1VRP/SP: Registro de Imóveis. Hipoteca. Percepção. 30 anos.

Processo 1037131-51.2021.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1037131-51.2021.8.26.0100

Processo 1037131-51.2021.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Roberto Mauricio – – Teresa Maria da Silveira Mauricio – Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado por Mauro Peres, em face do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: MIGUEL DARIO DE OLIVEIRA REIS (OAB 111133/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1037131-51.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: Roberto Mauricio e outro

Requerido: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vivian Labruna Catapani

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Roberto Mauricio e Teresa Maria da Silveira Mauricio em face do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, pretendendo o cancelamento de hipoteca constante na matrícula nº 53.413 daquela serventia, por força de perempção.

Relatam que há hipoteca constituída sobre o imóvel, datada de 22.04.1999, cujo registro tem por base escritura lavrada pouco antes, em 08 de abril. Sustentam que as hipotecas pactuadas na vigência do Código Civil de 2002, antes da alteração do art. 1.485 pela Lei nº 10.931/2004, extinguir-se-ão em vinte anos, de acordo com a lei do tempo de sua constituição, visto que inovações legislativas não afetam direitos sujeitos a prazo de decadência. Juntaram os documentos de fls. 7/40.

O Registrador manifestou-se à fl. 44, anexando a documentação de fls. 45/52.

Aduz que, ao contrário do alegado, a hipoteca fora registrada sob a égide do Código Civil de 1916, que, em seu art. 817 c.c. 830, previa o prazo de validade de 30 anos do gravame quando não renovada a especialização da hipoteca. Ressalta, ainda, que há na matrícula averbação de penhora do imóvel, determinada em execução civil movida pelo banco credor.

O Ministério Público ofertou parecer às fls. 56/58, opinando pelo indeferimento do pedido.

É o relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

Assiste razão ao Registrador, bem como ao membro do Parquet.

De acordo com a matrícula acostada às fls. 45/50, por meio de escritura lavrada em 08 de abril de 1999, os requerentes deram em hipoteca o imóvel ali versado em benefício do Banco Luso Brasileiro S/A, como garantia de obrigações assumidas por Romatel Indústria e Comércio de Equipamentos Eletrônicos Ltda. (R. 04 fl. 46). Posteriormente (Av. 08 fl. 48), consta a penhora do bem, constituída a partir de certidão judicial expedida em 17.09.2012, pela 4ª Vara Cível do Foro Regional Lapa, emitida por determinação exarada nos autos de execução civil movida pelo credor hipotecário.

À época em que firmada a hipoteca (1999), o prazo de validade da garantia era regido pelo art. 817 do Código Civil de 1.916, cuja redação, trazida pela Lei nº 5.652/70, estabelecia o lapso de 30 anos, contados da data do contrato. O dispositivo previa, também que, perfazendo-se esse prazo, o gravame só subsistiria se houvesse nova inscrição que o reconstituísse.

É esse prazo decadencial de trinta anos, ainda em curso, que se aplica ao caso, porquanto vigente no momento em que se pactuou a garantia, bem como por refletir os termos atuais do art. 1.485 do CC/02.

Não há que se cogitar a incidência do prazo de vinte anos, que prevaleceu no período compreendido entre a entrada em vigor do Código Civil de 2002, em janeiro de 2003, e a edição da Lei nº 10.931/2004, visto que nem mesmo a redação do art. 2.028 do CC permitiria tal conclusão (eis que não decorrido mais da metade do prazo antigo quando da entrada em vigor do CC). Como os termos a quo e final do prazo não se efetivaram naquele curto período de modificação legislativa, a regra a ser contemporizada é aquela hoje inserta no diploma legal, a saber:

Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.

De tal modo, não se verifica o implemento da perempção, o que, por si só, afasta a possibilidade de cancelamento da hipoteca nos moldes pretendidos.

No mais, considerando que a penhora averbada no final da matrícula indica a judicialização da dívida garantida, há mais um motivo para negar o pedido. Como se extrai de precedente da E. Corregedoria Geral da Justiça: “Exercido o direito de ação pelo credor hipotecário, não é possível reconhecer neste procedimento administrativo unilateral, do qual referido credor não participa, a perempção da garantia e a conseqüente inexistência do direito real por aquele invocado na via jurisdicional” (Processo CG nº 189/2005, parecer elaborado pela MM. Juíza Fátima Vilas Boas Cruz em 28.04.2005).

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado por Mauro Peres, em face do Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de maio de 2021.

Vivian Labruna Catapani

Juíza de Direito (DJe de 13.05.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Emolumentos – Tabelião de Protesto de Letras e Títulos – Solicitação de isenção dos emolumentos devidos pelo cancelamento de protesto – Natureza jurídica dos emolumentos que impede a concessão de isenção em hipóteses não previstas em lei – Recurso não provido.

Número do processo: 1050132-74.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 679

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1050132-74.2019.8.26.0100

(679/2019-E)

Emolumentos – Tabelião de Protesto de Letras e Títulos – Solicitação de isenção dos emolumentos devidos pelo cancelamento de protesto – Natureza jurídica dos emolumentos que impede a concessão de isenção em hipóteses não previstas em lei – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso de apelação interposto por REDPAR CONSTRUTORA E INCORPORADORA EIRELI contra r. decisão da MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 6º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos da Comarca da Capital, que negou isenção dos emolumentos devidos para o cancelamento de protesto de título, por ausência de previsão legal (fls. 35/39).

A recorrente alega, em síntese, que não há previsão legal que autorize atribuir aos emolumentos natureza tributária. Assevera que os emolumentos não se confundem com taxa devida pela prestação de serviço público. Ademais, tabeliães de protesto não prestam os serviços a que se referem o art. 79 do Código Tributário Nacional. Aduz que não utilizou e não se beneficiou do protesto do título, em que figurou como devedor, não podendo ser considerado “usuário” do serviço para efeito de sujeição ao pagamento de emolumentos (fls. 46/48).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 58/60).

Opino.

O art. 236 da Constituição Federal dispõe que os serviços extrajudiciais de notas e de registro são prestados mediante outorga pelo Poder Público e remunerados na forma de emolumentos:

“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

(…)

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro”.

As regras gerais para a incidência dos emolumentos são fixadas na Lei nº 10.169/2000, que não prevê a possibilidade de isenção com fundamento na tutela concedida à livre iniciativa, ou na proteção da função social previstas no art. 170 da Constituição Federal que foi invocado pela recorrente no pedido inicial (fls. 01/04).

Igual ocorre com a Lei Estadual nº 11.331/2002, que fixa os valores dos emolumentos vigentes no Estado de São Paulo e as hipóteses de isenção, o que faz em rol taxativo:

“Artigo 8º – A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinadas ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça.

Parágrafo único – O Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.

Artigo 9º – São gratuitos:

I – os atos previstos em lei;

II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo”.

Por outro lado, o Eg. Supremo Tribunal Federal fixou a orientação de que os emolumentos têm natureza tributária, como a seguir se verifica:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei nº 174/1994 do Estado do Amapá. Isenção de emolumentos. Natureza tributária de “taxa”. Tributo estadual. 3. Alegação de ofensa ao art. 22, XXV, da Constituição Federal. Inocorrência. Diploma normativo que concede isenção de emolumentos não ofende competência privativa da União para legislar sobre registros públicos. 4. Ação direta julgada improcedente” (ADI 1148, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 02/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 25-11-2015 PUBLIC 26-11-2015);

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: NATUREZA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. ALÍQUOTA: LIMITE. Lei 7.550, de 2001, do Estado de Mato Grosso. I. – As custas e os emolumentos são espécie tributária, são taxas. Precedentes do STF. II. – Inconstitucionalidade da Nota 1 (um) ao item 7 (sete) da Tabela “A” e da Nota 1 (um) ao item 27 (vinte e sete) da Tabela “C”, anexas à Lei 7.550/01, do Estado de Mato Grosso, porque ostentam base de cálculo própria de imposto, assim ofensivas ao disposto no art. 145, § 2º, da Constituição Federal. III. – As alíquotas dos emolumentos, no caso, porque não excessivas e porque têm um limite, não são desproporcionadas ao custo do serviço que remuneram. IV. – Inocorrência, na hipótese, do fenômeno da inconstitucionalidade por “arrastamento” ou “atração”. V. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, em parte” (ADI 2653, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/2003, DJ 31-10-2003 PP-00014 EMENT VOL-02130-02 PP-00229).

Ante sua natureza tributária, não é possível a concessão de isenção dos emolumentos além das hipóteses previstas em lei, ou em desconformidade com a isonomia entre os contribuintes. Nesse sentido:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 240 DA LEI COMPLEMENTAR 165/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS AOS MEMBROS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

I – A Constituição consagra o tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem na mesma situação, vedando qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida (art. 150, II, CF).

II – Assim, afigura-se inconstitucional dispositivo de lei que concede aos membros e servidores do Poder Judiciário isenção no pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais.

III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar 165/199 do Estado do Rio Grande do Norte” (ADI 3334, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2011, DJe-064 DIVULG 04-04-2011 PUBLIC 05-04-2011 EMENT VOL-02496-01 PP-00035 RTJ VOL-00220-01 PP-00145).

Por essas razões, não se mostra possível, na esfera administrativa, o reconhecimento da isenção de emolumentos fora das hipóteses previstas em lei.

Por fim, o fato da recorrente não ser o apresentante do título, mas nele figurar como devedor, não afasta sua responsabilidade pelo pagamento dos emolumentos que, na forma do item 6, “b”, da Tabela IV da Lei Estadual nº 11.331/2002, são devidos para o cancelamento do protesto:

“6 – A apresentação a protesto, de títulos, documentos de dívidas e indicações, independe de prévio depósito dos valores dos emolumentos e de qualquer outra despesa, cujos valores serão pagos pelos respectivos interessados no ato elisivo do protesto ou, quando protestado o título, no ato do pedido do cancelamento do respectivo registro ou no da sustação judicial definitiva de seus efeitos, salvo na sustação judicial do protesto que serão cobrados do sucumbente quando tornada em caráter definitivo, hipóteses em que serão observados para o cálculo, cobrança e recolhimentos, os seguintes critérios:

(…)

b – por ocasião do pedido do cancelamento do protesto ou da determinação judicial da sustação definitiva do protesto ou de seus efeitos, com base nos valores da tabela e das despesas em vigor na data em que ocorrer os respectivos recebimentos, hipóteses em que, para fins do cálculo, será considerada a faixa de referência do título da data de sua protocolização para protesto;” (grifei).

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 02 de dezembro de 2019.

STEFÂNIA COSTA AMORIM REQUENA

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 03 de dezembro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: ANTONIO JOSÉ WAQUIM SALOMÃO, OAB/SP 94.806.

Diário da Justiça Eletrônico de 24.01.2020

Decisão reproduzida na página 010 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

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Recurso Especial – Compromisso de compra e venda de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia – Ação de rescisão contratual por desinteresse exclusivo do adquirente – Cláusula de alienação fiduciária em garantia – Ausência de registro – Garantia não constituída – Venda extrajudicial do bem – Desnecessidade – Recurso especial não provido – 1. Em relação a suposta vulneração dos arts. 389 e 396, do Código Civil, observa-se que os argumentos suscitados pelo recorrente encontram-se dissociados do quanto decidido pelo Tribunal de origem, revelando deficiência na fundamentação do especial, a impedir a exata compreensão da controvérsia. Incide, portanto, a Súmula 284/STF nesse ponto – 2. “Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.” (REsp 1.835.598/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021) – 3. Recurso especial não provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1876517 – SP (2020/0124806-1)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : FLECHE PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS LTDA

RECORRENTE : URBPLAN DESENVOLVIMENTO URBANO S/A – EM

RECUPERACAO JUDICIAL

RECORRENTE : AGROPASTORIL GB LTDA

ADVOGADOS : AIRES VIGO – SP084934

GUSTAVO CLEMENTE VILELA – SP220907

GUSTAVO PINHEIRO GUIMARÃES PADILHA – SP178268A

VANESSA TREVILATO E OUTRO(S) – SP321577

SOC. de ADV : AIRES VIGO ADVOGADOS

RECORRIDO : BONYTAINER RODRIGUES MARTINS

RECORRIDO : WILLIAM LUCAS FERREIRA DE MELO

ADVOGADO : PAULO BOCCA HENRIQUES MENDES DE OLIVEIRA – SP352074

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL POR DESINTERESSE EXCLUSIVO DO ADQUIRENTE. CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. GARANTIA NÃO CONSTITUÍDA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Em relação a suposta vulneração dos arts. 389 e 396, do Código Civil, observa-se que os argumentos suscitados pelo recorrente encontram-se dissociados do quanto decidido pelo Tribunal de origem, revelando deficiência na fundamentação do especial, a impedir a exata compreensão da controvérsia. Incide, portanto, a Súmula 284/STF nesse ponto.

2. “Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.” (REsp 1.835.598/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021)

3. Recurso especial não provido.

DECISÃO 

1. Trata-se de recurso especial interposto por FLECHE PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS LTDA E OUTRA, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (fl. 1452):

APELAÇÃO – COMPRA E VENDA COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA RESOLUÇÃO CONTRATUAL MOTIVADA PELO ADQUIRENTE PROCEDÊNCIA – INCONFORMISMO DAS RÉS ACOLHIMENTO EM PARTE Deve ser reconhecida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ainda que adquirido o imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia – Propriedade não consolidada em nome da vendedora e credora fiduciária – Afastada a tese de impossibilidade da rescisão do contrato, com base na submissão a regime jurídico específico da Lei 9.514/97 Adquirente que solicitou a rescisão antes de ser constituído em mora Direito potestativo de o adquirente pleitear o desfazimento do contrato com restituição das quantias pagas – Restituição das partes ao estado anterior – Devolução dos valores pagos, com retenção Afastada a devolução de 90% dos valores pagos – Caso concreto que demonstra ser razoável a retenção de 20% dos valores pagos a título de indenização pelas despesas geradas, segundo entendimento do STJ e precedentes desta C. Câmara Inadmissíve l a determinação de retenção de eventuais dívidas relativas a taxas de consumo, IPTU e associação, diante da inovação recursal sobre o assunto, cuja existência de débitos a cargo dos compradores sequer foi demonstrada – Juros de mora Modificação do termo inicial – Encargo que deve ser computado a partir do trânsito em julgado, pois a resolução do contrato decorreu da inadimplência do comprador Tese firmada pelo STJ (Tema 1002) – DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Nas razões do recurso especial (fls. 1462-1474), aponta a parte recorrente ofensa ao disposto nos arts. 389 e 396, do Código Civil, arts. 26, 27 e 29, da Lei nº 9.514/1997.

Em apertada síntese, sustenta a inexistência de inadimplemento por parte da recorrente, uma vez que “por se tratar de empreendimento regido pela Lei de Loteamento, além do prazo estipulado pela municipalidade, existe a possibilidade de prorrogação das obras de infraestrutura até o limite legal da Lei de Loteamento (6.766/1979, arts. 9° e 18, V), isto é, 4 (quatro) anos.”

Alega que “o v. acórdão recorrido evidentemente negou vigência aos artigos 27 e 29 da Lei 9.514/97 que (…) contempla expressamente as hipóteses de extinção do contrato no caso de inadimplemento dos Recorridos, não havendo que se falar em rescisão com devolução integral das parcelas, tal como fixado na r. sentença e mantido pelo v. acórdão. Isso porque, nos termos do art. 26 da Lei 9.514/97 não havendo a purgação da mora, deverá ocorrer a consolidação da propriedade em nome da empresa Recorrente. Ademais, no caso da alienação fiduciária, a parte Recorrida deve proceder com a venda do lote em leilão público para pagamento da dívida contraída, tal qual como é o procedimento previsto no expressamente no art. 27 da lei 9.514/97.”

Contrarrazões ao recurso especial às fls. 1550-1561.

É o relatório.

DECIDO.

2. Inicialmente, em relação a suposta vulneração dos arts. 389 e 396, do Código Civil, observa-se que os argumentos suscitados pelo recorrente encontram-se dissociados do quanto decidido pelo Tribunal de origem, revelando deficiência na fundamentação do especial, a impedir a exata compreensão da controvérsia.

É pacífico o entendimento desta Corte de Justiça no sentido de ser inadmissível o recurso especial que apresenta razões dissociadas do quadro fático e das premissas jurídicas expostos no acórdão recorrido. Incide, portanto, a Súmula 284/STF nesse ponto.

3. Em relação à aplicação dos artigos 26 e 27 da Lei n. 9.514/1997, restou consignado no acórdão recorrido (fls. 1454-1455):

A aquisição por meio de contrato com cláusula resolutiva de alienação fiduciária não impede a incidência do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que não for incompatível com a legislação específica.

No caso dos autos, nada obstante as partes tenham pactuado alienação fiduciária em garantia, bem é de se ver que os compradores pediram o desfazimento do negócio antes de se tornar inadimplentes, comunicando a impossibilidade do pagamento do preço.

O art. 26 da citada lei determina que “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário”. E ainda o art. 27 estabelece que “uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o parágrafo sétimo do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel”.

Ora, os autores informaram a dificuldade econômica para prosseguir com o negócio e manifestaram sua pretensão de resolver o contrato, de modo que sequer houve a constituição em mora e a consolidação da propriedade em nome da credora fiduciária.

Certo é que obrigar o comprador a aguardar o decurso de todos os prazos, ao exclusivo arbítrio da vendedora (a quem cabe o envio da notificação para constituição em mora), enquanto os encargos moratórios somente agravam a dívida, constitui flagrante prejuízo à parte aderente, o que impõe sejam afastadas as regras da legislação específica, a fim de privilegiar o interesse da parte vulnerável na relação.

Analisada a contrario sensu a jurisprudência do STJ, verifica– se a perfeita aplicabilidade da legislação consumerista em detrimento da Lei de Alienação Fiduciária aos casos em que o adquirente pede a rescisão do contrato antes de se tornar inadimplente e de consolidada a propriedade da credora fiduciária. Nesse sentido:

[…]

Por conseguinte, apesar de impositiva a aplicação do procedimento previsto nos artigos 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997, na hipótese de inadimplência do adquirente, no caso dos autos, repita-se, o pedido de rescisão se deu antes da constituição em mora e consolidação da propriedade.

Além do mais, não foi juntada a matrícula do imóvel para comprovar a alegação da ré de que a alienação fiduciária foi devidamente registrada.

Da análise do acórdão recorrido, observa-se que a Corte originária consignou que a parte ré não comprovou que o contrato foi levado a registro. Dessa forma, não se constituiu a propriedade fiduciária mediante registro do respectivo instrumento contratual no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 23 da Lei n. 9.514/1997.

A respeito da matéria em discussão, a Terceira Turma, por maioria, no julgamento do REsp n. 1.835.598/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, em 9/2/2021, consignou que, “no regime especial da Lei 9.514/97, o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem”. Acrescentou que, “na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor”.

Confira-se a ementa:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. GARANTIA NÃO CONSTITUÍDA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. DESNECESSIDADE.

1. Ação ajuizada em 01/08/2017. Recurso especial interposto em 27/05/2019 e concluso ao Gabinete em 03/09/2019. Julgamento: CPC/2015.

2. O propósito recursal consiste em dizer se a previsão de cláusula de alienação fiduciária em garantia em instrumento particular de compra e venda de imóvel impede a resolução do ajuste por iniciativa do adquirente, independentemente da ausência de registro.

3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais a Lei 9.514/97, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis.

4. No regime especial da Lei 9.514/97, o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem.

5. Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor.

6. Recurso especial conhecido e não provido.

(REsp 1.835.598/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 09/02/2021, DJe 17/02/2021)

Ademais, conforme consignado no voto proferido no recurso especial acima mencionado, “independentemente da parte que tenha dado causa à ausência do registro, é certo que a garantia não se constituiu, não sendo cabível, portanto, a submissão do adquirente ao procedimento de leilão previsto no art. 27 da Lei 9.514/97”.

Desse modo, verifica-se que o julgado recorrido encontra-se em harmonia com o precedente retrocitado, razão pela qual não merece reforma.

4. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

Havendo nos autos prévia fixação de honorários de advogado pelas instâncias de origem, determino a sua majoração, em desfavor da parte Recorrente, no importe de 10% sobre o valor já arbitrado, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados, se aplicáveis, os limites percentuais previstos nos §§ 2.º e 3.º do referido dispositivo legal, bem como eventual concessão da gratuidade da justiça.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 24 de abril de 2021.

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.876.517 – São Paulo – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 04.05.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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