Pedido de providência – Alienação fiduciária em garantia – Pedido de consolidação da propriedade pelo credor – Existência de ordem judicial de indisponibilidade de bens que recaiu sobre o devedor – Inexistência de obstáculo, pois a indisponibilidade recai sobre os direitos do fiduciante – Recurso conhecido mas não provido.


  
 

Número do processo: 1117050-60.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 128

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1117050-60.2019.8.26.0100

(128/2020-E)

Pedido de providência – Alienação fiduciária em garantia – Pedido de consolidação da propriedade pelo credor – Existência de ordem judicial de indisponibilidade de bens que recaiu sobre o devedor – Inexistência de obstáculo, pois a indisponibilidade recai sobre os direitos do fiduciante – Recurso conhecido mas não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo apresentado pelo Ministério Público contra decisão de procedência da Juíza Corregedora Permanente em pedido de providência formulado pelo Oficial do 10.º Registro de Imóveis da Capital, determinando a averbação de consolidação da propriedade do imóvel matriculado sob nº 122.107, em virtude do inadimplemento da devedora fiduciante Claudia Oliveira Peres Leskovar Borelli.

O recorrente sustenta que na alienação fiduciária credor e devedor tornam-se titulares de direitos reais sobre a Unidade alienada, tendo o credor fiduciário a propriedade resolúvel do bem e a devedora fiduciante o direito real de aquisição do imóvel, portanto, a indisponibilidade afetaria os direitos economicamente relevantes da fiduciante.

A Procuradoria opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

OPINO.

Salvo melhor juízo de Vossa Excelência, o recurso não merece acolhimento.

O tema já foi objeto de apreciação pela E. Corregedoria Geral da Justiça, todavia, respeitosamente, acreditasse que a solução a ser adotada deve ser diversa.

Em oportunidades anteriores já se decidiu:

REGISTRO DE IMÓVEIS – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL – CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA CREDORA FIDUCIÁRIA, EM FACE DA REGULAR INTIMAÇÃO E DA MORA DOS DEVEDORES FIDUCIANTES – AVERBAÇÕES DE INDISPONIBILIDADES CONTRA OS FIDUCIANTES, QUE IMPEDEM A CONSOLIDAÇÃO – NECESSIDADE DE LEVANTAMENTO MEDIANTE ORDEM DOS JUÍZOS DE ONDE EMANARAM – RECURSO DESPROVIDO. (Processo nº 164.424/2015, Parecer nº 448/2015-E, aprovado em 04/12/2015; Processo nº 164.424/2015, Parecer nº 418/2015-E, aprovado em 28/10/2015, ambos do Cor. Des. Xavier de Aquino)

Entretanto, adentrando na análise do modelo idealizado pela Lei nº 9.514/97 para alienação fiduciária, não parece existir óbice algum ao ato de consolidação da propriedade em favor do credor, desde que observado o procedimento legal – pois a indisponibilidade não atinge especificamente o bem imóvel objeto do contrato, mas os direitos reservados ao devedor.

Dispõe o art. 22, da Lei nº 9.514/97: a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Conforme ensina Melhim Namem Chalhub “com o registro do contrato de alienação fiduciária, o credor torna-se titular do domínio resolúvel sobre a coisa objeto da garantia, permanecendo sob seu domínio até que o devedor pague a dívida. O bem, assim, é excluído do patrimônio do devedor, só retornando a ele após o cumprimento da obrigação garantida.” (Alienação Fiduciária – Negócio Fiduciário, 5ª ed., Ed. Forense, pág. 239).

O bem objeto de alienação fiduciária não encontra-se no patrimônio do devedor até quitação da dívida firmada entre as partes. Assim, mostra-se equivocado impedir a consolidação da propriedade outrora resolúvel em definitivo em favor do credor sob o argumento de existir ordem de indisponibilidade.

A ordem de indisponibilidade deve atingir, salvo decisão judicial especifica de afetação, patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos (art. 2º, Prov. Nº 3/2014) do devedor.

Como decidido pela Juíza Corregedora (fl. 114/120): “O devedor fiduciante detém uma expectativa de direito, ou seja, adimplindo as prestações, passará a exercer o domínio sobre o imóvel. Coaduno com o entendimento da instituição financeira e do Registrador no aspecto de que a indisponibilidade, que grava matrícula do imóvel em nome do devedor, recai somente sobre a possibilidade daquele que teve os bens constritos de dispor. Como o fiduciante detém apenas a expectativa de direito e não a propriedade do bem em si, consequentemente já não poderia dele dispor. O entendimento de que a indisponibilidade na matrícula obsta a consolidação da propriedade vai de encontro ao conceito do próprio instituto da alienação fiduciária, pois não há como a indisponibilidade recair sobre o próprio bem se o devedor não detém a propriedade plena do imóvel. Logo, é incabível que tal gravame se estenda ao credor fiduciário e até mesmo aos demais credores que buscam no patrimônio do devedor a satisfação de suas obrigações”.

Em reforço, vale trazer à baila posição atual da Jurisprudência sobre o não alcance das ordens judiciais de constrição de bens contra o executado (devedor) em relação as propriedades resolúveis oriundas de alienação fiduciária em favor dos credores fiduciários:

Agravo de Instrumento – Decisão que indeferiu o levantamento de indisponibilidade sobre bem imóvel alienado fiduciariamente – Impossibilidade – Alienação fiduciária anterior à citação do devedor na ação civil pública, bem como, à determinação de indisponibilidade – Ausência de comprovação da má-fé – Constrição que deve recair sobre os direitos derivados da alienação fiduciária – Decisão reformada Recurso provido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2033445-14.2019.8.26.0000, Comarca: Ubatuba, Agravante: BANCO TRICURY S.A. Agravado: MUNICÍPIO DE UBATUBA, Rel: Drº Jefferson Moreira de Carvalho).

EMBARGOS DE TERCEIRO – PENHORA SOBRE IMÓVEL GRAVADO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – Bem imóvel objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execução, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídica. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZAÇÃO – Bem adquirido pela embargante após o ajuizamento da ação e da citação, porém, antes do registro da constrição da matrícula correspondente – Ausência de averbação imobiliária de gravame que onerava o bem alienado – Presunção de boa-fé que milita em favor do adquirente, que não tinha conhecimento da existência da demanda capaz de levar os alienantes ao estado de insolvência Boa-fé não elidida – Necessidade de prova de má-fé do terceiro, ônus do qual a Fazenda Estadual não se desincumbiu – Súmula 275 do Superior Tribunal de Justiça. – Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Leonel Costa, Apelação nº 0001493-72.2015.8.26.0103, j.13/12/2017).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DESPESAS CONDOMINIAIS – COBRANÇA – Indeferimento do pedido de desconstituição de penhora incidente sobre o próprio bem, o qual é objeto de alienação fiduciária em garantia em favor da instituição financeira agravante – Conforme entendimento jurisprudencial a penhora deve recair sobre os direitos que o executado possui sobre o bem, e não sobre o próprio bem que originou a dívida condominial – Recurso provido. (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cláudio Hamilton, Agravo de Instrumento nº 2025585-59.2019.8.26.0000, j. 25/04/2019).

Pelo todo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo não provimento do recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 18 de março de 2020.

Alberto Gentil de Almeida Pedroso

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 20 de março de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: RICARDO RAMOS BENEDETTI, OAB/SP 204.998.

Diário da Justiça Eletrônico de 11.05.2020

Decisão reproduzida na página 044 do Classificador II – 2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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