ato, nada repousando em seu desfavor. Noutro turno, no que tange à Escritura Pública da confecção da Senhora Tabeliã, a d. Titular deduz que foi lavrada em cumprimento a compromisso de compra e venda já devidamente quitado. Refere, em favor do ato, o artigo 674 do Código Civil, que menciona que mesmo “ciente da morte (…) do mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora” ‘[grifo meu]. A cronologia dos fatos é a seguinte: a. em 09.09.2015 foi outorgada procuração pública para venda de imóveis por F. C. em favor de M. R. C. e M. C.; b. em 02.02.2016 foi celebrado contrato de compromisso de compra e venda, por instrumento particular, informado na escritura pública de compra e venda; c. em 12.03.2016 ocorreu o falecimento de F.C. (mandante); d. em 22.04.2016 houve o substabelecimento de poderes de um mandatário a outro (M.C. a M. R. C.) por instrumento público; e. em 28.06.2016 foi celebrada a escritura de compra e venda com a utilização da procuração e substabelecimento. A procuração pública não foi outorgada em causa própria (in rem suam), porquanto sua finalidade não encerrava transmissão dos direitos sobre os imóveis aos mandatários. Portanto, não se cogita, por tal fundamento, a permanência de seus efeitos após a morte do mandante. O substabelecimento realizado após a morte do mandante, a meu ver, padeceu de invalidade, pois, com a extinção do mandato pela morte do mandante não se cogitava da possibilidade da transferência de poderes de um mandatário a outro. Além disso, eventualmente, como o mandato foi conjunto não seria possível a concentração dos poderes do mandato em um único mandatário, trasmudando a estrutura do negócio jurídico de mandado plural (conjunto) para singular em desconformidade da vontade do mandante, apesar de não vedado o substabelecimento. O artigo 674 do Código Civil dispõe: Art. 674. Embora ciente da morte, interdição ou mudança de estado do mandante, deve o mandatário concluir o negócio já começado, se houver perigo na demora. Respeitosamente, tenho que não caberia aplicação do disposto no artigo 674 do Código Civil, pois, ainda que se tenha pela existência de contratos coligados em relação ao compromisso de compra e venda e contrato de compra e venda, é certo que não havia perigo na demora da celebração do contato seja em relação à parte vendedora ou compradora. De outra parte, o artigo 686 do Código Civil estabelece: Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado. A disposição do artigo 686, p. único, trata de hipótese de pós eficácia do contrato, sendo possível sua aplicação na situação do cumprimento de compromisso de compra e venda com a celebração do contrato de compra e venda. Tenho que a escritura pública lavrada padeceria de vícios, especialmente, a invalidade do substabelecimento e a ausência das hipóteses legais que permitiriam a eficácia do mandato após sua extinção com a morte do mandante. Seja como for, não é possível compreender pela existência de ilícito administrativo da parte da Sra. Tabeliã, porquanto atuou em conformidade a sua compreensão jurídica em relação aos fatos e negócio jurídico a ser celebrado, no exercício da independência funcional. Obviamente, a diversidade de qualificação das situações jurídicas ora referidas em relação à efetuada pela Sra. Delegatária não configura em falta disciplinar ou falha na prestação do serviço notarial. Bem assim, à luz da documentação carreada aos autos, bem como dos esclarecimentos apresentados pelas Senhoras Notárias, verifico que não se positivou ilegalidade patente ou irregularidade na lavratura dos atos notariais. Outrossim, determino que se levante o bloqueio à procuração lavrada perante a serventia da Senhora Tabeliã de Notas da Capital, haja vista que formalmente válida. Observo apenas a necessidade da anotação do óbito do mandante, acaso não tenha sido realizada. De outra parte, determino que se mantenha o bloqueio à Escritura de Venda e Compra da confecção da Senhora Tabeliã de Notas da Capital, inserta no livro 3859, fls. 267/270, de 28 de junho de 2016, especialmente, em razão da lide que pende sobre o negócio jurídico pactuado. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença ao MM. Juízo da 1ª Vara de Feitos de Relação de Consumo, Cível e Comerciais da Comarca de Porto Seguro, Bahia, em atenção aos autos de nº feito 0501099-19.2017.8.05.0201, para ciência quanto às providências adotadas, servindo a presente decisão como ofício. Encaminhe-se cópia desta decisão ao MM Juiz Corregedor Permanente da delegação correspondente ao Registro Civil com Funções Notariais do Distrito de Vale Verde da Comarca de Porto Seguro, para conhecimento dos fatos e adoção das medidas tidas por pertinentes, servindo a presente decisão como ofício. No mais, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos. Ciência às Senhoras Titulares e ao Ministério Público. Comunique-se a decisão, encaminhando-se também cópia de fls. 43/65, 69/71 e 75/80, à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício. Por fim, em razão interesse da questão aos Srs. Tabeliães de Notas, publique-se esta sentença. P.I.C. (DJe de 10.05.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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