Sócio de Serviços e Beneficiário de Vesting – Aspectos de sua adoção por Sociedades Limitadas


  
 

Ao disciplinar a integralização de quotas da sociedade limitada, o art. 1.055, § 2 º do Código Civil determina que “é vedada contribuição que consista em prestação de serviços”.

Por essa razão, as sociedades que são do tipo por quotas de responsabilidade limitada (Ltda.) não podem aderir à figura do sócio de serviços diretamente em seu contrato social ou a partir dos termos e condições de um contrato de vesting.

No caso das sociedades por ações, também conhecidas como sociedades anônimas, que não contam com essa vedação, o mesmo Código Civil determina que o contrato social mencione as prestações a que se obriga o sócio cuja participação consista em serviços (art. 997, V).

Já nas sociedades limitadas, a despeito de discussões acerca da regência supletiva do contrato social dessas sociedades pelas normas da sociedade anônima, “não é admissível a constituição de um sócio fundada, nem parcialmente, na prestação de seus serviços, visto que se mantém, aqui, uma única categoria de sócios, todos chamados a vincular os valores investidos na pessoa jurídica à satisfação dos credores, limitando sua responsabilidade a tanto. É proibida, por isso, a inclusão na sociedade limitada, de sócio de serviço.[1]

Por conta dessas regras, tais sociedades não logram estabelecer relacionamento societário entre a empresa e um investidor interessado tão somente a partir do chamado contrato de vesting, que consiste num contrato de investimento, onde as partes (a empresa e o beneficiário do vesting) combinam metas relacionadas aos serviços que este fornece à sociedade. Essas metas, ao serem atingidas pelo beneficiário dentro de um cronograma, em períodos chamados de Cliff (pontos de virada, momentos de quebra ou “saltos”), quando se implementam, conferem ao beneficiário o direto de adquirir um percentual maior da participação societária na empresa.

Trata-se de um modo de aquisição paulatina da participação societária que culmina no momento do vesting, quando o investidor “veste” o direito de exercer a opção de compra da participação societária total que ficou previamente estabelecida, passando a deter e exercer os direitos inerentes à posição de sócio no empreendimento.

Ou seja, são estabelecidas no contrato as condições da aquisição do direito de sócio (posição acionária futura), bem como as metas de desempenho e as condições dessa prestação de serviço, e em contrapartida ao cumprimento de determinados serviços e da realização de metas de desempenho, é conferida ao investidor a opção de “vestí-las” dentro do prazo pactuado para o exercício do direito de ingressar no quadro societário.

Por conta das características deste contrato, comentando o art. 1.055, § 2 º do Código Civil, a doutrina é assertiva quanto à sua não aderência para as sociedades limitadas:

Tal vedação acaba por impossibilitar a utilização do vesting em sociedades limitadas no Brasil, uma vez que a quota será adquirida em decorrência de critérios de produtividade decorrentes dos serviços prestados pelo empregado ou administrador em benefício da sociedade; ou seja, a contribuição para a integralização da quota acabará por decorrer da prestação de serviços, o que é expressamente vedado pelo referido artigo 1.055, § 2 º do Código Civil.

A sociedade anônima é o tipo societário mais adequado para o vesting.[2]

Outros reputados autores situam o vesting como uma modalidade de Stock Options, dada a possibilidade de se adquirir participação societária por um valor específico, a partir da obtenção de metas definidas e durante certo prazo de tempo.[3]

De todo modo, por conta do que determina o já mencionado § 2º do art. 1.055 do estatuto civil, diante da informação de que a integralização do cotista de uma sociedade limitada consistiu exclusivamente na prestação de serviços, o registro do ato constitutivo ou da alteração ao contrato social deverá ser obstado pelos órgãos de registros públicos de empresas, já que o Manual de Registro de Sociedade Limitada, aprovado pela Instrução Normativa DREI nº 81, de 2020, reproduz essa mesma regra.

A despeito dessa impossibilidade, a legislação societária abre espaço para que esse beneficiário, sem prejuízo de sua contribuição baseada em serviços, integralize valor diminuto para permitir seu ingresso no quadro de sócios da sociedade limitada, caso não disponha de recursos para uma integralização mais robusta em dinheiro ou em outros bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, conforme revela autorizada doutrina quando trata dos aspectos societários da constituição de uma empresa startup[4]:

A lei expressamente veda a contribuição ao capital social da sociedade limitada com serviços (art. 1.055, § 2º, do Código Civil). No âmbito das startups, esse aspecto se torna relevante, porque é bastante comum que um ou mais dos sócios fundadores detenham apenas o conhecimento técnico relativo à ideia inovadora e, portanto, contribuam apenas com o seu trabalho para o desenvolvimento do projeto, não dispondo de recursos para aportar ao capital da sociedade. Considerando-se que a lei societária não determina participações mínimas, é possível que esse sócio adquira participação minoritária no capital social da sociedade limitada, figurando como sócio minoritário, mas participe dos lucros de maneira desproporcional à sua participação, desde que observados todos os limites legais para tanto, para que sejam afastados os riscos de ser configurado abuso de direito ou desvio de finalidade.[5]

A autora lembra que o mesmo Código Civil permite, em seu art. 1007, a distribuição desproporcional de lucros nas sociedades limitadas, desde que expressamente prevista no contrato social, afastando assim a regra geral de que quanto maior o valor das cotas sociais maior é a participação nas receitas ou nos prejuízos da empresa.

Assim, diante da ausência de recursos e da impossibilidade de se capitalizar no mercado, por exemplo, para um aporte mais considerável no capital social, a legislação desvela essa alternativa para o ingresso de empreendedores com essas características no quadro societário do empresa, sabendo-se que esse tipo de relacionamento entre empreendedores e empresas investidas é bastante comum, sobretudo, no ecossistema das startups.

[1] Marcelo Fortes Barbosa Filho in Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002, Cezar Peluso (coord.), 13ª ed. rev. e atual., Barueri: Manole, 2019, p. 1018.

[2] O contrato de vesting, Fabrício Vasconcelos de Oliveira e Amanda Maia Ramalho, Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 69, pp. 183 – 200, jul./dez. 2016

[3] Legal Talks: Startups à luz do direito brasileiro. [recurso eletrônico] / Anna Fonseca Martins Barbosa; Eduardo Goulart Pimenta; Maurício Leopoldino da Fonseca (Orgs.), Porto Alegre, Editora Fi, 2017, p. 139

[4] Considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva. (Lei Complementar nº 123/2006 – Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, com relação dada pela Lei Complementar nº 167/2019)

[5] Amanda Vicentini Rodrigues in Manual de direito para startups, Erik Frederico Oioli (coord.), 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters, 2020, p. 37-38.

Fonte: SERAC.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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